Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
562/21.9T8VIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO FERNANDO SILVA
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
INTEMPESTIVIDADE
NOVAS CAUSAS DE PEDIR
RELAÇÕES JURÍDICAS DIVERSAS
SIMULAÇÃO PROCESSUAL
RECURSO DE REVISÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 265.º, N.ºS 2 E 6, 588.º, N.ºS 1 A 3, E 696.º, AL.ª G), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – Reportando-se o articulado superveniente apresentado a factos ocorridos antes do encerramento da audiência prévia, e sendo apresentado depois daquele encerramento, incumbe ao apresentante alegar que a apresentação do articulado superveniente nesse momento não lhe é imputável; sem tal alegação, fica impedida a demonstração de que ignorava em momento anterior, sem culpa, o facto; e assim o articulado é, quanto a tal facto, apresentado fora de tempo, devendo ser rejeitado nessa parte.

II – Numa acção em que se discute a atribuição da propriedade do bem a um réu, a alegação de que esse bem foi transferido para outra pessoa (também ré) em virtude de execução específica obtida através de simulação processual, e a alegação de que quanto a tal bem foram celebrados contratos de arrendamento, equivale à invocação de novas causas de pedir, as quais são irrelevantes para o mérito da causa por não condicionarem o pedido original e assim não justificam a dedução de articulado superveniente.

III – Se a essas novas causas de pedir se associa a formulação de novos pedidos autónomos, existe um aditamento de novas relações jurídicas, autónomas face à inicialmente discutida, o que é legalmente inadmissível e não pode ser obtido através de articulado superveniente.

IV – A simulação processual deve ser conhecida através do recurso de revisão.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Relator: António Fernando Marques da Silva
1.ª Adjunto: Luís Manuel Carvalho Ricardo
2.ª Adjunta: Cristina Neves



Proc. 562/21.9T8VIS-c.c1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A Banco 1..., CRL, interpôs a presente acção contra:

1. AA

2. A..., S.A.,

3. BB,

4. B..., Lda., e

5. CC,

terminando a pedir:

a - declarar-se que a autora é titular dos créditos sobre o 1.º réu, nos valores indicados na petição inicial, acrescidos de juros de mora e acessórios

b - relativamente à fração BE

- declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário desta fração, desde o ano de 2005, por aquisição derivada

- subsidiariamente, declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário desta fração desde o ano de 2005, por aquisição originária

- declarar-se nulo, por simulação, qualquer contrato celebrado entre a 2.ª e a 3.ª ré que tivesse por objeto esta fração

- consequentemente, determinar-se a inscrição no registo predial e na matriz predial do direito de propriedade dessa fração a favor do 1.º réu

c - relativamente ao recheio dessa fração BE

- declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário do recheio desta fração e dos demais pertences que se encontram na respetiva garagem, por aquisição derivada

- subsidiariamente declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário do recheio desta fração e dos demais pertences que se encontram na respetiva garagem, por aquisição originária

c - relativamente à fração BB

- declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário desta fração desde o ano de 2005, por aquisição derivada

- subsidiariamente, declarar-se que é o 1.º réu o único possuidor e legítimo proprietário desta fração desde o ano de 2005, por aquisição originária

- determinar-se o cancelamento dos registos de aquisição a que se refere a Ap. ...93 de 2016.04.07

            e caso assim se não entenda,

- desconsiderar-se a personalidade jurídica da 4.ª ré

- e, em consequência, ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição a que se refere a Ap. ...93 de 2016.04.07

- e, por tal efeito, a inscrição como sujeito ativo, na qualidade de titular do direito de propriedade sobre esta fração, o 1.º réu.

Foram apresentadas contestações e o processo prosseguiu.

Na sequência da junção de documentos pela R. C..., SA, [documentos relativos a sentença proferida e a contratos de arrendamento celebrados] a A. apresentou articulado superveniente, no qual alegou, em suma, que:

- a C..., SA, instaurou acção declarativa contra a B..., Lda., assente em contrato-promessa, visando obter sentença que, substituindo a declaração da demandada, declarasse transferido para a autora o direito de propriedade sobre uma fração autónoma (a fracção BB), o que logrou obter, mas segundo a A. através de simulação processual.

- foram celebrados dois contratos de arrendamento (sendo os arrendatários terceiros que não intervêm nesta acção) sobre a fracção BB mas tais contratos são simulados, não correspondendo a actos efectivamente queridos.

Antes ainda do despacho liminar, a R. C..., SA, veio pronunciar-se sobre os termos do articulado, considerando-o inadmissível, tendo ainda impugnado tudo o que foi alegado.

Foi depois proferido despacho liminar que rejeitou o articulado, nos seguintes termos:

«Pese embora tardiamente juntos – motivo pelo qual, admitidos, foi o sujeito processual que os apresentou condenado na correspondente multa – os documentos em apreço não são nem objectiva nem subjectivamente supervenientes, pois que não só foram emitidos na data que deles consta, como que é de todo inaceitável invocar que os aqui sujeitos processuais deles não tivessem conhecimento. Nestes termos, e em harmonia com o disposto no nº 2 do art.º 588º do código de processo civil, não admito o articulado em causa».

