Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1916/22.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ANULABILIDADE
DIREITO À INFORMAÇÃO
RELATÓRIO DE GESTÃO
DISPONIBILIZAÇÃO DE DOCUMENTOS
CONVOCATÓRIA PARA ASSEMBLEIA GERAL
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 58.º, N.º 1, ALÍNEA A), 59.º, N.º 2, E 263.º, N.º 1, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – No art. 263.º, n.º 1 do CSC consignam-se duas imposições que se prendem genericamente com o direito à informação por parte dos sócios: i) que o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas fiquem, a partir da expedição da convocatória, disponíveis na sede da empresa e durante as horas de expediente ii) e que a convocatória para a assembleia contenha o aviso desse facto.
II – Ambas as imposições se apresentam como relevantes; pela primeira assegura-se o acesso efetivo do sócio ao relatório de gestão e aos documentos de prestação de contas e pela segunda, pressupondo que nem todos tenham conhecimento rigoroso quanto às exigências colocadas à empresa nesse domínio, informam-se os sócios quanto a essa disponibilidade, não sendo percetível qualquer fundamento para desvalorizar ou não atribuir relevo jurídico a esta última.
III - Tratando-se de assembleia para apreciação anual da situação da sociedade, não tendo sido mencionado na convocação o aviso a que se refere o art. 263.º, n.º 1, parte final do CSC, são anuláveis as deliberações nela tomadas (art. 58.º, n.º 1, a) do CSC).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1916/22.9T8VIS.C1

Juízo de Comércio de Viseu – Juiz 2

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA, casado, revisor oficial de contas, residente na Rua ..., ..., em ...

intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra

A..., Lda., com o NIPC ...82, com sede na Avenida ..., ..., em ...

pedindo, na procedência da ação,

a) Declarar-se nulas, sem quaisquer efeitos, todas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral realizada no dia 01.04.2022 respeitantes à sociedade A..., Lda., nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. d) do CSC.

b) Sem conceder, caso assim não se entenda, declarar-se a anulação das mesmas deliberações sociais referidas em a), e sem quaisquer efeitos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 4 do CSC.

c) E, em consequência da procedência da presente ação, com fundamento nos pedidos feitos em a) ou b), cancelar o registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial de prestação de contas individual”.

Invocou, em síntese, que, relativamente à assembleia geral da Ré realizada em 01.04.2022, destinada à aprovação das contas referentes ao ano de 2021,

- a convocatória que lhe foi enviada não foi acompanhada de qualquer documentação e não continha a menção de que os documentos que seriam submetidos à deliberação dos sócios, estavam disponíveis para consulta na sede da sociedade ou se a consulta seria disponibilizada ao sócio por outra via,

- A Ré não lhe disponibilizou a consulta dos documentos da prestação de contas, nem a consulta dos documentos requeridos,

- Não consta da ordem de trabalhos a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.

A Ré contestou, ao demais invocando que desde a data da convocatória da assembleia até data posterior à sua realização, estiveram à disposição do A, na sede social da ré e durante as horas de expediente, os documentos de prestação de contas.

Saneado o processo e realizado o julgamento foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:

3.1. Julgo improcedente o pedido de declaração de nulidade;

3.2. Julgo a ação procedente, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 4, por referência ao artigo 263.º, n.º 1, e, em consequência, declaro anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia da ré realizada no dia um de abril de dois mil e vinte e dois, relativas à aprovação das contas do exercício de dois mil e vinte e um e aplicação dos respetivos resultados, com o consequente cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial relativo à prestação de contas que teve por base esta assembleia”.

                                                                  *

A Ré interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”

III.1) DA EXTEMPORANEIDADE DO PEDIDO

I. A presente ação foi intentada a 29.04.2022, com o fundamento de que a convocatória não continha a menção relativa à disponibilidade e consulta dos documentos.

II. No que diz respeito à convocatória, esta foi recebida pelo sócio, a 15.03.2022, e este remeteu carta em resposta, a 22.03.2022, pedindo que lhe fossem remetidos documentos, aceitando deste modo a falta do aviso, e demonstrando assim que se estes lhe tivessem sido remetidos a presente ação nunca seria intentada com fundamento na falta desse aviso.

III. Portanto, sendo a ação fundamentada num vício da convocatória, deve considerar-se que o prazo de 30 dias para arguir a anulabilidade, previsto no 59.º, n.º 2 do CSC, começou a correr quando este a recebe dá conta do vício.

IV. Pelo que, a presente ação é manifestamente extemporânea, uma vez que o prazo de 30 dias começou a correr no dia 15.03.2022, atingiu o seu termo a 26.04.2022, e a ação foi apenas intentada a 29.04.2022.

