Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/23.6GATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES
PROIBIÇÕES OU INTERDIÇÕES
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PERFECTIBILIZAÇÃO DOS CRIMES
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 410.º, N.º 2, E 412.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
ARTIGOS 50.º, 70.º, 71.º E 256.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem, respectivamente, quando: o tribunal considera provado um facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que devia ter sido julgado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, devia ter sido julgado provado; os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que aquela matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz; se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida, ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.

II – No crime de falsificação de documento, do artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, a falsificação pode assumir as formas de falsificação material e ideológica ou intelectual:

- na falsificação material o documento não é genuíno;

- na falsificação ideológica ou intelectual o documento é inverídico.

III – A falsificação intelectual abrange as hipóteses em que o conteúdo do documento diverge da declaração emitida ou em que a declaração feita é falsa.

IV – O tipo objectivo do crime de falsificação de documento pode assumir as seguintes modalidades:

- a fabricação “ex novo” de documento;

- a modificação “a posteriori” de um documento já existente;

- a integração no documento de uma assinatura de outra pessoa;

- fazer constar num documento a declaração de um facto falso juridicamente relevante;

- circulação de documento falso.

V – Ao preencher e assinar, no IMTOnline, o pedido de 2ª via da sua carta de condução declarando falsamente que a sua carta de condução se havia extraviado, o que bem sabia não corresponder à verdade, e induzindo por essa forma em erro os funcionários da DGV onde requereu a emissão de 2ª via, o arguido tornou o documento em causa inverídico, pois a declaração, embora gerando um documento genuíno ou materialmente verdadeiro, tem na sua génese um conteúdo intelectual que não corresponde à realidade.

VI – A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal abstracta é um acto de discricionariedade judicial juridicamente vinculada, que depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização, e onde, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, se mesclam «a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, atos cognitivos e puras valorações».

VII – Sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

Decisão Texto Integral:

RECURSO nº 9/23.6GATND.C1
Processo Sumário
Crime de violação de imposições, proibições ou interdições
Crime de falsificação de documento
Impugnação da matéria de facto
Perfectibilização dos crimes
Medida da pena
Juízo de Competência Genérica ...
Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
             1. A CONDENAÇÃO RECORRIDA

por sentença datada de 30 de Março de 2023, foi decidido «condenar o arguido …
1) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
2) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alíneas d) e e)[1] do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
3) Em cúmulo jurídico … na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efetiva»[2]

            2. O RECURSO
Inconformado, o arguido … recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


«1. O tribunal “a quo” procedeu a uma apreciação arbitrária da prova, fazendo uso da mera impressão gerada no seu espírito;
2. Os pontos 7); 8;) 10); 11); 12); 13) e 14) da sentença devem ser dados como não provados;
3. O conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, …
4. O Tribunal faz, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, um raciocínio ilógico, irracional ou absurdo, em manifesto prejuízo do arguido.
5. O Tribunal ignora por completo a informação prestada pelos serviços do IMT
6. Da informação prestada pelo IMT resulta que os pedidos online são realizados por “qualquer aparelho electrónico”, mais informando que “não é possível ao IMT identificar o aparelho a partir do qual é realizado o pedido”, afirmando que “através deste meio (online) podem ser efectuados por qualquer pessoa”.
7. Ora, não resulta dos autos, qualquer prova concreta neste particular aspecto que possa concluir que tenha sido o arguido o autor daquele pedido.
8. Jamais a conduta perpetrada no IMT preenche o conceito de documento exigido para a consumação do crime de falsificação e documento, p.e p. pelo artigo 256º, nº1 do CP.
9. De acordo com o artigo 255 do CP documento é …
10. O Artigo 256º do CP visa a acção de quem tem o domínio de facto ou de direito sobre a produção do documento, e não a mera declaração de factos falsos para que constem de documento elaborado por outrem.
11. A criminalização está restringida aos documentos que comportem declarações de factos falsos e juridicamente relevantes como não sucede no caso sub judice
12. a ser verdade que a conduta (entenda-se pedido online de renovação da carta de condução) foi efectuado pelo recorrente, o comportamento do arguido nunca integraria o cometimento do crime de falsificação de documento ou de uso de documento falsificado.
13. À data da pratica dos factos, corria já termos na ANSR o processo de cassação do título de condução pertencente ao arguido sob o nº831/2021, pelo que o efeito útil daquele pedido, seria NULO e de NENHUM EFEITO.
14. Não retirava o arguido qualquer vantagem naquela declaração.
15. A declaração inverídica feita ao IMT Online não é suscetível de integrar a prática de um crime de falsificação de documento do artigo 256º do C.P, o documento não exibe qualquer aspecto suscetível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado nem alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado.

17. Não se encontra provado o preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime p e p no artigo 353º do CP
18. Foi o arguido quem se dirigiu, naquele dia e hora, às instalações da GNR … conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros.
19. Foi o arguido que entregou duas cartas de condução, uma das quais, emitida pelas autoridades do Luxemburgo, sendo ilógico e irracional este comportamento, para alguém que sabia estar proibido de conduzir.
20. No momento da fiscalização, os Senhores militares, já sabiam que a carta do arguido se encontrava apreendida à ordem de Processo Judicial, …
21. Em tribunal, explicou também o arguido que o erro se deveu ao facto constante naquela sentença, quando ali se descrevia um facto provado com a informação “proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 16 (dezasseis) meses”.

