Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2125/20.7T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO FERNANDO SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
PONDERAÇÃO DOS PREJUÍZOS DA SUSPENSÃO
ECONOMIA PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, N.º 1, E 272.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – Existe relação de prejudicialidade entre acção na qual se pede o pagamento da prestação convencionada em contrato de seguro em virtude de óbito do tomador, e na qual foi invocada cláusula que excluía tal pagamento em função as condições do óbito, e acção na qual se pede a declaração de exclusão ou de nulidade de tal cláusula.

II – No entanto, a suspensão da acção dependente não se justifica atenta a sua fase (julgamento) e a dilação que provoca, à luz ainda da circunstância de a questão prejudicial poder ter sido invocada na acção dependente.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Relator: António Fernando Silva
1.º Adjunto: Falcão Magalhães
2.ª Adjunta: Teresa Albuquerque


Proc. 2125/20.7T8VIS.C1

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            A presente acção foi intentada por AA contra Ocidental-Companhia Portuguesa de Seguros de Vida S.A..

Alegou para tanto, sucintamente, que:

- a autora e o falecido marido adquiriram uma fração autónoma, tendo-se para o efeito socorrido de empréstimo bancário garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel adquirido;

- celebraram também um contrato de seguro de vida com a R., de forma a garantir em caso de morte dos mutuários a liquidação do montante em dívida;

- o marido da A. faleceu em ../../2017, em ..., ..., para onde tinha viajado;

- o falecido celebrou vários contratos de seguro, incluindo, além do referido contrato de seguro de crédito habitação (certificado ...41 - Apólice ...90), um seguro de Proteção Viagem Individual (apólice ...39);

- a R. recusa-se a pagar o capital em divida quanto ao primeiro contrato de seguro, e a devolver os valores pagos pela A., considerando que resolveu validamente o contrato de seguro;

- a A. tentou obter o cumprimento do segundo contrato de seguro, mas a R. não lhe deu resposta quando interpelada para proceder ao pagamento do capital seguro e despesas como as de transladação;

- a A. apenas dispõe de informação, quanto a este seguro, relativa ao capital seguro de 30.000 euros;

- a A. também não devolve o valor entretanto pago pela A. quanto a este segundo contrato.

Terminou pedindo a condenação da R. a:

A) Relativamente ao SEGURO DE VIDA ASSOCIADO AO CRÉDITO HABITAÇÃO:

I. Proceder à liquidação do empréstimo bancário capital de cobertura base e adicionais que se encontre em divida (sendo que à data do óbito estava em divida e seguro pela Ré a quantia de €31.745,55, atualmente € 28.037,17) no valor a calcular na sentença atentas as prestações vincendas que a autora ainda venha a pagar.

II. Em consequência declarar extinta a obrigação da Autora;

III. Bem como, condenar a Ré ao pagamento das despesas pagas pela Autora com as prestações, comissões, juros e seguros, mensais e sucessivas, pagas por débito bancário desde a data do óbito do de cujus, 12/04/2017 até efetivo e integral pagamento, sendo que, desde a data do óbito até à data da presente Petição inicial, já pagou a quantia de € 5.386,62; conforme estão elencadas nos artigos 35º, 36º, 37º e 38º e 60º a que deverão ainda acrescer as prestações, comissões, juros e seguros respeitantes aos meses de julho e novembro de 2019, e de Março e Abril e Maio de 2020,

IV. E ainda as prestações, comissões, juros e seguros que vierem a ser pagas, desde a propositura da presente ação até efetivo e integral pagamento do empréstimo bancário seguro;

B) Quanto ao SEGURO PROTEÇÃO VIAGEM INDIVIDUAL:

I. Pagar as despesas de trasladação do corpo do de cujos, melhor descritas no art.º 20 da presente PI no valor de € 3.474,94;

II. Proceder ao pagamento dos seguros pagos após a morte no montante de € 122,41, conforme discorrem os art.º 56º e 57º;

III. Proceder ao pagamento dos respetivos: capital de cobertura base e adicionais: €30.000,00.

C) Sobre todos os montantes a que a Ré venha a ser condenada devem ainda incidir os respetivos juros, à máxima taxa legal, a calcular sobre a data do óbito até efetivo e integral pagamento.

            A R. contestou, alegando que:

sob a designação «Da legitimidade passiva»:

- apenas celebrou o contrato de seguro a que corresponde o certificado ...41; os demais contratos de seguro não foram consigo celebrados, impugnando parte da alegação da A..

- não se encontram pagos, nem são devidos quaisquer prémios em relação àquele certificado a partir de 01.05.2017, data a partir da qual os que haviam sido pagos por referência a BB foram estornados, continuando-se a cobrar apenas os prémios para a cobertura do risco da A..

sob a designação «Da legitimidade activa»:

            - o beneficiário do seguro, em caso de morte, é o Banco Comercial Português, S.A. até ao montante em divida no empréstimo, com o limite do capital seguro, e pelo eventual remanescente do capital seguro os herdeiros legais e não a herança de BB, pelo que a A., desacompanhada dos restantes herdeiros carece de legitimidade, para instaurar a acção.

sob a designação «Por impugnação»:

            - além de impugnar a versão da A., aditou que BB faleceu por intoxicação alcoólica e associada ao uso de CC, o que é causa de exclusão do seguro, ao abrigo das Condições Contratuais, pelo que declinou a sua responsabilidade, mantendo-se como segurada apenas a A..

            - e que existiram comunicações entre a R. e advogada da A. onde tal situação foi explicitada.

