Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1260/21.9T8FIG.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
DIREITOS DE PERSONALIDADE
OFENSAS AO CÍRCULO BIOLÓGICO HUMANO
DIREITOS SUBJECTIVOS DOS SÓCIOS
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 70.º; 160.º, 2; 389.º E 1305.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 5.º E 6.º, N.º 1, DO CSC
ARTIGOS 5.º; 362.º, 1; 412.º E 489.º, DO CPC
Sumário: i) A impugnação da decisão da matéria de facto deve ser indeferida se a alteração pretendida consiste, na utilização do advérbio “sobretudo” e no acrescento de “outros” à existência comprovada de resíduos de plástico, se, relativamente ao aludido advérbio não se divisar qual o seu relevo fáctico-jurídico, e quanto à outra parte, no requerimento inicial a impugnante não ter referido a sua existência, muito menos os concretizando, nem agora em recurso o fazendo; devia tê-lo feito, se relevantes, no seu req. inicial (art. 5º, nº 1, do NCPC) ou na sua impugnação recursiva (nº 2, b), do mesmo normativo), indicando quais eles eram especificamente e quais as provas em concreto (art. 640º, nº 1, b) e c), do NCPC);
ii) Como é sabido a pessoa física legal representante não se confunde com a pessoa colectiva representada (art. 5º do Cód. Soc. Comerciais); se a recorrente alegou no seu requerimento inicial que o requerido agiu em nome próprio, não pode agora, em impugnação recursiva sobre a decisão da matéria de facto, pretender que afinal o mesmo agiu na qualidade de legal representante de entidade societária terceira;
iii) É infrutífero recorrer ao regime da notoriedade dos factos para comprovar que uma pessoa física singular agiu ou em seu nome ou diferenciadamente como legal representante de sociedade, ou que resíduos plásticos são tóxicos, poluentes e inflamáveis, com recurso à figura dos factos notórios, pois como é óbvio não são do conhecimento geral as apontadas circunstâncias (art. 412º do NCPC);
iv) Não se estando perante providência cautelar, para defesa de interesses difusos, só os direitos subjectivos podem operar;
v) Os direitos de personalidade, previstos, no art. 70º, nº 1, do CC, estão ligados basicamente à personalidade física ou moral do ser humano, e em casos particulares das pessoas colectivas; as ofensas no círculo biológico respeitam apenas ao ser humano, ofensas físicas às pessoas colectivas não existem;
vi) Dentro do círculo biológico, que abrange a vida e a integridade física, temos, designadamente, os direitos à saúde, ao repouso e sono, a protecção contra emissão de ruídos e cheiros, o direito à qualidade do ambiente, a qualidade de vida;
vii) As potencias violações dos direitos de personalidade da requerente, sociedade comercial, como direitos ao ambiente, à qualidade de vida, à saúde - aliás não comprovados – não teriam cobertura legal;
viii) Em relação à violação de direitos subjectivos dos sócios da requerente não tem esta legitimidade para interpor qualquer providência cautelar não especificada, pois não é ela a lesada no seu direito (art. 362º, nº 1, do NCPC);
ix) Não concretizando a requerente de providência cautelar não especificada quaisquer prejuízos patrimoniais, irreparáveis ou de difícil reparação, que para a mesma requerente possam advir/advenham da circunstância de estar impedida pelo requerido de utilizar a parte do seu prédio por este ocupada com materiais, ou de que forma o depósito desses materiais ameaça as suas instalações (ainda por cima quando a ocupação já remonta há mais de 3 anos), nada sendo, outrossim, alegado quanto à (in)capacidade económica do requerido e à eventual dissipação de património que não lhe permita suportar uma eventual indemnização, não se verifica o requisito legal do periculum in mora.
Decisão Texto Integral: Nº 803

I – Relatório

1. A..., Lda, com sede em ..., intentou providência cautelar não especificada contra AA, residente na ..., pedindo que o mesmo seja condenado a: - proceder no prazo máximo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, à remoção e entrega dos identificados resíduos plásticos a entidade devidamente credenciada e licenciada para o efeito; - pagamento a título de sanção pecuniária compulsória de quantia diária nunca inferior a 50 € por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação que vier a ser sentenciada – art. 829º-A do Cód.Civil.

Alegou, em suma, que o requerido, em Maio de 2018, colocou cerca de 200 toneladas de resíduos plásticos contendo vários produtos tóxicos e poluentes, no limite poente do logradouro do prédio propriedade da requerente; que o requerido se recusa a remover tais resíduos; que já denunciou a situação às entidades competentes, as quais nada fizeram; e que a actuação do requerido lhe causa incómodos e prejuízos, designadamente: Um - impossibilidade da requerente aceder à parte sul do logradouro da sua propriedade, na qual se encontra um poço (em cima do qual o requerido depositou parte dos resíduos plásticos), o qual é indispensável ao abastecimento não só da unidade fabril da requerente como também ainda duma pequena quinta pertencente aos sócios, razão porque estes agora têm de servir-se de um outro pequeno poço e da água da rede para regar e dar de beber aos animais, tudo com prejuízo ainda dessa rega e da própria higiene dos animais. Dois – necessidade de se ver obrigada a recorrer a um reservatório que “encheu” no Inverno para ocorrer às emergências no Verão. Três – porque no poço existe uma bomba que é abastecida por cabo eléctrico, cabo eléctrico este que foi deteriorado por se encontrar debaixo dos resíduos, vê-se a requerente impossibilitada de fazer uso dessa bomba por a qualquer momento poder ocorrer um curto circuito e até mesmo um incêndio de maior ou menor dimensão. Quatro – porque aqueles resíduos plásticos, como é consabido, são de fácil combustão e de difícil apagamento, são um perigo eminente não só para a população que reside na zona, como também ainda, sobretudo, nas seguintes empresas sediadas num raio de cerca de 200 metros: empresa de serração que tem sempre em stocks milhares de metros cúbicos de madeira; dois parques de madeira pertencentes à fábrica de papel, nos quais se encontram milhares de metros cúbicos de madeira de eucalipto; um posto de abastecimento de gasolina; estação do caminho de ferro onde são manobrados milhares de metros cúbicos de madeira; as próprias instalações da requerente onde laboram actualmente cinco empresas; que o preço da sua remoção importa quantia estimada em 27.100 € e que a requerente se encontra numa situação financeira difícil; receia que a conduta do requerido lhe cause a si e a terceiros lesões graves e de difícil reparação, bem como ao bem estar ambiental, assim violando os arts. 70º e 1305º do C. Civil.

O requerido apresentou oposição, onde, além do mais, impugnou a factualidade alegada, concluindo pela improcedência do procedimento por não se verificarem os necessários pressupostos. Requereu, ainda, a condenação da requerente em indemnização, como litigante de má fé.

Foi proferida decisão que indeferiu a providência, a qual foi revogada nesta Relação, para produção de prova.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar, absolvendo o requerido dos pedidos.

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2. A requerente recorreu, concluindo que:

A- A discordância da Recorrente quanto à alteração da matéria de facto e consequentemente pedido de reapreciação, prede-se não só com as expressões “materiais plásticos” indevidamente constantes em B e E dos Factos Provados, como também com a deficiente e incompleta matéria fáctica constante em E de tais Factos Provados, como ainda a matéria fáctica constante em 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10 dos Factos Não Provados da D. Sentença.

B– A fim de melhor se poder aquilatar da bondade da decisão no que respeita à matéria fática ora posta em causa, atente-se não só a tudo o que melhor consta, entre outras, na Lei 178/2006 de 5 de Setembro, Dec. Lei 147/2008 de 29 de Julho, e entre outras na Lei 83/98 de 31 de Agosto e Lei 50/2006 de 29 Agosto, transcritas em II, III e IV das presentes alegações.