Deste despacho foi interposto recurso pela A., pugnando pela admissão do articulado superveniente com base nas seguintes conclusões:

1.ª - Com relevância para a admissibilidade do presente recurso importa notar que a decisão que por esta via se põe em crise foi proferida em 17.05.2023 mas essa decisão, não tendo sido notificada à recorrente, só foi do seu conhecimento aquando da notificação do despacho proferido no dia 19.06.2023 e por isso o presente recurso é apresentado tempestivamente

2.ª - Em suma e em síntese a recorrente discorda da decisão impugnada segundo a qual o articulado superveniente por si apresentado em 12.05.2023 não seria admissível porque os documentos que o originaram não seriam nem objetiva nem subjetivamente supervenientes não só porque foram emitidos na data que deles consta como porque será inaceitável que os sujeitos processuais não tivessem já deles conhecimento

3.ª - Com todo o devido respeito, que é muito, a recorrente crê que o Tribunal a quo não esteve bem na subsunção do caso em apreço ao quadro legal que lhe seria, no seu entender, aplicável já que, em termos gerais, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, sendo que se hão-se considerar como supervenientes não só os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência - vd. art. 588.º, n.ºs 1 e 2 do CPC

4.ª - Assim, a recorrente crê, por um lado, que os factos que originaram e justificam a apresentação do articulado são objetivamente supervenientes porque decorrem de uma sentença judicial, proferida em 31.03.2022 pelo juiz ... do Juízo Central Cível ..., já depois da entrada da presente ação judicial em 09.02.2021 e do termo da fase dos articulados

5.ª - Além disso, e muito embora a sentença em causa tenha sido proferida em 31.03.2022, certo é que só foi do conhecimento da recorrente em 17.03.2023 quando a recorrida “C...” a juntou aos autos porque até esse momento a recorrente não fazia qualquer ideia da pendência da ação n.º 1041/21.... e menos ainda que nessa ação tinha sido proferida uma sentença que declarou transferir para essa recorrida uma das frações objeto destes autos, cuja titularidade se encontrava, à data de interposição da presente ação, registada a favor da recorrida “B...”

E, diferentemente do referido pelo Tribunal a quo, não se haverá de estranhar este desconhecimento porque a recorrente não foi parte nessa ação nem nela teve qualquer intervenção e em nenhum dos articulados anteriores os recorridos fizeram qualquer referência a essa ação, pelo que tais factos são subjetivamente supervenientes

6.ª - Acresce ainda que tais factos justificam a apresentação do articulado supervenientes e a alteração do pedido inicialmente formulado porque são factos modificativos/impeditivos do direito da recorrente pois que aquando da apresentação da presente ação constava que abril de 2016 foi registada a aquisição da fração “BB” pela “B...”, aquisição essa que foi impugnada pela recorrente na sua petição inicial e agora sabe-se que tal aquisição viria a ser revertida precisamente por força da sentença proferida naquela ação n.º 1041/21.... pois que nela foi declarada a transmissão da propriedade dessa fração a favor da “C...”

Ora, considerando que na essência da presente ação se se discute quem seja o real proprietário da fração em causa, naturalmente que a “C...” tem que passar a integrar a causa de pedir quanto ao pedido relativo a esta fração, sob pena de improceder, por ilegitimidade passiva, este pedido formulado pela recorrente porque atualmente figura já outro proprietário da fração que não figurava aquando da sua interposição

7.ª - Se não se aceitar o articulado superveniente há um sério risco de improcederem parte dos pedidos formulados pela recorrente na sua petição, por ilegitimidade passiva, pois que atualmente figura já outro proprietário da fração que não era o que figurava aquando da sua interposição

Acresce que tal feriria o direito a uma tutela jurisdicional efetiva pois que a recorrente se veria impedida de alegar factos supervenientes e sobre eles produzir prova (factos esses que lhe são alheios e que sempre lhe foram omitidos), sendo esses dois dos elementares corolários de tal direito fundamental - art. 20.º CRP

Não foi apresentada qualquer resposta.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, a única questão a apreciar radica na avaliação da admissibilidade do articulado superveniente (do ponto de vista da superveniência dos factos e do seu relevo).

III. Relevam as seguintes coordenadas de facto:

Na sequência da dedução de reconvenção pela R. C... Lda. apresentada em 18.3.2021 e notificada em 26.5.2021, a A. apresentou réplica em 11.6.2021.

A audiência prévia teve lugar em 07.12.2021.

A sentença que declarou transferido «para a autora, C... (…), o direito de propriedade sobre a fração autónoma designada por “BB”» foi proferida em 31.03.2022.

Os contratos de arrendamento foram celebrados por documentos datados de 24.07.2021 e 15.06.2022.

            Na sequência do deferimento de intervenção principal, foram citadas outras intervenientes, tendo a AT / repartição de finanças apresentado contestação, mas sem deduzir reconvenção.

            Na PI, a A., invocando créditos próprios, alega no essencial que o 1º R. é o verdadeiro proprietário da fracção BB (por aquisição derivada ou, subsidiariamente, por usucapião), ou, subsidiariamente, que se desconsidere a personalidade jurídica da 4ª R. (ficando o 1º R. como proprietário).

            No articulado superveniente, reportando-se a documentos entretanto apresentados pela R., alega que a venda da fracção BB, ultimada através da acção judicial foi obtida através de simulação processual, e que os contratos de arrendamento documentados que incidem sobre a mesma fracção foram simuladamente realizados.

