Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1334/22.9T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DO CAPITAL PAGÁVEIS COM OS JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO INVOCADA APENAS POR UM DOS DEVEDORES
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 27.º, DO DL 74-A/2017, DE 23/6
ARTIGO 20.º, DO DL 133/2009, DE 2/6
ARTIGOS 310.º, E); 323.º, 1; 521.º; 636.º E 781.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art. 309º do C. Civil), prescrevendo, todavia, no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art. 310º, alínea e), do mesmo C. Civil.
II – Sendo que às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no dito art. 310º, al. e), do C. Civil, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.

III – De acordo com a decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ nº 6/2022), no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310º al.e) do C. Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781º desse mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

IV – Sendo a prescrição um meio de defesa pessoal, que não é sequer de conhecimento oficioso, a invocação da prescrição por parte dum devedor não poder valer como invocação da prescrição que porventura possa aproveitar aos restantes devedores.

Decisão Texto Integral: Apelação em processo comum e especial (2013)

                                                           *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 - RELATÓRIO

AA, na execução cambiária, por livrança por si subscrita, que lhe era movida a si e a outro por “A... - STC S A.” deduziu embargos de executado sustentando, no essencial e que para aqui releva, a prescrição, da dívida em geral e dos juros.

Na contestação que apresentou, a Exequente pugnou pela improcedência dos embargos.

                                                            *

Considerando dispensável a realização de audiência prévia, a Exma. Juiz de 1ª instância passou a proferir saneador, iniciando com a decisão de improcedência da ineptidão do requerimento executivo que havia sido deduzida, prosseguindo com a afirmação dos pressupostos processuais, após o que considerou reunirem os autos todos os elementos para o conhecimento de mérito, o que passou a fazer em sede de SANEADOR-SENTENÇA, o qual, muito em síntese, foi no sentido de julgar prescrita a totalidade da dívida exequenda, o que se traduziu nos seguintes concretos termos:

«Decisão

Termos em que, atentos os fundamentos acima explanados, este Tribunal decide:

1. Julgar procedentes, por provados, os presentes Embargos de Executado, e consequentemente, declaro extinta a execução.

2. São devidas custas pela Embargada porque vencida nos presentes embargos (cfr. art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, e artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa a este).

*

Registe e notifique.

Dê conhecimento ao Ex.mo Sr. Agente de Execução.»

                                                           *

Inconformada com tal decisão, veio a Exequente recorrer, formulando a concluir as alegações que apresentou, as seguintes conclusões:

«I. Com efeito, o Tribunal a quo considerou que o o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de 5 anos, atento o disposto no art.º 310.º, al. e) do CC. e que esse prazo à data da entrada da presente execução já havia decorrido.

II. Na perspetiva da Recorrente e contrariamente ao que resulta da douta sentença recorrida, não se verifica, nem a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos e muito menos que tenham decorrido o prazo de prescrição quer sejam 20 ou 5 anos nem a procedência dos embargos aproveita os demais executados.

III. É do seguinte teor a douta sentença de que se recorre:

“Ora, atenta a natureza dos contratos celebrados entre as partes, dúvidas não existem que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de 5 anos, atento o disposto no art.º 310.º, al. e) do CC.

 “Ora, atenta a natureza dos contratos celebrados entre as partes, dúvidas não  existem que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de 5 anos, atento o disposto no art.º 310.º, al. e) do CC.

Por outro lado, do facto provado n.º25 resulta que o Banco Cedente igualmente intentou reclamação de créditos, tendo por base os mesmos títulos executivos aqui dados à execução. Sucede que, figurava apenas como reclamado/executado o falecido BB e não a aqui Executada/Embargante, pelo que, não é possível assumir que esta tenha tido conhecimento daquela intenção da Reclamante exercer o seu direito conforme exigido pelo artigo 323º, n.º1 do C.C. (e nem aquele, falecido que foi em 15.10.2008, do que o Banco Cedente já tinha conhecimento no processo descrito em 23) dos Factos Provados – veja-se o teor do despacho proferido em 07.02.2012). Consequentemente, a única causa interruptiva que releva é a supra descrita quanto à citação ocorrida no processo descrito em 23) dos Factos provados.

Desta forma, a dívida exequenda extinguiu-se por prescrição, em 20.04.2016, uma vez que, à data da entrada do requerimento executivo, já havia decorrido o prazo de prescrição extintiva de cinco anos. A procedência da oposição à execução extingue a execução, no todo (cfr. Artigo 732.º, n.º 4 do CPC, na redação acima referida).

Termos em que, atentos os fundamentos acima explanados, este Tribunal decide: 1. Julgar procedentes, por provados, os presentes Embargos de Executado, e consequentemente, declaro extinta a execução”.

IV. Relembre-se que o crédito exequendo tem por base um contrato celebrado com a executada e cujo reembolso seria efetuado em prestações fracionadas ou repartidas, isto é, “obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objeto da prestação está previamente fixado (…)”, conforme escreveu Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, página 94.

