Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2180/21.2T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EXECUÇÃO
DÍVIDA AO CONDOMÍNIO
HERANÇA INDIVISA
ILEGITIMIDADE
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 33.º, N.º 1, 53.º, N.º 1, 54.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2031.º, 2032.º, N.º 1, 2068.º, 2091.º, N.º 1, 2101.º E 2102, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Durante o período que medeia entre o chamamento daqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis à titularidade das relações jurídicas do autor da herança e a resposta afirmativa a esse chamamento, a herança diz-se jacente;
II – A herança jacente não dispõe de personalidade jurídica, mas é-lhe reconhecida personalidade judiciária, competindo ao chamado a sua gestão, no exercício da qual pode se o retardamento das providências puder causar prejuízos, sem que os actos de administração que pratique impliquem aceitação tácita da herança;

III – A herança indivisa, que é aquela que, tendo sido aceite, não se mostra ainda partilhada, pelos sucessores, não é um património sem titulares, mas antes um património que tem como contitulares, numa situação de mão comum, os herdeiros, razão pela qual ao contrário do que sucede com a herança jacente não se mostra necessário atribuir-lhe personalidade judiciária;

IV – A herança indivisa não dispõe de personalidade jurídica nem de personalidade judiciária, pelo que o despacho que lhe reconhece a qualidade de parte na acção executiva é contraditório com um outro, proferido anteriormente, que declarou que não é dotada de personalidade judiciária;

V – Fora dos casos em que, relativamente a direitos relativos a direitos integrados na comunhão hereditária, são reconhecidos ao cabeça-de-casal poderes de administração e disposição, aqueles direitos devem ser actuados por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, em litisconsórcio legal, activo ou passivo conforme o caso;

VI – A acção executiva que tenha por objecto as medidas coactivas necessárias à realização da prestação pecuniária relativa à quota-parte do condómino de propriedade horizontal na despesa de conservação de parte comum de edifício constituído em propriedade horizontal que se integre, ainda que só em parte, em herança indivisa, deve ser proposta contra todos os herdeiros, em litisconsórcio necessário passivo;

VII – Na acção executiva os pressupostos processuais não se destinam a assegurar o proferimento de uma decisão de mérito, antes condicionam a admissibilidade, mesma, das medidas coactivas necessárias à realização da prestação.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator:
Henrique Antunes
Adjuntos:
Luís Ricardo
António Fernando da Silva

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

O Condomínio ..., ..., ..., promoveu, no Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, contra a herança jacente aberta por óbito de AA, acção executiva para pagamento de quantia certa, para da última haver a quantia de € 6 190, 46, acrescida de juros, à taxa de 4%, vencidos, no valor de € 75,30, e vincendos.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de a assembleia de condóminos, realizada no dia 14 de Junho de 2021, ter deliberado aprovar o orçamento para a requalificação das fachadas do edifício, dando como prazo de pagamento 15 de Julho de 2021, e de a executada, proprietária da fracção autónoma, designada pela letra F), não ter, apesar de interpelada, procedido ao pagamento da sua quota-parte.

Todavia, o Sr. Juiz de Direito, por despacho de 15 de Novembro de 2021, com fundamento em que a Acção Executiva foi intentada contra uma herança indivisa (não uma herança jacente), a qual não dispõe de personalidade judiciária (art.os 11.º e 12.º CPC), logo, não pode assumir a qualidade de Parte em juízo, que deste modo, a herança indivisa (o património autónomo com titulares determinados que se executa) tem que estar em juízo representada por alguém capaz de ser demandado, que caso se encontre já determinado quem exerce o cargo de cabeça-de-casal, e considerando que o pagamento em causa se inclui na administração ordinária da herança indivisa, poderá ser demandado apenas o cabeça-de-casal (art.º 2079.º CC), que caso ainda não se encontre definido o cabeça-de-casal, a herança indivisa terá que ser representada por todos os herdeiros (art.º 2091.º/1 CC), ordenou a notificação do exequente para, no prazo de 10 dias, apresentar requerimento de aperfeiçoamento do requerimento executivo, nos termos supra expostos quanto aos demandados, sob pena de rejeição da Acção Executiva.

O exequente, depois de num primeiro requerimento, ter pedido que, no requerimento executivo, no campo “executado” se determinasse como parte em juízo a “herança jacente de”, terminou, num segundo requerimento, por pedir que passasse a constar, como demandado, o cabeça-de-casal da herança, BB.

O Sr. Juiz de Direito, porém, por despacho de 10 de Janeiro de 2022 – que não foi notificado aos executados, citados para a execução no dia 14 de Março de 2022 - determinou a rectificação do requerimento executivo nos seguintes termos: A inserção da herança indivisa de AA com a designação de Executada (NIF: ...06); A inserção de CC como Executado (por si e também enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa que também se executa).

BB, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu cônjuge, AA, através de petição apresentada por via electrónica no dia 7 de Abril de 2022, opôs-se, por embargos, à execução, e à penhora, pedindo a extinção da execução.

Fundamentou a oposição á execução no facto de o seu cônjuge, com quem foi casado sob o regime de comunhão de adquiridos, ter deixado como únicos herdeiros o embargante e o seu filho, DD, pelo que a execução deveria ter sido instaurada contra ambos os herdeiros e não apena contra si, o que configura uma situação de ilegitimidade, de na acta da assembleia de condóminos, que constitui o título exequendo, não ser feita qualquer referência à quantia em dívida pela fracção F), bem como ao capital e dívida peticionado na execução, muito superior à quota parte que seria devida por aquela fracção que, atenta a sua permilagem, seria apenas de € 3 180,84, pelo que a acta não constitui título executivo, sendo nulo o seu segmento onde consta “que será anexado a esta acta a propriedade horizontal onde constam as áreas de cada fracção que servirá de base de cálculo das despesas daqui para a frente”, desde logo porque este assunto não constava da convocatória da assembleia nem foi objecto de votação e deliberação.

O exequente contestou afirmando que após douto despacho passou a constar como demandado o indicado cabeça-de-casal da herança, pelo que a questão da invocada ilegitimidade não se coloca, que da acta junta com o requerimento executivo se retira os valores peticionados, que o condomínio verificou e deliberou que o critério da permilagem não pode ser aplicado na distribuição das despesas, optando pelo critério da área, e que o executado, notificado de tal deliberação, nada disse nem a impugnou.

Por sentença de 8 de Junho de 2023, a Sra. Juíza de Direito, com fundamento em que  a questão em causa, referente ao pagamento das despesas de condomínio, se insere nos poderes de administração do Cabeça-de-Casal considera-se que poderá ser demandado apenas o Cabeça-de-Casal, em representação da herança, não sendo necessária, para assegurar a legitimidade passiva, a intervenção de todos os herdeiros, inexistindo qualquer preterição do litisconsórcio necessário passivo no caso em apreço,  que é forçoso concluir que a Acta da Assembleia de Condóminos em causa, conjugada com o mapa à mesma anexo, e o próprio titulo constitutivo da propriedade horizontal, permitem apurar o montante concreto que seria devido por parte da fracção autónoma designada pela letra “F” constando expressamente do referido mapa anexo a menção aos € 6.190,46, que correspondem precisamente ao capital em dívida peticionado na acção executiva, considerando-se, por esse motivo, que o artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, mostra-se integralmente preenchido, não tendo sido validamente impugnadas as deliberações tomadas na acta dada à execução, atendendo a que o Embargante não alegou, nem muito menos demonstrou que tenha proposto alguma acção de anulação da mesma (ónus que a si incumbia- cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil), fica sanada a eventual invalidade da mesma, valendo a acta enquanto título executivo contra o embargante - julgou totalmente improcedente o presente incidente de oposição à execução mediante embargos de executado deduzido pelo executado/embargante BB e, em consequência, determinou o prosseguimento dos autos principais.