            IV. 1. O art. 588º n.º1 do CPC, na linha dos art. 573º n.º2 e 611º n.º1 do CPC, consagra o princípio geral da atendibilidade dos factos supervenientes, a fim de procurar fazer coincidir a decisão com a situação material existente à data desta.  

 Do n.º2 do mesmo art. 588º do CPC deriva que são considerados factos supervenientes aqueles que ocorreram após o prazo de apresentação dos articulados admissíveis (superveniência objectiva) ou, tendo ocorrido anteriormente, as partes deles apenas tiveram conhecimento após esse prazo (superveniência subjectiva). Em fórmula sucinta, que não acompanha rigorosamente a formulação da norma, factos supervenientes seriam «aqueles que ocorrem ou são desculpavelmente conhecidos depois dos momentos até aos quais deviam ter sido alegados em primeira instância».

Além disso, os factos supervenientes têm que ser alegados em momentos processuais específicos, sob pena de preclusão. Tal comando deriva do n.º3 do referido art. 588º, levando em conta que o regular andamento processual exige a disciplina do momento da alegação, mesmo quanto aos factos supervenientes.

            Além destes condicionamentos formais, os factos (supervenientes) têm ainda que interessar à boa decisão da causa, no sentido de, a partir da existência de uma conexão de sentido com a causa de pedir original, condicionem o acolhimento ou não das pretensões deduzidas e assim condicionem a decisão final. Tal imposição deriva directamente da natureza que a lei atribui aos factos supervenientes (factos constitutivos, modificativos ou impeditivos, segundo o art. 588º n.º1 do CPC[1], o que importa que tais factos tenham relevo concreto na decisão da causa), está expressa no n.º4 e 6 do mesmo art. 588º (a falta de relevo para a boa decisão da causa justifica o indeferimento liminar; a previsão da inclusão nos temas da prova é expressão desse relevo final) e manifesta-se ainda no art. 611º n.º2 do CPC.

            Por fim, cabe ainda na avaliação liminar a apreciação da conformidade do articulado superveniente com as regras gerais do processo civil, válidas em termos genéricos independentemente do momento da apresentação do acto processual que convoca tais regras, e regras das quais podem derivar limites formais à alegação ou à pretensão (mormente, mas não só, a partir do regime da alteração da causa de pedir e/ou do pedido), quando oficiosamente cognoscíveis.

            2. No seu articulado superveniente, a A. invoca a superveniência dos documentos e respetivos factos neles insertos para assim sustentar a admissibilidade do articulado.

O articulado superveniente foi liminarmente indeferido por se ter considerado que, uma vez que «os documentos em apreço não são nem objectiva nem subjectivamente supervenientes» (tendo sido emitidos na data que deles consta), seria «de todo inaceitável invocar que os aqui sujeitos processuais deles não tivessem conhecimento».

            Aquele articulado superveniente, e depois o despacho recorrido, parecem partir de uma indevida confusão entre documento e facto. O articulado superveniente respeita à alegação de factos, e é em função destes que se medem as exigíveis superveniência, tempestividade e pertinência. Já os documentos são apenas elementos probatórios (de factos, quer sejam os factos alegados quer sejam os factos consubstanciadores da superveniência em sentido amplo).

            Assim, o que tem que ser avaliado são os factos.

           

3. E a primeira questão a considerar prende-se com a avaliação da superveniência de tais factos alegados.

Estes factos são no seu essencial reconduzíveis às vicissitudes de uma sentença e dois contratos.

Quanto à sentença que substituiu a declaração negocial do promitente-vendedor, esta foi proferida em 31.03.2022. Nessa data já estava esgotado o prazo para a apresentação da réplica pela A.. Pelo que se trata de superveniência objectiva, directamente revelada (art. 588º n.º1 do CPC). Além disso, o facto também ocorre após a audiência prévia, que não foi dispensada, pelo que o momento processualmente adequado para a sua apresentação seria a audiência de julgamento (art. 588º n.º2 do CPC). O despacho recorrido claudica, pois, aqui.

4. Quanto aos factos relacionados com os arrendamentos, ambos os contratos apresentam datas posteriores ao termo do prazo para apresentação da réplica pela A., sendo por isso objectivamente supervenientes, face ao disposto no art. 588º n.º2 do CPC.

Um deles é também posterior à audiência prévia, encontrando-se em posição idêntica à factualidade relativa à venda (judicialmente completada).

O outro facto, sendo, como referido, objectivamente superveniente para os termos do art. 588º n.º2 do CPC, é anterior à audiência preliminar e por isso deveria ser apresentado naquela audiência. Excedendo este marco temporal, cabia à A. alegar e provar que tal excesso não lhe é imputável[2]. Sucede que a A. não alegou que, na data da audiência preliminar, desconhecia (sem culpa) aquele facto (contrato). Limita-se a invocar a data da junção dos documentos, nela fundando a superveniência dos factos, o que, como se viu, não é correcto nem suficiente. Assim, e como sem alegação nada há a provar, tem que se concluir que, nesta parte, o articulado superveniente é intempestivo (apresentado «fora de tempo»), justificando-se a rejeição liminar.

