Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
56/23.8GDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PREVENÇÃO GERAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
PENAS CONCRETAS
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 47.º, N.º 1, 69.º, 70.º E 71.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – A elevada sinistralidade estradal, a par da dimensão que o crime de condução sob influência do álcool assume na criminalidade rodoviária, determinam fortíssimas exigências de prevenção geral relativamente a condutas susceptíveis de fazer perigar a segurança da circulação rodoviária.

II – Essas exigências de prevenção transparecem claramente dos Relatórios Anuais de Segurança Interna. O Relatório de 2021 dá conta de 15.390 participações por crimes de condução de veículos rodoviários com uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l, traduzindo um incremento de 12,4% relativamente ao ano anterior. Já o relatório respeitante a 2022 aponta para 22.071 participações, o que corresponde a um aumento de 43,4% relativamente a 2021.

III – Estes números fornecem apenas uma pálida imagem da realidade nacional no que a este domínio da criminalidade estradal respeita, revelando apenas as situações detectadas entre os condutores que foram objecto de fiscalização, sendo possível intuir que o número de situações não detectadas será considerável.

IV – O critério apontado pela jurisprudência remete para a prevenção geral a determinação duma moldura de prevenção cujo mínimo deve corresponder às exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

V – Assim, do ponto de vista da dosimetria penal e em função do critério apontado, neste particular momento histórico o mínimo admissível de pena – aquele mínimo capaz de garantir a confiança comunitária na validade da norma violada e de desempenhar simultaneamente uma função dissuasora para terceiros – deverá afastar-se da função quase simbólica cometida aos mínimos legais, para entrar no domínio da efectiva advertência, elevando o patamar inferior da moldura a considerar para um ponto significativamente mais elevado.

VI – Consequentemente, a simples circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais registados, só por si, não justifica a fixação quer da pena principal, quer da pena acessória, no patamar correspondente ao mínimo legalmente previsto para cada uma dessas penas.


Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:

Relator: Jorge Jacob
1.ª Adjunta: Helena lamas
2.ª Adjunta: Maria de Fátima Sanches Calvo

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

… foi proferida sentença …:

            «… decidindo:

            A) Julgo a acusação deduzida contra o arguido … procedente por provada e, em consequência, condeno-o como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º do Código Penal, na pena de 90 ( noventa ) dias de multa à razão diária de €7,00 euros.

            B) Condeno o arguido na proibição de conduzir veículos automóveis por um período de 5 [ cinco ] meses.

            (…)»

           

Recorre o arguido … formulando as seguintes conclusões:

III. Considera o ora Recorrente que a Sentença sob Recurso enferma de erro notório na apreciação crítica da pena principal e da pena acessória aplicada …

IV. A Sentença recorrida viola os artigos 40.º, n.º 2 do 47.º, 71.º, 72.º e 80.º, todos do CP, bem como, os princípios da adequação e proporcionalidade, transversais a todo o Direito Penal e Direito Processual Penal.

V. O Tribunal a quo não interpretou de forma correta o disposto nos referidos artigos, ao escolher e determinar concretamente a pena principal e ao determinar a pena acessória, por se considerarem as mesmas excessivas, desadequadas e desproporcionais, tendo em conta o facto de o Recorrente estar bem inserido familiar, social e profissionalmente.

VI. O Recorrente fez a sua confissão livre, integral e sem reservas na audiência de Discussão e Julgamento.

X. Face aos critérios apontados pelos artigos 40.º e 71.º, ambos do CP, concluímos que as circunstâncias atenuantes se sobrepõem às circunstâncias agravantes.

XI. O Tribunal a quo deveria, assim, ter atenuado especialmente a pena, nos termos do artigo 72.º do CP, por existirem circunstâncias que possibilitam tal atenuação, tais como o Recorrente ser primário e integrado na sociedade.