III.2) DA ANULABILIDADE DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS

V. Deve considerar-se não aplicável ao caso dos autos a anulabilidade com fundamento no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), por estar em causa um vício decorrente do processo de convocatória, e não um vício de conteúdo das deliberações sociais.

VI. Devem considerar-se válidas as deliberações sociais por se encontrarem cumpridas todas as formalidades obrigatórias, cuja falta levaria à anulabilidade das deliberações, que se encontram previstas no artigo 58.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, nomeadamente a aposição das menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8 e a colocação dos documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.

VII. Não se deve considerar incluída nos elementos mínimos obrigatórios a aposição do aviso do 263.º, n.º 1 na convocatória remetida ao sócio, nem a lei comina nenhuma sanção para a falta do mesmo, pelo que devem considerar-se válidas as deliberações tomadas.

VIII.  Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17.12.2020, Processo n.º 2212/19.4T8VS.G1, relatora Elisabete Alves,

IX. disponível em www.dgsi.pt, “A lei exige, para a validade das deliberações respectivas, que previamente se coloquem em determinado local, mais concretamente na sede da sociedade, certos documentos à disposição dos sócios- designadamente os documentos a que se reporta o artigo 263º n. 1 do CSC (…). Na verdade, e conforme oportunamente referimos, a lei estabelece deforma clara, no âmbitodos elementos mínimos de informação – n. 4 do artigo 58º- qual a conduta que faz incorrer a deliberação no vício da anulabilidade por falta de informação prévia à Assembleia, concretizando-a, no caso das sociedades por quotas, na falta de colocação e disponibilização aos sócios dos documentos para exame pessoal na sede da sociedade nos dias anteriores à Assembleia, no modo, tempo e forma aí previstos – artigos 214º n.4 ex vi 263º do C.S.C.”

X.      O próprio recorrido demonstra que é irrelevante a falta do aviso na convocatória quando remete a carta a solicitar documentos, uma vez que se estes lhe tivessem sido remetidos este nunca intentaria a ação em causa.

III.3) DO ABUSO DE DIREITO

XI.     A convocatória para a assembleia geral foi recebida no dia 15.03.2022, tendo este remetido resposta apenas no dia 22.03.2022 a solicitar o envio ou, em alternativa, a consulta dos documentos na sede social.

XII. Frustrada a tentativa de entrega da carta, a mesma ficou disponível a 25.03.2022 para levantamento no balcão dos CTT, a uma sexta-feira!! Tendo os gerentes da ré tido apenas 4 dias para a levantar!!

XIII. Na referida carta, o recorrido disponibiliza-se para fazer a consulta dos documentos na sede social, na impossibilidade de estes lhe serem enviados, que foi o que aconteceu!

XIV. Enquanto ROC, o recorrido sabia que podia e devia fazer a consulta dos documentos na sede social, tendo-o demonstrado quando se disponibilizou para fazer essa mesma consulta. O mero facto de este ser ROC cria uma situação objetiva de confiança, pois qualquer pessoa normal e diligente esperaria que um ROC soubesse onde fazer essa consulta.

XV.   Resulta do ponto 18. dos factos provados que os documentos estiveram disponíveis na sede social desde data próxima à realização da assembleia geral até data posterior à realização da mesma, e dos factos não provados que a ré não tenha disponibilizados esses documentos.

XVI. Resulta do depoimento da testemunha BB e do próprio recorrido, que o mesmo aconselhava os registos contabilísticos e consultava habitualmente os documentos no escritório do contabilista, prática que manteve pelo menos até 2020, sendo, portanto, legítima a expectativa da ré de que recebida a convocatório este efetuasse a consulta.

XVII. O recorrido atua desde o momento em que recebe a convocatória em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

XVIII. É, pois, nula a sentença recorrida, nos termos das als. b), c) e d), do n.º 1 do art. 615º do nCPC”.

                                                                  *

Respondeu o A. defendendo a improcedência do recurso, sintetizando o alegado com as seguintes conclusões (retirados os sublinhados e escrito em “negrito”:

(…).
*
No despacho em que admitiu o recurso, o Sr. Juiz pronunciou-se para os efeitos previstos no art. 617.º, n.º 1 do CPC nos seguintes termos: “Com o devido respeito por opinião em sentido contrário, não se vislumbra a existência de qualquer nulidade, sendo que o que estará em causa é a discordância quanto à decisão recorrida”.
                                                                  *

 Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção prévia dos contributos e dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
*

II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, face às conclusões avançadas, as questões a apreciar e decidir, segundo a sua precedência lógica, são as de saber se:
A – A sentença é nula nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC por não ter considerado que o A. atuou com abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium” (conclusões XI a XVIII).
B – Se o pedido do A. é extemporâneo por ter sido excedido o prazo previsto no art. 59.º, n.º 2 do CSC (conclusões I a IV)
e
C – Se as deliberações tomadas na assembleia devem considerar-se válidas (conclusões V a X)
                                                                  *

III-Fundamentação

Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e não provada.