5. Verifica-se também que o articulado superveniente não foi apresentado na audiência final (mas antes desta). Tal traduz uma prática antecipada do acto mas que não o vicia porquanto o regime dos prazos peremptórios regula a extinção do direito por termo do prazo, não o impedimento do exercício por antecipação; inexiste regime geral para a antecipação do acto, não cabendo no acto não admitido pela lei, ou outra noção, do art. 195º n.º1 do CPC; esta antecipação corresponde muitas vezes a razões de economia e celeridade; o regime do art. 589º n.º1 do CPC também compreende esta hipótese (sendo que, embora notoriamente associado ao caso do art. 588º n.º3 al. b) do CPC, e visando regular o procedimento e não o momento da apresentação, constitui apoio sistemático, no sentido de que a apresentação em momento anterior à audiência não repugna ao regime processual, com as cautelas criadas), e inexiste em geral desvalor discernível na antecipação, a não ser quando esta antecipação contenda com valores processuais (perturbação processual ou diminuição de direitos da contraparte, máxime o contraditório), o que não ocorre. Será caso de legal indiferença ou tolerância perante a prática de acto em momento não prescrito na lei (usando a expressão de A. dos Reis)[3].

Assim, a superveniência, em sentido amplo, fica demonstrada, embora a alegação quanto aos factos relativos a um dos contratos de arrendamento tenha sido realizada extemporaneamente, o que suportaria, nessa parte, a rejeição.

6. Cabe ainda, porém, avaliar a pertinência do articulado superveniente (os termos em que se relaciona com o objecto do processo e, por essa via, com o mérito da acção, como o recorrente aliás faz), e que constitui, como referido, requisito positivo do articulado (da alegação) e, negativamente, fundamento da sua rejeição liminar (incluindo o arrendamento que foi apresentado «fora de tempo», por a avaliação poder redundar em fundamento adicional de rejeição).

Isto sem prejuízo da necessária avaliação da conformidade da pretensão processual com outras regras processuais gerais, aplicáveis independentemente do tipo de articulado em causa.

7. A alegação em articulado superveniente constitui excepção ao princípio da estabilidade da instância (art. 260º do CPC), sustentado em razões de ordem formal (economia de meios, com a máxima resolução de litígios com o menor dispêndio de meios) e material (obtenção da decisão mais ajustada aos factos, a todos os factos, e que, por isso, mais se aproxima da intentada decisão justa).

A apresentação do articulado superveniente por um autor tem que respeitar a factos constitutivos[4], qualificação que delimita para ele a pertinência do articulado.

Factos constitutivos seriam, numa primeira abordagem, aqueles que integram a causa de pedir alegada, mostrando-se essenciais à procedência da pretensão deduzida (art. 552º n.º1 al. d) e 581º n.º4, primeira parte, do CPC). Correspondem, assim, aos factos necessários para individualizar e suportar a pretensão do autor, sendo a sua delimitação alcançada a partir da norma jurídica que sustenta aquela pretensão: a causa de pedir integra, pois, os factos requeridos para preencher a hipótese da regra jurídica que contempla a tutela pretendida.

            Neste sentido, o articulado, para ser pertinente, teria que respeitar aos factos integradores, em sentido amplo, da causa de pedir.

8. De forma complementar, a asserção acaba por interceptar o regime do art. 5º n.º2 al. b) do CPC pois, pese embora o diferente âmbito de aplicação desta norma (definir o âmbito de intervenção do juiz, em derrogação ao princípio do dispositivo)[5], a distinção que realiza acaba por se reflectir em outros pontos do sistema, tendo vocação mais ampla, e reveste valor heurístico e empresta plasticidade à decomposição do conceito «factos constitutivos»[6]

A referida norma autonomiza os factos complementares e os factos concretizadores, que seriam oponíveis a outros factos principais, alegados. A sua qualificação como complementares ou concretizadores implica que tenham um papel ou posição que os diferencie de outros factos alegados (com reflexos potenciais nos poderes de cognição do juiz). Os termos da distinção suscitam, porém, dificuldades. Não obstante, admite-se quase sem divergência que os factos complementares e os factos concretizadores integram a causa de pedir. Os segundos, compreendendo os factos que pormenorizam ou densificam realidades já alegadas, integram a causa de pedir já que, «gravitando na órbita dos factos essenciais», que ajudam a preencher, por essa via ainda fazem parte da causa de pedir. Quanto aos primeiros, trata-se de factos que também integram a «hipótese normativa que suporta a pretensão do autor» e desse modo se mostram ainda necessários para que a pretensão seja acolhida, o que significa que se integram de forma natural (e necessária) na causa de pedir [já a delimitação destes factos complementares não se mostra pacífica, oscilando essencialmente entre a tese que considera todos os factos requeridos pelo preenchimento da regra legal mobilizada como igualmente essenciais: a qualificação dos factos como complementares seria acidental, decorrendo apenas da sua omissão na alegação; e a tese que defende uma diferenciação normativa e funcional entre tais tipos de factos, tese esta segundo a qual factos nucleares seriam aqueles que preenchem o núcleo básico da norma (o seu centro definidor e individualizador), e factos complementares aqueles que ainda integram (completam) a previsão do tipo legal invocado mas não tendem a definir a relação jurídica invocada; a distinção tem relevo prático pois para a segunda posição, que não para a primeira, a falta de alegação dos factos ditos nucleares acarretaria a ineptidão por falta de causa de pedir (por falta da sua individualização); consequentemente, a falta destes factos também não poderia ser suprida, mormente através de articulado superveniente[7]; não obstante, a questão acaba por não relevar autonomamente no caso, como se verá[8]].

Neste sentido, aqueles factos constitutivos a que o art. 588º n.º1 do CPC se reporta poderiam compreender, numa primeira aproximação, factos essenciais nucleares[9] ou factos essenciais complementares ou factos concretizadores.

