Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2372/20.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DIREITOS REAIS
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CANCELAMENTO E NULIDADE DO REGISTO PREDIAL
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 350.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 30.º, 1 A 3; 362.º, 1 E 567.º, 1 A 3, DO CPC
ARTIGOS 1.º; 3.º, 1, B) E C); 7.º; 8.º; 8.º-B, 1, 3 E 10; 13.º; 16.º; 17.º, 1; 36.º; 41.º E 153.º, N.º 1, DO CÓD. DO REGISTO PREDIAL
Sumário: 1. O facto de o direito sobre as coisas se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica (eficácia erga omnes) exige uma publicidade suficiente para se dar a conhecer a terceiros o que por definição lhes diz respeito.
2. Os registos são cancelados em execução de decisão judicial transitada em julgado (art.º 13º do Código do Registo Predial).
3. O registo é nulo quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos (art.º 16º, alínea a), do mesmo Código).
4. Infirmado o teor do registo predial, por totalmente avesso à realidade, no respeito pelos objetivos e princípios do Código do Registo Predial (v. g., fluidez e clareza do comércio jurídico imobiliário, valorização da fé pública registral e simplificação processual) e o respetivo quadro normativo, seguem-se as consequências ditas em 2. e 3. (cf., ainda, art.ºs 1º, 8º-B, n.º 3, 10º e 36º).
Decisão Texto Integral: Adjuntos: Carlos Moreira
                  Vítor Amaral          
                                                                 
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(…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB e mulher CC (1ºs Réus), DD e mulher EE (2ºs Réus) e FF (3ª Ré), pedindo que:

            1) Seja declarado que o A. é o legítimo e exclusivo dono e possuidor do prédio rústico melhor descrito nos art.ºs 1º e 2º da petição inicial (p. i.), incluindo o local ou espaço melhor identificado nos art.ºs 37º, 38º e 39º, devendo os Réus serem condenados a tal reconhecer.

            2) Seja declarado e reconhecido que a conduta dos Réus é abusiva, ilegítima e ilegal e, por via disso: a) Serem os 2ºs Réus condenados a demolir, no prazo de 30 dias, o muro de vedação do lado poente da sua casa de habitação, repondo a estrema norte do prédio do A. em cerca de 30 cm de largura. b) Serem os 2ºs Réus condenados a repor o marco que existia no limite nascente da estrema comum dos prédios do A. e desses Réus (estrema norte do prédio rústico do A./estrema sul do prédio urbano dos Réus).   c) Serem os 1ºs e 2ºs Réus condenados a, no prazo de 15 dias, demolir o murete em cimento que construíram no prédio do A., bem como a retirar os prumos metálicos que implantaram no início (à entrada) dessa construção, junto à estrada, a nascente, bem como a retirar a corrente metálica que colocaram entre esses dois prumos e a retirar o entulho (ou detritos) que depositaram ou despejaram no prédio do A., entre o murete e o prédio urbano dos 2ºs Réus. d) Serem os Réus condenados a absterem-se de praticar no prédio do A., seja por que meio ou modo for, quaisquer atos lesivos ou perturbadores da sua posse e propriedade sobre ele e também absterem-se de colocar qualquer veículo de fronte do prédio do autor, do lado nascente, junto à estrada.

            3) Seja ordenado o cancelamento de qualquer inscrição predial a favor dos Réus sobre o prédio rústico inscrito na respetiva matriz, da atual União das Freguesias ... e ..., sob o art.º ...30 (proveniente do art.º ...4), melhor descrito no art.º 4º desta p. i., e descrito no Registo Predial na ficha n.º ...44, da Freguesia ....

            Alegou, em síntese: é dono do prédio rústico identificado no artigo 1º da p. i.; confinante com este seu prédio, do lado norte, existe um prédio rústico identificado no artigo 4º da p. i., que pertence a terceiros proprietários, que não aos Réus, apesar do que em contrário consta na matriz e no registo predial; a norte do prédio do A., com este confinante desse lado, existe também uma casa de habitação, propriedade dos 2ºs Réus, onde estes vivem com a 3ª Ré, sua filha, casa essa construída na parte nascente do prédio rústico descrito no artigo 4º da p. i., junto à estrada; quando os 2ºs Réus construíram a sua casa de habitação, o marco junto à estrada (lado nascente) desapareceu, pelo que foi colocado um novo marco em local consensual, sensivelmente no mesmo local do anterior, que com a continuação da obra também desapareceu; os 2ºs Réus construíram o muro que, a sul, veda o seu prédio urbano, cerca de 30 cm por sobre o prédio hoje do A., que na altura pertencia aos seus pais; na sequência dos processos judiciais aludidos nos art.ºs 17º e seguintes da p. i. e para obviar ao que deles decorria, os Réus promoveram a “retificação” da inscrição predial descrita nos art.ºs 29º e seguinte da p. i., com vista à apropriação do prédio rústico descrito no art.º 4º e, por essa via, resolver o processo executivo decorrente da ação sumária n.º 592/2002; o Réu BB, em Dezembro de 2019, conluiado com os demais Réus, na ausência do A., colocou uma rede de arame, suportada em estacas de madeira, a todo o comprimento da estrema norte do prédio do A. (estrema sul do prédio rústico descrito no art.º 4º), por dentro de um corrimão de oliveiras do prédio do A., como melhor se descreve no art.º 33º da p. i.; de seguida, o Réu BB, também na ausência do A. e acordado com os demais Réus, foi-se às estremas norte-nascente do prédio do A., junto à estrada, e construiu um murete em cimento distante cerca de 3 m do muro de vedação do lado sul da casa de habitação dos 2ºs Réus, paralelo a esse muro, no sentido nascente-poente, e, a toda a largura do espaço, à entrada, colocou uma corrente de vedação, suportada em dois prumos metálicos; os Réus praticaram ainda os demais atos referidos nos art.ºs 39º e seguintes da p. i.; por força do registo abusivo e ilegal sobre o prédio rústico descrito no art.º 4º da p. i., inscrito no registo predial em nome dos 1ºs Réus, os vizinhos do prédio, sem exceção, foram  por eles incomodados, e agora é a vez do A. ser incomodado e lesado no seu direito de posse e propriedade, apesar de alheios aos problemas dos Réus.

             Requereu ainda o A. a extração de certidão da p. i. (e documentos) e a sua remessa ao M.º Público para averiguação da prática de ilícitos criminais pelos Réus.

            Os Réus contestaram, oposição/defesa julgada intempestiva (ordenando-se o seu desentranhamento dos autos) por decisão transitada em julgado (cf. despacho de 04.5.2022 e arestos do apenso B).

            Ao abrigo do disposto no art.º 567º, n.º 1 do Código Processo Civil (CPC), foram considerados confessados os factos articulados pelo A. (na p. i.).

            Foi cumprido o disposto no n.º 2 do mesmo art.º.

            Por sentença de 29.4.2023, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou a ação procedente, decidindo:

            «1. Declaro que o autor é o legítimo e exclusivo dono e possuidor do prédio rústico melhor descrito nos art.ºs 1º e 2º da petição, incluindo o local ou espaço melhor identificado nos art.ºs 37º, 38º e 39º da p. i., condenando os réus a tal reconhecer.

            2. Condeno os réus DD e EE a demolir, no prazo de 30 dias, o muro de vedação do lado poente da sua casa de habitação, repondo a estrema norte do prédio do autor em cerca de 30 cm de largura.

            3. Condeno os réus DD e EE a repor o marco que existia no limite nascente da estrema comum dos prédios do autor e desses réus (estrema norte do prédio rústico do autor/ estrema sul do prédio urbano dos réus).