A A. replicou, invocando que «A ré defende-se por exceção invocando factos impeditivos, modificativos e extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, que a proceder, levarão à absolvição total ou parcial do pedido, pelo que

Passa a impugnar:

I- DA ALEGADA ILEGITIMIDADE Passiva da Ré

- discutiu a identificação da R. nos contratos de seguro e a forma de celebração dos contratos, sustentando que todos os contratos foram celebrados com a R..

II- DA ALEGADA ILEGITIMIDADE ativa da autora:

- remetendo para o alegado nos artigos anteriores, sustentou, em especial, a sua intervenção com base na sua qualidade de cabeça-de-casal, em representação da herança.

III – DOS DOCUMENTOS:

Passou depois a impugnar os documentos juntos, mormente o documento que atestava a causa do óbito, por não respeitar a BB.

A R. respondeu, tendo:

- afirmado pretender fazer prova da genuinidade dos documentos impugnados,

- avaliado a conduta, nessa parte, da R., mormente quando nega que um dos documentos respeite ao de cujus.

- invocado dados relativos a inquérito criminal relativo à causas da morte do de cujus, de que a A. teria conhecimento.

- requereu a condenação da A. como litigante de má fé, e

- impugnou documento junto pela A..

            Foi depois proferido o seguinte despacho de aperfeiçoamento:

Lida a petição inicial entendemos que a mesma apresenta insuficiências que carecem de ser supridas, razão pela qual se impõe proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento.

Na verdade, e como bem nota a ré na sua contestação, nos pontos 5º a 7º da petição inicial a autora alega a existência de um contrato de seguro de vida sem, contudo e como deveria, o identificar (parecendo-nos no entanto que corresponde ao identificado no art. 25º A- a) da petição inicial) indicando o número da respectiva apólice e juntando-a, caso a possua.

Mais alega, em 8º, as pessoas seguras e o beneficiário sem, contudo, descrever as concretas condições contratadas, incluindo os riscos, coberturas e respectivos limites acordados.

Refere também, e em 9º, proceder ao pagamento do prémio do seguro sem indicar, no entanto, o valor a este título pago e a periodicidade com que o faz.

No mais, invocando embora a existência de vários seguros pessoais, em 25º, não juntou já as respectivas apólices, que se revelam essenciais para a boa decisão da causa.

Pelo exposto, por se tratarem de factos absolutamente relevantes para a decisão a proferir e ao abrigo do preceituado no art. 590º n.ºs 2 al. b) e 4 do Código de Processo Civil, convida-se a autora a vir aos autos, em 10 dias:

- identificar o contato de seguro referido – mormente informando, sendo o caso e como nos parece ser, que corresponde ao identificado em 25º A- a) – indicando e juntando a respectiva apólice;

- identificar as coberturas contratadas e respectivos limite;

- indicar o valor do prémio do seguro e a periodicidade do pagamento;

- juntar as apólices dos seguros alegados em 25º A-.

            Nessa sequência, a A. apresentou articulado no qual:

            - requereu a intervenção principal provocada, passiva, da Ocidental-Companhia Portuguesa de Seguros S.A., alegando que com esta foi celebrado o contrato de seguro apólice ...23.

            - sob o título «Das especificidades de cada seguro», indicaram as coberturas do Seguro de Proteção Viagem Individual, com a apólice ...39, e do Seguro de Proteção Acidentes Pessoais, com a apólice ...23, passando depois, sob o título «Da morte», a repetir no essencial a alegação da PI, com algumas omissões e alguns detalhes adicionais, aditando que não dispõem do original dos contratos assinados, juntando os documentos que as companhias de seguros lhes facultaram – parte do articulado que terminaram repetindo os pedidos formulados e indicando meios de prova.

            - passaram depois ao «aperfeiçoamento e suprimento das irregularidades dos articulados», tendo

            . indicado os elementos documentais de que dispõem

            . indicado as condições concretas contratadas e algumas das condições gerais relativas ao seguro vida, e bem assim o limite do capital seguro

. afirmado terem conhecimento de um contrato de seguro de Acidentes Pessoais e de um contrato de Seguro Proteção Viagem Individual, juntando os documentos que as companhias de seguros lhes facultaram

. indicado as especificidades do Seguro de Proteção Viagem Individual e do Seguro de Acidentes Pessoais – Proteção Pessoal Individual

. o valor pago a título de prémio de seguro de vida e periodicidade de pagamento

            Por fim, responderam à invocada litigância de má fé, sustentando que o documento em causa (laudo de exame cadavérico) não respeita efectivamente ao de cujus e que não estão reunidos os requisitos da litigância de má fé.

            DD e EE requereram a sua intervenção principal, na qualidade de herdeiros do de cujus, aderindo aos articulados da A..

            A R. respondeu ao articulado aperfeiçoado, salientando que a acção foi instaurada apenas contra si e reiterando o que já alegou.

A R. juntou certidão de peças de inquérito relativo ao óbito da A..

            Respondeu também ao pedido de intervenção principal, opondo-se.

            Foi admitida a intervenção principal activa de DD e EE.

            Foi indeferida a intervenção principal provocada passiva requerida.

            Fixado o valor da acção, foi declarada a incompetência em razão do valor do Juízo Local e ordenada a remessa dos autos ao Juízo Central.