XII. Atentos os limites mínimos e máximos da pena a aplicar definidos pelo n.º 1 do artigo 47.º e pelo n.º 1 do artigo 292.º do CP, bem como as circunstâncias atendíveis na determinação da medida concreta da pena, já referidas supra, não deveria o Tribunal a quo ter-se afastado do mínimo legal, sendo a pena de multa de 90 (noventa) dias excessiva.

XIII. … a taxa de que o Arguido, ora Recorrente, era portador não era excessivamente alta, o que, aliado às restantes circunstâncias referidas, bem como, a confissão integral e sem reservas, implicam, ainda assim, que a pena de multa a aplicar pouco se afastasse do limite mínimo de 10 dias.

XIV. Fixando, no limite, uma pena de 40 (quarenta) dias de multa, o que se revelaria justo e adequado.

XV. Ademais, referir que não obstante a necessidade de assegurar que as penas cumpram os seus fins primários de prevenção geral e especial, a execução das mesmas não pode pôr em causa direitos fundamentais do ora Recorrente.

XVI. No caso sub judice a aplicação da referida sanção acessória de inibição de conduzir afetará sobremaneira o Recorrente no seu quotidiano e no seu trabalho, por ser esta a única forma de se deslocar.

XIX. Destarte, somos do entendimento que, tendo em consideração que o Recorrente é primário, é uma pessoa honesta e bastante cumpridora das suas obrigações, três meses a título de pena acessória, nos termos do disposto no art.69.º, n.º 1 do CP, são suficientes perante a proteção do bem jurídico e a ressocialização do Recorrente.

            O M.P., na sua resposta, concluiu …

            9º - … a sentença recorrida não violou nenhum princípio … nem nenhuma norma legal …

Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …

Aferindo-se o âmbito do recurso pelas conclusões formuladas na motivação, segue-se que no caso vertente há que conhecer do seguinte:

2 – Violação dos princípios da adequação e proporcionalidade, e do princípio da necessidade, enquanto reflexo do princípio da proibição do excesso;

3 – Atenuação especial da pena.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

            1. No dia 18 de Fevereiro de 2023, cerca das 04h20, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., cor preta e matrícula ..-PD-.., de sua propriedade, na ER ...49, em ....

            2. Fiscalizado pela GNR ... e sujeito a teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado pelas 04h29 do mesmo dia, foi possível apurar um resultado de 1,50g/l de álcool no sangue.

            3. O arguido conhecia a natureza do veículo que conduzia e da via onde circulava.

            4. O arguido sabia que a quantidade de bebidas com teor alcoólico que havia ingerido antes do exercício da condução do referido veículo lhe determinava necessariamente uma TAS igual ou superior a 1,20g/l e que, por tal motivo, não podia conduzir veículos na via pública.

            5. Não obstante, o arguido não se absteve de conduzir o referido veículo nas circunstâncias descritas, o que quis e concretizou.

            6. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

            7. O arguido não foi interveniente em acidente de viação.

            8. O arguido não possui nenhum averbamento no RIC.

            9. O arguido não possui antecedentes criminais registados.

            10. É empregado de balcão e declara auferir salário mínimo nacional.

           


***

           

            Vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente:

            …

            O crime de condução em estado de embriaguez, previsto pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com a pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.

            Tendo-lhe sido imposta em primeira instância uma pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), insurge-se o recorrente, sustentando que esta foi fixada em medida excessiva.

            Conforme resulta do art. 70º do Código Penal, sendo aplicável ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, haverá que dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Retenha-se que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação [1], escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

            O tribunal optou pela pena de multa equacionando as razões de prevenção atinentes ao caso.

            O passo seguinte, autónomo relativamente à escolha da pena, consistia na respectiva graduação.

            Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal [2],  o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, postulando o recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados – a culpa do agente e as exigências de prevenção – com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele, tendo-se presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2).