É esta sentença que o embargante impugna no recurso, tendo encerrado a sua alegação com as conclusões seguintes:

1- A decisão recorrida não contém qualquer análise crítica das provas que estiveram na base dos factos dados como provados e não provados, nem indica as ilações tiradas dos factos instrumentais e especifica os demais fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, nem quais foram os factos admitidos por acordo ou provados por documentos, pelo que viola o disposto nos artigos 732º, nº 2 e 607º, nºs 4 e 5 do C.P.C, sendo, consequentemente, a sentença nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do C.P.C.

2- Sem prejuízo da nulidade da sentença supra invocada, entende o embargante, ora Recorrente que, face ao teor da acta que foi junta à execução e que serve de título executivo, cujo teor se encontra integralmente transcrito no ponto 11 dos factos provados, não devia ter sido dado como provado o ponto 12 dos factos provados, na parte onde consta que o referido mapa se encontra anexo à acta.

3- Com efeito, compulsado o teor da acta, verifica-se que na mesma não consta qualquer deliberação relativa à fixação do montante a pagar pelo embargante relativa às obras em causa, bem como não é feita qualquer referência à anexação de algum mapa que faça parte integrante da mesma e que contenha os montantes certos, líquidos e exigíveis a cada condómino.

4- Acresce que o referido mapa não se encontra rubricado nem assinado pelos condóminos que estiveram presentes na assembleia do dia 14/06/2021.

5- Na verdade, o referido mapa não faz parte da acta, mas sim foi elaborado unilateralmente pela empresa A..., Lda., em data posterior à assembleia de condomínio, conforme aliás se verifica, nomeadamente, pela data aposta na segunda coluna do referido mapa e no rodapé da folha, ou seja, 15-06-2021. Este documento foi junto com a apresentação do requerimento executivo, mas o mesmo não faz parte do título executivo, nem foi alegado nada nesse sentido!

6- Com efeito, no requerimento executivo apresentado, é alegado o seguinte no ponto 5: “ Em Assembleia de condomínio realizada em 14 de Junho de 2021, ata que se junta como doc.2, foi aprovado orçamento para requalificação das fachadas do edifício, e dado como prazo para o seu pagamento o dia 15 de Julho de 2021”

7- Nada foi alegado quanto à deliberação de qualquer montante certo em causa aprovado pelos condóminos presentes!

8- Face ao exposto, não restam dúvidas de que o referido mapa não se encontra anexo à ata nem faz parte da mesma, pelo que não devia ter sido dado como provado no ponto 12 que “o referido mapa se encontra anexo à acta”, pelo que deve este ponto ser excluído dos factos provados.

9- Na verdade, na acta não se encontra concretizado nem há qualquer deliberação aprovada que contenha a fixação do montante a pagar pelos respectivos condóminos, nem dela fazem parte documentos que a completem e que permitam determinação de tal valor.

10- Assim, se o facto supra referido não tivesse sido julgado provado, imporia, sem mais, a procedência dos embargos deduzidos pelo embargante, por falta ou insuficiência do título executivo, o que agora se requer.

11- Ao não decidir desta forma, a decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 607º, nº 5 do C.P.C. e artigos 341º, 342º e 362º do Código Civil.

12- Entende o ora Recorrente que, mesmo no caso de ser mantido o facto provado no ponto 12, sempre deveria ter sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, invocada pelo embargante, pelo que, consequentemente, devia o executado e a herança ilíquida e indivisa terem sido absolvidos da instância.

13- Importa referir que o embargante não foi notificado do despacho judicial indicado no ponto 9 dos factos provados, pelo que o caso julgado não lhe pode ser oponível, sob pena de nulidade. Com efeito, o executado/embargante apenas foi citado do requerimento executivo em 14-03-2022, não tendo recebido sequer cópia do supra citado despacho judicial.

14- Assim, entende o ora Recorrente, salvo o devido respeito, que tendo em conta os factos provados nos pontos 1 a 7, o objecto e a natureza da presente execução, ou seja, pagamento de quantia certa proveniente de uma alegada divida referente à fracção que integra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, a execução devia ter sido instaurada contra os seus legítimos herdeiros, ou seja, BB (ora recorrente) e DD.

15- Na verdade, o cabeça de casal apenas pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído (art.º 2088º, n.º 1 do CC).

16- E pode ainda cobrar as dívidas activas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente (art.º 2089º do CC).

17- No entanto, fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (art.º 2091º, n.º 1, do CC).

18- Pelo exposto, não obstante o pagamento das despesas de condomínio se inserir no âmbito dos poderes do cabeça-de-casal, não poderá o mesmo ser demandado isoladamente numa execução para pagamento de quantia certa proveniente de uma alegada divida da herança, sob pena de não poderem ser penhorados bens da referida herança.

19- Face ao exposto, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.

20- Assim, tendo em conta a natureza da presente execução e o disposto nos artigos 2.091, nº 1, do Código Civil, e 33º, nº 1, 53º, nº 1 e 54º do CPC, a presente execução devia ter sido instaurada contra ambos os herdeiros da falecida AA, ou seja, o embargante, ora Recorrente, e o seu filho DD.

21- Assim, ao não julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pelo Recorrido, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 33º, nº1, 53º, nº 1, 54º, 278º, nº 1, alínea d), 577º, alínea e), 578º e 607º do C.P.C, e 2091º, nº 1 do Código Civil.

22- Sem prescindir, entende o ora Recorrente que, mesmo no caso de não ser julgada procedente a 1º parte deste recurso, ou seja, no caso de ser mantido o facto provado no ponto 12, sempre deveria ter sido julgada procedente a excepção de falta ou insuficiência de titulo executivo, sendo os embargos procedentes e, consequentemente, extinta a execução.

23- Na verdade, apenas tem força executiva a acta onde constem as deliberações que procedam à fixação dos montantes devidos ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.

24- Na verdade, a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respectiva acta que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns.

25- O título executivo consubstancia, na sua natureza, um documento constitutivo ou certificativo de obrigações, cujo incumprimento delimita a dívida exequenda, nomeadamente no seu montante e data de vencimento. No caso em apreço, a obrigação consiste na contribuição a que cada condómino está sujeito relativamente às obras a realizar, por deliberação expressa em ata de assembleia de condóminos.

26- Não havendo outros documentos que façam parte integrante da ata e que contenham qualquer deliberação que permitam determinar/concretizar os respectivos valores.

27- Pelo exposto, forçoso é concluir que, no caso dos presentes autos, a acta junta como titulo executivo não reúne os requisitos exigidos no nº 1, do artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10, pelo que os embargos deviam ter sido julgados procedentes e, consequentemente, extinta a execução.

28- Sem prescindir, importa referir que a não impugnação da deliberação da Assembleia de 14/06/2021, nos termos do disposto no artigo 1433º, nºs 2 e 4 do Código Civil, não tem como consequência tornar, sem mais, a acta um título executivo válido.

29- Acresce ainda que, tendo em conta os factos dados como provados nos pontos 14 a 16 da decisão, verifica-se que a referida ata é inválida, atendendo a que a deliberação nela contida de alterar a forma de pagamento das despesas não foi deliberada da forma correcta, como expressamente reconhece e confessa a administradora do condomínio; neste sentido confrontar o ponto 16 dos factos provados, onde consta que “Apesar de legalmente a distribuição das despesas estar definido que é em função da permilagem, em situações como esta não é justo que assim seja. Apelamos ao bom senso e sentido de justiça do seu constituinte para esta situação, que provavelmente o próprio desconhece. Ficamos a aguardar o vosso parecer sobre este assunto”

30- Assim, a administradora do condomínio confirma que a forma de distribuição das despesas não está em conformidade com o disposto no Código Civil e que não houve deliberação válida para a sua alteração.

31- Perante esta confirmação, a deliberação em causa é inválida, sem mais, e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito, por violação do disposto nos artigos 1424º, nº 1, e 1432º, nº 2, do Código Civil.

32- Assim, a posição da embargada vertida na sua contestação, configura um notório e claro abuso de direito.

33- Face ao exposto, devia ter sido julgada provada e procedente a excepção de falta de título executivo invocada pelo embargante.