            Realizada a audiência prévia, em 08.03.2022, operou-se nesta:

i. tentativa de conciliação, frustrada

ii. discussão sobre a posição das partes com vista à delimitação dos termos do litígio, verificando-se inexistirem insuficiência ou imprecisões na exposição da matéria de facto – art. 591º n.º1 al. c) do CPC

            iii. prolação de despacho que:

            remeteu a fixação do valor para anterior decisão.

            reconheceu a ilegitimidade passiva da R., relativamente aos pedidos de condenação elencados na P.I. sob a alínea B), absolvendo-a da instância.

            fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, nos quais se incluiu: «3. o conteúdo do clausulado a que aderiu o falecido FF nele se incluindo as cláusulas de exclusão do risco garantido» - sem reclamação.

            iv. apreciação dos requerimentos probatórios e designação de data para julgamento.

            Na data designada para julgamento, em 13.01.2023, foi suspensa a instância por acordo.

            Cessada aquela suspensão, em 10.04.2023 foi agendado julgamento para 09.05.2023, reagendado (por impedimento de Mandatário) em 17.04.2023 para 04.07.2023, novamente reagendado em 29.06.2023 para 03.11.2023 (sendo comunicada impossibilidade de comparência da A. AA na audiência, por doença, o Mmo. Juiz adiou o julgamento em virtude de impedimento da Mandatária).

            Vieram então os AA. requerer, em 23.10.2023, a suspensão da instância, alegando que estava pendente outra acção (proc. 2946/23....), instaurada em 29.06.2023, na qual pediam que «A cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro ser considerada excluída ou inexiste; Caso assim não se entenda, supletivamente “Que seja, a cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro, declarada nula por abusiva e contrária à boa-fé nos termos do art.º 12, 15 e 16 regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (adiante designado por LCCG), mais concretamente o DL 323/2001 vigente à data da celebração do contrato do seguro vida; • Serem as rés condenadas a cumprir pontualmente o contrato à luz do princípio pacta sunt servanda.”», sendo a cláusula ali em causa imprescindível para a apreciação da responsabilidade da R. nos presentes autos.

            Juntou cópia da PI, da qual resulta que invocam, em tal acção, a celebração do contrato de seguro a que corresponde a Apólice ...90, o óbito de BB (por suicídio) e a recusa da Ocidental-Companhia Portuguesa de Seguros de Vida SA em pagar por considerar ter resolvido o contrato de seguro. Em especial, alegaram nesta segunda acção que:

- a R. apresentou, na presente acção, «Contestação e para sua defesa de tentar excluir a sua responsabilidade, invoca escusas diversas e infundadas que os autores não aceitam e que motivam a presente ação».

- que a R. alegou «para o efeito – de escusa, de desresponsabilização, que a morte de BB foi o resultado do consumo de medicamentos misturados com álcool. Ora, (…), a causa mais provável da morte do de cujus, foi o resultado de um estado depressivo prolongado (…)» que conduziu ao seu «suicídio».

- as cláusulas que a R. invocou são «genéricas e de conteúdo pré-elaborado», «nunca foram devidamente explicadas à autora AA e ao seu falecido marido, pelo que devem ser consideradas excluídas do contrato de seguro (…) São por isso abusivas e nulas por violação do princípio da boa-fé à luz dos art.º 12, 15 e 16 regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais».

- «É totalmente inaceitável que o contrato permitisse a exclusão de responsabilidade da seguradora pela simples presença de álcool no sangue».

- «a autora, AA, e o de cujus, não foram devidamente informados quanto às cláusulas de exclusão de responsabilidade, nomeadamente quanto ao teor da cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro de vida».

- admitindo a entrega de «uma cópia das cláusulas à autora AA e ao marido BB», defendem que «os deveres de informação e esclarecimento não se podem considerar satisfeitos com a mera comunicação ao contraente, por parte da seguradora de uma cópia do clausulado e com a sua disponibilidade para esclarecimentos», e assim «a cláusula deve ser considerada excluída do contrato como refere o art.º 8 da LCCG».

A R. deduziu oposição, considerando, além da menção à existência de litispendência, que:

- a A. vem, em tal acção, fora de prazo e do lugar próprio invocar uma questão que já o não pode ser, pretendendo remediar o que só podia ter sido na presente acção: « era na presente acção que os Autores deviam ter levantado a questão do contrato de seguro e não na acção que foram depois instaurar», explicitando «Quer dizer: não invocaram, na presente acção, tudo o que deviam em sua defesa e querem agora remediar tal falha na noutra acção». Juntou ainda cópia da sua contestação, datada de 26.09.2023.

Os AA. juntaram requerimento no qual sucintamente afirmaram não existir litispendência e existir causa dependente a justificar a requerida suspensão, juntando cópia da réplica apresentada no proc. 2946/23.....

Na data designada para realização da audiência de julgamento foi proferido despacho a considerar prejudicada a sua realização até que a questão relativa à suspensão da instância fosse apreciada pelo tribunal.

Foi depois proferido o seguinte despacho:

Nos presentes autos, vieram os Autores requerer a suspensão da presente instância até que seja proferida decisão do processo n.º 2946/23...., tendo, para tanto, alegado que no dia 29 de junho de 2023 deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca ... o processo n.º 2946/23...., o qual foi distribuído ao Juízo Local Cível ..., J..., tendo no mesmo sido deduzido o seguinte pedido: “A cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro ser considerada excluída ou inexiste; Caso assim não se entenda, supletivamente “Que seja, a cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro, declarada nula por abusiva e contrária à boa-fé nos termos do art.º 12, 15 e 16 regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (adiante designado por LCCG), mais concretamente o DL 323/2001 vigente à data da celebração do contrato do seguro vida; Serem as rés condenadas a cumprir pontualmente o contrato à luz do princípio pacta sunt servanda.”