V. Também neste sentido, Menezes Leitão defende que “Nas prestações fracionadas está-se perante uma única obrigação cujo objeto é divido em frações, com vencimentos intervalados, pelo que há uma definição prévia do seu montante global (…)” – vide “Direito das Obrigações – Volume I”, 7.ª Ed., pág. 138.

VI. In casu, o capital mutuado foi desde logo fixado e a obrigação de restituição dos executados era a de pagamento daquele montante, acrescido dos respetivos juros. Pelo contrário, o art. 310.º, do CC, ao prever um prazo de prescrição reduzido, aplica-se, apenas, às prestações periodicamente renováveis.

VII. As prestações periódicas configuram várias obrigações distintas, cujo montante global não poderá ser inicialmente fixado, uma vez que o número de prestações será determinado pelo decurso do tempo – neste sentido, veja-se novamente Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações – Volume I”, 7.ª Ed., pág. 138.

VIII. As rendas, a título de exemplo, configuram prestações periódicas, uma vez que apenas são devidas consoante a duração do contrato de locação.

IX. Segundo, Ana Filipa Morais Antunes, “É, pois, possível afirmar que, subjacente à consagração desta prescrição de curto prazo, residiu o critério de periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo de determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida. O artigo 310.º do CC não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica (…)”, “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, págs. 45 e 46.

X. A ratio do artigo 310.º do Código Civil, precisamente por prever um prazo curto de prescrição e, nessa medida, compreender as designadas prestações periodicamente renováveis, assenta na circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, acumule excessivamente o seu crédito, a tal ponto que torne demasiado onerosa a prestação do devedor.

XI. Acontece que, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fracionadas aplica-se o disposto no artigo 781.º do Código Civil, isto é, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas.

XII. Assim, in casu, em virtude do incumprimento dos executados ao deixarem de liquidar as prestações a que se obrigaram, deu-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, podendo a Recorrente, em qualquer altura, solicitar o pagamento da totalidade da dívida!

XIII. Já relativamente às prestações periódicas, não há vencimento antecipado das prestações vincendas, uma vez que estamos perante várias obrigações distintas e autónomas, pelo que o não pagamento de uma delas não pode provocar o vencimento antecipado das restantes.

XIV. Daí que, quanto a este tipo de prestações (periódicas) faça todo o sentido reduzir o prazo de prescrição, por forma a que o credor não deixe acumular o não pagamento de várias obrigações e, posteriormente, reclame do devedor um montante avultado.

XV. No caso dos presentes autos, por aplicação do art. 781.º, do CC, qualquer que fosse o momento da Recorrente exigir a dívida, esta teria sempre o direito de exigir a totalidade da dívida, isto é, tanto as prestações vencidas e não pagas como as prestações vincendas.

XVI. Verificado o incumprimento e dando-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, o capital em dívida, quer decorram 5 anos (por hipotética aplicação do artigo 310.º do CC) , quer decorram 20 anos (por aplicação, como entendemos dever ser, do artigo 309.º do CC), é sempre o mesmo!

XVII. Apenas variam os juros devidos, que, saliente-se, mesmo em caso de eventual acionamento judicial, continuam a vencer-se até efetivo e integral pagamento da dívida.

XVIII. É importante realçar a autonomia das quotas de amortização, para efeitos de prescrição quinquenal. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 04 de Maio de 1993:“ III - Deixando o devedor de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas.”

XIX. Ora, no caso dos presentes autos, ainda que se considerasse, hipoteticamente, que às quotas de amortização de capital se aplicaria a alínea e) do artigo 310.º do CC, o que não se concede, com o vencimento antecipado das prestações vincendas, no incumprimento, deixamos de ter várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida.

XX. Menezes Cordeiro, por referência ao citado Acórdão do STJ de 04 de Maio de 1993, realça, também, este ponto, dizendo que “ (…) a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização;”.

XXI. Assim, também por esta razão, bem se vê que a alíneas e) do artigo 310.º do CC, não pode ser aplicada ao crédito exequendo.

XXII. Face ao supra exposto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC.

XXIII. Pois, no caso em apreço, não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” nem “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

XXIV. Ainda que por mera hipótese académica assim não se entenda:

XXV. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente – art. 323º, nº 1, do CCivil.

XXVI. Ora, uma vez que a Execução n.º815/11.... se extinguiu por deserção, o novo prazo de prescrição de cinco anos começou a correr logo após o acto interruptivo.

XXVII. No entanto discorda a Recorrente da data indicada pelo douto tribunal, dado que a última notificação judicial efetuada pelo tribunal à executada foi efetuada em 10/01/2019 com a notificação da decisão de modalidade de venda e valor base.

XXVIII. Portanto, entre 10/01/2019 e a data de entrada da presente execução e 08/08/2022 não havia decorrido o prazo de prescrição dos 5 anos.

XXIX. Ainda que tal posição não mereça acolhimento, o que por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que apenas se encontrariam prescritas as prestações vencidas há mais de cinco anos a contar da data de interrupção da prescrição que veio a ocorrer aquando da entrada da execução, que veio a ocorrer em 08/08/2022.