9. Esta avaliação assenta numa compreensão estrita do que sejam aqueles factos constitutivos que o art. 588º n.º1 do CPC prevê, reportando-os ou contendo-os ainda na causa de pedir original.

Não obstante, admite-se que aquele art. 588º n.º1 do CPC também permite a alteração da causa de pedir, com base nos factos supervenientes, fora do condicionalismo ditado pelo art. 265º do CPC[10]. Contra, invoca-se no essencial, e de um lado, o regime do art. 611º n.º1 do CPC, que prevê a consideração dos factos supervenientes na sentença mas sem prejuízo das regras que limitam a alteração da causa de pedir, sugerindo assim que esta alteração não poderia ser determinada pela mera superveniência dos factos (dependendo sempre do regime do citado art. 265º do CPC). E, de outro lado, a assunção de que o art. 588º regularia de forma directa apenas a aquisição superveniente de factos (constitutivos), sendo esse o seu âmbito normativo, estando por isso subordinada ao regime geral no que toca à alteração da causa de pedir, atendendo também a que o art. 265º, sede do regime geral da alteração da causa de pedir, não ressalva as situações de superveniência. Estas razões esbatem-se perante a consideração de que: a superveniência constitui fundamento bastante para a alteração já que se trata de facto-surpresa a que antes o autor não podia atender (circunstância não atendida no art. 265º n.º1 do CPC que, aliás, tem como único pressuposto a confissão de factos pelo réu); a funcionalidade e finalidade da figura (economia de meios, com esgotamento da matéria controvertida, com vista a uma decisão materialmente justa) se ajustam à possibilidade de alteração; o alcance da norma seria radicalmente limitado com a sua circunscrição aos factos constitutivos contidos na órbita da causa de pedir tal como inicialmente delineada, o que a tornaria marginal e residual (limitada ao «preenchimento de causas de pedir incompletas»), e em grande medida inútil (face ao regime dos art. 5º n.º 2 al. b)[11] e 590º n.º4 do CPC); a compatibilização do art. 611º n.º1 do CPC seria alcançada justamente pela qualificação do regime da superveniência factual como modalidade do regime processual de alteração da causa de pedir e nessa medida integrado na ressalva que aquele art. 611º n.º1 efectua (ressalva efectuada de forma ampla, sem remissão expressa para os art. 264º e 265º do CPC).

Desta forma, factos constitutivos seriam também os factos que alterassem a causa de pedir em sentido amplo [incluindo a alteração em sentido estrito (substituir a causa de pedir), a modificação da causa de pedir (aditar factos ou substituir parcialmente os factos) e a cumulação de causa de pedir (aditar nova causa de pedir)].

10. Analisando as causas de pedir originais, estas radicam, no que agora monta e em temos essenciais, na aquisição da propriedade (derivada ou originária) da fracção BB pelo 1º R., ou na desconsideração da personalidade jurídica da 4ª R. (ficando implícito que por essa via seria o 1º R. proprietário da fracção). As menções registais são acessórias ou instrumentais, não confluindo na delimitação da causa de pedir mas dependendo antes da causa de pedir das pretensões (e das próprias pretensões, obviamente, já que são elas que condicionam o registo).

Já os factos agora invocados respeitam à existência de simulação processual em acção de execução específica (de anterior contrato-promessa), e de nulidade, por simulação, de negócios adicionais (arrendamentos) só agora conhecidos[12].

Ora, aquela simulação processual e estes negócios viciados são inteiramente estranhos às causas de pedir originais. Os factos agora alegados pela A. não integram as causas de pedir originais para as individualizar, nem as completam ou complementam, e muitos menos concretizam situações de facto já alegadas, revestindo antes inteira autonomia e individualidade face aos factos originais, e às causas de pedir que estes factos delimitam, perante as normas relevantes para sustentar as pretensões deduzidas. Não colocam nenhuma condição factual de procedência de tais pedidos: com ou sem a simulação processual ou a nulidade dos novos negócios conhecidos, sempre aquela propriedade pode ser reconhecida ou a personalidade da pessoa colectiva desconsiderada. Assim, com ou sem os factos agora alegados, as causas de pedir iniciais mantêm o seu valor e a sua suficiência para, em tese, alcançar os efeitos substantivos pretendidos.

Não se trata, pois, de factos constitutivos integrantes das causas de pedir originais e, por essa via, não se mostram pertinentes.

11. De outra perspectiva, também se verifica que não existe ponto de contacto ou facto comum aos dois grupos de pretensões, ou facto constitutivo que seja comum a ambas. Isto é particularmente claro perante a pretensão real original e os novos factos (atinentes ás invocadas simulações dos arrendamentos e à simulação ocorrida em processo judicial), quer de um ponto de vista natural (trata-se de situações factuais separadas, autónomas, individualizadas, sem contacto nos momentos factuais principais), quer face ao disposto na segunda parte do art. 581º n.º4 do CPC, de onde decorre que nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, e nas ações de anulação[13] é «a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido», o que está bem diferenciado no caso: a aquisição do direito real assenta numa aquisição derivada ou numa aquisição originária ou, ainda, na desconsideração da personalidade jurídica da 4ª R., que nada tem a ver com a divergência entre a vontade e a declaração em outros negócios jurídicos, ou com a criação da aparência de um litígio inexistente, por acordo das partes, para obter uma sentença cujo efeito as partes apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si (apelando à conhecida noção de L. de Freitas). São realidades inteiramente diversas. Autonomia esta que se evidencia ainda, quanto à simulação processual, pelo facto de ao exercício das pretensões originais desta acção e à impugnação da sentença obtida por simulação processual, corresponderem meios processuais distintos (acção comum no primeiro caso, recurso de revisão no segundo – art. 696º al. g) do CPC), sintoma da completa alteridade das realidades factuais subjacentes às duas situações.