            4. Condeno os réus BB, CC, DD e EE a, no prazo de 15 dias, demolirem o murete em cimento que construíram no prédio do autor, bem como a retirar os prumos metálicos que implantaram no início (à entrada) dessa construção, junto à estrada, a nascente, bem como a retirar a corrente metálica que colocaram entre esses dois prumos e a retirar o entulho (ou detritos) que depositaram ou despejaram no prédio do autor, entre o murete e o prédio urbano dos réus DD e EE.

            5. Condeno todos os réus a absterem-se de praticar no prédio do autor, seja por que meio ou modo for, quaisquer atos lesivos ou perturbadores da sua posse e propriedade sobre ele e também absterem-se de colocar qualquer veículo de fronte do prédio do autor, do lado nascente, junto à estrada.

            6. Ordeno o cancelamento das inscrições prediais de aquisição a favor da ré CC, do prédio rústico com a área total de 2370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, a confrontar a norte com GG; a sul com HH; a nascente com Estrada; e a poente com Caminho, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, da União de Freguesias ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, efetuadas pela Ap. ...73 de 2014/01/27, e pela Ap. ...95 de 2018/12/14.»

            Determinou, ainda, que se proceda ao registo da presente sentença (art.ºs. 3º, al. c), 8º-A, n.º 1, al. b), 8º-B, n.º 3, al. a), do Código de Registo Predial), após trânsito em julgado, bem como a remessa de certidão ao M.º Público para averiguação da eventual prática de ilícitos criminais pelos Réus.

            Inconformados, os Réus apelaram[1] formulando, os 2ºs Réus e a 3ª Ré, as seguintes conclusões:

            1ª - Por decisão transitada em julgado, foram julgadas extemporâneas as contestações oferecidas pelos Réus, inclusive as apresentadas pelos Recorrentes, e ordenado o seu desentranhamento dos autos, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 567º do CPC, foram considerados confessados os factos articulados pelo Recorrido na p. i..

            2ª - Tendo os Réus sido corretamente citados, configura-se esta situação como um quadro de revelia operante, tendo este comportamento omissivo dos Réus um efeito de confissão tácita ou ficta dos factos, a qual não dispensa o Tribunal de, nos termos do n.º 2 (in fine) do art.º 567º do CPC, decidir a causa conforme for de direito.

            3ª - Quer isto dizer que, não obstante a confissão dos factos articulados pelo Recorrido, não fica o Tribunal eximido de operar uma indispensável apreciação crítica e controlo de direito daqueles, ao invés da sua plena aceitação sem mais.

            4ª - Este efeito cominatório semipleno resultante de uma situação de revelia operante, que por sua vez circunscreve aquela, implica que aos factos confessados não corresponda necessariamente o desfecho da lide peticionado pelo Recorrido, devendo o Tribunal julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.

            5ª - Na Sentença é dado como facto provado que pela Ap. ...73 de 2014/27, foi registada a favor da Ré CC a aquisição, por via de sucessão hereditária, de 4/5 de um prédio rústico melhor descrito em art.º 4º da p. i..

            6ª - É igualmente dado como provado que, mediante a Ap. ...95 de 2018/14, a referida inscrição foi retificada, tendo passado a constar a favor da supra identificada Ré a totalidade daquele prédio.

            7ª - Apesar de se encontrar casado em regime de comunhão de adquiridos com a identificada Ré, tratando-se aquele prédio um bem próprio desta, cuja aquisição lhe adveio por sucessão hereditária, conforme registo público vertido em descrição predial e em caderneta predial, o Réu BB não é proprietário do referido prédio.

            8ª - Não sendo co-proprietário do prédio em questão, não é detentor de um interesse direto em contraditar, não tendo por isso legitimidade passiva para intervir processualmente quanto a esta questão.

            9ª - Não obstante a proposição da ação contra o Réu BB, deveria o Tribunal ter concluído pela inadmissibilidade da lide quanto ao referido Réu, porquanto decorre do registo público, judicial e documental que aquele é alheio à relação controvertida e, por esse facto, parte ilegítima no processo.

            10ª - Ao não tê-lo feito, o Tribunal não assegurou, quanto a este aspeto a conformidade da causa com o direito, nos termos do n.º 2 do art.º 567º do CPC.

            11ª - Peticionou o Requerido que fosse ordenado o cancelamento de qualquer inscrição predial a favor dos Réus relativamente ao prédio descrito no art.º 4º da p. i..

            12ª - Estatuí o art.º 7º do Código do Registo Predial que: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

            13ª - Em conformidade com a caderneta predial rústica e descrição de registo predial respetiva ao prédio em questão, a Ré CC figura como titular exclusiva e plena do respetivo direito de propriedade, adquirido por via de sucessão hereditária, pelo que é a legalmente presumida proprietária do prédio rústico em questão.

            14ª - Não obstante, na Sentença o Tribunal conclui pela existência de uma divergência entre a realidade material e a realidade registal, estabelecendo que a Ré CC não é legítima proprietária do referido prédio.

            15ª - Fá-lo ao arrepio de uma anterior verificação do respetivo trato sucessivo e subsequente ato de registo assegurado pelos serviços competentes, apoiando-se e bastando-se com um conjunto de factos aduzidos pelo Recorrido, que dá como provados.

            16ª - Em nenhum momento o Recorrido se arrogou da titularidade do direito de propriedade relativamente ao prédio registado em nome da Ré CC.

            17ª - Competiria a que se visse afetado no respetivo direito de propriedade sobre o imóvel em causa visar judicialmente o cancelamento daquele registo, impugnando o facto jurídico inscrito por via do meio processual próprio e idóneo para o efeito.

            18ª - A legitimidade processual exige que as partes tenham uma certa posição em relação ao concreto objeto processual, devendo recorrer-se a um critério de utilidade derivada da procedência da ação ou prejuízo que dessa procedência advenha para apurar dessa legitimidade.

            19ª - Não obstante o Recorrido ter elencado um conjunto de atos levados a cabo pelos Réus com o alegado intuito de se apropriarem ilegitimamente do prédio rústico melhor descrito em art.º 4º da p. i., não fundamenta ou demonstra o prejuízo ou dano que tais atos lhe causaram.

            20ª - Ainda que tais procedimentos tivessem visado efectivamente a ilegítima apropriação do prédio em questão, o mesmo não pertencia ou alguma vez pertenceu ao Recorrido, nem este se arrogou alguma vez de qualquer direito de propriedade sobre o mesmo.

            21ª - Por sua vez, embora dando como provado que os Réus atuaram sobre o prédio propriedade do Recorrido por a aquisição do prédio melhor identificado no art.º 4º da p. i. se encontrar registado a favor da Ré CC, acaba o Tribunal na Sentença por não densificar suficientemente esta conexão a que faz referência.

            22ª - O eventual prejuízo do Recorrido no seu direito de propriedade não advém de o prédio rústico confinante com o seu se encontrar registado em nome da Ré CC, de qualquer um dos demais Réus ou, no limite, em nome de qualquer terceiro, mas sim de um conjunto de atos contra os quais legitimamente reagiu.

            23ª - Ao ordenar o cancelamento da inscrição predial de aquisição a favor da Ré CC relativamente ao prédio melhor descrito no art.º 4º da p. i., o Tribunal condescende no peticionado pelo Recorrido, quando este abusivamente vai além da mera reação contra os danos sofridos, permitindo-se uma injustificada extensão da sua legitimidade processual ativa.

            24ª - Ao fazê-lo, o Tribunal não cuida de promover a justa conformidade da causa com o direito, não exigindo em bom rigor a específica fundamentação da indispensabilidade daquele ato de cancelamento registal, ou em que medida o Recorrido se sente prejudicado pela existência de um direito de propriedade registado a favor da Ré.

            Rematam pedindo que seja revogada na parte em que julga procedente o Ponto 3 do pedido formulado pelo Recorrido, designadamente quanto à ordem de cancelamento das inscrições prediais de aquisição a favor da Ré CC.