34- Assim, ao não julgar procedente a excepção de falta ou insuficiência do título alegada pelo embargante, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 10º, nº 5, 33º, nº1, 278º, nº 1, alínea d), 576º, nº 2, 577º, alínea e), 578º, 607º, 703º, nº 1, alínea d), 713º, 729º, alínea a), e 732º, nº 4 do C.P.C., e nos artigos 288º, nº 1, 334º, 342º, nº 2, 1.424º, nº 1 e 1432º, nº 2 do Código Civil, e ainda no nº 1, do artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10, tudo com a redacção anterior à Lei 8/2022, de 10/01.

Não foi oferecida resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Tribunal da 1.ª instância decidiu a matéria de facto nestes termos:

2.1. Factos provados.

O tribunal considera provados, por documento ou por acordo, os seguintes factos:

1. Em 04 de Novembro de 2021, o exequente “Condomínio ..., ...” instaurou execução sumária contra a herança jacente aberta pelo óbito de AA, para pagamento coercivo da quantia global de € 6.265,76.

2. A fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio urbano sito na freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...30 e inscrita na respectiva matriz predial ...86 – F, faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal que constitui o condomínio exequente.

3. A aludida fracção autónoma encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial em nome do Embargante BB e de AA, casados sob o regime de comunhão de adquiridos (cf. AP. ... de 2001/03/06).

 4. AA faleceu em .../.../2021, passando a quota-parte da mesma sobre o referido imóvel a integrar a respectiva herança.

5. Mediante certidão emitida pelo Serviço de Finanças ..., junta aos autos principais pela Sra. Agente de Execução em 07 de Dezembro de 2021, apurou-se que, na sequência do óbito de AA, foi instaurado Processo de Imposto de Selo n.º ...72, tendo sido atribuído à herança o NIF n.º ...06.

6. O Embargante BB é o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de AA.

7. O Embargante BB e o seu filho DD são os únicos herdeiros de AA.

8. Na sequência das informações fornecidas pelo Serviço de Finanças ..., referidas no ponto (5), o Exequente foi notificado para requerer a rectificação do Requerimento Executivo apresentado, o que veio fazer mediante requerimento datado de 03/01/2022.

9. Por despacho judicial proferido nos autos principais em 10/01/2022, transitado em julgado, foi determinado o prosseguimento da acção executiva contra a herança indivisa de AA (NIF: ...06) e contra o Embargante CC, por si e também enquanto cabeça-de-casal da mencionada herança indivisa.

10. Na presente acção executiva, o exequente apresentou como título uma acta de assembleia de condóminos realizada no dia 14 de Junho de 2021.

11. Da mencionada acta consta, designadamente, o seguinte:

«A reunião baseou-se na seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: Apresentação e discussão de orçamentos para requalificação das fachadas do edifício;

Ponto Dois: Outros assuntos de interesse geral.

Estiveram presentes ou devidamente representados, todos os condóminos que detêm 470 em 1000, conforme mapa de presenças anexo (…) Será anexada a esta ata a propriedade horizontal, onde constam as áreas de cada fracção e que servirão de base ao cálculo das despesas daqui para a frente.

No primeiro ponto da ordem de trabalhos, a administração apresentou a retificação do orçamento para requalificação das fachadas do edifício (…) o orçamento encontrado foi os seguintes:

B... – valor de 53 014,03 € (com IVA incluído). O prazo para efetuar o pagamento de 15 de julho findo este prazo o processo seguirá para cobrança judicial atribuindo desde já todos os poderes forenses a advogado para dar seguimento a acção.

Os condóminos presentes em reunião aprovaram por unanimidade dos presentes o orçamento apresentado, desde que a obra seja feita por esta empresa, não aceitando qualquer subempreitada (…)

Nada mais havendo a tratar, foi dada como encerrada a reunião, e para constar foi lavrada, a presente acta, que depois de lida e aprovada, vai ser assinada pela representante da A... e por todos os presentes, e em seguida, vai ser enviada uma cópia a todos os ausentes».

12. Anexo à acta consta o seguinte mapa:

13. A convocatória para a referida Assembleia de Condóminos foi realizada mediante carta registada dirigida a “AA, Rua ..., ..., ..., ... ...”, com o seguinte teor:

14. O Embargante BB não esteve presente na aludida reunião da Assembleia de Condóminos.

15. Após ser notificado da acta, o Embargante remeteu em 03 de Agosto de 2021, por intermédio da sua mandatária, comunicação electrónica, via e-mail, com o seguinte teor:

«Exmas Senhoras Doutoras,

Foi contactada pelo Sr. BB, cabeça-de-casal da herança de EE, o qual não compreende a forma como procederam ao cálculo do montante relativo às obras que é devida pela fracção supra referida.

Na verdade, as despesas devem ser calculados de acordo com a permilagem.

Nessa medida, o meu constituinte impugna expressamente o teor da acta de 14 de Junho de 2021.

Face ao exposto, agradeço que seja rectificado o valor devido pela fracção F.

Fico a aguardar pelas V/ prezadas notícias.

Com os meus cumprimentos,

FF»

16. Mediante comunicação electrónica datada de 11 de Agosto de 2021, o Exequente enviou comunicação à Ilustre mandatária do executado, com o seguinte teor:

«Exma. Dra:

Desde sempre que a repartição das despesas no referido edifício tem sido efetuada em função da área de cada apartamento, pois verificou se que a atribuição das permilagens na propriedade horizontal contem erros tremendos, junto em anexo a propriedade horizontal do edifício para sua analise. A fracção F dos seus constituintes é um T3 duplex com a área do apartamento de 270,05 m2 e a garagem 36 m2, tendo uma permilagem de 60/1000. A fracção C por exemplo que é um T1 com a área de apartamento de 83.70 m2, tem a mesma permilagem do T3 dos seus constituintes, ou seja 60/1000. Apesar de legalmente a distribuição das despesas estar definido que é em função da permilagem, com situações como esta não é justo que assim seja. Apelamos ao bom senso e sentido de justiça do seu constituinte para esta situação, que provavelmente o próprio desconhece. Ficamos a aguardar o vosso parecer sobre este assunto. Com os meus melhores cumprimentos, GG».

17. Na acção executiva, mediante Auto de Penhora datado de 07/03/2022 foi penhorado o depósito bancário, no valor de € 7.800,00, existente na conta à ordem com o IBAN n.º ...00 da Banco 1..., S.A.

18. A referida conta é titulada pelo Embargante e por DD.

19. Mediante comunicação electrónica, junta ao presente apenso em 17 de Fevereiro de 2023, a Banco 1..., S.A. veio prestar a seguinte informação: «informamos V. Exas. que a penhora efetuada na conta à ordem nº ...30, no montante de 7.800,00 € cumpriu o disposto no nº 5 do artigo 780º do CPC. Ou seja, na penhora do montante de 7.800,00 € não corresponde à totalidade do valor em conta à data da penhora, pois foi respeitada a co-titularidade».

2.2. Factos não provados.

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram como não provados quaisquer factos.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

O âmbito objetivo do recurso é dado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º nºs 2, 1ª parte, e 3 a 5, do CPC).

Considerando os parâmetros da competência decisória ou funcional desta Relação, assim delimitados, são quatro os fundamentos do recurso: a nulidade substancial, por falta de fundamentação, da decisão impugnada; o error in iudicando, por erro em matéria de provas, do facto julgado provado com n.º 12; a ilegitimidade passiva dos executados, por preterição de litisconsórcio necessário legal; a falta ou insuficiência do título executivo que serve de suporte à execução.

A resolução destes problemas importa o exame, ainda que pouco detido, desde logo, da causa do desvalor da nulidade da sentença por omissão de fundamentação e das condições de admissibilidade da acção executiva representados pelo título executivo e pela legitimidade das partes.

                3.2. Nulidade substancial da decisão contestada.

Segundo o recorrente, a decisão impugnada encontra-se ferida com o desvalor da nulidade substancial, por não conter qualquer análise crítica das provas que estiveram na base dos factos dados como provados e não provados, nem indica as ilações tiradas dos factos instrumentais e especifica os demais fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, nem quais foram os factos admitidos por acordo ou provados por documentos. Por outras palavras: a sentença é nula por omissão de fundamentação.