C – Para o efeito, atente-se ainda à seguinte vasta prova documental que a Mma. Juíza “a Quo” indevidamente desvalorizou por completo, apesar de, duma simples leitura e análise da mesma, facilmente se concluir, no sempre modesto entender da Recorrente, que a matéria fáctica da D. Sentença recorrida e ora posta em causa, deve ser objecto de reapreciação e a sua consequente alteração:

a)- Doc. 1, 2, 3, 4, 12 a 25 da PI.

b) Os seguintes documentos juntos à Oposição pelo Requerido:

b.1 – Como Doc. 3 a seguinte transação homologada por sentença no processo que correu os seus termos sob o n.º 1047/18.... - Juiz ... do Juízo Central Cível ....

b.2 – Como Doc. 4 todas as treze guias de transporte dos big bags das anteriores instalações ocupadas pela B... sitas na Quinta ... para os armazéns e logradouro da A..., Lda, sitas em ..., nos quais textualmente consta carga de plástico diverso a granel com a classificação de mercadorias perigosas.

b.3 – O que o Requerido expressamente refere nos Art. 14.º, 15.º, 16.º e 27.º da Oposição.

b.4 – Relatório Pericial junto aos autos a coberto do email enviado pelo seu autor, Eng. BB em 28 de Março de 2022, e nítidas e expressivas fotografias em anexo ao mesmo.

b.5 – Comunicação feita pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente aos autos no seu ofício datado de 22 de Julho de 2022 no qual a técnica superior que o subscreve

alerta o Tribunal que a perícia solicitada carece duma análise laboratorial dos resíduos em questão a fim de aferir da sua perigosidade, análise esta para o qual o laboratório da APA não se encontrava acreditado, havendo assim necessidade de recorrer a contratação externa, ao mesmo tempo que “alerta o Tribunal de que independentemente dessa análise os resíduos em apreço violam frontalmente a lei de forma nítida.

b.6 – Email enviado aos autos em 10 de Outubro de 2022 pala GNR – ... – D. Pombal NPA, ao qual se anexam as duas contraordenações ambientais nele mencionadas.

b.7 – Relatório Pericial elaborado pelo Eng. CC, junto aos autos em 3 de Maio de 2023, prova documental esta que se encontra transcrita em V das presentes alegações.

D- Ou seja, a Mma Senhora Juíza “a Quo” apesar da acima indicada prova documental na qual resulta à evidência que o Requerido violou frontalmente não só as acima indicadas leis ambientais, como também os consagrados direitos da Requerente dispostos nos Art. 70.º e 1305.º do Cód. Civil, voltou (à semelhança da D. Sentença que antes já havia proferido anteriormente à produção de qualquer prova, em sentença datada de 14 de Setembro de 2021, a qual foi revogada pelo D. Acórdão desta Relação datado de 3.11.2021, junto a fls…dos presentes autos) a concluir inexistir perigo sério de que a demora na decisão definitiva possa acarretar um dano grave e de difícil reparação em frontal violação, no sempre modesto entender da Requerente, dos acima citados dispositivos legais.

E- Ainda, a tal título, discordância da Requerente quanto à alteração da matéria fáctica e consequente pedido de reapreciação, atente-se de igual modo aos seguintes

depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento:

1 – Depoimento prestado na 2.ª Peritagem pelo aí identificado Eng. CC na sessão de julgamento do dia 6 de Julho de 2023 de 00.00.01 a 00.17.43, reproduzido em VII-1 das presentes alegações.

No sempre modesto entender da Requerente, só laborando em nítido e evidente erro de julgamento, valorou por completo a Mma Senhora Juíza “a Quo” tal depoimento, ao classificá-lo prestado, tal como indevidamente refere na D. Sentença ora recorrida, “com garantias acrescidas de rigor e confirmado pela testemunha DD, que sendo Engenheira do Ambiente, confirmou a inexistência de perigo para a saúde e ambiente da permanência dos materiais no local” (SIC) e por tal como aí também refere são “as entidades com competência na fiscalização, mantendo-se no local os materiais colocados, nos termos do Art. 41.º e 42.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto – Lei quadro das contra-ordenações ambientais – as autoridades administrativas, podem determinar medidas cautelares quando esteja em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente.

Ou seja, ignorando por completo não só que os citados Art. 41.º e 42.º da Lei Quadro no seu n.º 1, apenas referirem que a Lei e as autoridades administrativas “podem determinar” e não que elas em exclusivo possam defender o ambiente (e não também os cidadãos sobre também quem recai tal direito), como também ainda por a preservação do ambiente, constituir um direito e dever de cidadania, o mesmo recai sobre todos os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos de um estado livre, em particular “através de simples critérios próprios do homem comum ou “homo prudeus”, sem se fazer apelo à sensibilidade ou intuição do jurista (como vem sendo de forma unânime e jurisprudencialmente defendido) – Neste sentido vidé o que se dispõe nos Artº 70º, 335º nº 2 e 1305º do Cód.Civil.

Aliás, conjugando o conteúdo do relatório de peritagem da autoria do Perito, CC, mormente em 5.1 (Reciclagem), 6 (Conclusões), Nota Final e fotografias juntas ao mesmo, acima transcrito em V – b7 das presentes alegações, com o conteúdo das disposições legais transcritas de igual modo acima em II, III e IV, dos documentos mencionados e transcritos em parte em V – a, b1, b2, b3, b4, b5 e b6 das presentes alegações – com especial relevo para o que consta na comunicação da APA – Agência Portuguesa do Ambiente (b.5), com o depoimento prestado em audiência de julgamento por este Sr. Perito, acima transcrito em VII das presentes alegações, mormente quando aí textualmente refere: “que não viu os big bags todos porque há deles que nem se vêem”. Em 00.12.27 “Eu vi os big bags através do Google de 2022, senão nem os via, só vi alguns, aqueles que estavam à vista de semear, junto ao caminho o resto já não se vê”; Em 00.13.49, 0015.12 e 00.16.01 “existem montículos de terra que eu quis subir, até o Sr. EE me deu a mão para eu não cair. Aquilo ainda está em terra mole, não está rija, eu meto o pé e o pé enterra. Pronto, eu não ia enterrar os pés, é só isso, o resto é vegetação e eu

não vi os big bags todos, é impossível porque a vegetação estava elevada e, penso eu, que não os vi, como não vi, deduzo que estavam lá, não é? Porque tive o cuidado de ir ao Google no ano anterior e ainda se vêem os brancos.”

À pergunta do mandatário da Requerente se admite se há perigo de incêndio ou não, apesar da Mma. Senhora Juíza “a Quo” ter interrompido referindo “Já disse que não, o relatório diz que não”, a insistência daquele referiu textualmente em 00.16.55 ”Atendendo às características do plástico que está lá, polipropileno, polietileno, e tudo isso, pelas características físicas e químicas não”. Acabou depois por referir à pergunta se não há perigo daqueles plásticos se incendiarem com mais facilidade, fazerem até combustão, respondeu em 00.17.43 “se for papel ainda é mais fácil arder.” À pergunta se aqueles materiais ali colocados não está a infringir nenhuma norma, respondeu “normas, não”; À pergunta a violarem disposições ambientais, respondeu ”isso não indaguei, não foi isso que perguntaram.”

Não se compreende assim qual a razão porque a Mma Senhora Juíza “a Quo” apenas valorizou este relatório por, tal como indevidamente refere “oferecer garantias acrescidas de rigor” quando tal relatório foi feito sem qualquer análise laboratorial aos resíduos que aí se encontravam, análise laboratorial que, tal como refere a APA

no seu ofício acima reproduzido em V-b.5, se mostra indispensável à avaliação da perigosidade desses resíduos.