            Por seu lado, esta Ré apresentou as seguintes conclusões:

            1ª a 3ª, 17ª e 20ª a 28ª, entre outras - [reproduzem idênticas conclusões do recurso dos 2ºs Réus]

            4ª - Este efeito cominatório semipleno resultante de uma situação de revelia operante, que por sua vez circunscreve aquela, implica que aos factos confessados não

correspondam necessariamente ao desfecho da lide peticionado pelo Recorrido, devendo o Tribunal julgar a causa, quer isto dizer que, a revelia não correspondendo à automática e plena validade de tudo, porquanto eventualmente contraditado, seja por força de elementos de natureza documental (como o são documentos/informação autêntica, designadamente a adstrita em sede de registo predial, caderneta predial, e respetivas descrições, escrituras públicas, projetos de construção aprovados e sob exigência de verificação de composição e área/levantamento topográfico a exigir a quem se arroga o direito, neste caso o A., seja em face de normativos legais.

            5ª - Ora vai mal a sentença a quo quando deu assim por confessados pelo menos os factos n.ºs 7 a 15.

            6ª - Não podendo deixar de se atender ao disposto no art.º 354º do Código Civil (CC), ou seja:   “A confissão não faz prova contra o confitente: a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba; b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis; c) Se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.”

            7ª - Acresce que – v. Ac. do STJ de 9-10-2014 - conforme art.º 360º do CC, “Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão.”

            8ª - A contraparte que se quiser aproveitar de tal confissão como meio de prova plena deve, de igual modo, aceitar a realidade dos factos que lhe são desfavoráveis. Tendo que produzir oportuna declaração em que se reserva o direito de provar o contrário dos factos que lhe são desfavoráveis. Adquirindo, então, a confissão dos factos favoráveis, mediante a prova contrária dos factos que lhe desfavoráveis, a eficácia de prova plena.

            9ª - A indivisibilidade da confissão complexa tem, pois, como consequência a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente. Não tendo o A. cumprido tal ónus, face à confissão complexa dos Réus, há que considerar também como verdadeiros os factos favoráveis ao confitente.

            10ª - O silêncio da contraparte, face a uma confissão complexa (feita perante si), não tomando qualquer posição, leva a que a mesma (confissão) se torne eficaz (quer quanto aos factos favoráveis, quer quanto aos desfavoráveis).

            11ª - Se na p. i., o autor alega uma hipótese («o réu sabia ou devia saber»), essa alegação não se torna num facto certo da vida real pelo silêncio do réu e consequente confissão ficta. Ou seja, não obstante neste contexto a consideração dos factos articulados pelo Autor como confessados, tal confissão não deverá dispensar, nos termos do n.º 2 do art.º 567º do CPC, o julgamento da causa conforme for de direito, afastando-se deste modo que a tal confissão corresponda a aceitação, sem mais, dos efeitos jurídicos pretendidos pelo Autor da acção.

            12ª - Na Sentença é dado como facto provado que pela Ap. ...73 de 2014/27, foi

registada a favor da Ré CC a aquisição, por via de sucessão hereditária, de 4/5 de um prédio rústico melhor descrito em art.º 4º da p. i.. É igualmente dado como provado que, mediante a Ap. ...95 de 2018/14, a referida inscrição foi retificada, tendo passado a constar a favor da supra identificada Ré a totalidade daquele prédio.

            13ª - Apesar de se encontrar casado em regime de comunhão de adquiridos com a identificada Ré, tratando-se aquele prédio um bem próprio desta, cuja aquisição lhe adveio por sucessão hereditária, conforme registo público vertido em descrição predial e em caderneta predial, o Réu BB não é proprietário do referido prédio.

            14ª - Não sendo coproprietário do prédio em questão, não é detentor de um interesse direto em contraditar, não tendo por isso legitimidade passiva para intervir processualmente quanto a esta questão.

            Não obstante a proposição da ação contra o Réu BB deveria o Tribunal ter concluído pela inadmissibilidade da lide quanto a ele, porquanto decorre do registo público, judicial e documental que é alheio à relação controvertida e, por esse facto, parte ilegítima no processo.

            15ª - Ao não tê-lo feito, o Tribunal não assegurou, quanto a este aspeto a conformidade da causa com o direito, nos termos do n.º 2 do art.º 567º do CPC.

            16ª - Peticionou o Requerido que fosse ordenado o cancelamento de qualquer inscrição predial a favor dos Réus relativamente ao prédio melhor descrito no art.º 4º da p. i..

            18ª - Em conformidade com a caderneta predial rústica e descrição de registo predial respetiva ao prédio em questão, a Ré CC figura como titular exclusiva e plena do respetivo direito de propriedade, adquirido por via de sucessão hereditária, pelo que é a legalmente presumida proprietária do prédio rústico em questão.

            19ª - Não obstante, na Sentença o Tribunal conclui pela existência de uma divergência entre a realidade material e a realidade registal, estabelecendo que a Ré CC não é legítima proprietária do referido prédio.

            29ª - A norte do prédio da Ré CC da Conceição, e com este confinante desse lado, existe uma casa de habitação, propriedade dos Réus DD e EE, onde estes vivem, moradia construída na parte nascente do prédio rústico descrito em 4º da PI, numa parcela destacada do referido prédio, e doada ainda em vida pelos avós da Ré EE, i. é. II e marido JJ.

            30ª - A extrema do seu prédio, comum com o prédio da Ré identificado em 4º da p. i., sem apuramento real e material, contendendo com as informações e descrições

documentais, não permite decidir se coincide com o muro e edificação da dita casa de habitação, e se os co-Réus EE e DD, conforme projeto de edificação camarário verificado e aprovado, construíram ou não a sua habitação até à extrema do dito terreno, ou sobre o terreno hoje do A..

            31ª - E se o muro delimita a casa, e não o terreno, conforme imperativamente sob verificação de documentação autêntica que o Tribunal não poderia curar de verificar e apreciar, em face do efeito semipleno da confissão.

            32ª - Conforme se verifica por análise da Caderneta Predial Rústica do prédio descrito em 4º da p. i., o mesmo encontra-se ali descrito enquanto «Terra de cultura com 12 oliveiras».

            33ª - Ou seja, o referido terreno sempre integrou aquelas 12 oliveiras, dispostas em linha ao longo do mesmo, desde nascente a poente, configurando a sua extremidade com o terreno confinante a sul, pertencente ao A.. Como é de conhecimento de experiência comum, em tempos idos a forma de demarcação de extremas, eram, como no caso em apreço, e demais terrenos ali existentes, as características físicas da natureza. Invariavelmente, como em concreto, a linha entre troncos de árvores existentes, vala e tamanho.

            34ª - O A. tem como demarcação do seu terreno para com o da Ré o corrimão de oliveiras, ao fundo se verificando a décima segunda oliveira do terreno da Ré, a qual limita ao longo do terreno a respetiva faixa divisória. Tudo o quanto facilmente percetível in loco, de facto, vistas de nascente para poente, 11 das oliveiras são à direita do terreno junto à vala (vinha), e a última oliveira (12), é do lado esquerdo do terreno, que funciona como baliza entre as oliveiras do A..

            35ª - Conforme imperativamente também sob verificação pois que corresponde a factualidade descritiva adveniente de documentação autêntica que o Tribunal não poderia curar de verificar e apreciar, em face do efeito semipleno da confissão.