            A jurisprudência dos tribunais superiores tem explicitado detalhadamente este critério legal, sendo pacífico o entendimento de que a concretização da pena deverá assentar numa valoração jurídico-penal que tome em consideração a culpa do agente, a que cabe a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; a prevenção geral (dita de integração), que fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e no mínimo, pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e a prevenção especial, cabendo a esta a função de encontrar o quantum da pena dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização [3]. Através deste percurso não se obtém uma medida exacta da pena, mas uma estreita faixa penal dentro da qual a concretização se fará por recurso às circunstâncias do caso concreto e aos ensinamentos da jurisprudência. Consequentemente, a função do tribunal superior na fiscalização da medida da pena não é tanto a de verificar se o seu quantum é exactamente o correcto, mas se a concretização está fundamentada e se contém dentro da faixa penal que o próprio tribunal de recurso utilizaria no caso concreto. No caso afirmativo, a pena tem-se por adequada e não deve sofrer alteração. De outro modo, deverá ser corrigida, salvo se for de entender que deveria ter sido mais gravosa e não tiver havido recurso visando o seu agravamento, caso em que permanecerá inalterada por força da proibição da reformatio in pejus.

            … [4] ; … [5].

            A graduação da culpa, melhor dizendo, a determinação do grau de culpa do agente que constituirá, por exigência legal, o limite máximo e intransponível da pena que ao caso couber, faz-se pela ponderação de todos os elementos que na culpa se reflectem, que são precisamente as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as exemplificativamente enumeradas nas várias alíneas do nº 2 do art. 71º do Código Penal  [6].

            Desde logo, há que ponderar o grau de ilicitude do facto, indissociavelmente ligado à culpa, que se afere pelo resultado da acção ou pelas suas consequências. Sabido que estamos perante um crime de perigo abstracto, o preenchimento do tipo de ilícito basta-se com o exercício da condução com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l e o grau de ilicitude variará, para além do mais, em função da TAS concretamente verificada.

            Provou-se que o arguido, ao ser fiscalizado, apresentava uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,50g/l, valor muito superior ao limite que separa a conduta meramente contra-ordenacional da conduta criminalmente relevante. O perigo representado por um condutor com semelhante taxa de alcoolemia é significativamente incrementado, sendo a resposta a estímulos externos tanto mais afectada quanto maior a quantidade de álcool no sangue. Quantitativos da grandeza daquele a que nos reportamos implicam já alterações comportamentais, como diminuição da capacidade de reacção, perda de equilíbrio, dificuldade no cálculo das distâncias, sonolência, menor percepção do risco associado a manobras perigosas, etc. Nesta medida, o grau de ilicitude não poderá deixar de considerar-se como elevado.

            Concomitantemente, revela-se um elevado grau de violação dos deveres impostos ao agente enquanto condutor.

            Há que convir, por outro lado, que o arguido actuou dolosamente, pois não podia desconhecer, face à taxa de álcool no sangue que apresentou no momento em que foi fiscalizado, que se encontrava alcoolizado, sabendo não poder exercer a condução nesse estado, tendo, apesar de tudo, optado por conduzir um veículo automóvel. O dolo desta actuação reveste a mais gravosa das modalidades reconhecidas na lei, ou seja, a de dolo directo, aliás, de intensidade elevada.

            Relevam ainda as condições pessoais do agente e a sua situação económica, esta última essencialmente na determinação do quantitativo diário da multa.

O Recorrente alega em seu beneficio a confissão livre, integral e sem reservas na audiência de discussão e julgamento. Não obstante, tratou-se da confissão do óbvio, dadas as circunstâncias em que o arguido foi fiscalizado, não assumindo foros de circunstância atenuante. Para essa finalidade valem apenas as confissões especialmente úteis para que se alcance a verdade material e o conhecimento dos factos.

            O mínimo de pena admissível, já o dissemos, decorre das exigências de prevenção geral, visto que a garantia da manutenção da confiança da comunidade na validade da norma [7] e a dissuasão de potenciais infractores exige um mínimo de punição [8], variável em função do contexto e do momento histórico, capaz de satisfazer aquela dupla função.