Assim, sem ter feito qualquer análise aos resíduos que avaliou, apesar de bem saber tal como consta no acima identificado relatório da APA, tal análise ser indispensável à avaliação da sua perigosidade, acabou esta testemunha por indevidamente concluir que na maioria desses resíduos não existe toxicidade, inflamabilidades e poluição, para além das anomalias observadas na Nota 6.1, acabou por referir textualmente no seu depoimento que não observou/avaliou todos os resíduos aí existentes – cerca de 200 toneladas – acabando por referir no seu depoimento, que não indagou se o depósito desses resíduos no local em questão violava ou não as leis ambientais por não ter sido isso que lhe perguntaram.

Ou seja, por bem saber que a resposta a tal questão não podia assim ser um verdadeiro “SIM”, conforme tudo melhor se alcança de toda a prova documental acima referida e sobretudo até da própria legislação ambiental em vigor também acima descrita, furtou-se descaradamente desse modo “não me foi perguntado”, enganando assim de modo fácil a Mma Juíza “a Quo” por saber que esta durante todo o seu depoimento (à semelhança de toda a atitude que tomou durante todo o decurso da audiência de julgamento, conforme se prova pela reprodução dos depoimentos de todas as pessoas inquiridas (Sr. Perito e testemunhas), aquela de forma clara e evidente interrompeu o ora signatário ser desnecessário fazer mais perguntas face à prova documental já existente nos autos.

Em suma, também ainda por no sempre modesto entender da Requerente, a Mma Juíza “a Quo” ter ignorado por completo não só toda a legislação civil e ambiental, como também mostrado total falta de sensibilidade para os deveres de cidadania impostos a todos os cidadãos em geral.

2 – Depoimento prestado pela testemunha FF, na sessão de julgamento do dia 6 de Julho de 2023 de 00.00.01 a 00.30.05, reproduzido em VII-2 das presentes alegações.

Esta testemunha às perguntas que lhe foram feitas, de forma simples, precisa e concisa, responde em 00.02.02, 00.05.35, 00.08.02, 00.08.58, 00.11.00, 00.11.51, 00.16.04, 00.18.24, 00.25.37, 00.28.52 e 00.30.05 “Aquilo é uma vergonha… aquilo parece mal, passa lá pessoas, carros… os resíduos, aquilo há-de estar tudo podre, com certeza … aquele lixo está junto à linha de água; uma mãe de água mesmo, tem água todo o ano, a mãe de água fica ao lado e a lixeira está da parte de cima, essa lixeira está perto dos eucaliptos, dois, três metros, tem lá muita quantidade de lixo, aquilo, quem lá for ver, se reparar bem, vê que está lá o eucalitpal e o silvado, onde é silvado está tudo cheio desses sacos. Esse silvado pega com o eucaliptal, há uma fábrica de madeiras antes da chegar à A..., agarrada à A..., ah, para mim aquilo (lixo) não devia de lá estar, é verdade; Não, mau cheiro não, mas aquilo é uma vergonha que lá está, para quem lá passa, porque aquilo tem um largo em frente da cerâmica. Os poços estão retirados pouco dos big bags, dez, quinze, vinte metros. O que lá havia antes era um parque limpo…”

Face a tais concretas respostas dadas pela testemunha com a sua “sabedoria de vida” ao longo dos 85 anos que já tem, após mostrar no seu depoimento a pouca vergonha do lixo que lá existe, referindo em 00.10.04 “quem lá for, se reparar bem, vê que está lá o silvado e onde é silvado, está tudo cheio desses sacos”, especificamente chamou à atenção do Tribunal para a necessidade da própria Mma. Juíza “a Quo” se deslocar para o efeito ao local, para se poder aperceber da gravidade da situação, gravidade essa que a Mma. Juíza “a Quo” indevidamente desvalorizou por completo, apesar de todos os factos relatados pela testemunha indiciarem fortemente não só a violação das acima apontadas leis ambientais, com os invocados direitos de personalidade e de propriedade da Requerente.

3 – Depoimento prestado pela Testemunha FF na sessão de julgamento do dia 6 de Julho de 2023 de 00.00.05 a 00.29.11 reproduzido em VII-3 das presentes alegações.

De igual modo, esta testemunha às perguntas que lhe foram feitas respondeu à semelhança da anterior testemunha também de forma simples, precisa e concisa em

00.03.59, 00.04.42, 00.05.38, 00.10.58, 00.11.50, 00.12.36, 00.13.33, 00.14.24, 00.14.55, 00.19.01, 00.20.06, 00.20.49, 00.21.59 e 00.26.32 ”existem lá uma quantidade enorme de resíduos; não lhe sei dizer as toneladas mas é uma área grande; os big bags estão perto da linha de comboio, cinco, dez metros, à volta existem pinhais ou eucaliptos, vegetação e tem os edifícios também”. “Assim como eu me queixei também ele se queixava frequentemente das big bags lá estarem, eu queixava das big bags que lá estavam porque iam lá clientes, fornecedores, ia lá todo o tipo de pessoal e é um bocado de mau aspecto que aquilo dava.”

“Para além do perigo que era, eu não sou especialista, mas penso que perigo de incêndio, mas penso que o perigo de incêndio é um risco alto; aquilo estava dentro das big bags, alguns rotos tinham partículas fininhas de plástico; eu fazia-lhe queixa

e ele dizia que estava a ser tratado , que ia tratar das coisas, mas estava difícil até que começou a guerra entre ele e o Sr. AA; lá perto, junto, está a industria C..., com muita quantidade de madeiras, biomassa, uma coisa muito, muito inflamável; depois temos vivendas ao lado, moradias, é dentro da povoação da ...; toda a gente sabe que ele tem receio de incêndio daquilo lá estar. Claro, ele tem preocupação com isso, até eu tinha se fosse meu não é, como

qualquer pessoa tem, até os meus fornecedores se queixavam daquilo.”

Face a tais concretas respostas dadas pela testemunha, enquanto cidadão comum com a sua sabedoria de vida, mostrou no seu depoimento o perigo e a pouca vergonha que é continuarem ali durante tão longo lapso de tempo esses resíduos, sem contudo o Tribunal ter dado qualquer relevância, como é devido, a tão fortes indícios de violação das acima apontadas disposições legais ambientais e os consagrados direitos de personalidade e de propriedade da Requerente.

4 – Depoimento prestado pela testemunha GG, nas sessões de julgamento do dia 6 de Julho de 2023 de 00.00.06 a 00.31.11 e na do dia 11 de Julho

de 2023 de 00.00.01 a 00.29.44, reproduzido em VII-4 das presentes alegações.

Face também e de igual modo às concretas respostas dadas pela testemunha enquanto cidadão comum, morador junto do local da questão há já cerca de 40 anos

(o que lhe permitiu de forma clara que existem no logradouro do prédio da Requerente, actualmente e após ter sido desativada a cerâmica, com vários rendeiros

nessas instalações) referiu em 00.03.43, 00.05.06, 00.07.10, 00.09.39, 00.10.42, 00.13.11 e 00.14.11 “existe no logradouro desse prédio uma montanha de lixo, uma parte que é invisível e lá outra que tem silvas, um matagal, perto do poço, vinte, trinta metros cujo acesso está tapado; só se anda lá por cima dessa montanha de lixo, o poço não tem energia porque ele teve de o desligar, aquilo porque tem medo que haja ali qualquer curto circuito e que aquilo vá pelos ares e tem desligado por segurança; existe uma linha de água que passa junto ao poço; lá essa montanha que lá está para trás só indo ver; aquilo é uma linha de água que nasce lá no topo da aldeia e que está sempre a correr”. Esta testemunha tal como as anteriores confirmou o perigo, a gravidade e pouca vergonha que era existirem no local tão tamanho amontoado de resíduos e ainda as preocupações constantes que tal ilícito causa na Requerente desde há tão longo lapso de tempo, nenhuma relevância foi de igual modo assim indevidamente dada pelo Tribunal quanto a tão grave situação; antes desvalorizando-a por completo, como se nada de grave existisse na situação em apreço.