Mais alegaram que a cláusula do seguro a que se refere o pedido deduzido no aludido processo e que constitui a causa de pedir é imprescindível para a apreciação da Responsabilidade da Ré nos presentes autos, pelo que, a decisão que vier a ser proferida em tal processo é de extrema relevância para a boa decisão deste processo, razão por que requerem a suspensão da presente instância até que seja proferida decisão do processo n.º 2946/23.....

Notificada para se pronunciar, veio a Ré alegar, em síntese, que a ação nº 2946/23.... não faz qualquer sentido e não tem a virtualidade de suspender a presente, pois que a Autora vem fora de prazo e do lugar próprio invocar uma questão que já o não pode ser, como a ora requerente alegou na contestação de tal ação, encontrando-se a ação nº 2946/23.... numa situação de litispendência em relação à presente, pois que existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, sendo que o mais que vem pedido na ação 2946/23.... já o não pode ser, em virtude de se encontrar pendente a presente.

Na verdade, naquela ação a Autora invocara a apólice e juntaram as mesmas cláusulas contratuais que juntaram nesta, sem fazer as objeções que fazem nesta, pretendendo remediar o que só o podia ter sido feito nos presentes autos. Era na presente ação que os Autores deviam ter levantado a questão do contrato de seguro e não na ação que foram depois instaurar sem qualquer sentido, razão por que, por absoluta falta de fundamento, deve o requerido ser indeferido.

Cumpre decidir.

Analisados os documentos juntos pelas partes e o consenso revelado quanto a parte das alegações dos Autores, é de concluir que se encontra pendente no Juízo Local Cível ..., J..., deste Tribunal Judicial o processo n.º 2946/23...., onde são Autores e Ré os mesmos sujeitos processuais dos presentes autos, tendo os Autores deduzido o seguinte pedido: que a cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro ser considerada excluída ou inexiste; ou, caso assim não se entenda, que seja, a cláusula presente no art.º 6 alínea g) do contrato de seguro, declarada nula por abusiva e contrária à boa-fé nos termos do art.º 12, 15 e 16 regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e serem as rés condenadas a cumprir pontualmente o contrato à luz do princípio pacta sunt servanda.

Como fundamento, alegam ao Autores, em súmula e no que ao caso importa, que a Ré não cumpriu o dever de informação e esclarecimento da Autora e do seu falecido marido, concretamente, quanto às cláusulas de exclusão de responsabilidade, mormente, a cláusula constante do art.º 6, al. g) do contrato de seguro de vida; que a autora e o marido não intervieram na sua elaboração do contrato em questão, limitando-se a aderir ao clausulado, de que lhes foi entregue cópia, sem participar ou discutir na conformação das condições especiais; a mera posse de uma cópia do contrato, da qual nem consta sequer assinatura da autora AA e do falecido marido, não basta para afirmar que há conhecimento quanto ao teor das mesmas; o art.º 5.º, da LCCG, refere que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, devendo a comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência, referindo, ainda, o art.º 8.º, da LCCG, que as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º ou as comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo, se consideram excluídas do contrato singular.

No referido processo n.º 2946/23.... a Ré apresentou contestação, onde, além do mais, invocou a exceção dilatória da litispendência relativamente aos presentes autos.

Cumpre decidir.

Nos termos do artigo 269.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, «A instância suspende-se nos casos seguintes: (…) Quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes; (…)».

Por sua vez, o artigo 272.º, n.º 1, refere que «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.».

Como é sabido, na base deste instituto da causa prejudicial, está o princípio da coerência de julgamentos e economia de meios, pretendendo evitar-se que com o decurso de duas ações, em que o objeto de uma pode determinar o não conhecimento do objeto da outra, o Tribunal esteja a despender de meios e esforços desnecessários e que podem levar à prolação de decisões contraditórias.

Como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «(…) uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda» (in Comentário ao Código de Processo Civil, V3, p. 206).

Também a jurisprudência se pronuncia neste sentido, considerando que só existe causa prejudicial quando nesta esteja a ser apreciada uma questão cuja sentença possa modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, constituindo uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito. (Neste sentido, além de outros, o Ac. do S.T.J., de 28.05.1991, B.M.J. n.º 407, p. 455 e Ac T.R.G., de 12.01.2017, Proc. n.º 133/15.9VFL.G1, in www.dgsi.pt).

Por conseguinte, por causa prejudicial dever-se-á considerar aquela onde se discute um facto que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

Assim sendo, considerando a causa de pedir e pedido desta ação e a defesa apresentada pela Ré, a questão principal a apreciar reconduz-se a eventual exclusão da responsabilidade da Ré com fundamento na alínea g) (ponto 6.1), do art.º 6.º das Condições Gerais, porquanto, nos termos da mesma não se considera coberto pelo contrato de seguro o risco de morte resultante de embriaguez e abuso de álcool, ou de estupefacientes fora da prescrição médica.

Ora, como supra se salientou, é justamente a (in)validade de tal cláusula contratual que está em discussão no referido processo n.º 2946/23...., pelo que, atento o seu objeto, pedido e causa de pedir e a repercussão que a decisão que aí vier a ser proferida é suscetível de ter nos presentes autos, fácil se torna concluir que aquele se apresenta, de facto, como causa prejudicial em relação à presente ação.

Bem sabemos que a Ré invocou no dito processo várias exceções, entre elas a da litispendência, porém, tal circunstância em nada altera o que se acabou de referir, pois que, até ao trânsito em julgado da decisão que apreciar a invocada exceção e eventualmente a julgar procedente, manter-se-ão incólumes os fundamentos conducentes à conclusão sobre a prejudicialidade entre as duas ações.