            A elevada sinistralidade estradal, a par da dimensão que o crime de condução sob influência do álcool assume na criminalidade rodoviária, determinam fortíssimas exigências de prevenção geral para condutas como a descrita nos autos, susceptíveis de fazer perigar a segurança da circulação rodoviária. O Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 dá conta de 15.390 participações por crimes de condução de veículos rodoviários com uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l, o que se traduz num incremento 12,4% relativamente ao ano anterior no que concerne a este tipo de criminalidade. Já o relatório respeitante a 2022 aponta para 22.071participações, o que corresponde a um aumento de 43,4% relativamente a 2021.

            Dadas as limitações inerentes à detecção deste tipo de crime, decorrentes, desde logo, da escassez dos meios disponíveis e da impossibilidade de fiscalizar em permanência todos os condutores que circulam pelas estradas portuguesas, estes números fornecem apenas uma pálida imagem da realidade nacional no que a este domínio da criminalidade estradal respeita.

            Significa isto, do ponto de vista da dosimetria penal e em função do critério apontado, que neste particular momento histórico o mínimo admissível de pena – aquele mínimo capaz de garantir a confiança comunitária na validade da norma violada e de desempenhar simultaneamente uma função dissuasora para terceiros – deverá afastar-se da função quase simbólica cometida aos mínimos legais, para entrar no domínio da efectiva advertência, elevando o patamar inferior da moldura a considerar para um ponto significativamente mais elevado.

            Por seu turno, a prevenção especial, respeitante ao próprio arguido, acumula uma função de ressocialização do delinquente a uma outra, de dissuasão da prática de futuros crimes [9]. Intervém na graduação da pena, funcionando entre o mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral e o máximo consentido pela culpa como factor de determinação do quantum  [10] de pena necessário à ressocialização (entendida como adesão do agente aos valores comunitariamente postergados) e à prevenção da reincidência (que se atinge através duma pena doseada em moldes de representar um sacrifício de tal forma penoso que o agente não quererá repetir).

            No caso, não há especiais razões de prevenção especial a acautelar, posto não serem conhecidos antecedentes criminais ao arguido e ora recorrente.

            Valoradas as demais circunstâncias apuradas, nomeadamente, as referentes às condições pessoais do recorrente, conclui-se que a graduação da pena em 90 dias de multa é ajustada,

            A taxa diária, fixada em €7,00 (sete euros), pouco acima do mínimo legalmente admissível, não merece censura. A jurisprudência vem considerando que os valores mais próximos do mínimo legal apenas devem ser adoptados em situações de grande carência económica, a raiar a indigência.

            A atenuação especial da pena pretendida pelo recorrente não encontra eco nas circunstâncias do caso, posto que nenhum dos correspondentes pressupostos se verifica. Na verdade, fora dos casos de atenuação especial expressamente previstos, esta só é admissível se existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apontando a lei, a título exemplificativo, ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência, ter a sua conduta sido determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida, ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados, ou ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta (cfr. o art. 72º). Trata-se de um instituto que visa fundamentalmente dar resposta àquelas situações em que a aplicação do critério legal da determinação da medida da pena dentro dos limites previstos na lei conduz a um resultado percepcionável como injusto face às circunstâncias do caso e que reclama, portanto, um tratamento especial, que será encontrado através de uma moldura penal inferior à moldura-padrão prevista para o tipo legal de crime, precisamente a que resulta da atenuação especial. Em causa estarão fundamentalmente aquelas situações cujo quadro atenuativo demonstrado induz uma redução da culpa em grau tão elevado que se tivessem sido especialmente previstas pelo legislador teriam encontrado resposta numa moldura penal inferior à prevista para o tipo. Não é esse o caso dos autos, não tendo os argumentos esgrimidos pelo recorrente a virtualidade de conduzir a uma atenuação especial por em nada colidirem com o regime-regra. A confissão ou a ausência de antecedentes fazem parte daquele conjunto de circunstâncias livremente valoráveis dentro da moldura penal, contribuindo para a fixação do quantum exacto de pena e a sua consideração não reclama, regra geral, qualquer tratamento de natureza especial que não possa resultar da aplicação do regime normal de determinação da pena concreta dentro dos limites fixados no tipo legal de crime.