5 – Depoimento prestado pela testemunha HH na sessão de julgamento do dia 11 de Julho de 2023 de 00.00.01 a 00.33.36 reproduzido em VII-5 das presentes alegações.

Esta testemunha, conhecedora do local, não só por residir e possuir instalações comerciais próximas do prédio da Requerente com quem mantém desde há longos anos relações profissionais, quer no tempo da fábrica de cerâmica, quer no actual onde existem cerca de cinco barracões que a A... arrenda a terceiros, quer por ter sido ele, enquanto transportador, quem fez o orçamento (factura-proforma junta à p.i. como Doc. 17, documento este datado de 09.07.2021, no qual consta que o preço global do transporte desses resíduos no valor de 27.010,00€, deve-se sobretudo ao facto da verba de maior valor nele mencionada – 22.000,00€ + IVA – respeita à entrega dessas 200 toneladas de resíduos plásticos (mesmo que tais resíduos não sejam tóxicos) em empresa licenciada para o efeito (aterro sanitário) em cumprimento do imperativelmente disposto nos seguintes dispositivos legais:

- Artº 3º alínea a), l), p), cc) e ee), 6º, 8º, 9º e 21º do Dec.Lei 178/2006 de 5 Setembro (R.E.R.R.).

- Art. 2.º do Dec. Lei 147/2006 de 5 de Setembro

Ou seja, durante esse seu depoimento mostrou perfeito conhecimento do dever de no transporte desses resíduos ser dado cumprimento às leis em vigor, o que no sempre modesto entender da Recorrente foi ignorado pela Mma Senhora Juíza “a Quo”, conforme tudo melhor se alcança quando em 00.26.02 do depoimento das testemunhas, textualmente refere “Muito bem, pronto, mas as testemunhas não veem cá para dar opiniões”.

Numa palavra, no sempre modesto entender da Requerente, agindo em nítido e evidente erro de julgamento.

6 – Depoimento prestado pela testemunha DD na sessão de julgamento do dia 11 de Julho de 2023 de 00.00.01 a 00.35.48 reproduzido em VII-6 das presentes alegações.

Neste inacreditável depoimento prestado pela testemunha que se intitula Engenheira do Ambiente, assessora técnica do Sr. AA sócio gerente da B..., de quem acabou depois da intervenção do advogado da Requerente admitir que se tinha esquecido de dizer que também era sócia minoritária da B..., não se compreende que a mesma tenha de forma contraditória e incongruente sobretudo atento o seu título académico – Engenheira do Ambiente – mostrado desconhecer por completo as mais elementares leis ambientais.

À semelhança do depoimento prestado pelo Engenheiro do Ambiente subscritor do 2.º relatório que inacreditavelmente não quis responder à pergunta que lhe foi feita acerca da violação das leis ambientais, alegando que não tinha sido isso que lhe pediram (perguntaram)!!!

São estes profissionais de Engenharia, as principais testemunhas em quem a Mma. Juíza “a Quo” acreditou e valorizou o depoimento, em detrimento das restantes testemunhas, cidadãos comuns que depuseram de forma simples e concisa em consonância com as leis ambientais.

Aliás também essa as únicas razões certamente porque a Mma. Juíza “a Quo” indeferiu de forma peremptória e inacreditável a Inspeção Judicial ao local formulada

por ambas as partes, tal como tudo melhor consta de 00.33.09 a 00.33.38 durante o decorrer do depoimento da testemunha DD.

F – Dos acima apontados erros de julgamento na apreciação da prova, importa que

seja dada nova redação aos seguintes factos constantes em:

1 – “B” e “E” dos Factos Provados:

a) Facto B – No mês de Maio de 2008, foram colocadas cerca de 200 toneladas de resíduos plásticos e outros, sobretudo no limite poente daquela sua acima identificada propriedade.

b) Facto E – Nenhuma eficácia teve tal denúncia, porquanto, mantém-se ainda no local a totalidade dos resíduos plásticos e outros aí colocados.

2 – Os n.º 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10 dos Factos Não Provados devem passar a constar dos Factos Provados com as seguintes novas redações sob as alíneas M, N, O, P, Q, R e S:

a) – M (anterior facto não provado em 1)

O requerido por si e/ou na qualidade de sócio-gerente e legal representante da sociedade B..., Lda., foi ele quem depositou os resíduos plásticos e outros em B (Para tanto atente-se ainda ao que infra se refere em VIII das presentes alegações.)

b) – N (anterior facto não provado em 2)

Os resíduos plásticos e outros identificados em B), depositados em local não licenciado para o efeito, constituem perigo eminente de forma a poderem causar prejuízos para a saúde humana e para o ambiente.

c) O (anterior facto não provado em 6)

Aqueles resíduos plásticos e outros são de fácil combustão e de difícil apagamento, são um perigo eminente não só para a população que reside na zona, como também ainda, sobretudo, nas seguintes empresas sediadas num raio de cerca de 200 metros: Empresa de serração que tem sempre em stocks milhares de metros cúbicos de madeira; dois parques de madeira pertencentes à fábrica de papel, nos quais se

encontram milhares de metros cúbicos de madeira de eucalipto; Um posto de abastecimento de gasolina; Estação do caminho de ferro onde são manobrados milhares de metros cúbicos de madeira; as próprias instalações da Requerente onde

laboram atualmente cinco empresas.

d) – P (anterior facto não provado em 7)

Aqueles resíduos plásticos e outros só podem ser transportados por empresas devidamente certificadas e licenciadas pelo Ministério do Ambiente para o efeito.

e) – Q (anterior facto não provado em 8)

Tais resíduos plásticos e outros podem não só ser poluição do solo durante a “época das chuvas” e constituírem perigo por forma a causarem perigo para a saúde.

f) – R (anterior facto não provado em 9)

Como também ainda podem constituir foco de incêndio nas “épocas de sol” em consequência do que poderão com facilidade provocar um incêndio de consequências bastante gravosas, não só para a saúde e integridade física de quem diariamente priva com a Requerente, como também da generalidade das pessoas que vivem e/ou trabalham naquela zona.

g) – S (anterior facto não provado em 10)

Danos estes que poderão custar a saúde e até a própria vida das pessoas e do próprio “bem-estar ambiental”.

G – Comprovativo ainda que a Requerente demonstrou a titularidade que se arroga

contra o Requerido (contrariamente ao que a Mma. Juíza “a Quo” refere na D. Sentença ora recorrida), ou seja que o anterior facto não provado em 1 deve passar a constar na nova alínea M) dos Factos Provados com a seguinte redação “O Requerido por si e/ou na qualidade de sócio-gerente e legal representante da sociedade B..., Lda., foi ele, quem depositou os resíduos plásticos e outros em B”, atente-se a tudo o que se transcreveu já acima sobre a legislação em vigor e a análise crítica da prova produzida, designadamente em:

1 – Acta da Audiência Final datada de 6 de Abril de 2018 nos autos do Procedimento Cautelar que correu seus termos sob o n.º 104/18.... do Juiz ... do Juízo Central Cível ... em que é Requerente a sociedade B..., Lda e a Requerida a sociedade D..., SA, mormente quando aí textualmente consta:

“PRESENTES

Legal Representante da Requerente:

AA”

2 – Em ambas as Contraordenações Ambientais juntas aos autos em email datado de 10 de Outubro de 2022 pela GNR, textualmente consta:

“…

No local identificou-se como sócio-gerente da firma denunciada o Sr. FF

AA,…” (SIC)

3 – Tal como consta dos Factos Provados em:

“F) – Foi o Requerido quem foi notificado pela Requerente para retirar as 200 toneladas de resíduos plásticos e outros que depositou no prédio da Requerente.”