XXX. Como referiu o Prof. MANUEL DE ANDRADE (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 4.ª reimpressão, Almedina, 1974, pág. 452), dentre as situações contempladas naquele preceito legal cumpre destacar, para o que ora interessa, a referida na alínea e) – as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

XXXI. Aplica-se este prazo prescricional a todas as situações em que se tenha convencionado que o capital será pago em prestações, simultaneamente com os juros, “não tendo qualquer relevância para a prescrição quinquenal das quotas de amortização serem os juros contados como antecipados ou poscipados – o que importa é que sejam pagáveis com as quotas de amortização”, nos termos referidos pelo Acórdão do S.T.J. de 04/05/1993, que decidiu ainda que “O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque, nesse caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização não ao todo em dívida” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano I, Tomo II, pág. 84).

XXXII. Na situação dos presentes autos, como ficou contratualmente estabelecido, o empréstimo seria “liquidado em 30 anos” (escritura junta como documento n.º 1 ao Requerimento executivo), “em 360 prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira 30 dias após a data da escritura.

XXXIII. O capital seria, pois, amortizado em 360 prestações, tendo-se vencido a 1.ª em 26.10.2001, e a trecentésima sexagésima vencer-se-ia em 26.10.2031.

XXXIV. Apesar do tempo decorrido não deverão, salvo melhor entendimento, considerar-se abrangidas pela prescrição todas as referidas prestações.

XXXV. Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 323.º do C.C., a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

XXXVI. A presente execução foi instaurada em 08.08.2022, pelo que o prazo prescrição se deve ter por interrompido em 18.08.2022.

XXXVII. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 326.º do C.C..

XXXVIII. Deste modo, não estão abrangidas pela prescrição as prestações que se venceram em data posterior a 20/04/2016– veja-se a este propósito a douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-07-2020, disponível em www.dgsi.pt.

XXXIX. Nesta senda, assumindo-se a teoria da prescrição quinquenal, são assim exigíveis todas as prestações vencidas desde 20/04/2016 assim como os juros respetivos.

XL. Assim, tendo o tribunal “a quo” decido nos termos em que o fez – julgando totalmente procedente os embargos de executado -, não só incorre em nulidade nos termos já acima mencionados, como incorre em erro no julgamento por aplicação errada da lei e interpretação inadequada da jurisprudência existente. Razão pela qual deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que faça correta interpretação e aplicação do direito. Sem prescindir:

XLI. Resulta da douta sentença “julgar procedentes, por provados, os presentes Embargos de Executado, e consequentemente, declaro extinta a execução”

XLII. Ora a prescrição carece de invocação expressa estando-se perante um meio de defesa iminentemente pessoal, nada obriga a que a que a procedência dessa exceção relativamente a alguns dos executados-embargantes tenha que necessariamente aproveitar aos demais que não deduziram embargos em momento oportuno.

XLIII. O reconhecimento da prescrição da obrigação exequenda relativamente a alguns dos coobrigados não aproveita aos restantes devedores que não tenham deduzido esse meio de defesa, porquanto a prescrição é um meio de defesa pessoal que não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal.

XLIV. Pelo que a existir a procedência dos embargos deve apenas extinguir-se a execução quanta a executada embargada.

XLV. Está, pois, assim, a Recorrente convicta de que Vossas Excelências, subsumindo a matéria vertida nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de dar provimento ao recurso apresentado e negar a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, faça INTEIRA JUSTIÇA!»

                                                                       *

Apresentou a Executada/embargante as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«1 - A Sentença recorrida não merece qualquer censura, na medida em que nasceu de uma correta interpretação e aplicação da lei e da sua consequente aplicação à matéria de facto provada.

2 – A quantia exequenda mostra-se, efetivamente, prescrita, por aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - Proc. n.º 1736719.8T8AGD - B.P1.S1., e essa prescrição nunca foi interrompida.

Fez-se

JUSTIÇA».

*

           A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir consiste em saber se prescreveu ou não o direito de crédito (capital e juros) que se encontra em execução, pelo decurso do prazo da prescrição de cinco anos previsto na alínea e), do artigo 310º do Código Civil.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo (factos que se consideraram provados na 1ª instância), sendo certo que tal não foi impugnado em sede recursiva:

«1. Em 08.08.2022, a Exequente, deu entrada de requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra, além do mais, a Executado, ora Embargante.

2. A quantia exequenda aposta no requerimento executivo é no valor 231 189,81 € (Duzentos e Trinta e Um Mil Cento e Oitenta e Nove Euros e Oitenta e Um Cêntimos).

3. Por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03 de Agosto de 2014, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro, foi constituído o Banco 1... S.A.

4. Por intermédio da mesma deliberação, determinou o Conselho de Administração do Banco de Portugal que “a generalidade da atividade e do património do Banco 2... S.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Banco 1... S.A.”

5. Por contrato de cessão de créditos celebrado em 07 de Junho de 2019, o Banco 1... S.A., declarou ceder à A... – STC SA, um conjunto do créditos vencidos de que era titular, incluindo o crédito reclamado na execução de que os presentes autos são apenso.