Nestes termos, não existindo indícios de que a ação que constitui causa prejudicial foi proposta com o único propósito de provocar a suspensão dos presentes autos, e encontrando os referidos autos na fase final dos articulados, cumpre evitar a eventual prática de atos desnecessários e/ou a prolação de decisões suscetíveis de se revelarem inúteis ou contraditórias, como sucederá no caso de o Tribunal considerar neste processo que a responsabilidade da Ré se encontra excluída por forma da mencionada Cláusula, devidamente invocada pela Ré, enquanto que no processo n.º 2946/23.... se vem a decidir pela invalidade da mesma.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos art.ºs 269.º, n.º1, al. c), e 272.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, determino a suspensão da presente instância até à prolação da decisão final no processo n.º 2946/23.....

Deste despacho recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:

(…).

Os AA. responderam, pronunciando-se sobre a data em que tiveram conhecimento das cláusulas contratuais em causa, sobre a conduta da R., sobre a inexistência de litispendência e sustentando a existência de causa prejudicial. 

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, a questão a tratar analisa-se na avaliação da decretada suspensão da instância.

III. Os factos relevantes, atendendo à natureza instrumental ou processual da questão, decorrem do relatório efectuado.

IV.1. Nos termos do art. 272º n.º1 do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta.

            Sem discrepância, reconduz-se esta relação de dependência à natureza prejudicial de uma das causas em relação à outra, o que se compreende pelo sentido inerente à suspensão: esta só se explica por haver uma relação de interferência entre decisões de acções distintas, em que o objecto de uma pode determinar o sentido da apreciação do objecto de outra, justificando-se, por razões de economia processual e de racionalidade (evitar incoerências ou contradições entre decisões), que a causa dependente seja decidida apenas em função do que for decidido na causa prejudicial, e assim que aguarde por esta decisão. 

2. Aquele nexo de prejudicialidade vem, nesta linha, a ser genericamente definido a partir de uma relação de inclusão necessária (em que a avaliação de um objecto processual não pode ser realizada sem se conhecer previamente outro objecto processual), e em que a decisão da causa prejudicial pode «destruir o fundamento ou a razão de ser» da segunda, por nela se discutir «um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção». Neste sentido, a causa prejudicial, em caso de procedência, teria um valor impeditivo absoluto da causa dependente, que ficaria privada de um elemento estritamente necessário à sua procedência e, assim, condenada ao fracasso [e em caso de improcedência da causa prejudicial, deixaria de existir o obstáculo à avaliação do mérito da causa dependente que foi discutido na causa prejudicial].

3. Se nestes casos se mostra inequívoca a existência de uma relação de prejudicialidade, a concepção que encerra mostra-se demasiado estreita por deixar de fora, sem justificação bastante, outras situações de interferência prejudicial entre objectos processuais, situações estas nas quais o julgamento da causa prejudicial não inviabiliza o acolhimento da pretensão na causa dependente, mas condiciona ou influencia a decisão a proferir sobre esse pedido. Pois também nestes casos podem ocorrer as razões determinantes da suspensão da instância na causa dependente. Por isso melhor será afirmar que existe prejudicialidade «desde que a decisão de uma causa pode afectar a decisão de outra»[1], ou «quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito»[2]. Esta solução é também jurisprudencialmente acolhida, nas formulações que se invocam para definir esta relação de prejudicialidade (v. por exemplo Acs. do TRP 940/08.9TVPRT.P1 ou 19228/19.3T8PRT.P1, ou do TRL proc. 25645/18.9T8LSB.L1-6 ou 803/21.2T8CSC-A.L1-2 – em 3w.dgsi.pt).

4. Revertendo ao caso em apreciação, é patente que não existe qualquer relação de prejudicialidade entre as pretensões deduzidas nas duas acções e assim entre os seus objectos estritos, do ponto de vista daquelas pretensões. Na acção dependente pede-se essencialmente a declaração de exclusão[3] ou de nulidade de uma cláusula de exclusão da cobertura (que delimita negativamente o risco coberto), o que, ao invés de prejudicar a pretensão pendente nesta acção, com ela se conjuga num sentido complementar e unívoco. O mesmo vale quanto ao pedido genérico de cumprimento do contrato também formulado na acção prejudicial [não cabe avaliar aqui este pedido genérico, mas, nos seus termos e por tão gerais, ele pouco ou nada releva já que nada acrescenta ao dever legal decorrente do art. 406º n.º1 do CC, pois, sem se referir a prestações específicas, inexiste objecto de imposição judicial; acresce que, a querer reportar-se (também) à pretensão que foi formulada nesta acção, seria evidente a existência de litispendência].

5. No entanto, também se admite que a relação prejudicial se pode estabelecer com uma questão incidental. Com efeito, e como diz A. dos Reis, «pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal» [op. loc. cit., pág. 269][4]. Não é esse exactamente o caso dos autos, pois a questão objecto da acção prejudicial não é discutida a título incidental na presente acção mas a situação é análoga (de certo modo simétrica) e materialmente, do ponto de vista das finalidades do regime, idêntica. Com efeito, não apenas a questão objecto da acção prejudicial (a exclusão ou nulidade da cláusula) poderia ser discutida incidentalmente nesta acção, como, apesar de não ser aqui expressamente discutida (por não ter sido aqui invocada), ela continua a oferecer-se como uma questão prejudicial, por constituir um antecedente lógico da questão principal aqui em discussão: a exclusão/nulidade (da cláusula) que é discutida na acção prejudicial condiciona ou co-determina o sentido da decisão da presente acção (que tem como questão prévia incidental a aplicação daquela cláusula). Neste sentido, a questão principal nesta acção está subordinada à decisão daquela. Situação onde podem ainda, em tese ou em termos amplos, verificar-se também as razões de economia e coerência de julgados que sustentam o regime da suspensão da instância por prejudicialidade. E na qual se pode vislumbrar assim uma relação de prejudicialidade, definida nos termos amplos descritos.   