4 – Em ambos os Contratos de Arrendamento juntos à D. Oposição como Doc. 1 e 2 celebrados entre a Requerente e a B..., Lda textualmente consta “… representada neste acto pelo Senhor AA…”

5 – A publicação do acto societário da sociedade B..., Lda, NIPC ...80 in https:/.../... no qual consta que a mesma se obriga desde 27.10.2015 pela assinatura do sócio-gerente AA.

6 – Ao acima transcrito depoimento prestado pela testemunha DD na sessão de julgamento do dia 11 de Julho de 2021.

H – Comprovativo finalmente de que, contrariamente ao que consta na parte final da

D. Sentença ora recorrida, na situação em apreço existe não só ”periculum in mora” como também que a Requerente corre um sério risco de que a demora na decisão definitiva lhe acarrete um dano irreparável e/ou de difícil reparação, atente-se a toda a vasta prova documental e testemunhal carreada e provada nos autos, porque em frontal violação dos acima indicados normativos legais dispostos no Código Civil e na legislação ambiental, quando conjugada com a vasta doutrina e jurisprudência nesse sentido, designadamente no Acórdão do STJ datado de 9.8.2006 (Proc. 05B4206, Relator – Salvador da Costa) in www.dgsi.pt.

I – Sem conceder, sempre se dirá ainda que, todos os factos cuja alteração da matéria de facto e consequente pedido de reapreciação acima posta em causa, por, tal como se dispõe no Art. 412.º do Cód. Proc. Civil, os mesmos não carecerem de prova nem de alegação por serem notórios, ou seja, do conhecimento geral das pessoas, atente-se a tudo o que melhor consta, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 22.06.2010 – Relator Carvalho Martins – Proc. 1803/08.3TBVIS.C1.

J – Assim, porque no sempre modesto entender da ora Recorrente, a D. sentença recorrida padece dos acima apontados erros na apreciação da prova no que respeita aos factos constantes em B e E dos Factos Provados e à constante em 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10 dos Factos não Provados, motivo porque deve alterar-se esta matéria fáctica no sentido propugnado pela Recorrente, conforme tudo melhor consta do que acima se alega,

K – deverá em consequência revogar-se a D. Sentença ora recorrida, substituindo-a

por outra que julgando o presente processo procedente por provado e condene o Requerido no pedido, será feita Justiça.

Termos em que, não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo alto critério de V.Exas, dando-se provimento ao recurso, será feita como sempre a tão costumada

JUSTIÇA

3. Inexistem contra-alegações.

 

 

II – Factos Provados

A) O prédio urbano composto por edifício destinado a armazém e actividade industrial com a área coberta de 8.965,05m2 e logradouro com a área descoberta de 11.029,95 m2, sito na Rua ..., ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana actualmente sob o Artº ...80º (correspondente ao anterior Artº 599º), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...63/..., com a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal ... com o nº 31/17 e com a localização constante da Planta de situação, tem aquisição inscrita em nome da autora.

B) No mês de Maio de 2018, foram colocadas cerca de 200 toneladas de materiais plásticos, no limite poente do logradouro daquela sua acima identificada propriedade,

C) mais concretamente junto à linha do caminho de ferro e a uma linha de água aí existente, ou seja, no exacto local melhor identificado na planta (Doc. 2) e fotografias juntas (Doc. 3 e 4).

D) A Requerente, em 20 de Abril de 2020 findo, solicitou à entidade competente ARHC – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro a sua intervenção com vista à solução da situação em apreço, entidade esta que apesar de ter prontamente comunicado à Requerente em 12 Maio 2020 findo que de imediato, solicitou ao Comandante da G.N.R. ... a sua fiscalização,

E) Nenhuma eficácia teve tal denúncia, porquanto, mantém-se ainda no local a totalidade dos materiais plásticos aí colocados.

F) A requerente requereu notificação judicial avulsa do requerido, na qual concluiu, solicitando ao Tribunal

Termos em que requer a V.Exª se digne proceder à Notificação Avulsa do Requerido, dando-lhe conhecimento que a Requerente lhe fixa o prazo máximo de 15 dias para que retire as 200 toneladas de resíduos plásticos e outros que depositou no prédio da Requerente, sob pena de esta se ver obrigada a desencadear o competente procedimento judicial, máxime criminal, com vista à cabal solução da situação em apreço.

Para tanto, requer que a notificação do Requerido seja efectivada pela Exma Senhora Solicitadora de Execução II, portadora da C.P. nº ...39 e com domicílio profissional na R. JJ, ... D, ...22, ... – Artº 231º, nº 9 e 256º, nº 1 ambos do CPC.”

G) Deferida pelo Tribunal o acima identificado pedido de Notificação Judicial Avulsa do Requerido, à Sra. Agente de Execução nomeada só foi possível, após várias infrutíferas tentativas de notificação do requerido, notificá-lo em 30.04.2021, ainda que com recusa daquele em receber e assinar o respectivo auto de notificação.

H) Do referido depósito resulta: a impossibilidade da requerente aceder à parte sul do logradouro da sua propriedade, na qual se encontra o poço.

I) o qual abastecia não só da unidade fabril da requerente como também ainda uma pequena quinta pertencente aos sócios, razão porque estes agora têm de servir-se de um outro pequeno poço e da água da rede para regar e dar de beber aos animais.

J) Porque no poço existe uma bomba que é abastecida por cabo elétrico, cabo elétrico este que foi deteriorado por se encontrar debaixo dos resíduos, vê-se a requerente impossibilitada de fazer uso dessa bomba por a qualquer momento poder ocorrer um curto circuito e até mesmo um incêndio de maior ou menor dimensão;

K) A Requerente deu de arrendamento a parcela Armazém P599, do armazém urbano, com artigo matricial ..., com área de 3500m2, sito em ... freguesia ..., à empresa do aqui E... – LDA, NIF: ...80, para a atividade de armazenamento de viaturas e diversos materiais, celebrando contrato de Arrendamento em 01 de Março de 2018.

L) A Requerente, que celebrou ainda com a mesma entidade, outro contrato de arrendamento, agora para a parcela ..., do prédio urbano ..., com área de 2000m2, sito em ..., freguesia ..., para a atividade de armazenamento, celebrando contrato de Arrendamento em 01 de Janeiro de 2018.

*

Factos não provados:

1) O requerido depositou os materiais identificados em B).

2) Os materiais identificados em B) são tóxicos.

3) Os materiais identificados em B) foram depositados em cima do poço.

4) Com o descrito em I) fica prejudicada a rega e a própria higiene dos animais;

5) Do depósito resulta a necessidade de se ver obrigada a recorrer a um reservatório que “encheu” no Inverno para ocorrer às emergências no Verão;

6) Aqueles materiais plásticos são de fácil combustão e de difícil apagamento, são um perigo eminente não só para a população que reside na zona, como também ainda, sobretudo, nas seguintes empresas sediadas num raio de cerca de 200 metros: Empresa de serração que tem sempre em stocks milhares de metros cúbicos de madeira; dois parques de madeira pertencentes à fábrica de papel, nos quais se encontram milhares de metros cúbicos de madeira de eucalipto; Um posto de abastecimento de gasolina; Estação do caminho de ferro onde são manobrados milhares de metros cúbicos de madeira; as próprias instalações da requerente onde laboram atualmente cinco empresas;

7) Aqueles materiais plásticos são altamente poluentes e só podem ser transportados por empresas devidamente certificadas e licenciadas pelo Ministério do Ambiente para o efeito;

8) Tais materiais plásticos são foco não só de poluição do solo durante a “época das chuvas”;

9) Como também porque facilmente inflamáveis, são foco de incêndio nas “épocas de sol” em consequência do que poderão com facilidade provocar um incêndio de consequências bastante gravosas, não só para a saúde e integridade física de quem diariamente priva com a requerente, como também da generalidade das pessoas que vivem e/ou trabalham naquela zona;

10) Danos estes que poderão custar a saúde e até a própria vida das pessoas e do próprio “bem-estar ambiental”.