Assim:

Factos provados:

1. A ré A..., Lda., sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º ...82, com sede na Avenida ..., ..., em ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número desde 15.07.2016;

2. Tem por objeto social a promoção e gestão imobiliária, construção civil e obras públicas, administração, compra e venda e revenda de bens imobiliários adquiridos para esse fim, arrendamento de bens próprios e subarrendamento;

3. Tem o capital social de €5.000,00 distribuído da seguinte forma:

- Uma quota com o valor nominal de € 2.500,00 pertencente ao autor,  AA, no estado de casado com CC, sob o regime da comunhão de adquiridos;

- Uma quota com o valor nominal de €2.500,00 pertencente a CC, no estado de casada com AA, sob o regime da comunhão de adquiridos.

4. A sociedade vincula-se pela assinatura de um gerente.

5. Na matrícula comercial da ré, desde a constituição da sociedade, constava como única gerente a sócia CC e a partir de 28 de dezembro de 2021 passou também a constar como gerente DD, por ter sido requerido, pela ap. ...69 de 28.12.2021, o registo da designação de gerente por deliberação de 08-12-2021.

6. Corre termos neste Juízo de Comércio, Juiz ..., o processo n.º 5186/21...., que se encontra na fase de julgamento, em que está em apreciação a existência e validade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 19.07.2021 relativas à aprovação de contas do ano de 2020.

7. Está pendente neste Juízo de Comércio, Juiz ..., o processo n.º 101/22...., que se encontra na fase de julgamento, em que está em apreciação a validade das deliberações tomadas na assembleia geral de 08.12.2021 relativas à exclusão do autor de sócio da ré e à nomeação de DD como gerente da ré.

8. CC, na qualidade de gerente da ré, subscreveu convocatória datada de 11 de março de 2022, onde menciona que convoca o agora autor para a Assembleia Geral Anual da ré a realizar no dia 1 de abril, pelas dez horas e trinta minutos, na sua sede social, com a seguinte ordem de trabalhos:

1.° Deliberar sobre as demonstrações financeiras do período findo em 31 de dezembro de 2021;

2.° Deliberar sobre as propostas de aplicação dos resultados apresentadas pela gerência referente ao período findo em 31 de dezembro de 2021.

9.    A convocatória mencionada no artigo anterior, foi enviada em 11.03.2022, por carta registada com aviso de receção, remetida pela ré ao autor para a Rua .... ..., em ...;

10. A carta mencionada no artigo anterior foi recebida em 15.03.2022, pelo funcionário do autor EE.

11. Na convocatória mencionada em 8 não é mencionado qualquer outro assunto a submeter a deliberação dos sócios e nada se menciona quanto aos documentos que serão submetidos à deliberação dos sócios, à sua consulta, se os mesmos se encontravam disponíveis para consulta na sede da sociedade ou se a consulta seria disponibilizada ao sócio por outro via.

12. A convocatória mencionada em 8 não foi acompanhada por qualquer documentação.

13. No dia 22 de março de 2022, o autor remeteu à ré, ao cuidado “da sócia e gerente CC, DD”, para a Avenida ..., ... ..., carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor:

Ex.mos Senhores Gerentes, CC e DD,

Recebi no meu domicílio profissional sito na Rua ..., ..., ..., ... a convocatória datada de 11 de março de 2022 para a Assembleia Geral que se irá realizar no dia trinta de março pelas catorze horas e trinta minutos na sede social.

Atento a que na convocatória remetida V. Exa, não consta qualquer menção à disponibilidade dos documentos de prestação de contas para exame dos sócios na sede da sociedade, venho pelo presente requerer a V. Exa., nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 214.°, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, que seja disponibilizado e remetido para o mesmo domicilio para onde fui convocado, ou para o meu correio eletrónico ... conforme lhe for mais conveniente, informação e cópia da seguinte documentação:

1. As demonstrações financeiras do período findo e 31 de dezembro e respetiva documentação de suporte;

2. As propostas de aplicação de resultados apresentadas pela gerência referente ao período findo em 31 de dezembro de 2021 e respetiva documentação de suporte;

3. Balanço e balancete demonstrativo dos resultados do período findo em 31 de dezembro de 2021 e respetiva documentação de suporte;