Assim, o que importa em último termo para este efeito é que a questão relevante deva ser, ao menos num dos processos, discutida como questão principal (só assim existe a interferência externa entre causas suposta no regime da suspensão) e que a questão prejudicial surja como pressuposto lógico necessário ao julgamento do mérito da acção dependente, condicionando a solução deste.

6. A objecção suscitada pela R. atinente ao funcionamento da cláusula de exclusão da cobertura assente na causa do óbito constitui uma verdadeira excepção[5] (apesar de a R. assim a não ter qualificado na contestação) por assentar em factos compatíveis com a versão dos AA.[6] (específica cláusula contratual e a causa do óbito), factos estes que não contrariam aqueles e aos quais acrescem, e que produzem um efeito extintivo (ou pelo menos modificativo) da prestação a cargo da seguradora (a obrigação de cumprimento da prestação convencionada)[7]: tais factos não contendem com o direito contratualizado, promovendo antes, e diferentemente, a extinção da correspondente obrigação prometida. Donde se enquadrar no disposto no art. 571º n.º2, 2ª parte, do CPC. Sendo que esta qualificação torna mais clara a natureza de tal objecção como questão incidental para os efeitos em causa, integrando-se ainda na discussão ampla do objecto do processo. Assim, a acção pendente tem natureza prejudicial face à presente acção por estar justamente a discutir um pressuposto (a exclusão ou validade) do funcionamento da cláusula aqui invocada: a causa prejudicial coloca uma condição obstativa da questão incidental (a excepção invocada pela R.) aqui suscitada, que afasta (é situação paralela ou próxima ao exemplo paradigmático da acção de cumprimento[8] vs. acção de invalidade, embora no caso um dos pólos da questão seja discutido em termos incidentais).

Neste sentido, ainda existe uma relação de prejudicialidade entre causas, relevante para os termos da norma processual em causa.

7. Sem embargo, deve ainda avaliar-se a situação no quadro do n.º2 do referido art. 272º do CPC na parte em que estabelece que «não deve ser ordenada a suspensão (…) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

Os prejuízos da suspensão decorrem da paralisação da acção, e estão primacialmente associados à demora na sua resolução, com reflexos no acesso a uma decisão ajustada e em tempo útil. Ponto onde as fases de cada um dos processos são determinantes, mas com predomínio da posição da causa dependente pois é esta que sofre os danos derivados da suspensão. Por isso que tendencialmente determinante seja o seu «adiantamento», o seu posicionamento face ao seu termo final.

Atendendo aos termos deste processo, verifica-se que a realização do julgamento foi agendada para 14.06.2022, depois para 28.10.2022 e depois para 13.01.2023, data na qual foi suspensa a instância por acordo. Retomada a instância, foi agendada a realização do julgamento para 09.05.2023, depois para 04.07.2023 e depois para 03.11.2023.

A acção prejudicial foi instaurada em 29.06.2023 e a questão atinente à suspensão foi suscitada no presente processo em 23.10.2023.

O que se verifica assim é que quando a acção prejudicial é instaurada já tinha decorrido um ano desde o agendamento original e tinham sido já feitos quatro agendamentos da audiência neste processo, e que quando a questão da prejudicialidade é aqui suscitada tinham-se escoado praticamente 16 meses desde o primeiro agendamento da audiência de julgamento, sendo que a questão é colocada cerca de 10 dias antes da sexta data designada (notando-se ainda que na data da instauração da acção prejudicial estava agendado julgamento neste processo para 04.07.2023, cinco dias depois, o qual foi adiado porquanto, tendo a Mandatária da A. comunicado a impossibilidade de comparência da A. por doença, o Mmo. Juiz adiou o julgamento com base em impedimento da Mandatária da A. – pelo que, não fora este equívoco, o julgamento até se deveria ter iniciado naquela data).

Isto revela que a presente acção não apenas se encontrava na fase culminante do julgamento, no seu último momento, mas também que esta fase já se estava a prolongar excessivamente, e que os AA. atrasaram também a interposição da acção prejudicial e suscitaram tardiamente a questão (o que apenas lhes é imputável). E revela ainda que a suspensão irá provocar mais um retardamento adicional relevante pois, ainda que a causa prejudicial estivesse na fase final dos articulados (como se refere no despacho recorrido e decorre das peças apresentadas), a verdade é que ainda faltavam actos relevantes até alcançar o julgamento, e depois deste ainda se seguia a fase eventual mas previsível do recurso. Tal situação convive mal com a requerida e decretada suspensão da instância. A iminência do julgamento quando a acção prejudicial é proposta até tende a ser invocada como índice revelador da predominância dos prejuízos, e assim como elemento impeditivo da suspensão. Como referiu A. dos Reis "(…), com o preceito (...) quis-se prevenir esta hipótese: requereu-se a suspensão no momento em que a causa dependente está prestes a ser discutida e julgada e requereu-se com o fundamento de acabar de ser proposta uma causa prejudicial. O juiz deve indeferir o requerimento, porque o deferimento importaria um prejuízo superior à vantagem resultante da suspensão" (op. cit., pág. 289). É este justamente o caso dos autos (ou é-o de forma acentuada, dadas as referidas vicissitudes do agendamento do julgamento e o momento tardio da interposição da acção prejudicial, e o enorme atraso já existente).