A falta de motivação ou fundamentação da sentença verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.º 615.º, n.º 1, a), do CPC). O desvalor da nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[1] (art.ºs 208.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.º, nº 1, do CPC).

Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

No caso, no ver do apelante a nulidade da sentença decorre, desde logo, da circunstância de a sentença impugnada não especificar quais foram os factos admitidos por acordo ou provados por documentos. Esta alegação é exacta: a sentença impugnada, limitou-se a indicar, genericamente, como motivação do julgamento dos factos que julgou provados os documentos adquiridos para o processo e o acordo das partes, mas não discriminou que factos é que julgou provados com base na prova documental e que factos é que julgou provados com fundamento no acordo das partes.

A lei de processo é terminante na exigência da especificação, na decisão na matéria de facto, dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova, ou a ausência dela, dos factos (art.º 607º, n.º 4, do CPC).

Como, em regra, as provas produzidas, na audiência final ou fora dela, estão sujeitas à livre apreciação, o decisor da matéria de facto deve indicar os fundamentos suficientes para, que através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (art.º 607.º n.º 4, proémio, do CPC). Note-se que com a exigência de motivação não se visa a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz; a finalidade é limitadamente a de persuadir os destinatários da correcção da sua decisão.

A apreciação de cada meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração.

Como, evidentemente, não é possível submeter a apreciação da prova a critérios objectivos a lei apela – e contenta-se – com a convicção íntima ou subjectiva, mas prudente, do tribunal. A convicção exigida para a demonstração da realidade ou da inveracidade de um facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência – que tanto podem corresponder ao senso comum como a um conhecimento técnico ou científico especializado - baseadas na normalidade das coisas – o id quod plerumque accidit - e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento.

No caso, a leitura da motivação da adiantada pela decisora da 1ª instância para justificar o julgamento da matéria de facto que julgou provada, mostra que não é particularmente pródiga - sendo mesmo aflitivamente avara - na exposição das provas que a convenceram da realidade dos factos que declarou provados e da relevância que deu às várias provas produzidas, não tendo procedido à discriminação dos factos que julgou demonstrados com base nas duas fontes ou meios de prova que indicou: a prova documental; o acordo das partes. Apesar de ser pouco briosa e tecnicamente imperfeita, deve entender-se que a sentença, ainda assim, torna patentes, ainda que de modo parco, as razões que para a Magistrada que a proferiu foram decisivas para a sua convicção sobre a prova dos factos controvertidos que julgou provados, com as quais procurou convencer as partes da correcção ou da bondade da sua decisão, facultando, assim, ao apelante o exercício, sem embaraço, do seu direito de a impugnar.

De harmonia com o apelante, o vício da falta de fundamentação, no tocante aos factos que considerou provados, resultaria, no seu ver, da omissão, na sentença, do exame crítico das provas que lhe serviram de base.

A sentença deve ser motivada através da exposição, designadamente, dos fundamentos de facto (art.º 607.º, n.º 3, do CPC). Integram esses fundamentos de facto – que respeitam aos factos relevantes que foram adquiridos durante a tramitação da causa – designadamente os factos julgados provados pelo tribunal na fase da audiência final, e os factos que resultam do exame crítico das provas, i.e., aqueles que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados (art.ºs 349.º e 351.º do Código Civil e 607.º, n.º 4 do CPC). A análise crítica das provas a que a sentença deve proceder refere-se a duas provas que, aliás, só em sentido lato se podem considerar provas: as presunções; o impropriamente chamado ónus da prova.

Se da factualidade assente ou da julgada provada na fase da audiência constarem factos – indiciários – de que possa concluir outros por presunção, de facto ou de direito, é lícito ao juiz tirar na sentença essa conclusão. Se a prova produzia não permitir resolver alguma questão de facto, quer dizer, no caso de dúvida insanável ou irredutível – ou questão insanável ou irredutivelmente incerta – a lei manda aplicar o sistema do algo impropriamente chamado ónus da prova: a análise do cumprimento do ónus da prova, que é uma das formas de fixação dos factos que á sentença compete conhecer (art.º 414.º do CPC, e 346.º, in fine, do Código Civil). Perante a dúvida sobre a realidade de um facto, o tribunal ficciona o facto contrário ao facto que a parte pretendia e devia provar. Numa formulação objectiva, o ónus da prova – que resolve a dúvida não sobre a valoração a atribuir a um meio de prova, mas sobre a realidade de um facto – resolve-se numa regra operativa, que não só permite transformar uma dúvida real numa verdade ficcionada, como possibilita que o juiz não aplique uma regra quando não está convencido da verdade dos factos que integram a sua previsão.

No caso, considera-se que a sentença não tinha que proceder àquela análise crítica dado que não se deparou, no tocante a qualquer dos factos controvertidos como uma situação de non liquet, com qualquer dúvida sobre a realidade dos factos que julgou provados: não estava, portanto, vinculada à apontada análise crítica no tocante ao funcionamento da regra operativa do ónus da prova. De outro aspecto, o recorrente não individualiza, a partir dos factos assentes ou dos que resultaram da decisão da matéria de facto, os factos probatórios dos quais se pudesse inferir outros por presunção, de facto, legal ou judicial, nem indica quais seriam estes outros factos – os inferidos. E, na verdade, os factos julgados assentes não permitem, comprovadamente, que a partir deles se possa inferir, por presunção, judicial ou natural, a realidade de quaisquer outros, dado que, para o efeito considerado, não são inequívocos, i.e., não fazem aparecer como necessária a existência destes últimos e, portanto, não são idóneos para, por via de uma regra de experiência - id quod plerumque accidit – se concluir pela realidade de quaisquer outros factos.

Não há, pois, fundamento sério para, por este motivo, estigmatizar a sentença impugnada com o valor negativo da nulidade.

        Mas vamos que, realmente, o decisor de facto do tribunal de que provém o recurso omitiu a especificação dos fundamentos suficientes para controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento dos factos que considerou provados. Ainda que fosse o caso, de uma tal omissão, não resultaria, em caso algum, a nulidade da sentença contestada.

Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

A decisão da matéria de facto está, na realidade, sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (art.º 662.º, nº 2 c) e d), do CPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (art.º 662.º, n.º 2 do CPC)[2].

Salienta-se este ponto, dado que, segundo o apelante, a nulidade da sentença decorreria, no caso, da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto. Ora, nem a falta de fundamentação da decisão da questão de facto constitui causa de nulidade da sentença, nem, de resto, se verifica uma tal omissão.

De resto – e como é, aliás, frequente - a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema ou modelo a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.

O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista. Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez que ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (art.º 665.º, n.º 1 do CPC).

No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 665.º, nº 1, e 684.º, n.º 1, do CPC).

Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso. Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (art.º 635.º, n.º 2, do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal de recurso possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (art.º 130.º  do CPC)[3].

A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal de recurso, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

Por este lado, é, pois, clara a falta de bondade do recurso.

3.2. Condições da acção executiva: exequibilidade extrínseca do título executivo e o pressuposto processual especial da legitimidade para a execução.

A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.ºs 10, n.ºs 1, 4 e 5, e 53.º do CPC).

A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art.º 10.º, n.º 4, e 703.º do CPC).

O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução. O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[4].

O título executivo exerce, assim, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal – uma função probatória – o título executivo é um documento e a sua eficácia probatória é aquela que corresponde ao respectivo documento[5] - e uma função delimitadora: é por ele que se determinam o fim e os limites, subjectivos e objectivos, da acção executiva (art.ºs 10.º, n.º 4 e 53.º do CPC).

A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título. O título deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação. Quando a prestação devida tenha carácter pecuniário de quantidade – que é aquela cujo objeto é um valor expresso em moeda com curso legal - o título deve, portanto, incorporar o direito a essa entrega (art.ºs 550.º e 817.º do Código Civil). Nestas condições não pode ser reconhecido valor executivo ao documento que não contenha, ao menos implicitamente, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação e o correspondente dever de cumprimento. Para que possa ser usado como título executivo o documento deve incorporar o direito a uma prestação; quando isso não ocorre, nada há a prestar por um sujeito passivo e, por isso, nada há a executar.