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Verificação dos requisitos da providência cautelar inominada.

2. A recorrente impugna os factos provados B) e E), propondo nova redacção, e os factos não provados 1), 2), e 6) a 10), que pretende passem a provados, com base em prova documental, prova por admissão, prova pericial, depoimentos de perito e testemunhais e notoriedade dos factos (cfr. conclusões de recurso A - a J -).

Na motivação da decisão da matéria de facto a julgadora exarou que:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos, no acordo das partes resultante da posição manifestada nos articulados e prova testemunhal seguidamente indicada.

… o depósito dos materiais plásticos descrito em B) … resulta do acordo das partes, da planta e as fotografias juntas com a petição como documentos nºs 2, 3 e 4; os factos referidos em D) a G) estão igualmente provados por acordo das partes e pelos documentos nºs 5 e 6 juntos à petição.

(…)

A matéria não provada resulta de quanto à mesma nenhuma prova minimamente consistente (ainda que duma perspectiva indiciária) ter sido feita, e de a mesma ser contrariada pela prova produzida.

Com efeito, e quanto à autoria do depósito dos materiais, a prova produzida (cfr. contratos de arrendamento dos armazéns existentes no prédio da autora à sociedade B..., Lda”, guias de transporte juntas com a oposição onde consta como expedidor a mesma sociedade, depoimento da testemunha DD, autos de notícia referentes à fiscalizações no local identificam a sociedade “B...” como arguida – cfr. autos de notícia com a Ref 10.10.2022) contraria o alegado pela autora no sentido de que terá sido o demandado, em nome próprio, o autor do depósito dos materiais e dá respaldo à versão deste vertida na oposição no sentido de que se tratam de materiais da propriedade da sociedade “B..., Lda” empresa esta que, para além de ter tomado de arrendamento os armazéns da autora, foi quem procedeu à descarga desse materiais no logradouro do prédio.

Quanto à natureza tóxica, inflamável e poluente dos materiais plásticos e consequências da sua permanência no local, foram realizadas duas perícias com resultados opostos (cfr. Refs. 28.03.2022 e 03.05.2023). Sucede que a segunda, que exclui as referidas características dos materiais depositados, para além de ter sido realizada por perito com formação em engenharia química e se apresentar melhor fundamentada, oferecendo, por isso, garantias acrescidas de rigor, é corroborada pela testemunha DD, que sendo engenheira do ambiente, confirmou a inexistência de perigo para a saúde e ambiente da permanência dos materiais no local. Acresce, em favor do resultado da segunda perícia, a circunstância da situação estar denunciada desde 2020 às entidades com competência na fiscalização, mantendo-se no local os materiais colocados quando, nos termos do arts. 41º e 42º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto – Lei quadro das contra-ordenações ambientais – as autoridades administrativas podem determinar medidas cautelares, “quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente”.”

2.1. Quanto aos factos provados a apelante propõe a seguinte nova redação:

Facto B – No mês de Maio de 2008, foram colocadas cerca de 200 toneladas de resíduos plásticos e outros, sobretudo no limite poente daquela sua acima identificada propriedade.

Facto E – Nenhuma eficácia teve tal denúncia, porquanto, mantém-se ainda no local a totalidade dos resíduos plásticos e outros aí colocados.

Se bem atentarmos na redacção existente e na agora sugerida, a diferença que se encontra é na utilização do advérbio “sobretudo” e no acrescento de “outros”.

Relativamente ao aludido advérbio não se divisa qual o seu relevo fáctico-jurídico e em que medida a solução de direito para o caso dos autos seria alterada com tal expressão. Trata-se, assim, de uma modificação irrelevante para decidir o nosso recurso.

No respeitante aos “outros”, a 1ª nota a registar é a de que no r. inicial, nos arts. 2º e 8º, de onde emergem tais factos provados, a ora apelante não referiu “outros” quaisquer resíduos. Nem agora em recurso menciona quais sejam esses “outros” resíduos. E a expressão “outros”, dada a sua generalidade e abstracção nenhum significado e importância relevante tem, mais uma vez, para solucionar o caso concreto ora em recurso.

A recorrente é que devia ter identificado no seu requerimento inicial, se relevantes, quais eram esses “outros” resíduos – art. 5º, nº 1, do NCPC -, o mesmo devendo ter feito na sua impugnação recursiva – nº 2, b), do mesmo normativo -, indicando quais eles eram especificamente e quais as provas em concreto (art. 640º, nº 1, b) e c), do NCPC).

Tendo falhado em satisfazer tais ónus, a sua impugnação nesta parte é de rejeitar.      

2.2. Quanto aos factos não provados, ouvimos a gravação da prova, registada em CD, aos mesmos respeitante (a recorrente indica como base da sua impugnação todos os depoimentos prestados, o do perito da 2ª perícia e 5 testemunhas: quer dizer, aspira a um novo e 2º julgamento, quando o recurso é apenas um meio de reponderação ou reapreciação de um 1º julgamento feito).

O perito da 2ª perícia, CC, ao longo de cerca de 19 m, a grande parte deles inúteis, apenas declarou, com interesse para a causa e impugnação da matéria indicada, que não viu os big bags todos por a vegetação estar muito alta, mas teve o cuidado de ver os que existiam no Google em 2022. Disse não haver perigo de incêndio dos resíduos de plástico, salvo se houver fogo posto.

A testemunha FF, arrolada pela requerente, com interesse para a matéria impugnada, apenas disse que os resíduos já lá estão há 4/6 anos. Que há uma fábrica de madeiras antes de chegar à A....  Vive a cerca de 100 m do local e os resíduos não trazem mau cheiro.

A testemunha FF, arrolada pela requerente, com interesse para a matéria impugnada, referiu que tinha um negócio no local, desde Outubro de 2018, e os big bags com os resíduos de plástico já lá estavam. Os big bags estão perto da linha de comboio, cinco, dez metros, à volta existem pinhais ou eucaliptos, vegetação, e tem os edifícios também. Pensa que há perigo de incêndio. Lá perto, a 50/100 m, está a industria C..., com muita quantidade de madeiras, e biomassa (restos de madeiras). E há vivendas ao lado e dentro da povoação da ....

A testemunha GG, arrolada pela requerente, com interesse para a impugnação deduzida, apenas mencionou morar a 200 m do local. As instalações da requerente têm vários rendeiros nas mesmas. A C... tem instalações ali ao lado.

A testemunha HH, arrolada pela requerente, atenta a matéria impugnada, declarou que reside a 1 km do local. As instalações comerciais próximas do prédio da requerente têm cerca de cinco barracões que a mesma tem arrendados. Fez um orçamento para transporte dos resíduos de plástico não tóxicos. Foi o Sr. AA que foi lá pôr os big bag. Ao lado da requerente está empresa que trabalha com madeira, havendo risco de incêndio. Perto, a 6 m, também passa linha de comboio, com transporte de madeiras para abastecer a Navigator e Selvi. Existe também muito eucaliptal e muito mato. Também há ali casas perto.  