8. De outra banda, e do ponto de vista dos valores que a suspensão da instância (por prejudicialidade) serve, não parece que eles funcionem no caso como vantagens suficientemente impressivas para atenuar os prejuízos causados. 

Assim, a economia de meios tem no caso um significado limitado. Com efeito, a questão objecto da causa prejudicial não será, por não ter sido suscitada, discutida neste processo, inexistindo neste aspecto duplicação de actividade. É certo que os vícios invocados naquela acção (exclusão e nulidade) podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal, mas eles assentam em factos que não foram oportunamente introduzidos nesta acção[9], o que obsta àquele conhecimento. A decisão da causa prejudicial, se excludente ou anulatória, podia evitar a discussão da questão incidental suscitada neste processo, mas os ganhos de economia daí derivados são limitados. Do ponto de vista do risco de decisões (tendencialmente) incompatíveis, este tem impacto secundário por duas razões. De um lado, por opção legal, já que o legislador não impõe a suspensão sempre que exista uma causa prejudicial. Isto é assim quer a partir do regime do n.º1 do citado art. 272º, entendido no sentido de que a suspensão não depende apenas da prejudicialidade mas também da avaliação das circunstâncias presentes[10], quer por o n.º2 do mesmo art. 272º, ao admitir a recusa da suspensão com base em razões funcionais, implicar que o legislador aceitou a possibilidade de subsistirem decisões conflituantes (possibilidade imposta pelo respeito devido a outros valores). O que revela que a coerência das decisões não constitui o valor primacial nem determinante. De outro lado, por o conflito ser indirecto, no sentido de que se suscita não entre decisões (uma decisão que exclua ou declare a nulidade da cláusula é, em si, compatível com a decisão que recuse o pretendido pagamento do capital) mas entre uma decisão e um fundamento de outra (por a cláusula excluída ou nula ter afinal servido para denegar o direito à prestação). Acresce, ainda deste ponto de vista, que tal conflitualidade será eventual pois a improcedência da presente acção poderá determinar a inutilidade superveniente da acção tida por prejudicial, já que, tendo cessado o contrato e estando excluído o direito à prestação convencionada, nenhum interesse relevante subsiste na avaliação autónoma da cláusula discutida. Sendo que, por esta via, também se atenua o relevo do interesse de economia radicado na evitação de decisão inútil ou ineficaz.

9. Depois, e ainda do ponto de vista destes valores, também relevam os contornos externos da situação de prejudicialidade, já que esta assenta em acção intentada pelos próprios AA., após a instauração da presente acção, e para discutirem questões que podiam ter suscitado e discutido nesta acção. A propositura da acção prejudicial em momento subsequente à instauração desta acção não constitui obstáculo à operacionalidade suspensiva da prejudicialidade [tal posição parece ser sustentada por A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa[11], mas sem apoio claro na lei, não sendo secundada pela jurisprudência[12], e mostra-se de difícil articulação com o regime do art. 272º n.º2 do CPC, que leva claramente em conta a possibilidade da instauração superveniente da acção prejudicial[13]]. No entanto, não deixa de constituir factor a relevar no momento da avaliação dos ganhos e perdas derivados da suspensão (embora sem que ocorra a hipótese da primeira parte do n.º2 do art. 272º do CPC).

A questão que essencialmente motiva a acção prejudicial podia, com efeito, ter sido deduzida na presente acção, como deriva das regras legais: a contra-excepção podia ser deduzida na resposta à excepção[14]. É certo que, perante a falta de identificação da excepção na contestação, tal natureza podia passar desapercebida aos AA., em termos não censuráveis (é esta asserção que justifica o regime do art. 572º al. c) do CPC). Mas, de um lado, a qualificação (como excepção) não é relevante para a necessidade de subsequente invocação da exclusão ou nulidade da cláusula de que a R. se pretendia prevalecer, necessidade esta patente: parente a invocação da cláusula (quer este invocação se tenha por excepção ou não), natural seria a invocação dos seus vícios. De outro lado, os AA. apresentaram um articulado de réplica, mesmo sem dedução da reconvenção pela R. e assim fora do condicionalismo legal que permite a apresentação daquele articulado (art. 584º n.º1 do CPC), e no qual podiam ter invocado aquela exclusão/nulidade (de mais a mais quando, a propósito da discussão de documentos juntos pela R. para sustentar a sua posição, os AA. discutem o factos em causa, sem contudo invocar qualquer vício da cláusula a que os factos respeitavam). O que revela que os AA. tiveram oportunidade para deduzir a referida questão (para além de, se fosse caso disso, ainda disporem do regime residual derivado do art. 3º n.º3 e 4 do CPC), e que eventuais obstáculos processuais não os coibiram de apelar aos meios que reputaram ajustados à sua defesa. Sem que tal actuação fosse contrariada pela parte contrária ou pelo tribunal, que não lhe vedou a possibilidade de intervir. De outro lado ainda, os AA. também não justificaram aquela acção (mormente quando requerem a suspensão desta) com base na inviabilidade da invocação da exclusão ou nulidade nesta acção.