            36ª - Ou seja, não poderia o Tribunal deixar de indagar se em face dos elementos documentais havidos e respetivas descrições e confrontações e dimensão de áreas ali vertidas e levantamentos topográficos necessários sob eventual perícia/inspeção ao local, se junto da estrada, o limite a norte do prédio se encontra ou não configurado pelo muro pertencente à casa de habitação dos co-Réus,

            37ª - E se pela linha de troncos de oliveiras, tendencialmente reta, mas em função destes, que delimitam aqueles prédios rústicos de nascente a poente, tal como

descrito na respetiva caderneta predial rústica, demarcada nas extremidades através de dois marcos de pedra, um na ponta poente e outro do lado nascente junto à estrada, este a cerca de 2,70 m do muro edificado, tendo em conta inclusivamente o levantamento justificado com a doação em 1999.

            38ª - E se entre o referido muro da habitação e a mencionada linha de oliveiras, se encontrava um espaço aberto, cujo inicial desnível a partir da estrada e composição de mato impossibilitava a passagem no local de pessoas ou veículos, desnível esse revelador da separação real, pelas próprias características do terreno e sua cota, do prédio do A..

            39ª - E se durante todo o período da construção da casa de habitação destes últimos, entre 2001 e 2003, no supra referido acesso, entre a linha de oliveiras e o muro da habitação, foi precisamente erigida uma estrutura de apoio (estaleiro de obras), que ali permaneceu até que a obra se concluísse, e se naquele mesmo espaço, por ocasião da referida obra e com o intuito de servir a mesma, foi colocado pela EDP um poste de eletricidade provisório, e se defronte da identificada faixa existe um espaço destinado ao aparcamento para veículos que advém da altura da construção da edificada casa, em plena consonância com a frente (conforme exigência camarária em sede de infraestrutura),

            40ª - E se ocorre ou não amputação de frente/faixa de terreno, de 30 cm - cuja medida nem se depreende como surge, não sendo fundamentada - e função de linha de oliveiras em corrimão situadas nessa estrema, troncos de oliveiras que ademais são precisamente a definição das respetivas extremas.

            41ª - O acima aludido é-o na medida em que: Se o A. conforme referido acima, se pretende aproveitar da confissão como meio de prova, tem de igual modo, aceitar a

realidade dos factos que lhe são desfavoráveis e que decorrem do registo, documentos oficiais e autênticos e da Lei.

            42ª - Não foi aduzida pretensão pois que este não o manifestou oportunamente,

declaração em que se reserva o direito de provar o contrário do quanto lhe desfavorável. Adquirindo, então, a confissão dos factos favoráveis, mediante a prova contrária dos factos que lhe desfavoráveis, a eficácia de prova plena.

            43ª - A indivisibilidade da confissão complexa tem, pois, como consequência a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente. Factos favoráveis que advêm precisamente do quanto em registo predial e trato sucessivo quanto a propriedade, a respetiva descrição, modo de delimitação e confinância, e adveniente de procedimento administrativo devidamente sustentado e público (projeto de construção e levantamento topográfico que o suportou, sem que exista sequer confronto com levantamento topográfico do A. coincidente com a área registada do seu prédio). Nada do quanto sob objecto de ação tendente a respetiva nulidade ou anulabilidade.

            44ª - Assim, não tendo o A. cumprido tal ónus, face à confissão complexa, há que considerar também como verdadeiros os factos favoráveis aos confitentes.

            45ª - É que, designadamente nos termos do art.º 7º, n.º 1, CRP, esse registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos ali

definidos e descritos.

            46ª - Em razão do acima alegado, e independentemente da confissão do quanto viável, em face dos condicionalismos supra, o Tribunal, com os elementos probatórios de que dispõe e respetivo conhecimento do quanto a registo, procedimento público e

de Lei, não poderia deixar de promover a devida análise e ponderação, e até levantamento topográfico, perícia/visita de inspeção ao local, no sentido de consubstanciação de decisão de direito com fundamentação tendente à realização da efetiva justiça material (que não a simplificada de mero bastidor fórmico, a pedido, como o foi!)

            47ª - Pelo presente se requer seja reapreciada a sentença a quo, concluindo-se pela nulidade da decisão proferida, sendo revogada e ordenado o efetivo apuramento e julgamento de facto, no que a realização de justiça material e apuramento da verdade, sem olvidar o quanto documentalmente adstrito, o determine,

            48ª - Não sendo em qualquer caso viável nem sindicável nesta lide a ordem de

cancelamento das inscrições prediais de aquisição a favor da Ré CC, do prédio rústico com a área total de 2 370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, a confrontar a norte com GG; a sul com HH; a nascente com Estrada; e a poente com Caminho, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, da União de Freguesias ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, efetuadas pela Ap. ...73 de 2014/01/27, e pela Ap. ...95 de 2018/12/14.

            49ª - E ainda se sublinhe, pese embora as manigâncias de índole meramente formal que implicaram o desentranhamento e não apreciação das suas Contestações, a sentença a quo, nos moldes em que o é proferida, é contrária ao direito ao acesso à Justiça (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva), previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.

            50ª - Pois que não pode o Tribunal em prejuízo da justiça material, fazer tábua rasa e alhear-se incompreensivelmente do quanto, por público, de registo e adveniência

documental, afinal, é de seu conhecimento e vislumbre, na interconexão dos autos principais com o seu apenso.

            O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do(s) recurso(s), importa verificar, principalmente, o preenchimento dos pressupostos processuais e, quanto à decisão de mérito propriamente dita, sequente à factualidade tida como provada, em particular, a questão do cancelamento das inscrições prediais a favor da 1ª Ré sobre o prédio rústico identificado no artigo 4º da p. i.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[2]

            1) Encontra-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de ..., sob o n.º ...08, da Freguesia ... (hoje União das Freguesias ... e ...), concelho ..., um prédio rústico composto de terra de cultura com oliveiras, com a área total de 1 420 m2, sito em ..., a confrontar do norte com herdeiros de KK, do sul com LL, do nascente com estrada e do poente com caminho, inscrito na respetiva matriz, da referida União de Freguesias, sob o artigo ...32 (proveio do art.º 1265) (cf. docs. nºs 1 e 2 juntos com a p. i.).

            2) O identificado prédio adveio à posse e propriedade do A. por óbito de HH, seu pai, através de escritura de partilha realizada no dia 26.10.2011, em ..., no Cartório Notarial ... (cf. doc. n.º 3 junto com a p. i.).

            3) A aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio encontra-se inscrita na referida ... CRP ..., na descrição n.º ...08, a favor do A., pela Ap. ...87 de 2011/10/27, lavrando-se como causa partilha extrajudicial (cf. doc. n.º 1 junto com a p. i.).

            4) Encontra-se descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, da União de Freguesias ... e ..., um prédio rústico com a área total de 2 370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, a confrontar a norte com GG; a sul com HH; a nascente com Estrada; e a poente com Caminho, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia (cf. docs. n.ºs 4, 10, e 16 juntos com a p. i.).

            5) Pela Ap. ...73 de 2014/01/27, foi registada a favor da Ré MM, a aquisição de 4/5 do identificado prédio, lavrando-se como causa da aquisição sucessão hereditária de II (cf. docs. n.ºs 10 e 16 juntos com a p. i).

            6) Pela Ap. ...95 de 2018/12/14, foi retificada tal inscrição, passando a constar que a aquisição a favor da Ré MM é da totalidade do prédio (cf. docs. n.ºs 10 e 16 juntos com a p. i).

            7) Os Réus DD e EE construíram uma casa de habitação, de que são proprietários, numa parcela do prédio supra identificado em 4), na parte nascente do mesmo, junto à estrada, onde vivem com a Ré FF, sua filha.

            8) O prédio supra identificado em 1), do lado norte, confronta a norte com “o prédio supra identificado em 4)”, e casa de habitação identificada em 7).

            9) A estrema comum do prédio rústico identificado em 1), e do prédio rústico identificado em 4) (norte daquele/sul deste), onde a casa de habitação dos DD e EE foi construída, sempre foi reta, no sentido nascente-poente, e era demarcada nas extremidades, através de dois marcos de pedra, um na ponta poente e outro do lado nascente junto à estrada.