23. Deveria resultar dos factos provados o erro sobre a ilicitude e a falta de consciência da ilicitude, e em consequência, deve dar-se com não provados os factos 11) e 14) da sentença.

27. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. (nº1 do art. 355º do CPP)

29. A pena de prisão efectiva de um ano e três meses aplicada é manifestamente excessiva, desajustada e desproporcional;

31. O Tribunal ao aplicar a pena de prisão e verificando que a mesma não era superior a dois anos de prisão deveria ter aplicado o regime mais favorável ao arguido nos termos do disposto no art. 2º, nº 4, do CP.

37. Não se compreende nem se aceita que o Mmo. Juiz a quo, não tivesse optado, nem pela suspensão da pena, nem admitindo sequer o seu cumprimento em regime de permanência na habitação. (artigo 43º do CP)

41. O artº 370º do C.P.P. diz que “o tribunal pode solicitar a elaboração do relatório social”, a realização do relatório social é essencial para uma correcta aplicação da eventual sanção.
42. O tribunal “a quo” não pode aferir da possibilidade da suspensão da execução da medida de prisão sem mandar realizar relatório social, pois, só através de relatório social o tribunal consegue obter uma visão actualizada da personalidade, condições de vida do arguido, para efeitos do artº 50º do C.P.
43. Ao não realizar o relatório social, o tribunal recorrido esgota a possibilidade para suspensão da execução da pena, ferindo os direitos de defesa do arguido, violando assim o Tribunal recorrido, nesta parte, o artº 50º do C.P. e o Artº 370º do C.P.P., e ainda interpretou o artº 32º, nº 2, da C.R.P. de modo inconstitucional.



            3. O Ministério Público respondeu ao recurso, …

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se …

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso


Assim, são apenas estas as questões a decidir por este Tribunal:
· Existe algum vício processual pelo facto de não ter sido pedida a realização de relatório social, nos termos do artigo 370º do CPP?
· Há algum erro de julgamento quanto aos factos nºs 7, 8, 10, 12, 13 e 14?
· Deveria ter sido dado como provado o facto enunciado na Conclusão 44º da Motivação de Recurso?
· Há erro de subsunção do comportamento do arguido ao crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e) do CP?
· Inexiste dolo no comportamento do arguido no que tange à prática do crime p. e p. pelo artigo 353º do CP?
· Medida da pena principal - deveria ter sido aplicada ao arguido uma pena de prisão menos severa (eventualmente substituída por uma pena suspensa na sua execução ou pela pena do artigo 43º do CP)?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

«1) Por decisão datada de 13 de novembro de 2020, proferida no âmbito do processo comum singular nº 25/20...., que correu termos neste tribunal, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 07.04.2021, transitada em julgado, foi o arguido … condenado, em cumulo jurídico na pena de 9 (nove) meses de prisão, a ser cumprida no domicilio com recurso a vigilância eletrónica, …
2) Ao abrigo do preceituado no artigo 69º, nº 1, do Código Penal, foi ainda o arguido … condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 2 (dois) anos.
3) O arguido procedeu à entrega da carta de condução em 13.04.2021, por intermédio da sua companheira …
4) Por força da identificada sentença, o arguido ficou impedido de conduzir veículos a motor entre o dia 13.04.2021 e o dia 13.04.2023.
5) No dia 9 de janeiro de 2023, pelas 14H30, o arguido … conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros … pela Rua ..., em ... quando foi intercetado pelos militares da GNR.
6) A solicitação dos militares da GNR, o arguido apresentou duas cartas de condução, uma emitida pelas autoridades do Luxemburgo e outra emitida pelas autoridades Portuguesas, com o nº ...54, emitida em 12.05.2021.
7) O arguido, depois de ter entregue a carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, ou seja, em 10.05.2021, solicitou, por intermédio do IMTOnline (pedido nº ...68) 2ª via da carta de condução nº...54, tendo alegado “extravio da carta de condução anteriormente emitida”.
8) Mais declarou sob compromisso de honra que “o documento ora requerido não se encontra apreendido quer por decisão judicial ou administrativa quer por autoridade fiscalizadora, comprometendo-me a entregá-la de imediato, caso a venha a recuperar”.
9) O arguido … conduziu o veiculo automóvel na via pública, encontrando-se proibido por sentença judicial de conduzir veículos motorizados.
10) O arguido … solicitou a emissão de 2ª via da carta de condução, bem sabendo que a mesma se encontrava apreendida no processo comum singular nº 25/20...., para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.
11) O arguido … desrespeitou uma proibição que lhe havia sido imposta a título de pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por sentença criminal, tendo consciência que ao conduzir o veiculo automóvel na via publica durante o período da proibição do exercício da condução estava a violar aquela proibição, ainda assim, quis conduzir o veículo em causa.
12) O arguido … atuou ainda com intenção de obter uma 2ª via da carta de condução emitida pelo IMT, de forma a poder continuar a beneficiar das faculdades inerentes à detenção da carta de condução.
13) O arguido sabia que ao atuar desta forma estava a induzir em erro os funcionários daquele instituto.
14) O arguido não se absteve de tais condutas, em tudo agindo … de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei como crime.