6. Por escritura pública lavrada em 26/10/2001, denominada de “Compra e Venda Mútuo com Hipoteca”, o Banco Cedente emprestou a CC e AA, a importância de Esc. 30.000.000$00 (trinta mil contos), equivalentes a € 149.639,36, ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação; as partes convencionaram que parte do empréstimo, no montante de quinze mil contos, equivalentes a € 74.819,68, era destinada à aquisição de imóvel destinado exclusivamente à habitação própria permanente dos mutuários e que o remanescente, em valor igual, seria aplicado em obras de beneficiação do referido prédio, as quais deveriam ter o seu termo até 26/04/2003, o mútuo foi concedido pelo prazo de 30 anos, incluindo o período de utilização (entregas de capital) e o de reembolso (amortização de capital), a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, junto como documento n.º1 com o requerimento executivo e que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7. O capital mutuado vencia juros à taxa de juro contratual inicial de 5,773, correspondente à Taxa Anual Efectiva de 5,93% (sendo esta última a taxa válida para efeitos de registo predial), a qual seria revista com a periodicidade semestral, correspondendo à Euribor de referência, acrescida de 1,4%.

8. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada em 2.

9. Em garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos respetivos juros que fossem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco Cedente tivesse de fazer no caso de ter de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios em qualquer processo (fixadas, para efeitos de registo predial, em mil e quinhentos contos, equivalentes a € 7.481,97), os mutuários e CC e AA constituíram, com o acordo e a favor do Banco Cedente, HIPOTECA VOLUNTÁRIA sobre o imóvel adquirido com o capital mutuado, de que são donos e legítimos proprietários, concretamente: - Prédio urbano, composto de casa de habitação de cave e rés do chão, garagem e logradouro, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., à data omisso na matriz e actualmente inscrito com o artigo ...82 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...79, da referida freguesia ....

10. Tal hipoteca foi constituída com a máxima amplitude legal e subsiste enquanto o Banco Cedente não estiver integralmente pago, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes ou futuras, e as indemnizações, expropriações ou quaisquer outras, até à liquidação das responsabilidades garantidas, tendo sido registada a favor do Banco Cedente pela Ap. ...0 de 2001/09/27, cujo averbamento de transmissão de credito a favor da ora Exequente foi registado sob a AP. ...87 de 2019/10/08.

11. Por escritura pública lavrada em 05/12/2002, denominada de “empréstimo com hipoteca”, o Banco Cedente concedeu um empréstimo a CC e AA na importância de Euros 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação, pelo prazo de 29 anos, incluindo o período de utilização (entregas de capital) e o de reembolso (amortização de capital), mediante liquidação de prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e de juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, junto como documento n.º3 com o requerimento executivo e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

12. O capital mutuado vencia juros a taxa contratual inicial de 4,9%, correspondente à Taxa Anual Efetiva de 5,1% (sendo esta última a taxa válida para efeitos de registo predial), a qual seria revista com a periodicidade semestral, correspondendo à Euribor de referência, acrescida de 1,6%.

13. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada em 2%.

14. Em garantia do bom pagamento da importância mutuada no sobredito contrato acrescida dos respetivos juros que fossem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco Cedente tivesse de fazer no caso de ter de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios em qualquer processo (fixadas, para efeitos de registo predial, em € 1.000,00), CC e AA constituíram, com o acordo e a favor do Banco Cedente, HIPOTECA VOLUNTÁRIA sobre o imóvel descrito em 9).

15. Tal hipoteca foi constituída com a máxima amplitude legal e abrangeria igualmente todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes ou futuras, e as indemnizações, expropriações ou quaisquer outras, até à liquidação das responsabilidades garantidas, tendo sido registada a favor do Banco exequente pela Ap. ...6 de 2002/11/08 e cujo averbamento de transmissão de crédito a favor da Exequente encontra-se registado sob a AP. ...88 de 2019/10/08.

16. As quantias emprestadas, referidas nos aludidos títulos foram efetivamente entregues aos Executados CC e AA, mediante créditos processados na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Cedente, tendo aqueles movimentado e utilizado em proveito próprio os valores resultantes daqueles créditos, confessando-se devedores das quantias recebidas perante o Banco Cedente.

17. Os mutuários, CC e AA interromperam o pagamento das prestações de ambos os empréstimos acima melhores identificados em 26/03/2010 e 06/04/2010, respetivamente, nada mais tendo pago por conta dos mesmos.

18. No contrato descrito em 6) a 10), o capital em dívida ascende atualmente a quantia de Euros 116.396,65, acrescido de juros de 26/03/2010 até 20/06/2022, à taxa de 2,442% + 3%, no valor de Euros 77.556,20, Imposto de Selo, no valor de Euros 3.102,25, perfazendo assim o montante atualmente em dívida a quantia de Euros 197.055,10.