4. Extrato da conta de suprimentos dos sócios e prestações suplementares, bem como a documentação de suporte.

5. Cópia de todos os pagamentos realizados pela sociedade, obrigações contraídas e respetiva documentação suporte;

6. Cópia de todos os meios de pagamentos entregues por B..., Lda.;

7. Informação sobre as receitas recebidos pela sociedade, o destino que lhes foi dado e a respetiva documentação suporte;

8, Extratos bancários da sociedade referentes ao período de 1 de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021;

Sem conceder, caso V. Exa. entenda que a remessa da documentação supra solicitada não é possível, requer-se que seja concedida a consulta dos documentos na sede da sociedade, sendo que, atento a que nada é indicado por V. Exa. na convocatória, solicito que informe de dia e hora para, na sede da sociedade, fazer a consulta e exame dos documentos, nos termos do artigo 263.°, n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais. Informo, ainda, que me farei acompanhar por um perito, nos termos do artigo 214.°, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, bem como irei usar a faculdade reconhecida pelo artigo 576.° do Código Civil.

Por fim, peço que me seja prestada por escrito informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, bem como a informação elucidativa sobre quando é que a Sociedade irá pedir anulação da falsa venda ou seja da transmissão da propriedade sem contrapartida e sem fundamento do prédio, que era propriedade da sociedade, realizada em violação do contrato de sociedade”.

14. No dia 24 de março de 2022 foi tentada a entrega, na sede da ré, da carta mencionada em 13, mas como ninguém atendeu foi deixado aviso com a indicação de que estava disponível para levantamento.

15. A carta mencionada em 13 permaneceu no balcão dos CTT, disponível para levantamento, desde o dia 25.03.2022 e foi levantada em 01.04.2023, às 13h27m, pelo gerente DD.

16. A única resposta que foi dada à carta mencionada em 13 é a relativa à carta remetida pela ré em 30.05.2022 que tem o seguinte teor:

Acusamos a receção da vossa carta em 18 de maio de 2002 e temos a referir; Quanto à nossa carta enviada no dia 11/04/2022, apenas V. Exa se pode penitenciar do seu não levantamento. Segue em anexo cópia da mesma (…)

- Acusamos a receção da vossa carta em 01 de abril de 2022, após a realização da Assembleia Geral, e constatamos que V. Exa indicou, em lapso, a data de 30 de março pelas catorze horas e trinta minutos, quando deveria querer dizer, 01 de abril de 2022 (…).

Como V. Exa. bem sabe, sempre teve livre acesso aos documentos sociais, mas como pretende alterar a prática, vimos informar que estamos disponíveis para o receber, para consulta dos documentos na sede social, no dia 12 de maio de 2022, entre as dez horas e trinta minutos e as onze horas e trinta minutos, nos termos da lei.

Relativamente ao último parágrafo da vossa carta, desconhecemos o solicitado”.

17. Não foram enviados ao autor, nem este consultou, os documentos referidos na carta mencionados em 13, não se tendo deslocado à sede da sociedade.

18. Todos os documentos de suporte da contabilidade da ré, incluindo os mencionados em 13, em data próxima à da assembleia em causa nos autos, foram levados do escritório do contabilista para a sede da ré e aí permaneceram desde, pelo menos, a convocatória mencionada em 8 até data posterior à da realização da assembleia mencionada em 20.

19. Só com a análise dos documentos mencionados em 13 o autor estaria habilitado a colocar qualquer questão sobre as contas do exercício e solicitar esclarecimentos sobre as mesmas.

20. No dia 1 de abril de 2022, pelas 10h30m, teve lugar uma assembleia geral da ré, na sua sede social na Avenida ..., em ...;

21. Só se encontrava presente FF, em representação da sócia CC.

22. FF deliberou nessa assembleia:

- Aprovar o balanço e demonstração de resultado relativos ao ano de 2021, com período findo em 31 de dezembro de 2021;

- Aprovar a proposta de aplicação de resultados apresentada pela gerência, com a transferência do resultado líquido negativo apurado no exercício de 2021 de €15.247,80 para resultados transitados.

23. Constando de seguida que, nada mais havendo a tratar, foi dada por encerrada a sessão cerca das 10h45m.

24. A ré não tem qualquer espaço destinado à sua atividade na Avenida ..., ..., em ..., local onde está instalado o escritório de uma sociedade que tem como sócio, pelo menos, o pai dos gerentes, tendo esta sociedade ao seu serviço cerca de 20 funcionários.

25. Em 2022 a ré não tinha funcionários ao seu serviço.

26. Pelo menos no período da convocatória da assembleia de 01.04.2022 até à sua realização, a gerente da ré, então ainda casada com o autor, mas separados de facto, beneficiava de meios técnicos de proteção e de controlo à distância (“botão de pânico”) que podia acionar quando visse o autor.