            10) Quando os Réus DD e EE construíram a sua casa de habitação, o marco junto à estrada, o do lado nascente, desapareceu, pelo que, foi colocado um novo marco em local consensual, sensivelmente no mesmo local do anterior.

            11) Porém, com a continuação da obra, esse marco também desapareceu.

            12) Sem o marco, os Réus DD e EE construíram o muro que, a sul, veda o seu prédio urbano, cerca de 30 cm por sobre o prédio identificado em 1).

            13) Assim amputando o prédio identificado em 1), de uma faixa que, no seu início, junto à estrada, do lado nascente, é de cerca de 30 cm de largura, bem como o privando de algumas oliveiras, em corrimão, situadas nessa estrema.

            14) Nessa altura o prédio identificado em 1) pertencia aos pais do A., HH e mulher.

            15) O referido muro mantém-se até hoje.

            16) Na mesma altura, ao construírem a sua casa de habitação, os Réus DD e EE ocuparam, do lado poente, parte de uma leira do prédio rústico supra identificado em 4), leira essa propriedade de NN e marido.

            17) E, dos lados nascente e norte, construíram, a toda a largura do prédio, tendo, dessa forma, obstruído o acesso ou passagem não só para a leira de NN e marido, como também para as demais leiras que integravam, e integram, o referido prédio rústico.

            18) Por tal, NN e marido intentaram contra II e marido JJ, pais e sogros dos Réus CC e BB, e avós dos réus DD e EE e também contra estes, uma ação sumária, que correu termos no ... Juízo Cível de ... sob o n.º 592/2002, na qual peticionaram, ademais, a condenação dos aí Réus a demolir as partes da construção que ofendem os direitos de propriedade e de passagem dos aí AA. para a sua leira, e restituir aos aí AA. a parte da parcela de terreno propriedade destes repondo-a no seu estado anterior à construção (cf. doc. n.º 5 junto com a p. i.).

            19) Nesses autos foi em 21.4.2006 proferida sentença, transitada em julgado, que na parcial procedência da ação, ademais, condenou os aí Réus a: “1. demolir, no prazo de 30 dias, as partes da construção que ofendem os direitos de propriedade e de passagem dos autores para a sua leira, deixando livre a faixa de terreno que sempre constituiu o leito da servidão de passagem (...); 2. a restituir aos autores de imediato a parte da parcela de terreno que é propriedade destes, repondo-a no prazo de 30 dias, ao seu estado anterior à construção (...); 4. absterem-se, no futuro da prática de quaisquer atos que ofendam a posse ou o direito de propriedade dos autores sobre a sua leira, (...) bem como o direito de a ela acederem pela servidão de passagem referida” (cf. doc. n.º 5 junto com a p. i).[3]

            20) Os Réus não cumpriram com determinado nessa sentença, pelo que os aí AA. NN e marido intentaram contra os aí Réus ação executiva para prestação de facto que corre termos no Juízo de Execução ... sob o n.º 3277/14...., na qual foi habilitada a Ré CC em substituição de seus pais JJ e mulher, entretanto falecidos.

            21) Confrontados com as referidas sentença e ação executiva, os Réus, mancomunados uns com os outros, após a morte de II, mãe da Ré CC, conceberam um plano a fim de ultrapassar as consequências derivadas desses processos judiciais, ou seja, a desobstrução da passagem para o interior do prédio rústico supra identificado em 4), e a reposição da leira de NN e marido.

            22) Para tanto, começaram por proceder à habilitação dos herdeiros da falecida II, que realizaram no Cartório Notarial ..., em 11.02.2013 (cf. doc. n.º 9 junto com a p. i.).

            23) De seguida, em 27.01.2014, apresentaram no competente Serviço de Finanças, para juntar ao Processo de Imposto Sucessório por óbito da mãe da Ré CC, uma relação adicional de bens relativa a 4/5 do prédio rústico supra identificado em 4) (cf. doc. n.º 9 junto com a p. i).

            24) Após, munidos das referidas escritura de habilitação e relação adicional, registaram essa fração em nome da Ré CC, casada com o Réu BB na comunhão de adquiridos, na ... CRP ..., onde figura descrito sob o n.º ...27, da Freguesia ... (cf. docs. n.ºs 9 a 12 e 16 juntos com a p. i.).

            25) Após, a Ré CC, intentou contra vários vizinhos, entre eles NN e marido, uma ação declarativa com processo comum, que correu termos na Instância Central Cível ..., da Comarca ..., sob o n.º 528/14...., na qual, ademais, peticionou: “a) seja reconhecida e declarada a propriedade da autora sobre a quota-parte de 4/5 do prédio rústico, com a área total de 2 370 m2, sito em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, da União das Freguesias ... e ..., e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30, da mesma freguesia. b) Sejam os réus condenados a reconhecer a propriedade da Autora e absterem-se de a perturbar, lesar ou diminuir o exercício desse direito. c) sejam os réus condenados a reconhecer a existência do caminho público a poente do prédio da autora, que une o cemitério de ... à Rua ..., respeitando os seus precisos limites, e a absterem-se de perturbar ou diminuir, por qualquer meio, a livre passagem de pessoas, carros ou animais (cf. docs. 11 e 12 juntos com a p. i.).

            26) Nessa ação foi admitida a intervenção do cônjuge da aí A., e aqui Réu BB.

            27) Nessa ação, realizado julgamento, foi em 31.01.2017 proferida sentença, transitada em julgado que julgou a ação totalmente improcedente por não provada e, em conformidade, absolveu os Réus do pedido, e condenou a A. como litigante de má-fé (cf. sentença junta com a p. i. sob o doc. n.º 11 e acórdão da RC de 26.9.2017, juntos com a p. i.).[4]

            28) Nessa sentença julgaram-se provados, ademais, os seguintes factos:

            «1 - Encontra-se descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...27, da União de Freguesias ... e ..., com inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor da autora na proporção de 4/5 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, um prédio rústico, com a área total de 2370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, ali se encontrando descrito como a confrontar a Norte com GG; a Sul com HH; a Nascente com Estrada; e a Poente com Caminho.

            2 - Tal registo foi conseguido mediante a apresentação da escritura de habilitação de herdeiros por morte da mãe da autora e da respetiva cópia da relação de bens que tinha apresentado no Serviço de Finanças e na qual a autora incluiu os 4/5 do prédio em questão.

            3 - II e mãe da autora e faleceu em .../.../2012.

            4 - GG além da mulher viúva e cabeça de casal OO, deixou ainda como herdeiros os seguintes filhos:

            - PP, solteira, maior;

            - QQ, casado com RR;

            - SS, casada com JJ;

            - TT, solteira, maior;

            - UU, casada com VV;

            - WW, casado com XX;

            - YY, solteira, menor.

            (…)

            7 - O prédio aludido em 1. foi participado já nesses termos junto do Serviço de Finanças ..., em 29-01-2013, para efeitos de tributação em Imposto do Selo, logo após o falecimento da mãe da autora.

            8 - O prédio aludido em 1. deixou de confrontar a Nascente com Estrada, e passou a confrontar com prédio urbano, entretanto construído, com a área total de 534,8 m2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...11, da União de Freguesias ... e ....

            9 - Em consequência de uma doação, nessa parte, feita ainda em vida dos pais da autora, a favor da neta EE (filha da autora).

(…)

            20 - O prédio aludido em 1. não tem comunicação direta com a via pública.

(…)

            22 - O prédio aludido em 1. foi propriedade de KK e mulher ZZ.