19. No contrato descrito em 11) a 15), o capital em dívida ascende atualmente à quantia de Euros 19.956,72, acrescida de juros de 06/04/2010 até 20/06/2022, à taxa de 2,593% + 3%, no valor de Euros 13.632,68 - Imposto de Selo, no valor de Euros, perfazendo assim o montante atualmente em dívida a quantia de Euros 34.134,71 €.

20. No dia 15 de Outubro de 2008, na freguesia ..., concelho ..., faleceu o mutuário, CC, no estado de divorciado (casamento dissolvido com AA, co-mutuária e executada nos presentes autos.

21. CC deixou como única e universal herdeira, a filha, DD.

22. Por escritura de 30 de Março de 2010 DD declarou repudiar a herança aberta deixada por CC.

23. Em 08/04/2011, o Banco 1..., S.A., por conta da dívida supra, intentou competente execução contra a embargante e CC – processo que correu termos no Juízo de Execução de Ansião – Juiz ... (Comarca de Leiria) com nº de processo 815/11...., no qual a executada/embargante foi citada para se opor à execução em 19.04.2011. Por despacho proferido em 07.02.2012, foram as partes notificadas do seguinte “Atento o teor da certidão de óbito junta a fls. 20 de onde resulta que o executado faleceu antes da instauração da presente execução, deve a exequente requerer a habilitação dos seus sucessores nos termos do disposto no art. 371º, 2 do CPCivil. Notifique. Informe o agente de execução.”

24. No âmbito dos autos descritos em 23), foram expedidas notificações de extinção da instância por deserção de 30/05/2022, tendo as mesmas transitado em julgado em 13/06/2022.

25. Em 24/03/2014, o Banco 1..., S.A., por conta da dívida supra apresentou reclamação de créditos - processo que correu termos no Juízo de Execução de Ansião – Juiz ... (Comarca de Leiria) com nº de processo : 5443/05...., no qual figurava como executado/reclamado CC, não foi notificado porquanto a instância de reclamação de créditos foi declarada extinta por despacho proferido em 07.06.2016, por inutilidade superveniente da lide, em face da execução principal ter sido declarada extinta por deserção.»

                                                              *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então decidir a questão supra enunciada, sendo certo que vamos fazê-lo começando por referir que a mesma já não é uma questão nova, antes vem sendo uma vexata quaestio, alvo de soluções distintas a nível doutrinal e jurisprudencial.

Isso mesmo resulta indiretamente da sentença recorrida quando nela se grafou que “Actualmente, é jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º6/2002, publicado no DR-184/2022, Série I, de 2022-09-22, que (…)» [com sublinhado nosso]

Dito isto, começaremos a apreciação da questão sob recurso pela afirmação de que, quanto a nós, se deve considerar totalmente pacífico o entendimento em que assenta ab initio a decisão recorrida, qual seja, o de que estando em causa nos autos um mútuo reembolsável em sucessivas prestações mensais, compostas por quotas do capital mutuado e por juros remuneratórios, resultava e se concluía que aos créditos resultantes do não pagamento destas prestações mensais é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º al.e) do C.Civil.

Neste sentido atente-se no que resulta, inter alia, do seguinte aresto do STJ:

«I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição» (Sumário).[2]

Sucede que o caso vertente contendia com a especificidade de se optar pelo entendimento de o referido prazo de prescrição de 5 (cinco) anos [cf. art. 310º, al.e) do C.Civil] ser também aplicável ao capital antecipadamente vencido que resultava da soma das quotas de capital incorporadas nas prestações mensais vencidas antecipadamente em decorrência da perda do benefício do prazo [cf. art. 781º CC; art. 27º do DL nº74-A/2017, de 23/06; art. 20º do DL nº 133/2009, de 02/06], sendo que a sentença recorrida optou pela positiva aplicabilidade desse prazo de 5 (cinco) anos a este capital, aderindo à linha jurisprudencial nesse preciso sentido, que também vinha sendo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente constante do seguinte aresto do mesmo STJ:

«I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.

III. Um pagamento coercivo não releva, como facto interruptivo da prescrição em relação aos fiadores, na medida em que não intervieram no respetivo processo, nem o credor lhes deu conhecimento desse facto.»[3].

No mesmo sentido, veja-se o seguinte aresto do STJ:

«II – (…) o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.

III – De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.

IV – O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em ‘nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida’.»[4]

Explicitando um pouco melhor por reporte ao caso ajuizado.

Na presente execução, a Exequente [cessionária por contrato de cessão de créditos do “Banco 1..., S.A.”] pretende o reembolso do capital mutuado em dívida, além dos respetivos juros remuneratórios e moratórios, uma vez que os Executados assumiram nos contratos de mútuo outorgados com o Banco originariamente mutuante [“Banco 2... S.A.”] em 26/10/2001 e 05/12/2002, a responsabilidade pelo pagamento dessas dívidas.

Nesses contratos, estipulou-se que o capital mutuado [Esc. 30.000.000$00 (trinta mil contos), equivalentes a € 149.639,36, e € 25.000,00, respetivamente] seriam devolvidos no prazo de 30 anos e 29 anos, respetivamente, em prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros.