            Vejamos agora a medida da pena acessória, fixada em 5 (cinco) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

            Às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal [11]. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, estando dependente da pena principal, tem a sua razão de ser na perigosidade real que representa a condução em estado de embriaguez para a integridade física ou mesmo para a própria vida de todos aqueles que circulam nas estradas. Esta pena, com previsão no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, foi introduzida fruto de necessidades político-criminais decorrentes da elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa  [12]. Na sua determinação aplicam-se os mesmos critérios previstos para a fixação da pena principal, já que de uma verdadeira pena se trata, dotada de moldura penal própria, dentro da qual o tribunal tem que determinar casuisticamente a pena concreta em obediência ao disposto no já citado artigo 71º do Código Penal.

            Ora, replicando o critério que detalhadamente expusemos, reclamando a elevada sinistralidade estradal fortíssimas exigências de prevenção geral relativamente a condutas como a descrita nos autos, susceptíveis de fazer perigar a segurança da circulação rodoviária, na sua vertente de garantia da manutenção da confiança da comunidade na validade da norma, como na de dissuasão de potenciais infractores, exige uma pena acessória que se afaste da função quase simbólica cometida aos mínimos legais. Assim, em função da imagem global do facto e dentro da moldura abstracta legalmente prevista para a pena acessória, que é a de 3 meses a 3 anos, a sua concretização em 5 meses de proibição de condução de veículos com motor, muito próxima do limite mínimo legalmente previsto, é perfeitamente ajustada em função da ausência de antecedentes criminais, não merecendo qualquer censura.

            Uma palavra final para referir que a sentença recorrida de modo algum violou os princípios da adequação, da proporcionalidade ou da necessidade. O enquadramento que se referiu esclarece sem margem para dúvidas a adequação da pena de multa encontrada, a sua proporcionalidade relativamente à medida da culpa e às exigências preventivas que ao caso cabem face ao perigo representado pela conduta assumida pelo recorrente e a necessidade, tanto da pena principal com da pena acessória, como modo de preservação da validade dos dispositivos legais afrontados pela conduta ilícita, assegurando a permanência do seu carácter preventivo e a validade e eficácia da norma aos olhos da comunidade jurídica.

III – DISPOSITIVO:

            Nos termos apontados, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

            Condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC.


*

                                                                                   Coimbra, 25 de Outubro de 2023

                                    (texto processado e revisto pelo relator e assinado eletronicamente)

                                      

                                                          





[1] - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 331.
[2] - …
[3] - Cfr. entre muitos outros, o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss.
[4] - …
[5] - …
[6] - Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, in Jornadas de Direito Criminal, pág. 273/274.
[7] - Ou seja, a sua eficácia para salvaguardar os bens jurídicos que tutela.
[8]  - Assim se revelam as duas vertentes da prevenção geral: uma vertente de prevenção geral positiva, de integração ou de socialização, vocacionada para permitir a interiorização ou aprofundamento dos bens jurídico-penais; e uma vertente de prevenção geral negativa ou de dissuasão. Sobre o tema, cfr. Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal - Parte Geral, págs 63-69.
[9] - Evidenciando também duas vertentes distintas, uma de prevenção especial positiva e uma outra de prevenção especial negativa.
[10] - Sobre a relação da prevenção especial com o quantum da pena, cfr. Anabela Miranda Rodigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena Privativa de Liberdade, in Problemas Fundamentais de Direito Penal - Homenagem a Claus Roxin, pág. 206.
[11] - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 181.
[12] - Idem, pág. 165.