            23 - Tendo, após a sua morte, sido herdado pelos sete filhos do casal, na proporção de um sétimo indiviso para cada um, concretamente:

            • AAA, casada com BBB (1/7);

            • CCC, casada com DDD (1/7);

            • EEE, casado com FFF (1/7);

            • GGG, casada com HHH (conhecido por III) (1/7);

            • JJJ, casada com KKK (1/7);

            • LLL, casada com MMM (1/7); e

            • NNN, casado com OO (1/7).

            24 - Por morte de NNN e OO, o sétimo indiviso destes foi herdado pela filha do casal II e marido JJ.[5]

            25 - Que tiveram uma única filha, ou seja, a autora CC.

            26 - Logo que os filhos/herdeiros do KK e mulher ZZ herdaram destes o prédio com o artigo rústico ...64 dividiram-no por acordo verbal em sete leiras, ficando cada um com a respetiva leira, as quais demarcaram.

            27 - A primeira leira do lado nascente, confinante com caminho/estrada, foi atribuída aos avós maternos da autora (NNN e OO) e destes passou para os pais da autora (II e JJ).

            28 - A leira a seguir, ou seja, a segunda a contar do lado nascente foi atribuída à herdeira AAA e marido BBB.

            29 - Sendo que cada um destes legou a respetiva metade da leira do casal à ora ré NN.

            30. Aos demais herdeiros de KK e mulher foram atribuídas as leiras subsequentes, que por morte dos mesmos se transmitiram para os respetivos herdeiros (...)

            31 - Cada um dos filhos do KK e mulher e posteriormente os respetivos sucessores daqueles, a partir do acordo verbal de divisão do prédio com o artigo ...64 e da atribuição da respetivas leiras passaram a cultivá-las, lavrando-as, semeando-as e colhendo os respetivos frutos, factos esses praticados, com exclusão de outrem, há mais de 20, 40 e 50 anos, sem interrupção no tempo, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, ignorando lesar direitos de outrem e na convicção de serem os titulares do respetivo direito de propriedade.

            32 - Os avós outorgaram uma escritura de justificação notarial constante de fls. 105 a 109 tendo de seguida doado à neta EE o prédio ali mencionado.

            33 - Subsequentemente, após correção da área do artigo 1116 que tinha apenas 200 m2 e passou para 571,8m2, a EE apresentou na Câmara o pedido de licenciamento de construção duma moradia unifamiliar naquela leira.

            34 - O qual lhe foi deferido e ali construiu uma casa, ou seja, a que é referida em 8.

            35 - O acesso às diversas leiras que resultaram da divisão do antigo prédio rústico com o artigo ...64 sempre se fez, a pé e com carro de bois, através de uma faixa de terreno, localizada na estrema norte da leira atribuída aos avós da autora e que se transmitiu posteriormente para os pais desta e ultimamente para a sua filha EE, iniciando-se junto à estrada a nascente e prosseguindo para poente junto à linha divisória com o prédio confinante que há muitos anos é constituído por vinha, percorrendo todas as leiras até atingir a última a poente.

            36 - Ali existindo sinais visíveis e permanentes dessa passagem, tais como rastos de carros e pegadas de pessoas e animais e a terra calcada.

            37 - Resultantes da passagem de todos os donos das diversas leiras, quando iam e regressavam do seu amanho.

            38 - Factos esses praticados durante mais de 20, 30 e até 50 anos, sem interrupção no tempo, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, ignorando lesarem direitos de outrem e na convicção de serem os titulares do respetivo direito de passagem.

            39 - Tendo apenas sido interrompidos pelas obras preparatórias da construção da casa da filha da autora e pelas obras inerentes a essa construção, a qual, com os respetivos muros de delimitação, ocupa toda a largura da leira.

            40 - Impedindo assim o acesso às leiras localizadas a poente da referida casa.

            41 - A existência do direito de propriedade dos RR. NN e marido sobre a respetiva leira e de tal acesso/servidão de passagem já foram reconhecidos na ação n.º 592/2002, ... Juízo Cível da Comarca ... que aqueles réus (NN e marido OOO), bem como o pai daquela, BBB, intentaram contra os pais da autora (II e JJ) e contra a filha da autora e respetivo marido (EE e DD).

            42 - Tendo estes últimos sido condenados a:

            “Demolir, no prazo de 30 dias, as partes da construção que ofendem os direitos de propriedade e de passagem dos autores para a sua leira, deixando livre a faixa de terreno que sempre constituiu o leito da servidão de passagem, demolição essa que abrange o muro referido no ponto 11 dos factos assentes desta sentença na parte em que ocupa a leira dos autores.

            A restituir aos autores de imediato a parte da parcela de terreno que é propriedade destes, repondo-a no prazo de 30 dias ao seu estado anterior à construção e terraplanagem, nomeadamente o cômoro que separava as leiras identificadas nos artigos 9 e 10 da petição.

            A absterem-se no futuro da prática de quaisquer atos que ofendam a posse ou o direito de propriedade dos autores sobre a sua leira, nomeadamente através da abertura de portas e janelas a menos de 1,5 m da leira dos autores, bem como o direito de a ela acederem pela servidão de passagem referida”.

            43 - A autora tem pleno conhecimento da referida sentença condenatória.

            44 - A qual se encontra em fase de execução desde 27/4/2007, data em que foi requerida».

            29) Na fundamentação de direito da referida sentença proferida na ação n.º 528/14.... exarou-se:

            “A Autora não logrou fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito.

            Com efeito, não só a A. não logrou a demonstração da sua posse sobre o prédio de que se arroga proprietária até à presente data e com um período de tempo necessário à verificação da aquisição originária, como resulta da factualidade provada que a autora nunca foi detentora de qualquer direito sobre tal prédio, uma vez que a parte que os seus pais nele tiveram doaram-no à neta EE (filha da autora).

            (...) provado ficou ainda que a inscrição registal de 4/5 desse prédio que a autora fez em seu nome não corresponde a qualquer direito da mesma, o qual inexiste na sua titularidade.

            Tal registo foi conseguido mediante a apresentação da escritura de habilitação de herdeiros por morte da mãe da autora e da respetiva cópia da relação de bens que tinha apresentado no Serviço de Finanças e na qual a autora incluiu indevidamente os 4/5 do prédio em questão.

            De qualquer forma, como supra aludido, resulta ilidida no caso a presunção emergente do registo.

            Tal implica a improcedência do pedido principal formulado pela A. e, subsequentemente, na improcedência dos demais pedidos, derivados daquele principal.”.

            30) Os Réus não desistiram de ultrapassar, conjuntamente, as consequências resultantes das decisões proferidas na ação n.º 592/2002, ainda em execução, e na ação n.º 528/14.....

            31) Assim, em 23.11.2018, apresentaram no competente Serviço de Finanças, no processo de II, falecida mãe da Ré CC, uma nova relação adicional de bens, agora respeitante a 1/5 (o que restava) do prédio rústico supra referido em 4) (cf. doc. n.º 14 junto com a p. i).

            32) De seguida, munidos da escritura de habilitação de herdeiros, que já detinham, e da nova relação adicional de bens, requereram, e conseguiram, a retificação da inscrição predial, através da CRP ....

            33) Com tais procedimentos tinham em vista a apropriação do prédio rústico supra identificado em 4), e, por essa via, resolver o processo executivo decorrente da ação sumária n.º 592/2002.

            34) Após tal atuação, o Réu BB, em dezembro de 2019, conluiado com os demais Réus, na ausência do A., colocou uma rede de arame, suportada em estacas de madeira, a todo o comprimento da estrema norte do prédio supra identificado em 1) (estrema sul do prédio rústico supra identificado em 4)), por dentro de um corrimão de oliveiras do prédio supra identificado em 1), a delimitar uma parcela do terreno com cerca de 2,5 m de largura.