*
Mais se provou que,
15) A sentença proferida no processo identificado em 1) foi lida ao arguido, em voz alta, no dia 13.11.2020.
16) A liquidação da pena acessória aplicada naquele processo foi notificada ao arguido e ao seu Ilustre Defensor por cartas expedidas no dia 16.07.2021
17) O pedido feito ao IMTOnline carece de autenticação com o número de contribuinte e senha pessoal da autoridade tributária, cartão de cidadão ou chave móvel digital.
18) Por decisão proferida pela ANSR no âmbito do processo de Cassação nº831/2021, foi determinada a cassação do título de condução pertencente ao arguido e onde consta a expressa advertência de que a cassação do título o impossibilitava de concessão de novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação …
19) A assinalada decisão é de 10 de maio de 2022 e foi notificada ao arguido por carta registada com aviso de receção, que recebeu no dia 30.05.2022 …
20) O arguido esteve privado da respetiva liberdade, recluso no Estabelecimento Prisional ... entre o dia 31.05.2022 e o dia 26.08.2022.

26) Por sentença transitada em julgado a 22.10.2010, foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de multa de 150 dias, à taxa diária de 5€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 8 meses, por factos praticados em 10.05.2008, …
27) Tais penas foram declaradas extintas, pelo seu cumprimento, em 23.06.2010 (a pena de multa) e em 11.05.2011 (a pena acessória).
28) Por sentença transitada em julgado a 05.07.2011, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de multa de 120 dias, à taxa diária de 5€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 15 meses, por factos praticados em 03.04.2011, …
29) Tais penas foram declaradas extintas, pelo seu cumprimento, em 04.10.2011 (a pena de multa) e em 08.10.2012 (a pena acessória).
30) Por sentença transitada em julgado a 16.04.2013, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 14 meses, por factos praticados em 16.03.2013, …
31) Tais penas foram declaradas extintas em 16.04.2014 (a pena de prisão) e em 27.12.2016 (a pena acessória).
32) Por sentença transitada em julgado a 14.03.2016, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de 5€, por factos praticados em 04.04.2014, …
33) Tal pena foi declarada extinta por despacho de 12.05.2016.
34) Por sentença transitada em julgado a 01.02.2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 16 meses, por factos praticados em 13.12.2018, …
35) Por sentença transitada em julgado a 12.05.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de nove meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de dois anos, por factos praticados em 26.02.2021, …».

2.2. Inexistem factos NÃO PROVADOS.

2.3. Esta foi a motivação da matéria de facto (transcrição):


            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. DAS NULIDADES


Não foi pedido relatório social quanto ao arguido.
A defesa entende que tal fere os direitos de defesa do arguido.
Vejamos.
Temos como certo – mediante abundante jurisprudência nesse sentido - que:
· A não realização de relatório social não acarreta o cometimento de qualquer nulidade[3], v.g. a contemplada na al.ª c), do nº 1, do artº 379º, do CPP, ou mesmo de qualquer irregularidade, nos termos do disposto no artº 123º, do mesmo diploma adjectivo;
· Porém, a falta de elementos probatórios bastantes, que pudessem ser veiculados através desse relatório social aos autos, por forma a poderem vir ancorar a espécie e medida da pena a aplicar, poderá constituir, e constitui, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP.
Ora, no nosso caso, o tribunal não sentiu qualquer necessidade de pedir tal relatório social, assente o teor dos factos provados nºs 21 a 25, os quais dão uma visão rigorosa da vida deste homem e das suas condições socio-familiares e económicas (obtida com base nas suas declarações livremente apreciadas).
E nós concordamos com esta opção
Se assim é, inexiste qualquer nulidade ou outro vício factual [mormente, o previsto no artigo 410º/2 a)] pois não se vislumbra, nem de perto nem de longe, que haja insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (mais à frente, retomaremos a questão, no Capítulo referente à Impugnação da matéria de facto).

3.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

3.2.1. É sabido que o Tribunal da Relação pode conhecer da questão de facto por duas formas:
- pela impugnação alargada (com apelo à prova gravada), se tiver sido suscitada - cfr. artigo 431º do CPP;
- pela análise dos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP.
Na 1ª situação estamos perante um típico erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 – que ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua o Juiz Desembargador Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação e da Relação de Lisboa, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www.dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento … que se impõe a este o ónus de proceder à tríplice especificação prevista no artigo 412º, nº 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto.
Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.


3.2.2. Deixemos, por ora, esse erro de julgamento e cuidemos dos vícios que podem levar a um reenvio para novo julgamento, ao abrigo do artigo 426º do CPP.
Assim, comecemos por sindicar a decisão recorrida com base nos vícios oficiosos do artigo 410º, nº 2 do CPP.
Na realidade, estabelece o artigo 410º, nº 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3. Erro notório na apreciação da prova.
            Tais vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do CPP.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

Ao determinar-se que tais vícios sejam cognoscíveis com base no texto da decisão, adoptou-se uma solução de recurso-remédio e não de reexame da causa.
Este último, numa tese inicialmente defendida, permitiria uma maior amplitude do recurso, pela também possibilidade de análise da prova registada, mas uma tal solução poria em causa o princípio da imediação com que havia sido apreciada a prova na primeira instância, princípio cujo cumprimento seria de muito difícil alcance pelo tribunal de recurso.
Daí a solução intermédia, chamada de revista alargada.
Tal sindicância não deixa de ser, em bom rigor, uma actividade puramente jurídica, pois basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.
Quais os vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP?
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito[4].
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão[5].
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo nº 1509/97).
O vício de erro notório ocorre, não só quando um erro é evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, mas também à luz da análise feita por um tribunal de recurso ou de um jurista minimamente preparado, de molde a considerar-se, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.
Segundo os Juízes Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, tal erro ocorrerá "quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”.
Consideram os mesmos autores que “existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro"[6].
Os conceitos podem confundir-se à primeira vista mas têm palco próprio e distinto entre si.
O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem respectivamente quando:
1º- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
2º- os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz - artº 410º nº 2 a) CPP;
3º- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (cfr. Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740) ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.