Provou-se que os Executados interromperam o pagamento das prestações de amortização dos empréstimos em 26/03/2010 e 06/04/2010, respetivamente, e, a partir de então, nada mais pagaram.

Está também provado que o Banco cessionário [“Banco 1..., S.A.”], em 08/04/2011 instaurou execução contra os mutuários [a aqui Embargante e CC], para cobrança dessas dívidas, a que correspondeu o nº de processo 815/11...., no qual a executada/embargante foi citada para se opor à execução em 19.04.2011, sucedendo que no âmbito destes autos, «foram expedidas notificações de extinção da instância por deserção de 30/05/2022, tendo as mesmas transitado em julgado em 13/06/2022».

Temos, finalmente, que em 08.08.2022, a ora Exequente, deu entrada da execução a que os embargos aqui em apreciação se encontram apensos, sendo a quantia exequenda aposta no requerimento executivo no valor € 231.189,81, mais concretamente consistindo em requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra a Executada ora Embargante e o dito CC [relativamente ao qual se veio a apurar que  havia falecido em 15 de Outubro de 2008, no estado de divorciado (casamento dissolvido com AA, co-mutuária e executada nos presentes autos), deixando aquele como única e universal herdeira, a filha, DD, sendo que por escritura de 30 de Março de 2010, esta DD declarou repudiar a herança aberta deixada por CC – cf. factos “provados” sob “20.”, “21.” e “22.”].

 Face a este quadro factual, sustentou-se na decisão recorrida que tendo ocorrido o incumprimento e ficando vencidas todas as prestações, o plano de pagamentos que se prolongaria, efetivamente, até ao fim do prazo contratado de 30 anos num caso e de 29 anos no outro, ficou sem efeito, passando a ser devido, o valor total remanescente.

Donde, o vencimento daquelas prestações ocorreu com o incumprimento de ambos os contratos, o primeiro em 26/03/2010 e o segundo em 06/04/2010.

A Exequente/recorrente manifesta a sua discordância quanto a este aspeto da decisão com o argumento de que «(…) com o vencimento antecipado das prestações vincendas, no incumprimento, deixamos de ter várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida.»

De referir que com esta alegação a Exequente/recorrente está a alinhar com uma das duas teses fundamentais em que se polarizou a controvérsia em torno da aplicação do art. 310º, alínea e), do C.Civil, a saber, com a tese segundo a qual, em consequência do vencimento imediato de todas as prestações, deve deixar-se o prazo de cinco anos do art. 310º e aplicar-se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos do art. 309º.

Ocorre que o entendimento perfilhado na decisão recorrida correspondia à posição que já era maioritária a nível da jurisprudência e decorre da devida/correta aplicação do disposto no art. 781º do C.Civil, a saber, que em consequência do vencimento imediato de todas as prestações, deve continuar a aplicar-se o prazo de cinco anos do art. 310º do Código Civil a todas as quotas vencidas.

 Entendimento este que, linear e sinteticamente se pode explicar pela seguinte forma:

Dispõe o art. 781º do C.Civil que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Podia efetivamente argumentar-se que quando as prestações de amortização de uma quantia mutuada estão fundidas com as prestações dos respetivos juros remuneratórios numa prestação única, não sendo estas últimas prestações fracionadas, mas sim, prestações reiteradas periódicas, em que o decurso do tempo influi na determinação do seu valor global, a aplicação do disposto no dito art. 781º do C. Civil, só funciona, relativamente à parte que corresponde à amortização do capital, uma vez que não é possível exigir o pagamento de juros remuneratórios relativos a períodos que não correspondam a uma disponibilidade do capital a que respeitam.

Sucede que, tal como ficou explicitado no voto de vencido da Exma. Relatora do acórdão do TRC de 26-04-2016[5], constante do acórdão do mesmo TRC de 19-12-2017, proferido no proc. nº 561/16.2T8VIS-A.C1[6], em que ela era Adjunta, «(…) quando, na sequência do incumprimento de alguma delas, a instituição de crédito, fazendo uso da faculdade que normalmente lhe é concedida pelo contrato, declara “antecipadamente vencidas todas as prestações convencionadas”, pode tomar um de dois comportamentos: i) ou procede à liquidação da responsabilidade do mutuário (calculando o valor do capital em dívida ao qual se somarão os juros de mora e eliminando todos os valores que se só seriam devidos se o contrato permanecesse em vigor nos termos acordados), caso em que, no meu entender, deixando as prestações de existir enquanto tal, ao valor em divida assim recalculado será aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos; ii) ou se limita a somar todas as prestações tal como se encontravam previstas no contrato (compostas, cada uma delas, por uma parcela de capital, juros, comissões, seguros, etc.), caso, em que continuará a fazer sentido a aplicação do prazo especial de cinco anos, a aplicar a cada uma delas. Contudo, se o vencimento de cada uma delas é antecipado, terá de ser sempre esta – a data do vencimento efetivo - a data a ter em conta para o início da contagem do prazo da prescrição.