            35) De imediato, o A., por intermédio do seu mandatário, escreveu ao Réu BB uma carta registada, com aviso de receção, datada e enviada em 23.12.2019, para, caso tivesse sido ele (o A. só posteriormente teve a certeza), retirar as estacas, os prumos e a rede, em 8 dias, sob pena de ser o próprio A. a retirar tudo (cf. docs. 19 e 20 juntos com a p. i.).

            36) Essa carta foi devolvida por não atendimento e por não haver sido reclamada a sua entrega (cf. docs. 20 e 21 juntos com a p. i.).

            37) O A., passado o prazo, retirou tudo.

            38) De seguida, o Réu BB, também na ausência do A. e acordado com os demais Réus, foi às estremas norte-nascente do prédio supra identificado em 1), junto à estrada, e construiu um murete em cimento distante cerca de 3 m do muro de vedação do lado sul da casa de habitação dos Réus DD e EE, paralelo a esse muro, no sentido nascente-poente.

            39) E a toda a largura do espaço, à entrada, colocou uma corrente de vedação, suportada em dois prumos metálicos, munida de um sinal de proibição de estacionamento.

            40) Nesse espaço, entre o murete e a casa dos Réus DD e EE, depositou entulho ou detritos.

            41) A partir de então, os Réus, uns e outros, passaram a colocar, com frequência, defronte do espaço ou local ocupado do prédio supra identificado em 1), o veículo automóvel de matrícula ..-..-IH, propriedade da Ré FF, filha dos Réus DD e EE e neta dos Réus BB e CC, numa manifestação de posse e propriedade do espaço, por forma a assegurar por aí uma passagem para o prédio rústico supra referido em 4).

            42) Procurando, assim, o Réu BB e os demais, terem uma passagem para o prédio rústico supra identificado em 4), à custa do prédio supra identificado em 1), para dele se apropriarem e na tentativa de criarem uma passagem substitutiva daquela outra que obstruíram com a construção da casa.

            43) O A. participou à GNR/SEPNA, a colocação pelos Réus do entulho ou resíduos, na intenção de que por eles fossem retirados e fossem sancionados (cf. doc. 26 junto com a p. i).

            44) Esta situação do murete e dos entulhos ainda hoje permanece, apesar daquela participação.

            45) Sendo que desde há uma semana, pelo menos o Réu BB está a fazer passagem, incluindo com trator, para o prédio supra referido em 4), pelo espaço que criou no prédio supra identificado em 1).

            46. Os Réus vêm atuando da forma descrita sobre o prédio supra identificado em 1), ademais, por a aquisição do prédio supra identificado em 4), se encontrar registada a favor da Ré CC.

            2. Consta da fundamentação do acórdão desta Relação de 26.9.2017, nomeadamente:[6]

            - A A. CC nunca foi detentora de qualquer direito sobre o prédio rústico sito em ..., com a área total de 2 370 m2, inscrito na matriz predial sob o art.º ...30 (anterior ...4) e descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, uma vez que a parte que os seus pais nele tiveram doaram-na à Ré EE (neta).

            - A inscrição registral de 4/5 desse prédio que a A. fez em seu nome não corresponde a qualquer direito da mesma, o qual inexiste na sua titularidade, nem se entende donde possam provir tais 4/5, o que apenas por lapso ou puro erro pode ter sido registado.

            - A A. sempre e desde pelo menos 2007/2012 que sabe que não é dona de qualquer leira no antigo prédio do artigo ...4, pelo que instaurou a presente ação sem fundamento real e contra decisões judiciais que conhecia e que claramente decidiram contra o seu pretendido direito de propriedade.

            - Logo, agiu de má fé [foi confirmada a sua condenação a esse título].

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer (art.º 30º, n.º 1, do CPC). O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2). Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3).

            Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (art.º 567º, n.º 1, do CPC). É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito (n.º 2). Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado (n.º 3).[7]

            4. No preâmbulo do atual Código do Registo Predial (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06.7), indicam-se,  entre outros,  os seguintes objetivos e princípios: a desejável fluidez e clareza do comércio jurídico imobiliário; a valorização da fé pública registral, com base no princípio da legitimação de direitos sobre imóveis titulados judicial ou extra judicialmente; a simplificação processual, com reflexo numa maior participação do público e na obtenção mais expedita das garantias do registo; o trato sucessivo como pressuposto do processo registral; a relevância das alterações introduzidas no domínio da provisoriedade por natureza e do cancelamento ou conversão oficiosos dos registos.

            Prevê-se no respetivo regime jurídico, nomeadamente:

            - O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.º 1º).

            - Estão sujeitas a registo, designadamente: as ações que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento; as decisões finais das ações referidas nas alíneas anteriores, logo que transitem em julgado (art.º 3º, n.º 1, alíneas b) e c)).

            - O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (art.º 7º).

            - A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo (art.º 8º, n.º 1, na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7).

            - Salvo o disposto no n.º 3, devem promover o registo dos factos obrigatoriamente a ele sujeitos as entidades que celebrem a escritura pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas neles apostas ou, quando tais entidades não intervenham, os sujeitos ativos do facto sujeito a registo (art.º 8º-B, n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 30/2017, de 30.5). Estão ainda obrigados a promover o registo: a) Os tribunais no que respeita às ações, às decisões e a outros procedimentos e providências ou atos judiciais; b) O Ministério Público, no que respeita às apreensões em processo penal que tenha autorizado, ordenado ou validado, e quando, em processo de inventário, for adjudicado a incapaz ou ausente em parte incerta qualquer direito sobre imóveis; c) Os agentes de execução, ou o oficial de justiça que realize diligências próprias do agente de execução, quanto ao registo das penhoras, e os administradores judiciais, quanto ao registo da declaração de insolvência (n.º 3).

            - Os efeitos do registo transferem-se mediante novo registo e extinguem-se por caducidade ou cancelamento (art.º 10º).

            - Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado (art.º 13º, na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7).

            - O registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere; d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte; e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo (art.º 16º, na redação do DL n.º 116/2008, de 04.7).

            - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado (art.º 17º, n.º 1, da redação do DL n.º 125/2013, de 30.8).

            - Têm legitimidade para pedir o registo os sujeitos, ativos ou passivos, da respetiva relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele tenham interesse ou que estejam obrigadas à sua promoção (art.º 36º, na redação do DL n.º 116/2008, de 04.7).

            - O registo efetua-se mediante pedido de quem tenha legitimidade, salvo os casos de oficiosidade previstos na lei (art.º 41º, na redação do DL n.º 116/2008, de 04.7).

            - Quem fizer registar um ato falso ou juridicamente inexistente, para além da responsabilidade criminal em que possa incorrer, responde pelos danos a que der causa (art.º 153º, n.º 1).

            5. Ao princípio da publicidade em matéria de direitos reais subjaz a ideia de que, tratando-se de um direito erga omnes, o direito das coisas deve ser conhecido ou cognoscível das pessoas que virtualmente ele afete, designadamente de terceiros, sendo óbvio que o lado externo do direito real (i. é, o facto de o direito sobre as coisas se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica/eficácia erga omnes) tem de exigir uma publicidade suficiente para se dar a conhecer a terceiros um fenómeno que por definição lhes diz respeito.

            É essa tutela/advertência de terceiros que preside aos meios de publicidade estabelecidos por lei, em especial ao instituto do registo nas suas várias manifestações: predial, automóvel, de navios, etc.[8]

            6. No apenso A. (procedimento cautelar) foi deferida a providência antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito de propriedade do A. (art.º 362º, n.º 1, do CPC), a que respeitam, sobretudo, os pontos 2., 3. e 4. da parte injuntiva da sentença proferida nos presentes autos (cf. ponto I., supra).

            Aparentemente, não obstante as vicissitudes adjetivas destes autos, os demandados acabaram por reconhecer a justeza da condenação e dizem que já lhe deram o necessário e devido cumprimento[9], pelo que, não suscitadas quaisquer questões sobre o enquadramento jurídico do caso[10], nada se deverá acrescentar ao reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) e à ordenada  restituição da coisa (condemnatio) conforme decidido na sentença sob censura.