3.2.3. O recurso não alude especificamente a nenhum dos vícios, já tendo nós decidido que a falta do relatório social não acarreta o vício do artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP.
Lida a sentença, de acordo com o seu literal texto, não se vislumbra qualquer dos vícios plasmados no artigo 410º/2.

3.2.4. E há erro de julgamento?
A defesa alega que não se deveriam ter sido dados como provados os factos nºs 7, 8, 10, 12, 13 e 14.

E a defesa não conseguiu infirmar tal conclusão a que chegou o tribunal recorrido, não havendo qualquer indício de que este tenha decidido de forma arbitrária, «passando por cima das provas apresentadas».


3.3. DO DIREITO

3.3.1. DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Foi o arguido condenado, como autor material, pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e) do CP.
A factualidade atinente é a que conta dos factos nºs 7, 8, 10, 11, 12, 13 e 14 … a saber:
«…».
Raciocinou assim o tribunal recorrido em sede de Fundamentação de Direito:
«…».
Temos por adquirido nesta matéria que:
· A falsificação pode assumir formas diversas: falsificação material e ideológica ou intelectual.
· Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica ou intelectual o documento é inverídico.
· A declaração de facto falso juridicamente relevante que se faz constar em documento regular corresponde a uma falsificação ideológica.
· Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica ou intelectual o documento é inverídico.
Também sabemos que o tipo objectivo deste ilícito penal pode assumir as seguintes modalidades:
(1) a fabricação “ex novo” de documento;
(2) a modificação “a posteriori” de um documento já existente;
(3) a integração no documento de uma assinatura de outra pessoa;
(4) fazer constar num documento a declaração de um facto falso juridicamente relevante;
(5) e a circulação de documento falso (cfr., neste sentido, HELENA MONIZ, ob. Cit., nota 23 ao artigo 256º, p. 682).
A falsificação intelectual abrange as hipóteses em que o conteúdo do documento diverge da declaração emitida ou em que a declaração feita é falsa (o nosso caso).
Ora, no caso dos autos, provado que está que o arguido, ao preencher e assinar o documento em causa, declarou falsamente que a sua carta de condução se havia extraviado, o que bem sabia não corresponder à verdade e induzindo por essa forma em erro os funcionários da DGV onde requereu a emissão de 2ª via, tornou o documento em causa inverídico.
É que a sua declaração, pese embora gere um documento genuíno ou materialmente verdadeiro, tem na sua génese um conteúdo intelectual que não corresponde à realidade.
O arguido mentiu para o obter.
Por essa razão, preenchida está a aludida falsidade intelectual, o que aliado ao elemento subjectivo decorrente da matéria de facto dada como provada, e por se tratar de facto juridicamente relevante, pois só desse modo obteria a 2ª via, leva a concluir ter o arguido cometido o crime de falsificação de documento por que foi condenado.
Como adianta o Acórdão da Relação de Guimarães datado de 28/6/2004 (Pº 918/04-2):
«O tipo previsto no artº 256 do Código Penal visa acautelar “a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório”, ou seja, “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” e não a protecção do património, nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento - cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, Parecer, in CJ, VIII, 3-20 e seguintes - não obstante, as mais das vezes, andar associado com tipos que visam aquela protecção - burla e furto.
A noção de documento para efeitos penais parte da exigência de que para existir tem de haver uma declaração compreendida num escrito ou registada em outro meio técnico, ou seja, corporizada num certo objecto material - cfr. Helena Moniz in “O Crime de Falsificação de Documentos”, reimpressão p. 179 - e com as seguintes características:
a) - Inteligibilidade para todos ou para um certo círculo de pessoas, isto é, o seu conteúdo deve estar expresso por forma que seja geralmente compreendido ou apreendido;
b) - Possibilidade de se saber quem a emitiu, seja ele emitente verdadeiro ou não, o que significa que o autor do documento deve ser identificável através do próprio documento (exclusão, portanto, dos documentos anónimos);
c) - Idoneidade para provar um facto juridicamente relevante, ainda que a finalidade probatória só lhe seja conferida em momento posterior ao da emissão, portanto o documento só vale para efeitos penais quando possa fazer prova dos factos juridicamente relevantes.
(…)
À falsificação material, corresponde toda a alteração total ou parcial dos termos já existentes em determinado documento: o agente imita ou altera algo que está feito segundo uma forma pré-determinada, fazendo-o com a preocupação de criar a aparência de o documento é genuíno ou autêntico. Nestes casos o documento deixa de ser genuíno ou autêntico por haver sido quebrada a normal coincidência entre a autoria real e a autoria aparente.
A falsificação intelectual ou falsidade integra, por seu turno, as hipóteses em conteúdo do documento diverge da declaração emitida ou em que a declaração feita é de facto falso. Nesta situação, o que se verifica é uma desarmonia entre a declaração efectuada e a declaração documentada ou uma narração e/ou descrição de factos falsos, sendo, por isso, em qualquer dos casos, inverídico o conteúdo do documento.
Daí se segue que a falta de genuinidade que tipicamente corresponde à falsificação material existirá quer quando o documento é elaborado por pessoa diversa daquela de que aparentemente provém, quer quando, apesar de redigido pelo autor real, sofre posteriores modificações que o tornam falso; inversamente será “inverdadeiro” - e, por isso, ideologicamente falso -, quando, apesar de genuíno nos termos indicados, contenha declarações mentirosas, ou a narração e/ou descrição de factos falsos».
Ao contrário do que insinua a defesa, foi provado que o autor dessa falsa declaração de extravio foi o arguido e não terceira pessoa.
Não se duvida, in casu, que a falsa «declaração de extravio» constante de um modelo de requerimento é um documento afectado de falsificação ideológica, na medida em que tal declaração atesta um facto falso, juridicamente relevante
E foi isso que fez o arguido.
Demonstra-se suficientemente o dolo e a intenção em obter um benefício ilegítimo (a obtenção de uma 2ª via de uma carta que estava apreendida por decisão judicial, podendo assim conduzir com a posse de uma carta a que não tinha legítimo direito). E aí é indiferente a sorte do Pº aposto na 13ª Conclusão, bastando a intenção específica do arguido e o benefício obtido com essa mentira (obteve a 2ª via, sim).
E não se demonstram causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Como tal, há crime típico de falsificação de documento.