Nos casos em que documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível. A inexequibilidade extrínseca da pretensão, ou seja, a falta de título executivo, traduz-se na falta de um pressuposto processual da execução que, além de legitimar o indeferimento liminar do requerimento executivo e a rejeição oficiosa da execução, constitui fundamento de oposição a essa mesma execução (art.ºs 726.º, n.º 2, a), 729.º, a) e  734.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Na verdade, o objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

Por último, importa reter que entre as características gerais do título executivo se conta uma particularmente relevante: a da tipicidade. As partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de título executivo e também não podem retirar essa força a um documento que a lei qualifique como titulo. Portanto, os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex-voluntate, aqueles que são indicados como tal na lei e, por isso, a enumeração legal está sujeita a uma regra de tipicidade[6].

São títulos executivos todos os indicados na lei - mas só os enumerados na lei.

Deste princípio da tipicidade - nullus titullus sine lege – decorre, naturalmente, a proibição do recurso à analogia para atribuir valor executivo a um documento que a lei não qualifica como título (art.º 10.º do Código Civil).

Na propriedade horizontal - abstraindo do problema da sua natureza, por não relevar para a economia do recurso[7] - há que lidar com um direito que, no tocante às partes comuns, concorre com idênticos direitos pertencentes a outras pessoas, e com a consequente necessidade de providenciar pela administração dessas partes comuns, fonte permanente de conflitos entre os condóminos (art.ºs 1414.º, 1420.º, nºs 1 e 2, e 1421.º do Código Civil).

O tipo da propriedade horizontal envolve, assim, uma posição dúplice do condómino: de um aspecto, proprietário da fracção; de outro, comproprietário das partes comuns do edifício que não constituem fracções autónomas (art.º 1420.º, n.º 1 do Código Civil). A lei declara que o conjunto dos dois direitos é incindível (art.º 1420.º, n.º 2, do Código Civil). Para quem entenda que não se trata, na realidade, de dois direitos mas apenas de um direito[8] – o direito de propriedade horizontal, que se estende, simultaneamente, à fracção autónoma e às partes comuns – aquela expressão é declaradamente infeliz.

Seja como for, o conteúdo típico da propriedade horizontal exprime aquela duplicidade ou complexidade. No que tange à fracção autónoma, o conteúdo do direito do condómino tem a mesma feição da propriedade: o conteúdo positivo deste direito aplica-se igualmente à propriedade horizontal (art.º 1305.º do Código Civil). Isto explica que o condómino possa usar e fruir a fracção e as partes comuns do edifício - a menos que estejam afectas ao uso exclusivo de um ou de alguns condóminos – assim como dispor do seu direito ou constituir direitos reais ou pessoais de gozo, de garantia ou de aquisição.

A administração das partes comuns, e só destas, está confiada a dois órgãos: a assembleia de condóminos, órgão necessariamente colegial, e ao administrador, que é eleito e exonerado pela assembleia (art.ºs 1430.º, n.º 1, e 1435.º, n.º 1, do Código Civil).

Não obstante o condomínio não ser uma pessoa jurídica, o órgão assembleia de condóminos delibera em assuntos da administração das partes comuns, cabendo-lhe sobre essa administração a última palavra. O condomínio forma a sua vontade funcional através das deliberações da assembleia de condóminos. As deliberações dos condóminos são, porém, actos muito peculiares, dado que, por um lado, são actos dos condóminos e, por outro, são actos do condomínio: enquanto actos dos condóminos a deliberação é um acto colectivo formado por uma pluralidade de actos jurídicos unitários – os votos – que são imputáveis a cada um dos condóminos; como acto do condomínio, a deliberação é, no seu todo, um acto jurídico unitário, embora complexo, imputável ao universo dos condóminos, ele mesmo.

As deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (art.º 1433.º, n.º 1, do Código Civil). Esta disposição requer uma interpretação cuidada: tomada à letra ela significa que uma deliberação contrária à lei seria sempre – só - anulável, qualquer que ela fosse, ainda que incidisse sobre matérias subtraídas à competência da assembleia, v.g., matérias respeitantes às fracções autónomas ou mesmo aspectos completamente estranhos à propriedade horizontal. Problema que é particularmente sensível se se considerar que uma deliberação anulável se convalida se não for requerida, no prazo legal, a respectiva anulação, podendo, por conseguinte, vir a ser perfeitamente eficaz na ordem jurídica.

Portanto, apesar do enunciado gramatical da lei poder induzir a conclusão de que a anulabilidade é o único desvalor jurídico das deliberações viciadas, a verdade é que a lei não deixa de aludir a deliberações ineficazes, o que desde logo, obriga a equacionar as duas invalidades no quadro da dicotomia nulidade/anulabilidade, assim como a ineficácia em sentido estrito (artº 1433º, n.ºs 1 e 2, in fine, do Código Civil). Entendimento diverso, levaria a esta consequência desrazoável: a convalidação e consequente estabilização na ordem jurídica de deliberações contrárias a normas imperativas, á ordem pública ou ofensivas dos bons costumes, sempre que os condóminos não as impugnassem dentro do prazo de caducidade disposto na lei (art.º 280.º do Código Civil).

A conclusão a tirar é, assim, a da atendibilidade de outros valores jurídicos negativos para além da anulabilidade, devendo considerar-se nulas e, como tal impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado as deliberações contrárias ao núcleo intangível da ordem jurídica, representada pela trilogia lei injuntiva, ordem pública e bons costumes (art.ºs 280.º e 286.º do Código Civil)[9]. Assim, é nula – e não simplesmente anulável – por violar uma norma injuntiva, a deliberação da assembleia de condóminos que imponha para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns uma proporção diversa do valor das suas fracções (art.º 1424.º, n.º 1, do Código Civil).

Efectivamente, em matéria de encargos de conservação e fruição das partes comuns, o princípio geral é o da distribuição igualitária em função de cada fracção, expresso na percentagem ou na permilagem dispostas no título constitutivo (art.º 1424.º, n.º 1, do Código Civil). Decerto, que este critério de proporcionalidade é supletivo dado que, de harmonia com a doutrina que se tem por preferível, pode ser afastado pelo título constitutivo ou em estipulação adequada, mas só pode sê-lo por acordo unânime dos condóminos, formalizado em escritura pública e não também por deliberação da assembleia[10]. Entendimento que é confirmado pela regra relativa à possibilidade de as despesas relativas aos serviços comuns poderem ser repartidas pelos condóminos não na proporção do valor das suas fracções, mas em partes iguais ou em proporção da sua fruição: o afastamento desta última regra apenas é admissível por disposição do regulamento do condomínio e não também por deliberação da assembleia de condóminos (art.º 1424.º, n.º 2 do Código Civil).  Maneira que, caso não seja alterado pelo modo indicado, o princípio deve ter-se por intangível e, assim, por injuntivo, pelo que a deliberação dos condóminos, maxime no caso de ser meramente maioritária, que o modifique, deve ter-se por nula[11].

Das deliberações da assembleia de condóminos são injuntivamente lavradas actas que as documentam (art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro). A acta da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte (art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, na redacção anterior à que lhe foi impressa pela art.º 4.º da Lei n.º 8/22, de 10 de Janeiro).

A exequibilidade de um título é aferida pela lei vigente à data da propositura da acção executiva, pelo que ainda que o título executivo não possua força executiva no momento em que é elaborado, a execução torna-se admissível se essa eficácia lhe for atribuída por lei posterior. Relativamente aos reflexos das modificações no tocante à eficácia imediata da lei nova, vale um princípio de aplicação imediata da lei nova, sempre que venha conceder exequibilidade a um documento que anteriormente a não possuía; caso contrário, a execução pendente, atendendo à inexequibilidade do título, deveria ser considerada inadmissível – mas o credor poderia requerer de imediato uma nova execução, utilizando o mesmo título. Em contrapartida, a lei nova que retire eficácia executiva a um documento não de ser imediatamente aplicável às execuções pendentes, porque isso frustraria os interesses do exequente[12].