            7. Relativamente a estas matérias, dúvidas não existem sobre a legitimidade ativa e passiva dos intervenientes nos autos [cf., por exemplo, II. 1. 8), 12) a 13), 26), 30), 34), 38), 39), 40), 42), 44) e 45), supra, e art.º 30º do CPC, legitimidade também inerente ao arrazoado levado à p. i.].

            E o mesmo se diga quanto ao restante objeto da cognição e pronúncia do Tribunal a quo, porquanto, se existem terceiros que têm vindo a ser afetados com a atuação dos Réus [cf., v. g., II. 1. 16 a 21) e 25), supra], A. e Réus (todos os Réus) estão igualmente implicados e revelam interesse na dilucidação e resposta a uma realidade que, repercutindo-se na esfera patrimonial das partes, a lei reprova e fulmina com a nulidade, por totalmente avessa à transparência, à verdade e ao rigor do sistema de registo predial entre nós instituído [cf., principalmente, II. 1. 4) a 6), 21), 22 a 24), 25), 27), 28), 29), 30) a 33) e 46, e II. 5., supra, e, nomeadamente, art.ºs 1º, 8º-B, n.º 3, 10º, 16º, alínea a) e 36º do Código do Registo Predial].[11]

            8. Ademais, sendo notório o interesse direto dos Réus em contradizer todo o pedido formulado na p. i., também se dirá que à semelhança da estratégia adotada, por exemplo, no recurso decidido pelo citado acórdão desta Relação de 26.9.2017 - que concluiu, além do mais, pela “total falta de razão de ser” para “a fundamentação do recurso interposto quanto à matéria de facto e quanto à decisão de direito” (cf. fls. 105) -, os Réus limitam-se a suscitar questões sem o menor suporte material, na expectativa de que um qualquer aventado pressuposto ou incidente obnubilasse a total falta de fundamento da sua (o)posição.

            9. A Ré CC não é dona do prédio rústico aludido em II. 1. 4), supra, o que bem sabe, e tem sido declarado em Tribunal (cf., designadamente, II. 2., supra) (!), ante o falso conteúdo da documentação que corporizou os dois pedidos que submeteu à Conservatória do Registo Predial.[12]

            Dúvidas não restam, pois, de que está ilidida, de forma clara (e múltipla), a presunção de que gozava a Ré CC, ancorada no disposto no art.º 7º do Código do Registo Predial [cf. art.º 350º, n.º 2, do CC e, sobretudo, II. 1. 28) e 29) e II. 2., supra].

            10. No que concerne à problemática da nulidade do registo que a Ré CC ousou promover, por demais evidenciada nos autos e génese da generalidade dos litígios que vão tendo como principais “protagonistas” aquela Ré e familiares, não vemos a menor razão para que não tenha o desfecho para que se apontou na p. i. dos presentes autos e se considera acolhido nas disposições legais aludidas em II. 4. e 7, supra.

            Na verdade, o A. impugnou a inscrição predial da aquisição dita em II. 1. 4) a 6), supra, a favor da Ré, aludindo, inclusive, à realidade processual e substantiva bem documentada nos autos, detidamente analisada e ponderada em Tribunal (na 1ª e 2ª instâncias), como se sintetiza na decisão recorrida (fundamentação): da factualidade provada conclui-se, sem margem para dúvidas, que a Ré MM, não é, nem nunca foi, proprietária do prédio rústico com a área total de 2370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, da União de Freguesias ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia. / A factualidade provada mostra à saciedade uma divergência entre a realidade material e a realidade registral (cf. factos provados sob os n.ºs 21 a 33). / A Ré MM não é, nem nunca foi proprietária do identificado prédio, cuja aquisição se encontra inscrita no registo predial a seu favor; o A. logrou ilidir a presunção de propriedade da Ré sobre tal prédio.

            11. Daí, a consequência ditada pela factualidade apurada e o apontado regime jurídico: o cancelamento do registo.

            12. Resta dizer que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo observou o comando contido no n.º 2 do art.º 567º do CPC, porquanto, considerados os factos alegados pelo A. como confessados, julgou a causa aplicando o direito aos factos admitidos, não ocorrendo qualquer exceção ou questão prévia que a tal obstasse.[13]

            Acresce lembrar que a inscrição registral do direito de propriedade (ainda que válida...) faz presumir que o direito existe sobre o bem descrito e nos termos em que o registo o define[14]; contudo,  quanto à composição física ou fatores descritivos/identificadores do prédio, designadamente em termos de áreas, limites e confrontações, o registo não faz operar tal presunção, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência.[15]

            13. Não podemos deixar de sublinhar o teor manifestamente excessivo e insubsistente, por exemplo, das “conclusões 49ª e 50ª” (da 1ª Ré), ponto I., supra.[16] 14. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.

             


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.      

Custas pelos Réus, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozem.          


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07.11.2023


 

           


[1] Recursos tempestivos (como decorre da lei e se explicita no despacho que os admitiu).

[2] Nos termos do artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e vistos ainda os documentos juntos aos autos.”
[3] Cf. documento de fls. 61.

[4] Cf. documentos de fls. 42 e 95.
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[6] Reproduzida a fls. 105 destes autos.

[7] Tal regime, não se aplica: a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar; b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta; c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter; d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito (art.º 568º do CPC).
[8] Vide Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, Centelha, pág. 242 e texto complementar/policopiado, pág. 297 e, nomeadamente, L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), Quid Juris, Lisboa, 2010, págs. 89 e seguintes e 128 e seguintes.

[9] Cf., por exemplo, a parte final do art.º 73º da fundamentação da alegação de recurso da Ré CC - ao arrepio, diga-se, do que parece decorrer das conclusões 30ª e seguintes da respetiva alegação de recurso, ponto I., supra -: “(...) sobre parte prédio rústico de que (o A.) é legítimo dono e possuidor, o que motivou, de resto, que tivesse reagido contra os mesmos (Réus) em sede cautelar e ali obtido logo o propósito desejado, cumprido voluntariamente desde logo pelos RR no âmbito da dita sentença ali proferida” (sublinhado nosso).
[10] Não obstante o dito do arrazoado (algo contraditório) aludido na “nota” que antecede e o expendido, por exemplo, em II. 12., infra.
[11] Tendo presente o princípio da legalidade (cf. art.º 68º do Código do Registo Predial), máxime na vertente substancial, sabemos que o Conservador tem a obrigação de se pronunciar sobre a viabilidade do pedido de registo, tomando em conta a validade substancial dos atos a registar, ou seja, uma função próxima da do juiz – vide L. Carvalho Fernandes, ob. cit., págs. 117 e seguinte.
[12] Quiçá, abusando da (aparente) menor exigência em situações de património imobiliário duma herança indivisa [cf., por exemplo, II. 1. 5) e 6), supra, e art.ºs 9º, n.º 2 e 35º do Código do Registo Predial].

[13] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 164 e J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, volume 2º, págs. 268 e seguinte.
[14] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 24.4.2007-processo 07A853, publicado no “site” da dgsi.

[15] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 29.10.1992, 23.9.2004- processo 04B2324 e de 28.6.2007-Proc. 07B1097, publicados, o primeiro, no BMJ, 420º, 590 e, os demais, no “site” da dgsi.
[16] Em linha, diga-se, com o que uma Exma. Patrona, nomeada ao 1º Réu, se dignou manifestar/informar nos autos como fundamento do seu pedido de escusa – nas circunstâncias aí descritas, viria a concluir que aceitar o patrocínio seria “uma violência daquilo que considera justo” (cf. fls. 29 e 30)!