3.3.2. DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES, PROIBIÇÕES OU INTERDIÇÕES

O tribunal explicou devida e exaustivamente a razão pela qual não acreditou nesta visão benigna dos factos.
Dissertou assim.
«Com efeito, pretendeu o arguido (e bem assim, a sua companheira, AA) convencer este tribunal que desconhecia, contra toda a evidência que ressuma da prova documental, que na data dos factos já podia conduzir, pois estava convencido que a pena acessória era de 16 (dezasseis) meses e não de 2 (dois) anos, sob o pretexto de que foi o que leu na sentença.
Pois bem, naturalmente que a explicação aventada pelo arguido (e corroborada pela sua companheira) não colhe, com o devido respeito, qualquer credibilidade, na medida em que como evola da prova documental, não só da ata da leitura da sentença, mas da própria sentença e do despacho de liquidação notificado pessoalmente ao arguido, que a pena acessória de proibição de conduzir era de dois anos e não de dezasseis meses e que apenas terminaria no dia 13.04.2023.
Para que não subsistam dúvidas, repete-se, o arguido esteve presente na leitura da sentença e foi pessoalmente notificado do despacho de liquidação e deste constava de forma clara que a pena acessória de dois anos apenas terminaria no dia 13.04.2023.
Motivos pelos quais o arguido, contrariamente ao que pretendeu veicular, sabia bem que a pena acessória apenas terminava naquela data e não em nenhuma outra, tanto mais que não sendo a primeira vez que o arguido foi condenado e cumpriu penas acessórias de igual natureza, não ignorava que quando a pena se mostrasse cumprida o título de condução era-lhe sempre devolvido, como, aliás, nesta parte, reconheceu.
De modo que, diversamente do pelejado em alegações orais pelo Ilustre Mandatário do arguido, inexiste qualquer erro, mas apenas e tão-só uma tentativa frustrada e absolutamente infundada de tentar “ludibriar” este Tribunal, contra todas as evidências que ressaltam da prova documental, isto é, que o arguido bem sabia que não estava autorizado a conduzir nas sobreditas circunstâncias de tempo e espaço».
E nós estamos com ele.
O tribunal explica mesmo a razão pela qual não faz sentido interpretar a ida do arguido às instalações da GNR como indício de que agia de consciência tranquila e não convicto de que estava a incorrer na prática de um crime:
«E não se diga igualmente que constituiria um ato de estultícia da parte do arguido deslocar-se à GNR a conduzir o carro se estivesse convencido que já não estava proibido de conduzir, porquanto aquilo que, malogradamente, o historial criminal do arguido evidencia de forma inequívoca e preocupante é uma postura de permanente desrespeito pelas decisões judiciais e um comportamento de constante afrontamento às autoridades, daí que nenhuma relevância se tenha conferido ao aludido comportamento».
Face ao exposto, não vemos como infirmar a conclusão de que o arguido praticou o crime p. e p. pelo artigo 353º do CP na medida em que ficou apurado que, não obstante ter sido condenado por decisão datada de 07.04.2021 (neste caso, por este Tribunal da Relação de Coimbra) numa pena acessória de proibição (e não inibição, como surge erroneamente na fundamentação da sentença) de conduzir durante o período de dois anos, o arguido não se coibiu de, no dia 09.01.2023, conduzir o veículo com a matrícula ..-..-HB quando essa pena apenas terminaria no dia 13 de Abril de 2023.