Assim, para que se reconheça eficácia executiva à acta da assembleia de condóminos que contenha a deliberação, tomada em data anterior à do início da vigência da alteração, pelo art.º 4.º da Lei n.º 8/22, de 10 de Janeiro, do art.º 6.º. n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro,  no tocante ao valor a pagar ao condomínio por qualquer despesas necessárias à  conservação e fruição das partes comuns é suficiente que a acta documente a deliberação sobre essas despesas, e o prazo do pagamento, não sendo necessário que nela se especifique o valor da quota-parte de cada um dos condóminos: esse valor é encontrado pela simples aplicação da regra ou do critério da proporcionalidade apontado (art.º 1424.º, n.º 1, do Código Civil). Tanto mais que essa quota-parte é determinada pelo mesmo critério por aplicação do qual são calculados os votos de cada condómino (art.ºs 1418.º e 1430.º, n.º 2, do Código Civil).

A letra da lei tem, efectivamente, um valor próprio, que não pode ser ignorado pelo interprete e que impõe dois limites: um que decorre das presunções de que o legislador consagrou a solução mais acertada e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que o significado que corresponda à letra da lei tem de ser um significado possível dessa lei; outro que determina que não pode ser considerado pelo intérprete um significado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 9.º n.ºs 2 e 3, do Código Civil). A letra da lei constitui, assim, um limite para todos os outros elementos de interpretação. Ora, ex-littera, o único requisito que lei exige para que se reconheça eficácia executiva à acta da deliberação dos condóminos é que essa acta documente a deliberação de aprovação da despesa com a conservação ou com a fruição das partes comuns, e o prazo de pagamento, nada mais. Assim como não é lícito, por força do princípio da tipicidade, atribuir a um documento força executiva a que a lei não reconhece esse valor, também deve ter-se por vedado recusar essa eficácia a um tal documento, exigindo, por via interpretativa, um requisito que literalmente a lei não impõe. Não é, portanto, necessário que a acta documente especificamente o valor que a cada condómino compita do valor da despesa aprovada, podendo esse valor ser obtido através de outros documentos, complementares à acta da deliberação, contemporâneos ou não dessa deliberação – como, v.g., o título constitutivo da propriedade horizontal  Conclusão que se harmoniza perfeitamente quer com a admissibilidade de títulos executivos complexos, quer com a regra de que sempre que a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação da quantia em dívida dependa de simples cálculo aritmético, o credor pode promover a execução, desde que especifique os valores compreendidos na prestação devida e conclua o requerimento por um pedido líquido, ficando, evidentemente, salvo ao executado o direito de controverter essa liquidação (art.º 716.º, n.º 1, do CPC). Entendimento contrário dispensa ao condómino relapso uma tutela injusta, impedindo o acesso célere à acção executiva e à satisfação coactiva da prestação do condómino em falta, em prejuízo sério da solvabilidade do condomínio que, regra geral, apenas dispõe, como única fonte de financiamento, as contribuições dos condóminos. E prejudica mesmo, em última extremidade, interesses públicos eminentes como a segurança e o arranjo estético dos edifícios, de que é sinal evidente a degradação generalizada dos prédios urbanos das nossas cidades e, bem assim, o sistema de justiça, forçando o recurso à acção declarativa e submergindo-o – como patentemente sucede com os julgados de paz – com conflitos de baixa densidade relativos a direitos e deveres dos condóminos[13].

Um pressuposto processual da acção executiva – que, portanto, condiciona a admissibilidade da realização coactiva da prestação – é, decerto, a legitimidade, que respeita aos limites subjectivos da execução, aos sujeitos da execução, quer dizer, por quem e contra quem a execução deve ser promovida.

 Como é claro, a legitimidade substantiva é uma categoria jurídica completamente distinta. De modo do deliberadamente simplificador, a legitimidade substantiva pode ser entendida com a posição jurídica de um sujeito face a uma determinada posição jurídica concreta, ou como a susceptibilidade ou insuceptibildidade de certa pessoa exercer um direito ou uma obrigação, resultante, não das qualidades ou situação jurídica da pessoa, mas das relações entre ela e o direito ou obrigação em causa.

O critério reitor de determinação da legitimidade das partes na acção executiva é de extrema simplicidade: é exequente quem figura no título como credor; é executado quem figura no mesmo título como devedor (art.º 53.º. n.º 1, do CPC). Sublinha-se que o texto legal não diz que é parte legítima como exequente o credor, e como executado o devedor; não diz nem devia dizer, sob pena de confundir a questão da legitimidade ad causam com a da procedência. É que o exequente e o executado podem ser partes legítimas, apesar de não serem credor e devedor.

Assim, a ilegitimidade executiva verifica-se quando a parte não coincide com aquela que consta do título executivo e nenhuma outra circunstância lhe atribui legitimidade.

A legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e como devedor (art.º 54.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC). Sucessão que tanto pode ser universal ou singular, como a que provém da transmissão ou cessão do direito objecto do pedido executivo. Se a sucessão tiver ocorrido antes da propositura da acção executiva, o exequente deve alegar, no próprio requerimento executivo, os respectivos factos constitutivos (art.º 54.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC).

Com a abertura da herança – que se verifica no momento da morte do seu autor -  dá-se o chamamento à titularidade das relações jurídicas do falecido daqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis (art.ºs 2031.º e 2032.º, n.º 1, do Código Civil).

O chamamento sucessório pode, todavia, não obter logo resposta. Durante o período, que pode ser mais ou menos longo, que medeia entre o chamamento e a resposta afirmativa ao chamamento a herança está jacente. Diz-se, pois, jacente a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (art.º 2046.º do Código Civil). A administração da herança jacente pertence ao chamado que pode providenciar acerca da administração dos bens, se do retardamento das providências puder causar prejuízos, sem que os actos de administração que pratique impliquem aceitação tácita da herança (art.ºs 2047.º, n.º 1, e 2056.º, n.º 3,  do Código Civil).

Não tendo personalidade jurídica, a herança jacente – a herança cujo titular ainda não esteja determinado, como se exprime a lei de processo – goza, todavia, de personalidade judiciária (art.º 12.º, a), do CPC). Orientando-se, nitidamente, por um critério de diferenciação patrimonial, a lei adjectiva é clara na atribuição de personalidade judiciária à herança jacente e a patrimónios autónomos similares, cujo titular ainda não se mostre determinado. A indeterminação do titular pode assumir dois graus diferenciados, dado que tanto pode resultar da indeterminação dos sucessíveis, como da indeterminação dos sucessores, o que sucederá no caso de saber quem são os sucessíveis, mas não quem são os sucessores, por se desconhecer se aqueles aceitaram a herança. Em qualquer dos casos a herança diz-se jacente, uma vez que num e noutro caso, o seu titular é desconhecido.

Notoriamente diferente é a situação jurídica da herança indivisa, que é a herança que, tendo sido aceite, não se mostra ainda partilhada, pelos sucessores (art.ºs 2101.º e 2102, do Código Civil). A herança indivisa é responsável pelos encargos da herança, entre os quais se incluem as suas dívidas (art.º 2068º do Código Civil). Todavia, a herança indivisa, ao contrário da herança jacente, não é um património sem titulares – ou sem titulares conhecidos – mas antes um património que tem como contitulares, numa situação de comunhão de mão comum, os herdeiros. É exactamente por esta razão que se mostra necessário atribuir personalidade judiciária à herança jacente, que é um património sem titulares – ou sem titulares conhecidos – mas não à herança indivisa que é um património com vários titulares e, como tal, não dispõe sequer de personalidade judiciária.

De maneira que, no caso de herança jacente, quem deve ser demandado – declarativa ou executivamente – é a herança jacente ela mesma, que será representada pelo sucessível conhecido; no caso de herança indivisa, a acção, declarativa ou executiva, deve ser dirigida, em princípio, contra os seus contitulares, em litisconsórcio necessário passivo, uma vez que, como regra, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos contra todos os herdeiros (art.º 2091.º, n.º 1, do Código Civil).