Factos não provados:

a) Sem prejuízo do referido em 11, a ré não colocou à disposição dos sócios para consulta as demonstrações financeiras, proposta de aplicação de resultados e restantes documentos referentes à aprovação de contas do ano de 2021 previamente à realização da assembleia geral.

b) Sem prejuízo do referido em 11, a ré não disponibilizou ao autor a consulta dos documentos de prestação de contas, nem a consulta dos documentos requeridos, designadamente os mencionados em 13.

c) Os documentos mencionados em 18 estiveram à disposição do autor para consulta.


Apreciemos então as questões suscitadas.

A – Saber se a sentença é nula nos termos do art. 615.º, alíneas b), c) e d) do CPC por o tribunal recorrido não ter considerado que o A. atuou com abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium” (conclusões XI a XVIII).
É, desde há muito, entendimento pacífico[2] que as nulidades típicas da sentença se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
Tratam-se, na essência, de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário da sentença e que obstaculizam o pronunciamento de mérito.
Assim, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), conduz a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou normativa (traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei), o error in procedendo consiste num desvio à realidade factual ou jurídica (por ignorância ou falsa representação da mesma).
Revisitando o ensinamento de José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125), o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional.
Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico)[3].
Em suma, como se refere no Ac. do STJ. de 03.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1), as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615.º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo.
Revertendo ao caso dos autos crê-se que a invocação da nulidade da sentença só pode advir, por um lado, de uma menor perceção da distinção acabada de efetuar e, por outro, de uma valorização não consentida da factualidade apurada.
Com efeito, os pressupostos em que assentou a invocação da nulidade da sentença foram afirmados exclusivamente na ocorrência de abuso do direito por parte do A..
Ou seja, de acordo com a Ré, tendo-se o A. disponibilizado para fazer a consulta dos documentos na sede social da empresa, sendo ROC, sabendo que tais documentos se encontravam nesse local, e face à legítima expetativa criada à Ré pela sua postura anterior, constitui abuso do direito a pretensão de anulação das deliberações fundada na falta de acesso à documentação.
O que estará em causa será então uma decisão errada – por o juiz ter decidido mal (substancialmente mal) – e não uma decisão formalmente irregular – por
Ø desrespeito das exigências de especificação dos fundamentos de facto e de direito [(alín. b)],
Ø os seus fundamentos estarem em oposição com o decidido, ser ambígua ou obscura, de forma a torna-la ininteligível [(alín. c)],
Ø o juiz ter apreciado questões que lhe estava vedado apreciar [(alín. d) – 2.ª parte],.
Do apoio normativo da Recorrente – recordando-se que não fez qualquer consubstanciação do vício, limitando-se a invocar os preceitos – sobra a questão de saber se, sendo o abuso do direito de conhecimento oficioso, a não pronúncia pelo tribunal recorrido fere a sentença de nulidade nos termos previstos no art. 615.º, n.º 1, d) do CPC por omissão de pronúncia.
Ora, a verdade é que, mesmo não lhe tendo sido suscitada a questão expressamente, o Sr. Juiz, segundo se compreende, pronunciou-se quanto a essa matéria quando exarou “Acresce que a invocação do vício resultante do incumprimento da parte final do n.º 1 do artigo 263.º do Código das Sociedades Comerciais não é abusiva, já que, por um lado, não foram enviados quaisquer documentos (art. 12.º e 16.º), por outro lado, o autor não consultou quaisquer documentos, nomeadamente relativos à prestação de contas (art.17.º) e, por último, o autor efetuou diligências, que resultam da carta mencionada no artigo 13.º, com vista a procurar consultar esta documentação” (negrito nosso).