3.3.3. DA MEDIDA DAS PENAS

3.3.3.1. Vejamos então se assiste razão ao recorrente ao reclamar contra esta pena para si tão exagerada.
O tribunal aplicou as seguintes penas parcelares:
· 8 meses de prisão pelo crime do artigo 353º do CP;
· 12 meses de prisão pelo crime de falsificação de documento.
Em cúmulo jurídico, exigido pelo artigo 77º do CP, aplicou ao arguido uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão efectiva.
E explicou-se assim:
«(…) …
Ora, muito embora não se ignorem os argumentos que militam contra as penas curtas de prisão, considera-se que, no caso apreço, só a pena de prisão poderá acautelar a prática de outros comportamentos desviantes por parte do arguido, transmitindo-lhe a noção de que este tipo de condutas não ficam impunes.
De facto, importa atentar que o arguido já não é primário, tendo já sido condenado por diversos crimes associados a este tipo de criminalidade, o que vem sucedendo pelo menos desde o ano de 2008.

De modo que, face ao que antecede, entende-se que as penas de multa e de prisão em que o arguido foi condenado não se mostraram suficientes para o desmotivar da prática de novos crimes.
Além disso, não se pode ignorar que as necessidades de prevenção geral são elevadas em casos como o presente, não só pelo elevado número de infrações deste tipo que ocorrem por todo o país, como também agravam o sentimento de frustração da comunidade perante o comportamento daqueles que sistematicamente põem em causa as decisões judiciais.
*
MEDIDA CONCRETA DA PENA

Assim, ponderando todas estas circunstâncias, militam contra o arguido o  dolo direto com que atuou, o grau de ilicitude evidenciado nos factos, a circunstância de já ter vários antecedentes criminais pela prática de crimes relacionados com aqueles pelos quais vem condenado, bem assim a consciência esclarecida da ilicitude e o carácter relapso com que se dedica à prática de crimes, evidenciando, de forma sistemática, a inconsideração que tem pelas decisões judiciais.
Além disso, a forma como compareceu em Tribunal retratada na fundamentação da matéria de facto – ao tentar veicular uma versão dos factos manifestamente inverosímil com o único e exclusivo desiderato de se furtar às suas responsabilidades, é, pois, bem demonstrativo da ausência de qualquer sentido crítico por parte do arguido quanto aos factos pelos quais foi condenado e a indiferença que tem perante as decisões judiciais.
Com efeito, nesta análise, importa igualmente não obnubilar que o arguido já foi sujeito a diversas penas e, nessas alturas, foi sensibilizado para a necessidade de adequar o seu comportamento com a ordem jurídica, sob pena de arriscar o cumprimento efetivo da pena de prisão.
Contudo, também se verifica que estes novos factos demonstram de forma muito clara que as finalidades das penas anteriormente aplicadas não foram minimamente alcançadas.

A favor do arguido, apenas o facto de se mostrar integrado familiarmente, porquanto resultou demonstrado que vive em união de facto e é pai de uma menina com cinco anos de idade.
Face a estes fatores e às considerações descritas, julga-se adequada a aplicação ao arguido, das seguintes penas concretas:
- Pela prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, a pena de oito meses.
- Pela prática do crime de falsificação de documento, a pena de doze meses.
*
CONCURSO DE CRIMES

Destarte, e tendo em conta os pressupostos ditados pelo artigo 77º, nº 1, do Código Penal, dúvidas não restam quanto ao facto de se estar perante uma situação de concurso de crimes.
Assim, em obediência ao artigo 77º, nº 2 e 3, do Código Penal, impõe-se encontrar a moldura penal de concurso de crimes, que, no caso, será de 12 (doze) meses de prisão (limite mínimo) a 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (limite máximo – correspondente à soma das duas penas).

Orientados por estes ensinamentos e tendo presente toda a factualidade anteriormente descrita e as considerações já tecidas quanto à personalidade do arguido, cujo teor se dá por reproduzido, mas das quais se destacaria o facto de o arguido evidenciar um comportamento recorrente na prática deste tipo de crimes e indiferente às condenações anteriormente proferidas, entende-se justo e adequado condenar o arguido, pela prática, em concurso efetivo, dos dois identificados crimes, na pena única de um ano e três meses de prisão que não se substitui por nenhuma outra prevista na lei pelas razões já aduzidas e que, em síntese, se resumem ao facto de nenhuma delas ter logrado evitar que o arguido incorresse na prática de novos crimes».
Como tal, há que verificar se estas penas parcelares e em cúmulo foram as adequadas.
Ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições cabe pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Ao crime de falsificação de documento cabe pena de prisão até três anos ou com multa até 360 dias.

3.3.3.2. O artigo 71º, nº 1, do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção», sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
Quando se fala em prevenção geral neste domínio, somos facilmente remetidos para as considerações de que estes delitos pretendem obviar à constante violação de decisões dos nossos tribunais, tão incumpridas.
Também são elevadas as necessidades de prevenção geral no que tange ao sentimento comunitário de insegurança, face à abundante violação da norma e ao desrespeito generalizado e constante pela função jurisdicional, tão vilipendiada injustamente (as penas não surtem o seu desejado efeito pois as reiterações criminosas são por demais evidentes e constantes).
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal abstracta é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, sendo antes uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do Direito e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, e na feliz fórmula de Simas Santos, «mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, atos cognitivos e puras valorações».
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.
De facto, a determinação da pena envolve diversos tipos de operações:
· a)- determinação da medida abstracta da pena (olhando para o tipo legal de crime em causa);
· b)- escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70º, do Código Penal (não aplicável in casu);
· c)- fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71º, do Código Penal;
· d)- ponderação da aplicação de uma pena de substituição;
· e)- fixação, finalmente, desta pena (sua medida concreta).
Aqui existe fase de escolha de penas.
E ninguém duvida, nem o próprio arguido, que só a pena de prisão satisfaz as necessidades de prevenção sentidas neste caso, exactamente pelas doutas razões suficientemente explanadas pelo tribunal recorrido (atento o teor expressivo do CRC deste homem).
E validamos as medidas concretas destas penas parcelares e de cúmulo, à luz dos critérios do artigo 71º do CP.
Discute-se apenas se é ou não de aplicar alguma pena substitutiva dessa pena de um ano e três meses de prisão.