Como no caso em apreço, aparentemente, o exequente, na sequência da declaração de vendimento imediato das restantes prestações acordadas, se terá limitado a somar os respetivos montantes, acrescentando uma sobretaxa aos juros de mora a cobrar, e uma vez que as prestações mantêm na íntegra a sua natureza – de parte de capital e parte de juros – e que o respetivo vencimento foi antecipado logo em 2009, consideraria, assim, prescritas todas as prestações previstas no contrato.»

Não poderíamos estar mais de acordo, pois que esta salvaguarda tem aplicação paradigmática no caso ajuizado, em que também não foi operada qualquer “resolução” dos contratos.

Acresce que a aplicabilidade do artigo 781º do C. Civil a estas prestações de natureza mista nem sequer é decisiva in casu, uma vez que as partes estipularam nos contratos de mútuo qual seria a consequência de falta de pagamento das prestações que se fossem vencendo, sendo certo que a norma inserida naquele preceito legal, tendo natureza supletiva[7], pode ser afastada pela vontade das partes.

Efetivamente, consta das cláusulas 12ª dos documentos complementares a ambos os contratos de mútuo aqui em causa:

«As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem dado em hipoteca, assim como em caso de incumprimento por parte do(s) mutuário(s) de qualquer das obrigações dele decorrentes, iniciando-se a contagem dos juros à taxa máxima em vigor para as operações activas de igual prazo, acrescida de sobretaxa por mora de dois por cento ao ano.»

Dito de outra forma: o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não deve alterar o prazo de prescrição, e, em particular, não deve fazer com que o prazo de prescrição deixe de ser de cinco anos e passe a ser de 20 anos.[8]

Sendo esta já a posição largamente maioritária, veio a ser adotada no AUJ nº 6/2022, de 30.06.2022 diretamente invocado na decisão recorrida, no qual se decidiu que «(…) no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».

Assim sendo, salvo o devido respeito, é completamente insofismável – e até iniludível e incontornável! – o entendimento de que a duração dos prazos de prescrição, quer das prestações vencidas, quer das vincendas, no presente caso, é de 5 anos, nos termos do art. 310º, al. e), do C.Civil.[9]

Sendo certo que a doutrina deste AUJ responde diretamente à invocação recursiva de que a prescrição não se aplicaria a todas as quotas – no citado AUJ nº 6/2022 esclareceu-se e sublinhou-se que «(…) ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas»!

Improcede assim a argumentação recursiva quanto a estes aspetos da questão.

Prosseguindo na análise da decisão recorrida.

A ora Recorrente tinha proposto o processo de execução da dívida contra os devedores em 08.04.2011 e a Executada ora Embargante tinha sido citada a 19.04.2011.

Com a citação para a execução instaurada em 08.04.2011, foi, por um lado, interrompido aquele prazo de prescrição relativamente às prestações não pagas que já se haviam vencido (art. 323º, nº 1, do C.Civil), assim como se venceram as prestações até aí vincendas, pelas razões acima expostas, o que ocorreu em relação à Executada/embargante concretamente em 19.04.2011.

Tendo esta execução sido declarada extinta, por deserção da instância, em 13.06.2022 (data do trânsito em julgado do correspondente despacho), por falta de promoção dos termos da execução por parte da Exequente, o novo prazo de prescrição, em resultado da interrupção verificada, relativamente às prestações vencidas, assim como o prazo de prescrição das prestações que se venceram com a citação, interrompido à nascença, iniciaram a sua contagem com a citação da Executada/embargante para aquela execução, atento o disposto no art. 327º, nº 2, do C. Civil, ou seja no mesmo dia em que ocorreu a interrupção do prazo original, isto é, na aludida data de 19.04.2011.

Nada, assim, a censurar à decisão recorrida quando nela se concluiu que por aplicação do prazo previsto na al. e) do art. 310º do C. Civil, os créditos sob execução, prescreveram em 20.04.2016 [por o correspondente (novo) prazo se ter iniciado em 20.04.2011], o que significa que quando a Exequente propôs a presente execução (processo principal apenso) em 08.08.2022 [cf. facto “provado” sob “1.”], já há muito se encontrava prescrito todo o direito de crédito exequendo.

Isto relativamente à Executada/embargante.

Sendo que com esta afirmação já estamos a entroncar na apreciação do último aspeto recursivo.

Na verdade, sustentou a Exequente/recorrente no final das alegações recursivas que, no limite, devia apenas ser considerada extinta a execução quanto à Executada/embargante – só ela o invocou, sendo que a prescrição é um meio de defesa pessoal que não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal! – sendo incorreta a decisão recorrida por ter declarado extinta a execução, “no todo”.

Ora, quanto a este particular é de reconhecer razão à Exequente/recorrente.

Com efeito, é claramente um meio de defesa pessoal, a invocação que cada um dos devedores faça da prescrição que lhe aproveita, sendo que efetivamente pode até suceder que a obrigação prescreva em relação a um ou alguns dos devedores e não esteja em condições de prescrever quanto a outros.