Assim, deve ter-se como satisfeito o aludido dever de pronúncia quanto a uma eventual questão relacionada com o exercício abusivo do direito pelo A.
Contudo, ainda que assim não se entenda, a jurisprudência vem deixando claro que a oficiosidade quanto ao conhecimento do abuso do direito tem natureza mitigada, não podendo ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos, sendo que a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório, conjugado com o princípio da preclusão que resulta do artigo 489.º, n.º 1, do C.P.C., sendo sempre necessário que esteja demonstrada a respetiva factualidade para que o mesmo possa ser apreciado [cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 28 de novembro de 2013 (proc. n.º 161/09.3TBGDM.P2.S1) e de 23.10.2014 (proc. n.º 5567/06.7TVLSB.L2.S1) já mencionados nos autos].
A recorrente – que na instrução do processo não invocou a exceção em causa –, para sustentar em sede de recurso a sua verificação parte dos seguintes pressupostos:
i)  a convocatória para a assembleia geral foi recebida no dia 15.03.2022, tendo este remetido resposta apenas no dia 22.03.2022 a solicitar o envio ou, em alternativa, a consulta dos documentos na sede social
ii) Na referida carta/resposta, o recorrido disponibiliza-se para fazer a consulta dos documentos na sede social, na impossibilidade de estes lhe serem enviados.
iii) Enquanto ROC, o recorrido sabia que podia e devia fazer a consulta dos documentos na sede social, tendo-o demonstrado quando se disponibilizou para fazer essa mesma consulta.
iv) Resulta do ponto 18. dos factos provados que os documentos estiveram disponíveis na sede social desde data próxima à realização da assembleia geral até data posterior à realização da mesma, e dos factos não provados que a ré não tenha disponibilizados esses documentos.
v) Resulta do depoimento da testemunha BB e do próprio recorrido, que o mesmo aconselhava os registos contabilísticos e consultava habitualmente os documentos no escritório do contabilista, prática que manteve pelo menos até 2020, sendo, portanto, legítima a expectativa da ré de que recebida a convocatório este efetuasse a consulta.

A primeira menção que se impõe é precisamente quanto a este último pressuposto e no sentido de lhe excluir qualquer valia.
Com efeito, em momento algum foi alegado que o A. aconselhava os registos contabilísticos e consultava habitualmente os documentos no escritório do contabilista, prática que manteve pelo menos até 2020, criando na Ré a legítima a expectativa de que recebida a convocatório efetuasse a consulta dos documentos.
Certamente por isso, tal facto não foi considerado na decisão recorrida como provado (nem não provado), pelo que o Sr. Juiz não o podia levar em consideração na subsunção dos factos ao direito e, consequentemente, ter presente, com tal suporte, a legítima expetativa da Ré em como o A., de motu proprio, fosse consultar a documentação.
E, por maioria de razão, este tribunal também não o pode considerar, desde logo porque a recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, conformando-se com a mesma e aceitando-a como corretamente julgada e bastante para o dirimir do litígio.

Restam, assim, como únicos factos relevantes: a circunstância de “todos os documentos de suporte da contabilidade da ré, em data próxima à da assembleia em causa nos autos, terem sido levados do escritório do contabilista para a sede da ré e aí permaneceram desde, pelo menos, a convocatória até data posterior à da realização da assembleia” (facto provado 18), e de “na carta remetida pelo A. à Ré em 22.03.2022, o mesmo se ter disponibilizado para, no caso de não ser possível a remessa da documentação, fazer a consulta e exame na sede da Ré, solicitando que nesse caso fosse informado do dia e hora para esse efeito” (facto provado 13).

Tais factos apresentam-se como insuficientes para demonstrar que o proveito jurídico que o A. pretende obter (a invalidação das deliberações da assembleia) derivem de responsabilidade própria, ou a que tenha dado causa.

Ao contrário, aquilo que vemos é uma postura responsável e adequada, comunicando a necessidade de ter conhecimento prévio da documentação e disponibilizando-se para, no caso de não ser possível o envio, ele próprio se deslocar à sede da empresa, em data e hora que lhe fosse indicada, para, acompanhado de técnico, proceder à respetiva consulta e exame.

Acresce que remeteu essa comunicação em tempo oportuno à Ré (22.03.2022), 8 dias antes da data designada para a assembleia, cuja entrega se frustrou dois dias depois (a 24 de março de 2022) por ninguém ter atendido, sendo que nos dias úteis subsequentes que antecederam a assembleia - 25, 28, 29, 30 e 31 de março de 2022 – a Ré não procedeu ao levantamento da carta.

Crê-se ser por demais evidente carecer de suporte fático a invocada legítima expetativa da Ré no sentido de esperar que fosse o A. a deslocar-se à empresa para aceder à documentação ou aproveitar, contra este, a disponibilidade manifestada, quando é a Ré que se mantém encerrada no período de entrega de correspondência e não procede ao seu levantamento nos dias úteis seguintes, parecendo, nestas circunstâncias, ser antes de admitir que, se o A. tivesse tentado efetuar a deslocação para que se disponibilizou (apenas no caso de não ser possível enviarem-lhe os documentos), à semelhança da carta, teria visto obstaculizado esse propósito.

Do exposto decorre que, perante a factualidade dada como provada, a não evidenciar o abuso do direito, não tinha o Sr. Juiz o dever de conhecer oficiosamente dessa exceção apenas esgrimida em sede de recurso e, consequentemente, não padecer a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, ou por qualquer outro dos fundamentos normativos invocados.