3.3.3.3. Há que suspender a execução desta pena?
O regime jurídico de tal pena está previsto nos artigos 50º a 57º do CP, e nos artigos 492º a 495º do CPP.
            O artigo 50º, nº 1, do CP – revisto em 2007 - dispõe:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. nº 912/07-1, www.dgsi.pt).    
            …
            Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:
              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artº 72º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).
Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
            Entendeu-se que a aplicação de uma suspensão da execução da pena era um poder-dever que vincula o julgador, que a terá de decretar, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos.
            O pressuposto formal está verificado – a pena de prisão aplicada é inferior a 5 anos.
E o pressuposto material?
Claro que não está perfectibilizado.
Este homem tem um cadastro criminal que fala por si.
Vejamos os crimes e as penas já aplicadas na sua vida.

Foram três penas de multa, 2 penas de prisão suspensas na sua execução e uma prisão domiciliária, entretanto revogada (facto nº 36, agora aditado).
Os crimes são todos de cariz rodoviário.

Também nós não estamos convencidos que o arguido se irá afastar da criminalidade.
O arguido mostra, de facto, uma mentalidade criminosa preocupante, carecendo de, por via da pena, interiorizar os maus resultados do crime, postura a que decididamente não aderiu, pois neste julgamento nunca sequer confessou a sua culpa, apresentando versões inverosímeis.
Era agora a hora de ser cidadão de respeito e confessar o mal que praticou, redimindo-se assim de muita da sua culpa.
Optou por negar os factos, desresponsabilizando-se totalmente.
Desta forma, entendemos que a suspensão é inteiramente de arredar porque a pedagogia correctiva de que o arguido se mostra carente passa, não por esta pena substitutiva, mas por uma efectiva privação de liberdade, só esta realizando os fins das penas, não oferecendo ele quaisquer garantias de que a simples ameaça de execução de uma pena é suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes.
… não estão criadas as condições objectivas e subjectivas para que o tribunal possa suspender a execução desta pena de prisão, mesmo que com regime de prova, na medida em que o próprio comportamento processual do arguido não é de molde a que se possa confiar na sua «entrega» a uma reabilitação apoiada.


3.3.3.4. E não há que lançar também mão da modalidade de pena do artigo 43º do CP pela singela razão de que já foi ensaiada tal pena uma vez, sem sucesso, como está bem de ver (Pº 25/20.... e factos nºs 35 e 36).

3.3.3.5. Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que a pena de prisão aplicada – em cúmulo - foi justa e adequada, não havendo que a substituir ou que aplicar modalidade mais suave de cumprimento.

3.4. Se assim é, vai este recurso ser julgado totalmente improcedente, também na parte em que invoca a violação ao disposto nos artigos 43º, 50º e 71º do CP, no artigo 370º do CPP e no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (inexistindo qualquer interpretação inconstitucional desse normativo).

3.5. Apenas se procederá à correcção dos factos provados, nos termos do artigo 380º, nº 2 do CPP, na medida em que são ali cometidos manifestos erros cuja eliminação não importa modificação essencial do sentenciado, aproveitando-se para aditar aos factos provados o que consta do Boletim do CRC nº 13 [artigo 431º a) do CPP], relevante para a causa.

                                  
            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
1º- Proceder à correcção dos seguintes factos da sentença recorrida (a sublinhado as alterações):


2º- Aditar um facto nº 36 ao rol de factos provados:
«36) – Foi julgada extinta a pena aplicada no Pº 25/20...., referido no facto nº 35, através do cumprimento em meio prisional do remanescente resultante da revogação do regime de permanência na habitação, cujo termo ocorreu em 26/8/2022».

3º- Negar provimento ao recurso intentado pelo arguido BB, MANTENDO a condenação recorrida nos seus exactos termos, em termos de FACTO (sem prejuízo do que se decidiu nos pontos 2º e 3º deste Dispositivo) e DIREITO.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa], sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goze.

Coimbra, 25 de Outubro de 2023
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)

                                                            Relator: Paulo Guerra
Adjunto: José Eduardo Martins
Adjunto: Ana Carolina Cardoso




[1] Procedeu-se a comunicação da alteração da qualificação jurídica relativamente ao crime de falsificação de documento, nos termos do disposto no artigo 358º, nº 3 do Código do Processo Penal (da acusação constava a incriminação do artigo 256º, nº 1, alínea b) do CP).
[2] Quanto aos documentos apreendidos, foi decidido o seguinte:
«… resultou além do mais provado que a carta portuguesa apreendida a fls. 20/21, com o nº...54, é o resultado do crime de falsificação pelo qual o arguido vai condenado.
De modo que, face ao que antecede, declara-se a identificada carta de condução portuguesa perdida a favor do Estado.
Já relativamente à carta emitida pelas autoridades luxemburguesas, igualmente descrita a fls. 20/21, não ressumando do processo que seja falsa, após o trânsito em julgado, remeta-se a mesma ao processo nº25/20.... que corre termos neste Juízo e à ordem do qual o arguido se encontra em cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor».