10. De outra banda, a nova acção, e dada a situação exposta, apresenta-se em oposição à preclusão operada nesta acção. A preclusão equivale à exclusão da possibilidade de praticar acto cujo momento processual próprio (peremptório) se ultrapassou, valendo também para os AA. pois estes estão obrigados a alegar os factos constitutivos da sua pretensão na PI, podendo alargar a alegação na sequência da dedução de excepções ou reconvenção pelos demandados, ou quando estejam em causa factos supervenientes (art. 552º n.º1 al. d), 583º n.º1, 588º n.º1 e 3º n.º4 do CPC), para além das hipóteses de alteração admitida da causa de pedir. O que significa que a nova acção, por via da prejudicialidade e da decretada suspensão, vai-lhes permitir repercutir nesta acção algo cuja possibilidade de invocação já tinham precludido. A actuação em causa não é directamente proibida[15], mas constitui mais um factor de valoração da suspensão, incluindo no quadro do confronto entre ganhos e prejuízos, pois estes serão sempre, em grande medida, justificados pela atcuação dos AA.. Para além de a actuação envolver ela mesma uma agressão ao valor da economia por prescindir de meio ajustado (invocação nesta acção) em benefício de meio mais processualmente oneroso (acção autónoma), sendo que a própria preclusão respeita a valores de ordenação e nessa medida de economia. 

Por fim, nota-se que a economia processual se funda no interesse na «exigível e razoável resolução rápida dos litígios», revelado na oposição a desvios processuais e à demora na «prestação jurisdicional», estando assim ancorado no direito a uma decisão em prazo razoável (art. 2º n.º1 do CPC), proposição que também vale para o R., na perspectiva dos interesses desta parte. Donde que os ganhos e prejuízos tenham que ser encarados também nesta perspectiva.

Ora, neste quadro global, o carácter excessivo da suspensão, pelos prejuízos que o retardamento causa, é ainda evidenciado e confortado pelas demais condições presentes, ou por elas não contrariado, tendo-se por injustificada a suspensão 

Justifica-se, assim, não admitir a suspensão da instância, nos termos do art. 272º n.º2, 2ª parte, do CPC.

11. As custas correm por conta dos AA., dado o disposto no art. 527º n.º1 e 2 do CPC.

V. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.

Custas pelos AA..

Notifique-se.

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):

(…).

Datado e assinado electronicamente

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico.





[1] A. Reis, Coment. ao CPC, Vol. III, Coimbra Editora 1946, pág. 270, nota de rodapé 3 iniciada na página anterior.
[2] R. Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, Lisboa 2000, pág. 43.
[3] É discutida a qualificação do efeito derivado do art. 8º do RCCG (DL 446/85, de 25.10); pese embora pareça ajustado o sentido imediato da formulação legal, com a exclusão da cláusula do contratualizado (por a cláusula não estar coberta pela vontade contratual, ainda que coberta pela declaração formalizada), a questão não releva nesta sede. Donde a mera referência à terminologia legal.
[4] Aliás, até em relação a questões incidentais de natureza processual se admitiu já a existência de prejudicialidade.
[5] Adoptando esta qualificação (excepção) em situação semelhante, v. Ac. do TRP proc. 1385/20.8T8OVR-A.P1 in 3w.dgsi.pt (embora se note que a qualificação da defesa como excepção constitui problemática concreta-casuística, dependente dos contornos da defesa face à causa de pedir presentes em cada acção).
[6] A referência aos AA. no plural leva em conta a posição conjunta (os intervenientes aderiram aos articulados da A.), embora parte dos actos processuais em causa tenham ocorrido antes da intervenção de parte dos AA..
[7] A causa do óbito, através da cláusula estipulada, extingue o latente ou prometido direito à prestação ou ao menos modifica a situação jurídica, deixando de ser invocável aquele direito à prestação convencionada, apesar da verificação do sinistro contratualizado; o óbito extingue, por sua vez, o contrato por caducidade (por desaparecimento do risco seguro).
[8] No sentido de que a aplicação da cláusula é ainda uma forma de implementação do contratualizado.
[9] A não ser, quanto à nulidade, que se admita o carácter padronizado do contrato como facto inerente ao documento apresentado, cuja junção supriria a alegação expressa. Já quanto à exclusão, os factos relevantes estão irremediavelmente fora deste processo.
[10] Assim, A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina 2023, pág. 350.
[11] Op. cit., pág. 349.
[12] O entendimento contrário é ao menos constante na jurisprudência (v. TRL proc. 803/21.2T8CSC-A.L1-2 ou 7664/2007-1, ou TRC proc. 3919/04, todos em 3w.dgsi.pt); também assim, M. Teixeira de Sousa, CPC online no Blog do IPPC, anotação ao art. 272º, pág. 156, ou L. Freitas e I. Alexandre, CPC Anotado, vol. 1, Almedina 2021, pág. 551, e já antes A. Reis, op. e loc. cit., pág. 288.
[13] Só nesse caso será, na verdade, razoável considerar que a acção prejudicial foi proposta com o (único) fim de suspender a acção dependente (é difícil, ou ao menos residual, antecipar a sua instauração em vista de acção dependente ainda não intentada), e só nesse caso poderá, com normalidade, existir um adiantamento essencial da causa dependente.
[14] Embora seja controvertido o momento em que os AA. tiveram conhecimento da posição da R. (e da cláusula que esta invoca), seguro é que ao menos com a contestação a tal tiveram acesso.
[15] Embora a asserção não seja segura para quem, como T. de Sousa, sustenta que o regime do art. 564º al. c) do CPC constitui uma proibição derivada da preclusão (e não por força da litispendência), a qual pode impedir o demandado de propor acção prejudicial depois de citado; se fosse assim, a mesma solução poderia valer também para o demandante que deduz a contra-excepção numa acção autónoma (prejudicial).