B – Da extemporaneidade do pedido por ter sido excedido o prazo previsto no art. 59.º, n.º 2 do CSC.
Em sede de recurso a Ré sustentou que, tratando-se de um vício relativo à convocatória da assembleia, e tendo o A. recebido a convocatória no dia 15.03.2022, a ação intentada no dia 29.04.2022 é extemporânea, por ter sido apresentada depois de decorrido o prazo de 30 dias previsto no art. 59.º, n.º 2 do CSC.

É a seguinte a redação do art. 59.º na parte que aqui releva


Artigo 59.º

(Ação de anulação)


1- A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
2 - O prazo para a proposição da ação de anulação é de 30 dias contados a partir:
a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;
c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória.



O citado normativo fixa, no seu n.º 2, um prazo de caducidade[4], “cujo fundamento repousa em razões objectivas de certeza jurídica, independentemente da negligência ou inércia do titular do direito, com o fim de garantir que, dentro desse prazo, as situações jurídicas a ele sujeitas se encontrem definidas. É, pois, assim que o instituto da caducidade satisfaz as exigências de segurança jurídica reclamada pela própria natureza objectiva das situações que visa prover, como sucede, com particular incidência, no domínio dos direitos potestativos em que se inscreve, precisamente, o direito de arguir a anulabilidade” (cfr. acórdão do TRL de 19.02.2013 (proc. 843/12.2TYLSB.L1-7).
Por outro lado, decorre do art. 333.º do Código Civil que a caducidade só é de conhecimento oficioso quando for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, tendo, nos casos restantes, de ser invocada pela parte a quem aproveita.
Assim, sendo manifesto que a questão em apreço não se insere em matéria de direitos indisponíveis, incumbia à Ré a invocação dessa exceção.
Ocorre que a Ré não o fez aquando da apresentação da contestação, tendo, por conseguinte, precludido o direito de defesa respetivo (art. 573.º do CPC).
Assim, por se tratar de matéria cuja apreciação estava dependente de arguição pela Ré aquando da contestação, e não o tendo esta feito nesse momento processual, a questão em apreço não pode ser suscitada e apreciada em sede de recurso, pelo que não se toma conhecimento da mesma.

C – Da validade das deliberações
Na decisão recorrida, dando procedência ao pedido subsidiário efetuado pelo A., considerou-se, nos termos do artigo 58.º, n. 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, ser anulável a deliberação tomada em assembleia geral em cujo aviso convocatório não conste que o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas estavam patentes aos sócios, na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que a convocatória foi expedida, como imposto pelo artigo 263.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Divergindo da sentença, a Ré sustentou estar em causa um vício decorrente do processo de convocatória da assembleia e não de um vício de conteúdo das deliberações, não devendo ser incluída nos elementos mínimos obrigatórios a aposição do aviso do art. 263.º, n.º 1 na convocatória remetida ao sócio, nem a lei cominando qualquer sanção para a falta do mesmo, pelo que devem considerar-se válidas as deliberações tomadas.
A matéria das invalidades das deliberações dos sócios encontra-se abundantemente tratada pela doutrina e pela jurisprudência, o que nos dispensa, em cumprimento, aliás, do dever imposto pelo art. 131.º, n.º 1, do CPC, efetuar aqui uma apreciação exaustiva a esse propósito, pelo que nos limitaremos a uma referência sintética e na estrita medida do necessário à fundamentação da decisão.
O Código das Sociedades Comerciais categoriza os vícios que podem afetar a deliberação em nulidade, anulabilidade e ineficácia, esta última praticamente limitada ao art. 55.º do CSC.
A nulidade, para além de outras disposições de caráter geral, como o art. 69.º, n.º 3, apenas pode decorrer das situações tipificadas no art. 56.º.
Não sendo o caso, de acordo com o disposto no art. 58.º, n.º 1, alínea a), são anuláveis as deliberações que “Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade”.
A nossa lei acolheu assim para a anulabilidade um critério residual[5] – se não for nula, a deliberação é anulável, desde que viole disposição legal ou do contrato de sociedade –, acrescentando como causas de anulabilidade também a obtenção de vantagens ilegítimas [(58.º, 1, alínea b)] e o não fornecimento prévio de elementos mínimos de informação [(58.º, n.º 1, alínea c)].
Assim, para efeitos do disposto no art. 58.º, n.º 1, a) do CSC, excluída que esteja a nulidade do vício, o que importa aferir é se há ou não violação da lei ou do pacto social.
Deixaremos de lado, por não relevar para o caso subjudice, a violação do contrato de sociedade.
Os artigos 248.º e 377.º regulam a forma de convocação das assembleias gerais das sociedades por quotas e das sociedades anónimas, respetivamente.
Por outro lado, no art. 263.º, n.º 1 do CSC, no que concerne à assembleia para apreciação anual da situação da sociedade, como é o caso, determina-se que o “relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, nas condições previstas no artigo 214.º, n.º 4, na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida a convocação para a assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocação”.