[3] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 13/7/2020 (Pº 414/19.2GAEPS.G1), cuja doutrina adoptamos também - «Dispõe o nº 1 do artigo 370º do CPP com a epígrafe “Relatório Social” que: “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo”(sublinhado nosso).
A junção do relatório é, pois, facultativa, (cfr Ac. STJ de 06/02/2019 proferido no processo 488/12.7JAAVR.1.P1.S1 in wwwdgsi.pt), na medida em que só se for entendido “necessário à correta determinação da sanção” é que o tribunal deverá diligenciar por obter tal meio de prova. Tal significa, portanto, que a necessidade da sua junção tem de ser casuisticamente, concretamente, avaliada.
Mas significa mais: significa que a não junção do relatório social, quando necessário, consubstancia um vício do procedimento adotado, um “error in procedendo”, mas não necessariamente um vício da decisão, um “error in iudicando”. De facto, pode haver decisões injustas sem que tenham ocorrido vícios de procedimento e pode haver vícios de procedimento que não conduzam a decisões injustas.
Ora, é a lei que diz quais são os vícios de procedimento e também é a lei que estabelece as consequências da sua ocorrência (artigos 118º a 123º do CPP).

Portanto, assim sendo, a falta de relatório social nunca constituiria a referida nulidade».
[4] «Pressuposto do que seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é desde logo uma noção minimamente exata do que seja o objeto do processo: conjunto de factos ou de questões, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, peças processuais a partir das quais se vai estabelecer a vinculação temática do tribunal, mas também pela contestação ou pela defesa, ou ainda pela discussão da causa.
Determinando-se desse modo os poderes de cognição do juiz, para assim também se poder afirmar que aquilo que o tribunal investigou ou os factos sobre os quais fez incidir o seu poder/dever de decisão eram, no fundo, os que constituíam ou formavam o objeto do seu julgamento, ou da audiência de julgamento, nos termos do artigo 339º, nº 4, do CPP, e que fora deste não ficou nenhum facto que importasse conhecer, dando-os como provados ou não provados, tanto faz. …
Em suma, existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição» (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).
[5] «Teremos uma contradição da fundamentação, impeditiva da função que a esta cabe, se no respetivo texto verificarmos existir uma incompatibilidade entre duas ou mais proposições, cuja conjugação não permita chegar uma conclusão logicamente coerente. …
Podendo dizer-se que as possibilidades de vir a ser posta em causa a fundamentação e a relação entre esta e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, nº 2, al. b), do CPP, são essencialmente reconduzíveis à violação da relação lógica que deve existir entre enunciados ou proposições, por violação do princípio da não contradição (contradição da fundamentação) e à violação do princípio do fundamento ou da ordem do fundamento e da consequência (contradição entre a fundamentação e a decisão). Nesta última hipótese caberá o seguinte exemplo: o tribunal dá como provados factos constitutivos do crime de furto, crime pelo qual vinha o arguido acusado, mas na fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica entende que, dado o arguido não ter restituído a coisa furtada, os factos integram também o crime de abuso de confiança, mas na decisão final, julgando procedente a acusação do Ministério Público, acaba por condenar o arguido apenas pelo crime de furto». (Francisco Mota Ribeiro, em e-book CEJ «Processo e decisão penal – Textos», Novembro de 2019).


[6] Francisco Mota Ribeiro é suficientemente eloquente e exemplificativo ao escrever no e-book já aqui assinalado: «Existirá um erro de tal magnitude quando, por exemplo, se se dá como provado facto, cuja possibilidade de verificação viole as leis da natureza (física mecânica) ou as leis da lógica.
Tal vício é oficiosamente cognoscível e tem de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Poderá suceder um tal erro, como vimos supra, quando na motivação da decisão de facto se invoca facto constante de documento com força probatória plena, que minimamente se reproduza na decisão recorrida, dando-se como provado facto contrário àquele, sem que tal documento tenha sido arguido de falso.
Também haverá erro notório na apreciação da prova quando se declare ou não a realidade de um facto, quando é do domínio público que o mesmo não haja ou haja ocorrido.
Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal dá como provado que o arguido apenas havia bebido um ou dois copos de vinho, quando resulta provado que a esse mesmo arguido lhe havia sido detetada uma TAS de 2,05g/l.
Presumindo-se subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial (nº 1 do artigo 163º do CPP), constitui erro notório na apreciação da prova [alínea c) do nº 2 do artigo 410º] divergir--se dele sem fundamentação – Ac. do STJ, de 15/10/97, Pº 97P1494.
No âmbito da apreciação da prova indireta, quando o tribunal infere de um facto (a entrada frequente de indivíduos numa casa com volumes) aquele outro facto (de, dentro da casa, uns indivíduos irem adquirir estupefacientes), sem uma base racional sólida que tenha deixado expressa na decisão, está a cometer um erro notório na apreciação da prova, que vicia o acórdão e não permite ao STJ conhecer de fundo – Ac. do STJ, de 04/01/1996, Pº 048666.
Na aplicação do princípio in dubio pro reo, quando da decisão recorrida resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar, no entanto, evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo assim de concluir que a dúvida só não foi reconhecida, no sentido de fazer operar aquele princípio, em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP – Ac. do STJ, de 22/05/98, Pº 98P930».