A testemunha DD, arrolada pelo requerido, atenta a matéria impugnada, disse que é engenheira do ambiente, assessora da B..., mas também sócia minoritária. Os resíduos plásticos que estão nos big bags não são inflamáveis, nem tóxicos. O Sr. AA, pela B..., falou com o Sr. EE, pela A..., e os resíduos foram, na altura, depositados no local com autorização deste último. Existe uma fábrica de madeira a cerca de 200m do local onde estão os big bags.

Analisando toda a prova produzida podemos antecipadamente anunciar que a impugnação deduzida está votada ao insucesso.

2.2.1. Quanto ao facto não provado 1), a requerente tinha alegado no seu req. inicial que o requerido tinha depositado os resíduos, em nome próprio (cfr. o respectivo art. 2º). Agora quer que assim conste ou na qualidade de sócio-gerente e legal representante da sociedade B..., Lda. Que o requerido lá colocou os materiais é verdade, mas não há prova alguma, feita pela requerente (sendo a ela que cabia tal ónus, ao abrigo do art. 342º, nº 1, do CC) que o tenha feito em nome próprio. Nenhuma testemunha o afirma. Nem nenhum documento o comprova. Antes se indicia que o requerido o fez na veste de representante legal da B..., como justificado na motivação da decisão de facto apresentada pela julgadora.

Efectivamente, tudo aponta para a B... como autora do depósito dos materiais, face: aos contratos de arrendamento dos armazéns existentes no prédio da requerente à B... (juntos como docs 1 e 2 à oposição deduzida); o doc. 3 invocado pela apelante, referente à transação homologada por sentença no processo que correu os seus termos sob o nº 1047/18.... - Juiz ... do Juízo Central Cível ..., refere-se à B...; as guias de transporte do material juntas com a oposição (o referido doc. nº ..., invocado pela recorrente) onde consta como expedidor a mesma sociedade; autos de notícia referentes a 2 fiscalizações e contraordenações no local identificam a sociedade B... como arguida, conforme email enviado aos autos em 10 de Outubro de 2022 pala GNR; e o depoimento da testemunha DD. Tudo a contrariar o alegado pela requerente/recorrente. 

Por outro lado, dos docs. 1, 2, 3, 4, 12 a 25 do requerimento inicial, invocados no recurso, os 2 a 4 serviram de base à prova do facto C), e os demais são inócuos para o efeito porque o nº 1 é uma cópia de registo predial de prédio da requerente e os 12 a 25 são fotos a preto e branco do local, um orçamento apresentado à recorrente para transporte de materiais, informações empresariais simplificadas e requerimento de apoio judiciário. Também os arts. 14º a 16º e 27º da oposição deduzida não militam a favor da apelante, pois aí o requerido afirma expressamente que os materiais são da B.... Igualmente é verdade que a acta da audiência final onde foi efectuada a transação, atrás referida, aí textualmente identifica o requerido como legal representante da B..., o mesmo acontecendo nos autos de contraordenações ambientais atrás mencionados, o que também se verifica nos aludidos 2 contratos de arrendamento acima indicados, o que também é confirmado pela publicação do acto societário da sociedade B.... Só que como é sabido a pessoa física legal representante não se confunde com a pessoa colectiva representada (art. 5º do Cód. Soc. Comerciais). Nem valendo, também, neste caso o recurso à figura dos factos notórios (art. 412º do NCPC), a que a recorrente apela, pois como é obvio não é do conhecimento geral a apontada circunstância de responsabilidade individual do requerido.

Não procede, por isso, a impugnação ao facto não provado 1).

2.2.2. Os restantes factos 2), 6) a 10) estão interligados, pelo que a nossa análise será conjunta.

Temos 2 perícias nos autos, a do Eng. do Ambiente BB (email de 28 de Março de 2022) e a do Eng. Químico CC (junto aos autos em 3 de Maio de 2023).

Tal como a julgadora de facto considerou, e no respeitante à natureza tóxica, inflamável e poluente dos materiais plásticos e consequências da sua permanência no local, esta 2ª perícia que exclui as referidas características dos materiais depositados, apresenta-se, por comparação com a 1ª, com larga argumentação, bastante pormenorizada e muito bem justificada. Isto é, melhor fundamentada, oferecendo, por isso, garantias acrescidas de rigor. A qual nos convence e à qual aderimos (arts. 389º do CC e 489º do NCPC).

A recorrente esgrime com a comunicação feita pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente -, através do ofício de 22 de Julho de 2022 no qual a mesma alerta o Tribunal que a perícia solicitada carece duma análise laboratorial dos resíduos em questão a fim de aferir da sua perigosidade, análise esta para o qual o laboratório da APA não se encontrava acreditado, havendo assim necessidade de recorrer a contratação externa. Ao mesmo tempo alerta o Tribunal de que independentemente dessa análise os resíduos em apreço depositados poderão fazer incorrer em contraordenações ambientais. Ou seja, ao invés do que a recorrente parece defender, a APA refere que só com uma análise laboratorial se poderá concluir pela perigosidade ou não de tais resíduos. E anteriormente por ofício de 27.6.2022 já tinha referido que genericamente os resíduos de plástico não são considerados perigosos. Também, neste aspecto, não funcionando a invocada notoriedade, como defendido pela apelante, e que acima justificámos.

De modo que, concatenando tais meios de prova, e ao contrário do que a recorrente propugna, a mesma não logrou provar, como era seu ónus, que os ditos resíduos de plástico são tóxicos, poluentes e inflamáveis.

Do exposto, decorre que não procede a impugnação aos indicados factos não provados.

3. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Com o presente procedimento cautelar pretende a requerente que o requerido retire os materiais plásticos que depositou no logradouro do seu prédio e a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação que vier a ser sentenciada.

Do disposto nos arts. 362º e 368º do Código de Processo Civil, resulta que, para a procedência da providência cautelar comum, é absolutamente necessário que se verifique:

1. Probabilidade séria da existência do direito invocado – fumus bonus iuris;

2. Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito - periculum in mora;

Nos termos do art. 1311º, nº 1 do Código Civil, o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

Uma vez que está demostrado que o prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...63 da Freguesia ... tem registo de aquisição em nome da autora, e que a presunção decorrente desse registo não se mostra contrariada (cfr. art. 7º do CRPredial), considera-se provado que a autora é proprietária do terreno onde foram depositados os materiais plásticos.

Sendo proprietária, tem direito a exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor do bem a restituição e o reconhecimento dessa propriedade.

Não se tendo provado, ainda que sumariamente, que tenha sido o requerido a colocar no terreno da autora os materiais plásticos e, consequentemente, a ocupar ilicitamente o respectivo espaço, ou seja, a sua qualidade de possuidor ou detentor, não pode a requerida dele exigir a remoção e a restituição do espaço.

A requerente não demonstra a titularidade do direito que se arroga contra o requerido, pelo que improcede a providência.

Ainda que assim não se entendesse, sempre se consideraria, face à factualidade que ficou demonstrada, não verificado o requisito periculum in mora.

Não existindo periculum in mora, ou não tendo a requerente demonstrado que corre um sério risco de que a demora na decisão definitiva lhe acarrete um dano irreparável ou de difícil reparação, sempre teria de improceder a providência requerida.”.

A recorrente discorda (cfr. conclusões de recurso H. e K-).

Face à inalteração da decisão da matéria de facto, desde já avançamos que o recurso não procede. Pela essencial e decisiva razão já indicada na decisão recorrida: não se provou – facto não provado 1) -, ainda que sumariamente, que tenha sido o requerido, em nome próprio, a colocar no terreno da requerente os materiais plásticos e, consequentemente, a ocupar ilicitamente o respectivo espaço, na qualidade de possuidor ou detentor. Não pode, por isso, a requerida dele exigir a remoção e a restituição do espaço, porque a requerente não demonstra a titularidade do direito que se arroga contra o requerido. Sempre, por esta razão essencial, teria de improceder a providência.