O problema da administração da herança só se põe até a sua integral liquidação e partilha, ou seja, enquanto estiverem por satisfazer os encargos da herança, ou esta se encontre indivisa. A administração da herança pertence, em princípio, ao cabeça-de-casal (art.º 2079.º do Código Civil). A lei não se limita, porém, a deferir ao cabeça-de-casal a administração da herança: logo também diz quais são os seus poderes ou competências, que delimita, tanto positivamente como por exclusão de partes. Assim, o cabeça-de-casal tem legitimidade pedir, aos herdeiros ou a terceiros os bens que deva administrar – os bens do falecido e, tendo sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal – e pode usar contra estes acções possessórias para ser mantido na sua posse ou a ela restituído; o exercício das acções possessórias cabe também aos herdeiros ou a terceiro contra o cabeça-de-casal (art.ºs 2087.º, n.º 1, e 2088.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). O cabeça-de-casal pode cobrar dívidas activas da herança, desde que a demora da cobrança possa perigar o pagamento ou esta seja espontâneo, e deve vender os frutos ou outros bens deterioráveis da herança, podendo aplicar o produto na satisfação das despesas do funeral e sufrágios e nos encargos da administração, podendo, ainda, para satisfazer aquelas despesas e estes encargos, vender frutos não deterioráveis, na medida do que for necessário (art.ºs 2089.º e 2090.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Mas fora destes casos – declara terminantemente a lei – e sem prejuízo da legitimidade de qualquer herdeiro para, separadamente, actuar a acção de petição da herança, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos ou contra todos os herdeiros (art.º 2091.º, nº 1, do Código Civil). O caso é, assim, de litisconsórcio necessário legal (art.º 33.º, n.º 1, do CPC).

Por força destes enunciados normativos, julga-se claro e cristalino que a acção executiva que tenha por objecto a satisfação coactiva de uma obrigação pecuniária de que seja credor, por exemplo, o condomínio, que se compreenda, no todo ou em parte, em herança indivisa deve ser proposta contra todos os herdeiros em litisconsórcio necessário e nunca, mas nunca, contra a herança indivisa dado que esta não dispõe de personalidade jurídica nem sequer de simples personalidade judiciária. Também o não deve ser contra o cabeça-de-casal em representação da herança, dado que o mecanismo da representação supõe duas pessoas jurídicas, o que não sucede com a herança indivisa que não dispõe de personalidade jurídica, nem sequer de personalidade judiciária.

Na espécie sujeita, a acção executiva começou por ser proposta contra a herança jacente aberta por óbito de AA, ocorrido em .../.../2021, cônjuge do apelante, com quem era casada sob o regime de comunhão de adquiridos.

Porém, o Sr. Juiz de Direito depois de num primeiro despacho observar que a execução foi proposta contra uma herança indivisa que a qual não dispõe de personalidade judiciária (art.os 11.º e 12.º CPC), logo, não pode assumir a qualidade de Parte em juízo terminou, na sequência de requerimento do exequente, por determinar a inserção da herança indivisa de AA com a designação de Executada (NIF: ...06); A inserção de CC como Executado (por si e também enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa que também se executa). É patente a contradição entre estes dois despachos, dado que no primeiro, se declarou que a herança indivisa não dispõe de personalidade judiciária e, portanto, é insusceptível de adquirir a qualidade de parte e, no segundo, decidiu-se a aquela herança é, afinal, executada, e, portanto, parte.

Abstraindo desta lívida colisão, esta última decisão é patentemente incorreta.

                Por força da regra injuntiva da metade, os cônjuges participam, nessa proporção, no activo e no passivo da comunhão (art.º 1730.º, n.º 1, do Código Civil). Assim, por óbito de AA, a sua quota parte na contribuição para as despesas com os encargos da conservação e fruição das partes comuns do edifício passou a integrar a respectiva herança, à qual foram chamados a suceder, na qualidade de herdeiros, por cabeça e em partes iguais, o cônjuge, apelante, e o filho de ambos (art.ºs 2024.º, 2025.º, n.º 1, 2026.º, 2027.º, 2030.º, n.ºs 1 e 2, 2031.º, 2032.º, n.º 1, 2131,º, 2132.º, 2133.º, n.º 1, a), e 2139.º, n.º 1, do Código Civil).

                Assim, dado que, como se observou, os direitos relativos à herança devem, no caso, ser actuados contra todos os herdeiros – e não simplesmente contra o cabeça-de-casal – é claro, na espécie que nos ocupa, a preterição do litisconsórcio necessário – com a consequente ilegitimidade do herdeiro presente na acção executiva – dado que um dos herdeiros da primitiva co-devedora do crédito exequendo não foi demandado. É, assim, irrecusável a verificação, no caso do recurso, da excepção dilatória da ilegitimidade, determinante da absolvição da instância do executado demandado (artºs 33.º. n.º 1, 278.º, n.º 1, d), e 577.º, e), do CPC)
Lê-se, todavia, na sentença apelada que que o despacho que determinou o prosseguimento da acção executiva contra a herança indivisa de AA (NIF: ...06) e contra o Embargante CC, por si e também enquanto cabeça-de-casal da mencionada herança indivisa, transitou em julgado. Mas a verdade é que, tal despacho, no tocante ao apelante, não adquiriu a qualidade de res judicata, dado que – como aquele salienta na sua alegação – nunca lhe foi notificado. De resto, por força dos limites subjectivos a que está sujeito – que definem quem fica vinculado por uma decisão transitada em julgado – o caso julgado, de harmonia com o princípio da eficácia inter partes, produz sempre efeitos processuais entre as partes que o provocaram. Mas, como regra, na falta de declaração diversa da lei, não pode prejudicar terceiros que não intervieram no processo ou que nele intervieram, mas em momento posterior ao do proferimento da decisão. Realmente, quanto ao âmbito subjectivo, o caso julgado tem, em geral, uma eficácia meramente relativa, regra que é o reflexo do princípio estruturante do contraditório: quem não pode defender os seus interesses num processo pendente, não pode ser afectado pela decisão nele proferida. Ora, o apontado despacho foi proferido apenas no confronto com o exequente, não o tendo sido o confronto com o apelante que, nesse momento nem sequer tinha sido sequer citado para a acção executiva, pelo que seria violento vinculá-lo a um caso julgado constituído sobre uma decisão tomada no processo num momento em que não podia intervir nele e actuar o seu inarredável direito de audiência e de contradição. Ainda que estas considerações não se devam ter por exactas, certo é – repete-se - que, por tal despacho, por não lhe ter sido notificado, não passou em julgado[14] – e, por isso, não se formou sobre a decisão que nele se contém caso julgado formal que torne indiscutível, mesmo só intraprocessualmente, a questão da legitimidade passiva para a acção executiva - sendo, portanto, lícito, ao apelante alegar, nos embargos, a excepção dilatória da sua ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário e a esta Relação conhecer da questão correspondente.
 Nestas condições, importa absolver os executados – o apelante e a herança indivisa aberta por óbito do seu cônjuge - da instância.

A uma tal decisão não obsta decerto o princípio da prevalência da decisão de mérito, de que o abandono do dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais relativamente ao julgamento do mérito da causa constitui corolário[15], de harmonia com o qual a decisão de absolvição da instância só é admissível caso o conhecimento do mérito do recurso não seja favorável á parte relativamente à qual se verifica a falta desse mesmo pressuposto processual (art.º 278.º, n.º 3, 2ª parte, do CPC).  Por três boas razões, de resto: porque, na acção executiva, diferentemente do que sucede na acção declarativa – na qual os pressupostos processuais asseguram o proferimento de uma decisão de mérito – estes pressupostos não se destinam a tornar admissível qualquer decisão sobre o mérito – antes condicionam a admissibilidade das medidas coactivas necessárias à realização da prestação; porque o pressuposto processual da legitimidade plural, cujo preenchimento que a imposição do litisconsórcio necessário visa assegurar, não é exclusivamente ordenado pelos interesses das partes presentes em juízo, mas de todos os demais interessados a quem esse litisconsórcio também é imposto; dado que caso se devesse conhecer do fundamento de contestação da execução relativo à exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda, a decisão não seria integralmente favorável aos executados.