Admite-se que em sede de alteração da causa de pedir se deve adoptar um conceito amplo de causa de pedir, no sentido de que tal alteração «apenas se verifica quando há alteração de todos os factos principais», ou seja, «a causa de pedir só se altera se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico» [por oposição a um critério restritivo, que exige que a causa de pedir, para o efeito em discussão, contenha todos os factos constitutivos da norma alegada e, assim, haverá mudança de causa de pedir sempre que algum ou alguns de tais factos se altere][14]. Ora, as causas de pedir iniciais e sucessivas não têm momentos factuais comuns no que aos factos principais (constitutivos) respeita: existe inteira autonomia dos factos constitutivos recíprocos.

Trata-se, pois, de causas de pedir novas e autónomas.

E causas de pedir que, por si, não permitem sustentar as pretensões originais da A.: delas não é possível retirar a afirmação da propriedade da fracção BB pelo 1º R., ou a desconsideração da personalidade jurídica da 4ª R.. Isto porque as novas causas de pedir apelam a regras jurídicas diversas das que sustentaram as pretensões originais (agora relevam os art. 612º do CPC e 241º do CC), regras estas novas que não permitem julgar procedentes os pedidos originais, antes conduzindo à produção de efeitos jurídicos diversos. Aliás, esta circunstância (diferenciação das regras jurídicas invocadas e dos efeitos que produzem) é ainda sinal da autonomia das causas de pedir pois a causa de pedir, como já referido, pressupõe uma referência normativa que delimita os factos que a integram; a diferenciação das regras jurídicas, quando dirigidas a efeitos diversos, é assim sintoma da diversidade de causas de pedir, pois aquelas regras pressupõem factos distintos.

O que se verifica, então, é que as novas causas de pedir invocadas não se cumulam com as anteriores (aditam) com vista à produção dos efeitos jurídicos já visados (eventualmente através do preenchimento de norma jurídica alternativa à inicialmente invocada mas que também concede o efeito jurídico pretendido[15]), mas apontam para efeitos jurídicos diversos. Os novos factos não são necessários à procedência da acção tal como inicialmente configurada, são necessários para alcançar um efeito adicional diferente. Neste sentido, são irrelevantes para o mérito da acção.

12. O que até foi reconhecido pela A., na exacta medida em que sentiu necessidade de formular novos pedidos, na sequência e em articulação com os novos factos alegados (com as novas causas de pedir), para que estes novos factos pudessem produzir efeitos próprios úteis no processo.

Na verdade, sem os novos pedidos, as causas de pedir agora invocadas seriam inconsequentes, não produzindo qualquer efeito útil: não teriam tradução, como se disse, na decisão de mérito que apreciasse os pedidos originais, pois não a suportavam, e não estariam abrangidas pelo caso julgado nem pela autoridade do caso julgado (mesmo a avaliação da invocada nulidade, sem afirmação na decisão, não formaria caso julgado, nem seria precedente necessário da decisão para integrar a autoridade do caso julgado). Os novos pedidos são essenciais para atribuírem relevância aos novos factos. Tudo revelando que as novas causas de pedir não são, face ás causas de pedir originais, pertinentes, nada lhes acrescentam, e com isso os novos factos não «interessam à boa decisão da causa», para efeitos do art. 588º do CPC, face aos pedidos originais.

13. Naturalmente, a circunstância de existir sobreposição ou coincidência entre factos instrumentais usados na petição inicial e no articulado superveniente (que podem servir para revelar a verdadeira propriedade e simultaneamente as simulações, processual e negociais) é irrelevante pois estes factos não são factos constitutivos para os efeitos do art. 588º n.º1 do CPC. Como factos probatórios, que apenas permitem indiciar ou revelar, com base nas regras da experiência ou em dados científicos, os factos essenciais, eles nunca integram a causa de pedir (eles são, por si, irrelevantes para o preenchimento da norma convocada, em cuja hipótese se não integram) e não correspondem ao regime do art. 588º do CPC. Não servem, pois, para estabelecer a devida conexão de sentido entre os factos originais e os factos tidos por supervenientes.

14. Acresce que a formulação de novos pedidos coloca problemas adicionais.

Não é seguro que o regime do art. 588º do CPC também permita a alteração do pedido fora do condicionalismo do art. 265º do CPC[16] (a questão passa por saber se o art. 588º se reporta estritamente à causa de pedir, ou compreende mais latamente o objecto do processo, e se as razões válidas para a admissão da alteração da causa de pedir com base apenas na superveniência também valerão para a alteração do pedido; embora seja certo que quando os novos factos ainda se situem no âmbito da causa de pedir original, a alteração do pedido também irá em regra encontrar suporte na previsão do art. 265º n.º2 do CPC na parte em que se reporta ao novo pedido que seja consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo[17]).