Mas por outras razões jurídicas também não poderia proceder. Expliquemos, embora, a partir deste lugar do aresto, necessariamente de modo mais abreviado.

Primeiro. Não estamos num procedimento cautelar para defesa de interesses difusos (ou colectivos), como se expressa o art. 31º do NCPC, para defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural, do domínio publico e da protecção do consumo de bens e serviços. O artigo refere-se à legitimidade para as acções relativas a interesses difusos, ou seja, a interesses que pertencem a todos e a cada um dos membros de um grupo ou de uma classe, sem que, contudo, esses interesses sejam susceptíveis de ser individualmente apropriados por algum ou algum desses membros (vide M. Teixeira de Sousa, em CPC ONLINE, nota 1 (a) ao art. 31º, pág. 40).   

Efectivamente, a recorrente, quer no seu req. inicial quer nas suas alegações de recurso alega pretender defender, apenas, direitos seus, subjectivos, de propriedade e de personalidade, previstos nos arts. 70º e 1305º do C. Civil. Esclarecido este ponto prévio, prossigamos.

Segundo. Os direitos de personalidade, previstos, no art. 70º, nº 1, do CC, estão ligados à personalidade física ou moral, basicamente do ser humano, e em casos particulares das pessoas colectivas.

As ofensas no círculo biológico respeitam apenas ao ser humano, ofensas físicas às pessoas colectivas não existem (vide art. 160º, nº 2, do CC, art. 6º, nº 1, do C. S. Com., R. Capelo de Sousa, D. Geral de Personalidade, págs. 594/603, sobretudo págs. 594/596, Menezes Cordeiro, Comentário ao CC, Vol. I, pág. 276, L. Carvalho Fernandes, T. Ger. Dir. Civil, Vol. I, 2ª Ed., pág. 188).

Dentro do círculo biológico, que abrange a vida e a integridade física, temos, designadamente, os direitos à saúde, ao repouso e sono, a protecção contra emissão de ruídos e cheiros, o direito à qualidade do ambiente, a qualidade de vida (vide R. Capelo de Sousa, ob. cit., págs. 595/596, Menezes Cordeiro, Comentário ao CC, Vol. I, págs. 275 e 280/281, L. Carvalho Fernandes, T. Ger. Dir. Civil, Vol. I, 2ª Ed., págs. 195, 197/200, e Maria de Fátima Ribeiro, em Comentário ao CC, Parte Geral, U. Católica, nota 6 ao art. 70º, pág. 172).

Ora, as potencias violações dos direitos de personalidade da requerente, como direitos ao ambiente, à qualidade de vida, à saúde - aliás não comprovados, como resulta dos factos não provados 2), 3), 6) a 10) – não teriam cobertura legal.     

Terceiro. Em relação à violação de direitos subjectivos dos sócios – comprovada no facto provado I) e não provada no facto não provado 4), 2ª parte -, não tem a requerente legitimidade para interpor qualquer providência cautelar não especificada, pois não é ela a lesada no seu direito, como reza o art. 362º, nº 1, do NCPC.

Quarto. Em relação à potencial violação dos seus próprios direitos, temos que não provando prejuízos para a rega ou que se viu obrigada a recorrer a um reservatório – factos não provados 4) 1ª parte, e 5) -, também por aqui, não poderia obter a providência desejada.

Quinto. Por fim, face à matéria provada em B), C), H), I), 1ª parte, e J), com aparente violação do seu direito de propriedade e ameaça de prejuízo ao seu património, mesmo assim, a recorrente não lograria obter a dita providência. Por não verificação do requisito periculum in mora. Ou seja, a requerente não demonstrou que corre um sério risco de que a demora na decisão definitiva lhe acarrete um dano patrimonial irreparável ou de difícil reparação.

E para esta conclusão já foi apresentada fundamentação jurídica adequada, na decisão da 1ª instância anteriormente proferida nos autos, onde se disse que:    

Porém, no que concerne aos “danos patrimoniais tende entender-se que, salvo se o devedor estiver em situação económica difícil, insolvência iminente ou atual, em regra não são dificilmente reparáveis, porquanto, mesmo que irreparáveis in natura, são sempre indemnizáveis. A circunstância de poderem ser graves, em nada tange essa avaliação da suscetibilidade concreta de indemnização” [19].

Jurisprudencialmente, e a título meramente exemplificativo, referencie-se o sumariado:

- no douto Acórdão do STJ de 14/12/1995 [20], com algumas atinências ao caso sub júdice, no sentido de que “requisito primordial das chamadas providências cautelares não especificadas é um fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito do requerente.

Nisso consiste o "periculum in mora", que terá de ser provado, em termos de convencer o tribunal de que a demora de uma decisão - a obter através da acção competente - acarreta um prejuízo a que se pretende obviar com o procedimento cautelar”;

- no douto aresto do mesmo STJ de 29/06/1999 [21], onde se escreveu que “se a requerida sociedade comercial - em providência cautelar contra si deduzida para retirada imediata de todas as montras, expositores, reclamos e anúncios luminosos afixados no respectivo estabelecimento - havia tomado de arrendamento a fracção em causa há mais de 25 anos, não se descortina qualquer subjacente "periculum in mora" que importe recorrer com carácter de urgência.

Os prejuízos resultantes do deferimento de tal providência poderiam, de resto, exceder, em medida considerável, os danos que com esta se pretendia evitar já que equivaleria ao encerramento do estabelecimento, o qual, mesmo, a título provisório, equivaleria na prática à sua morte”;

- no douto Acórdão de 25/11/1999 [22], realçando que “o receio deve ser fundado, isto é objectivamente fundamentado em factos concretos, que não em circunstâncias de carácter meramente eventual, hipotético ou conjectural”.

E, a propósito do ónus probatório, aduz impender “sobre o requerente o encargo de satisfazer no requerimento inicial o ónus de alegação de matéria de facto reveladora do direito de que é titular, a par de outros de onde possa concluir-se pela existência do "periculum in mora, funcionando assim, nesta sede, o princípio geral segundo o qual aquele que alega um direito, deve fazer prova dos factos constitutivos desse direito - artigo 342 n. 1 do CCIV66”.” – cfr. Ac. RL de 11.02.2021, proc. 534/16.5T8SXL-A.L1-2.

Confrontando o invocado no requerimento inicial com o que se deixa dito, facilmente se conclui que o substrato fáctico alegado não traduz qualquer fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de direitos da requerente, pessoa colectiva, nomeadamente por via da indemnização. Com efeito, não são concretizados quaisquer prejuízos que para a requerente advenham da circunstância de estar impedida pelo requerido de utilizar a parte do seu prédio por este ocupada com materiais, ou de que forma o depósito desses materiais ameaça as suas instalações (tanto mais que se extrai da petição que a ocupação já remonta a Maio de 2018, pelo que desde então a requerente não usufruirá dessa parte do prédio), nada sendo, outrossim, alegado quanto à (in)capacidade económica do requerido e à eventual dissipação de património que não lhe permita suportar uma eventual indemnização.”.

E assim é realmente.  Perante os aludidos factos B), C), H), I), 1ª parte, e J), não se poderia concluir pelo perigo sério de que a demora na decisão definitiva acarretaria à requerente um dano grave de difícil reparação ou irreparável.

(…)

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente.

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 Coimbra, 7.11.2023

Moreira do Carmo

Alberto Ruço

Vítor Amaral