E que é assim, que a prescrição corre autonomamente no caso de condevedores solidários e/ou nas relações entre o devedor principal e o fiador, di-lo a lei nos arts. 521º e 636º do C.Civil.

Fazendo-se inclusivamente, no art. 521º do C.Civil, uma distinção que acentua a ideia da necessidade/imprescindibilidade que cada devedor tem de invocar a prescrição que lhe aproveita e de que possa beneficiar:

- por um lado, diz-se que a invocação da prescrição por um dos condevedores não aproveita a quem não a invocou mas também não o prejudica, um vez que libera o devedor (que invocou a prescrição) perante o credor, mas não em face dos outros condevedores, quando estes contra ele exerçam o direito de regresso (isto é, o devedor que haja invocado a prescrição não fica liberado da obrigação de regresso perante os condevedores que não gozavam de prescrição e que hajam pago a totalidade da dívida ao credor); mas,

- por outro lado, se o condevedor que pagou não tiver invocado a prescrição que lhe aproveitava, não tem direito de regresso contra os devedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição (ou seja, se, num mesmo processo, todas os condevedores solidários puderem invocar a prescrição, mas se um não o fizer e pagar ao credor não goza do direito de regresso).

O que, a nosso ver, realça a necessidade/imprescindibilidade da prescrição ser pessoalmente invocada por quem dela pode aproveitar, não podendo considerar-se que a invocação da prescrição por um devedor pode valer e significar a invocação da prescrição por outro devedor/condevedor.[10]

Tudo se passa afinal como se esse outro executado não tivesse invocado a prescrição da obrigação exequenda.

Sendo certo que nada obsta a que a obrigação esteja prescrita para alguns dos codevedores e não para outro(s), sendo que estando-se perante um meio de defesa iminentemente pessoal, nada obriga a que a procedência dessa exceção relativamente a alguns dos executados-embargantes tenha que necessariamente aproveitar a outro(s) que não a deduzi(ram).

Donde, procede este argumento recursivo, com a consequente revogação parcial da decisão recorrida, isto é, com a restrição do alcance e sentido da “extinção da execução” à Executada/embargante.

*

(…)

 

*

6 - DISPOSITIVO

           Pelo exposto, acorda-se em julgar apenas parcialmente procedente o recurso, com a consequente revogação parcial da decisão recorrida, declarando-se agora que a execução fica extinta relativamente à Executada/embargante.

            Custas do recurso pela Exequente/recorrente, na proporção de ½ das devidas.

                                                                       *

                                        Coimbra, 23 de Abril de 2024   


     Luís Filipe Cravo

     Fernando Monteiro

     Alberto Ruço



[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Alberto Ruço
[2] Cf. acórdão do STJ de 29.09.2016, proferido no proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Trata-se do acórdão do STJ de 18.10.2018, proferido no proc. nº 2483.15.5T8ENT-A.E1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Citámos, agora, o acórdão do STJ de 26.01.2021, proferido no proc. nº 20767/16.3T8PRT-A.S2. igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] proferido no proc. nº 525/14.0TBMGR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] Igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[7] Neste sentido vide ALMEIDA COSTA, in “Direito das Obrigações”, 12ª ed., Livª Almedina, 2009, a págs. 1018, nota 1, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in “Código Civil Comentado”, vol. II, Livª Almedina, 2021, a págs. 986, ANA AFONSO, in “Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, a págs. 1071, e ANA PRATA, in “Código Civil Anotado”, vol. I, Livª Almedina, 2017, a págs. 980.
[8] Neste sentido a posição maioritária no Supremo Tribunal de Justiça – vide os acórdãos do STJ de 25 de Maio de 2017 (proferido no proc. nº 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2), de 18 de Outubro de 2018 (proferido no proc. nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), de 23 de Janeiro de 2020 (proferido no proc. nº  4518/17.8T8LOU-A.P1.S1), de 10 de Setembro de 2020 (proferido no proc. nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1), de 3 de Novembro de 2020 (proferido no proc. nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1) de 12 de Novembro de 2020 (proferido no proc. nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1) de 14 de Janeiro de 2021 (proferido no proc. nº 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1) ou de 26 de Janeiro de 2021 (proferido no proc. nº 20767/16.3T8PRT-A.S2), todos acessíveis em www.dgsi/jstj.
[9] Após o dito AUJ, expressamente neste mesmo sentido, inter alia, os acórdãos do STJ de 15.09.2002 (proferido no proc. nº 83/21.0T8PDL-A.L1.S1), de 29.09.2022 (proferido no proc. nº 1895/20.7T8OVR-A.P1.S1), e de 30.11.2022 (proferido no proc. nº 448/21.7T8MAI-A.P1.S1), todos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[10] É sabido que a prescrição não é de conhecimento oficioso (cfr. art. 303º do C.Civil), mas, se se entendesse que a invocação por um devedor pode valer e significar a invocação da prescrição por outro devedor/condevedor, dir-se-ia que não haveria o obstáculo do art. 303º do C.Civil.