No entender da recorrente, não exigindo os artigos 248.º e 377.º do CSC qualquer referência ao aludido aviso, na falta dele, as deliberações, serão válidas, afirmando ainda ser esse o entendimento assumido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17.12.2020, proferido no processo n.º 2212/19.4T8VS.G1.

Afigura-se-nos como manifesto que a razão não se encontra do lado da recorrente.
No art. 263.º, n.º 1 do CSC consignam-se duas imposições que se prendem genericamente com o direito à informação por parte dos sócios:
i) que o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas fiquem, a partir da expedição da convocatória, disponíveis na sede da empresa e durante as horas de expediente
ii) que a convocatória para a assembleia contenha o aviso desse facto.

Ambas as imposições se apresentam como relevantes; pela primeira assegura-se o acesso efetivo do sócio ao relatório de gestão e aos documentos de prestação de contas e pela segunda, pressupondo que nem todos tenham conhecimento rigoroso quanto às exigências colocadas à empresa nesse domínio, informam-se os sócios quanto a essa disponibilidade, não sendo percetível qualquer fundamento para desvalorizar ou não dar relevo a esta última.

Do que se trata é ainda de uma violação de uma disposição legal que pretende regular o exercício do direito de informação dos sócios, sendo que o art. 377.º do CSC não esgota os requisitos mínimos da validade da convocatória, havendo que atender a outras normas do CSC, designadamente o aludido 263.º.

A este propósito Pinto Furtado enuncia um conjunto de preceitos dispersos pelo CSC que contêm referências ao que deve constar dos avisos convocatórios, interrogando-se se a violação dessas regras, todas, ou pelo menos algumas, conduzirão à anulabilidade da respetiva deliberação, acabando por responder que em todos eles “está presente a ideia de necessidade das menções, e, por conseguinte, a da invalidade - sancionável, quando se não imponha a nulidade, com a regra da anulabilidade, e não a de simples irregularidade que deixe intocável a existência e validade da deliberação respetiva” (cfr. Deliberações dos Sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, págs. 411 a 413).

Tal como se decidiu no Ac. do TRP de 21.12.1993 (C.J., 1993, 5.º, pág. 246), citado na decisão recorrida[6], “É anulável nos termos do art. 58.º, n.º 1, alínea a) do Cód. Soc. Com. a deliberação tomada em assembleia geral de cujo aviso convocatório não conste que o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas estavam patentes aos sócios, na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que a convocatória foi expedida”.

Impõe-se uma última nota que se prende com a invocação pela recorrente da decisão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 17.12.2020, proferido no processo n.º 2212/19.4T8VS.G1, no sentido por si defendido.

Essa invocação deve-se certamente a mero lapso, porquanto o que estava em causa nesse aresto era, tão só, a questão de saber se a deliberação não tinha sido precedida dos elementos mínimos de informação, consubstanciando um vício de procedimento decorrente da violação da lei, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 58º, não se tendo pronunciado quanto à falta de indicação no aviso referido no art. 263.º para efeitos de fundamentar ou excluir a anulabilidade nos termos do art. 58.º, n.º 1, a).

Do exposto resulta que, tratando-se de assembleia para apreciação anual da situação da sociedade, não tendo sido mencionado na convocatória o aviso a que se refere o art. 263.º, n.º 1, parte final, do CSC, são inválidas as deliberações aí tomadas (art. 58.º, n.º 1 do mesmo diploma legal), pelo que improcede o apelo.


Sumário[7]:
(…).

                                                                    *

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

                                                                      *

Custas pela recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                     *

Coimbra, 21 de novembro de 2023


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(Paulo Correia)

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(Maria João Areias)


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(Arlindo Oliveira)



[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Maria João Areias e Arlindo Oliveira
[2] - Por todos o acórdão STJ, de 9.4.2019 (processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1.)
[3] - Cfr. o acórdão STJ de 17.10.2017 (processo. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1).
[4] - A este propósito, Luís Brito Correia, Direito Comercial – Deliberações Sociais, Vol. III,, 1997, pág. 281.
[5] - Manuel Carneiro da Frada e Paulo Olavo Cunha, divergindo da categorização “residual”, consideram que o art. 58.º do CSC se apresenta como uma cláusula geral que fornece o quadro-regra das invalidades em matéria de deliberações (Deliberações sociais inválidas, em Novas perspectivas do direito comercial, 1988, pág. 320 e Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 3.ª edição, pág. 635, respetivamente)
[6] - Da exaustiva consulta efetuada foi o único encontrado a propósito da especificidade da questão em apreço.
[7] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).