É que, ao contrário do que sustenta, o apelante, o título que serve de suporte à execução – a acta que deliberou aprovar a despesa com a requalificação das fachadas do edifício – é extrinsecamente exequível, embora não, ao contrário do que decidiu na sentença impugnada, quanto à totalidade do crédito cuja satisfação coactiva é pedida na execução. É para o detalhe desta proposição que se dirigem as considerações seguintes.

Segundo o apelante a Sra. Juíza de Direito errou ao julgar provado o ponto 12 dos factos provados, na parte onde consta que o referido mapa se encontra anexo à acta, dado que, compulsado o teor da acta, verifica-se que na mesma não consta qualquer deliberação relativa à fixação do montante a pagar pelo embargante relativa às obras em causa, bem como não é feita qualquer referência à anexação de algum mapa que faça parte integrante da mesma e que contenha os montantes certos, líquidos e exigíveis a cada condómino. No ver do recorrente, se tal não tivesse sido julgado provado, imporia, sem mais, a procedência dos embargos deduzidos pelo embargante, por falta ou insuficiência do título executivo.

O pressuposto de que parte o apelante até é exacto; a conclusão que dele extrai, essa, não se julga correcta.

Como se explicou, para que a acta da assembleia de condóminos que documente a deliberação de aprovação de uma despesa necessária para a conservação ou fruição das partes comuns do edifício  constitua título executivo, não é exigível – ao menos á sombra da norma vigente ao tempo da sua elaboração – que nela seja especificada, em concreto, a quota-parte da contribuição de cada condómino para essa despesa, sendo suficiente que documente a deliberação da aprovação da despesa correspondente[16]: a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns – declara terminantemente a lei - constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota-parte, podendo a determinação daquela quota ser feita por recurso a documentos exteriores á acta (art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, na sua redacção original). Requisito que, no caso, é evidente que se encontra preenchido, dado que acta da assembleia de condóminos realizada no dia 14 de Junho de 2021, documenta a deliberação de aprovação do orçamento – e, portanto, da realização da despesa correspondente - para as obras de requalificação das fachadas do edifício, no valor de € 53 014,03.

O documento que serve de suporte à execução deve, por isso, ter-se por extrinsecamente exequível – embora não quanto à totalidade da obrigação pecuniária objecto da execução.

Realmente, como linearmente decorre dos factos adquiridos, sem controversão, para o processo, o valor da quota-parte dos executados na despesa aprovada foi encontrado, não por aplicação do critério da distribuição igualitária em função de cada fracção, expresso na percentagem ou na permilagem dispostas no título constitutivo – mas por um parâmetro diverso, determinante de um valor superior da quota-parte da contribuição exigível aos devedores, conflituante com esse título: a da área das fracções. Pelas razões indicadas, esta deliberação encontra-se ferida com o desvalor da nulidade – e não, como se sustenta na decisão recorrida, da anulabilidade – pelo que a falta da sua impugnação não importa a sua convalidação, nulidade que é invocável a todo o tempo e oficiosamente cognoscível pelo tribunal (art.º 286.º do Código Civil). Mas esse desvalor da nulidade restringe-se ao valor da quota-parte devida pelos executados na despesa com a conservação das partes comuns que excede o que resulta da aplicação do critério legal injuntivo da distribuição igualitária de cada fracção segundo a permilagem fixada no título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que a boa fé, sob cujo signo estrito deve ser cumprida a obrigação, apenas autoriza que se recuse o pagamento do maior valor – mas não do valor que, por aplicação do critério legal, o embargante pessoa física e a herança indivisa aberta por morte do cônjuge são, irrecusavelmente, devedores (art.ºs 292.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil).

 Seja como for, estas considerações mostram que o princípio da prevalência da decisão de mérito, determinante da rejeição do dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais relativamente ao julgamento do mérito da causa, não constitui, no caso, obstáculo à absolvição dos executados da instância executiva, por preterição de litisconsórcio necessário, dado que a decisão sobre extinção da execução por inexequibilidade extrínseca do titulo que lhe serve de suporte não seria integralmente favorável aos executados.

Importa, assim, julgar o recurso procedente, revogar a decisão nele impugnada e logo a substituir por outra que absolva os executados da instância.

Do conjunto da argumentação expendida extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:

(…).

O apelado sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-o objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão impugnada e, julgando procedente a excepção dilatória da ilegitimidade dos executados, BB e herança indivisa aberta por óbito de AA, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, absolvem-se aqueles da instância executiva.

Custas pelo apelado.

                                                                                                                              2023.12.13


[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Ac. STJ 10.05.2021 (3701/18.3T8VNG.P1.S1)
[2] Ac. da RC 20.01.2015 (2996/12.TBFIG.C1).
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1998, pág. 472, e Paula Costa e Silva, Meios de Impugnação, de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, 199, n. 29.  Notando a incompreensível atracção que é revelada em múltiplos recursos pela arguição de nulidades, António Santos Abrantes Geraldes – Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina Coimbra, 2022, pág. 183, nota 318.
[4] J. C. Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19, (1965), pág. 317 e ss.

[5] O título executivo só formalmente é um documento – apresenta-se sempre como um documento; materialmente é um meio de demonstração legal, o qual poder ser um meio documental, como v.g., de títulos de crédito, um acto, como no caso de sentença. Título executivo é aquilo que convence o tribunal exequente de que existe o crédito exequendo, é o facto primário da sua convicção. Mesmo materialmente, o título executivo tem primariamente função demonstrativa (probatória, gnoseológica) e só secundariamente função constitutiva (ontológica). Castro Mendes, A Causa de Pedir na Acção Executiva, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, págs. 205 e 206. O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada: se a obrigação se encontra titulada por um documento escrito, pode inferir-se, com um elevado grau de probabilidade, a sua constituição. Cfr. Castro Mendes, Manual de Processo Civil, págs. 73 e 74 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 60.
[6] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, págs. 65 e 66.
[7] Cfr. sobre ele, Menezes Cordeiro, Direito Reais, Reprint, Lex, Lisboa, 1979, págs. 636 a 642, Carvalho Fernandes, Da Natureza Jurídica do Direito de Propriedade Horizontal, Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro, 2006, pág. 3 e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Princípia, Cascais, 2002, pág. 103.
[8] Como sucede, por exemplo, com José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 724.
[9] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XIV, Direitos Reais, Almedina, 2022, pág. 660, Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., pág. 737, Ana Filipa Morais Antunes/Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, UCP, 2021, pág. 500. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, págs. 242 e 243,
[10] Acs. do STJ de 22.04.1975, BMJ n.º 246, pág. 157 da RL de 14.04.1976, CJ, Ano I, pág. 193.
[11] Ac. da RL de 20.03.2013, apud Ana Filipa Morais Antunes/Rodrigo Moreira, Comentário, cit., pág. 501.
[12] Acs. da RE de 02.02.1989, BMJ n.º 384, pág. 681, e do STJ de 29.08.1993, CJ, STJ, III, pág. 49.
[13] Segundo o relatório anual dos julgados de paz do ano de 2022 – disponível em conselhodosjulgadosde paz.com.pt, 27% dos litígios respeitaram a direitos e deveres dos condóminos, 27% das acções situavam-se no escalão até € 750,00 e 19% no escalão seguinte, entre e 750,00 e € 1 500,00.
[14] Apesar de se tratar de uma proposição autoevidente, cfr., em todo o caso, o Ac. do STJ de 16.11.2023 (1985/14).
[15] Miguel Teixeira de Sousa, “Sobre o sentido e a função dos pressupostos processuais (Algumas reflexões sobre o dogma da apreciação prévia dos pressupostos processuais na acção declarativa)”, ROA, 49, 1989, págs. 85 e ss.
[16] Acs. do STJ de 14.10.2014 (4852/08), da RP de 04.06.2009 (1139/06) e de 09.06.2010 (3188/09) e da RG de 14.02.2013 (1415/12).  Na doutrina, Rui Pinto, “A execução de dívidas do condomínio (05.2017), PDF, pág. 32.