Mas já se tem por seguro que quando os novos factos supervenientes integram uma também nova causa de pedir (no sentido exposto, da inexistência de qualquer facto essencial comum entre as causas de pedir, como aqui ocorre), não será de admitir a simultânea alteração (através de adicionamento) do pedido.

Com efeito, a mutação dos dois elementos do objecto do processo envolve sempre, nestes casos, a convolação para uma nova relação jurídica e ela revela-se assim proibida pelo art. 265º n.º6 do CPC[18]. Esta proibição justifica-se pela perturbação anómala que tal mutação introduziria no processo, em prejuízo da sua disciplina e assim da economia e celeridade que justificariam o regime da alteração (assim o pervertendo), para além de poderem dificultar, por essa razão, a obtenção de uma decisão de mérito.

A referida proibição legal visa, é certo, os casos de substituição do objecto inicial do processo por um novo objecto, mas também vale, por maioria de razão (por serem ainda mais acentuadas neste caso os fundamentos da proibição), para a cumulação de novo objecto no processo, como ocorreria no caso com a actuação da A.. Aliás, neste caso teríamos em rigor uma cumulação de acções realizada de forma indirecta (com a nova acção a ser enxertada no processo pendente, contra a disciplina processual), sendo a discussão da nova acção realizada disruptivamente, em detrimento do procedimento processual comum (em geral, o regime geral de instauração e desenvolvimento da acção, e em especial o regime da apensação de acções, que seriam subvertidos). A circunstância de estar em causa, assim, verdadeira acumulação de acções justifica também que se exclua a possibilidade de admitir a alteração do objecto do processo quando o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea, pois tal ainda supõe uma substituição de objectos e não uma cumulação de acções (para além de inexistir no caso qualquer relação de dependência, já que a autonomia das situações não condiciona nenhuma delas ao resultado da outra, e muito menos cria uma relação sucedânea).

Também por esta via seria inadmissível o articulado superveniente.

15. Uma última objecção seria ainda oponível à consideração da simulação processual neste processo. Entende-se, com efeito, que esta simulação apenas poderá ser conhecida através do recurso de revisão, já referido[19]. Tal deriva do regime legal deste recurso (citado art. 696º al. g) do CPC), que corresponde ao modelo legal de conhecimento da simulação processual após o trânsito em julgado; à incoerência de, sem previsão legal expressa, se admitirem duas formas processuais para fim idêntico contra a regra da especialidade (note-se que o recurso de revisão tem, no caso, um figurino processual declarativo: art. 700º n.º2 do CPC); ao abandono do regime pregresso (recurso de oposição de terceiro) que supunha uma acção de simulação autónoma prévia ao recurso (art. 779º n.º1 e 780º do CPC na versão do CPC/61, mantida pelo DL 329-A/95); ao facto de o caso julgado (rectius, a decisão transitada em julgado) estar, na falta de regra legal diversa, sujeito a revisão pelo tribunal da decisão, não a uma avaliação judicial concorrente; e à circunstância de a decisão do recurso, com a anulação da decisão recorrida se for procedente, esgotar os efeitos imediatos visados com a impugnação. Assim, nunca seria possível conhecer nesta sede aquela simulação processual (pese embora ocorresse em rigor um erro na forma do processo, nada obsta a que este funcione não autonomamente mas como suporte adicional de rejeição liminar do articulado).

16. As pretensões registais, justamente porque meramente acessórias, não afectam o exposto.

17. A afirmação de que com os novos factos se pretendia acautelar o efeito útil da acção não colhe. De uma banda porque tal asserção não corresponde a condição (e muito menos condição suficiente ou bastante) de admissibilidade da alegação dos novos factos. Não é disso que trata o regime do articulado superveniente (embora a obtenção de um efeito útil possa ser efeito do regime, não é seu fundamento processual). De outra banda, porque, ao contrário do alegado, os actos negociais subsequentes (a venda e os arrendamentos) não impedem a procedência da acção, quanto à atribuição da propriedade da fracção ao 1º RR. O que poderia era discutir-se a oponibilidade de tal decisão (de tal reconhecimento) face ao adquirente ou face aos arrendatários, mas essa é questão diversa, que não contende com o regime processual em discussão. Por fim, e embora não seja esta a sede própria para avaliar a questão (já que esta avaliação tem aqui valor meramente indicativo), esta situação não é de todo desconsiderada desde logo porquanto, na medida em que os intervenientes no processo simulado e a entidade que deu de arrendamento as fracções são parte na presente acção, o caso julgado aqui formado em caso de procedência da acção vai, para eles, tornar indiscutível que a propriedade da fracção pertence ao 1º R., com todos os efeitos sequenciais sobre os negócios celebrados (v.g. ilegitimidade do autor dos actos obrigacionais[20], ou do promitente no contrato-promessa que está na base da acção de execução específica). Para além de tais actos, ou ao menos a venda judicialmente completada, ainda se poderem integrar no regime atinente à disposição da posição jurídica litigiosa na pendência da acção (com a particularidade de, na execução específica, o ali adquirente já ser aqui parte na acção[21]), com eventual relevo para os termos do art. 263º n.º3 do CPC (e como a alienação é realizada por parte de quem ocupa a posição passiva na acção[22], também se pode admitir que não seria necessária qualquer modificação da causa de pedir para a acção contemplar a nova transmissão [23]). 

18. Em suma:

- os novos factos não são factos constitutivos das causas de pedir iniciais;

- os novos factos constituem novas causas de pedir que, contudo, não suportam os pedidos iniciais e por isso não relevam para o mérito da acção;

- as novas causas de pedir reclamam, para serem eficazes, pedidos novos, a elas ajustados, o que configura uma cumulação de novas relações jurídicas (de novas acções), não admissível;

- a simulação processual não pode ser conhecida nesta acção.

19. Assim, embora com fundamento não inteiramente coincidente, deve manter-se o despacho de rejeição liminar.

            20. As custas correm por conta da A. (art. 527º n.º1 do CPC).

V. Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente.

Notifique-se.

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):

(…).

           

Datado e assinado electronicamente

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico.





[1] A que se devem aditar os factos impeditivos que sejam subjectivamente supervenientes (por natureza, este tipo de factos nunca pode ser objectivamente superveniente).
[2] V. L. de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 2º, Almedina 2022, pág. 616.
[3] Admitindo a solução, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Almedina 2004, pág. 426 (referindo que os momentos finais estabelecidos na norma são meros «termos finais»); aderindo a tal solução, Nuno Pissarra, Conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal de recurso em processo civil, ROA I, 2012, pág. 299.
[4] Obviamente, a um autor não interessa alegar factos impeditivos, modificativos ou extintivos (que também não estão em causa). Na presente decisão, dado o seu objecto, apenas se avalia a questão da perspectiva do autor (e assim a partir da causa de pedir).
[5] Chegando a dizer-se que quando se pretende usá-lo «no problema do momento da alegação de factos, o resultado é desastroso» (Mariana França Gouveia, O princípio do dispositivo e a alegação de factos em processo civil (…), ROA II/III, 2013, pág. 613).
[6] Sendo, por exemplo, usada por T. Sousa(/C. Mendes) quando se afirma que os factos complementares não têm que ser alegados em articulado superveniente (Manual de Processo Civil, I, AAFDL, 2022, pág. 464). Este Autor sustenta um conceito restrito de causa de pedir que não contempla os factos complementares e os factos concretizadores, que aqui se não seguiu. Sobre a questão do âmbito da causa de pedir, por todos, v. N. Andrade Pissarra, Das Acções Reais, II, FDUL 2021, especialmente pág. 1863 e ss..
[7] E por aqui teríamos o regime do art. 5º n.º2 a condicionar o regime do art. 588º n.º1 do CPC, ficando este restringido a factos complementares ou concretizadores, quanto à causa de pedir original.
[8] Sobre os termos da questão, v., por todos, M. Mesquita, A «morte» do princípio do dispositivo?, in RLJ 147/94 e ss..
[9] Saber se estes poderiam ainda ser assim alegados seria questão subsequente.
[10] A alteração da causa de pedir por acordo (art. 264º do CC) constitui fenómeno particular, que não releva na avaliação a realizar no caso: a existir acordo, não seria necessário discutir o regime do art. 588º do CPC.
[11] Norma que, para alguns, parece nem fazer depender a utilização do facto da vontade da parte em o aproveitar; e se a parte quer aproveitar o facto, não precisa de nenhum articulado superveniente, tem apenas que produzir prova da qual ele derive (com economia de meios e sentido); e se não dispõe de prova que o revele, então a articulação superveniente seria também inútil por inconsequente.
[12] Sendo os arrendamentos sucessivos e sobre o mesmo objecto, é duvidoso que se mantenham ambos em vigor.
[13] Com algum paralelismo, em termos práticos (que não jurídicos), com a desconsideração da personalidade jurídica.
[14] Como sustenta Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina 2004, pág. 306 e ss., em solução também acolhida em Ac. do TRC, proc. 5362/18.0T8CBR-B.C1 (in 3w.dgsi.pt).
[15] V.g., nova causa de resolução do arrendamento cuja extinção (resolução) se pede.
[16] Em termos expressos, essa possibilidade era admitida por T. Sousa (As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex 1995, pág. 190) mas, entretanto, parece ter passado a configurar a hipótese indicada naquele livro como uma situação de transformação do pedido, que trata no quadro do regime geral da alteração do pedido (Manual …cit., pág. 463); em geral e a propósito do regime do articulado superveniente, tende a discutir-se apenas a admissibilidade da concomitante alteração da causa de pedir.
[17] Esta ligação entre factos supervenientes e desenvolvimento ou consequência do pedido inicial vem salientada por L. Freitas, Introdução ao processo civil, Coimbra Editora 1996, pág. 128 nota 30.
[18] Assim, Mariana França Gouveia, A Causa de pedir …. cit., pág. 307/308 (para o regime processual anterior mas em termos válidos no actual regime).
[19] Assim, considerando também o direito processual vigente, Ac. do STJ proc. 2226/13.8TJVNF-B.G1.S1, in 3w.dgsi.pt.
[20] Mas nestes com a ressalva de os inquilinos não serem parte neste processo, não sendo já admissível a sua intervenção principal provocada (art. 318º do CPC).
[21] Não havendo assim aparentemente verdadeira substituição processual nem justificação para a habilitação do cessionário.
[22] O que a circunstância singular de o autor na acção não pretender a propriedade do bem para si, mas para um R., não altera.
[23] Segundo Paula Costa e Silva, in A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Coimbra Editora, 1992, pág. 229, e na medida em que se tenha, como esta Autora defende, por necessária a alegação e inclusão da transmissão na causa de pedir nas demais situações de transmissão da posição litigiosa.