Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/17.3GAMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA
INÍCIO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 113.º, N.º 10, E 333.º, N.ºS 2, 3, 5 E 6 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – No caso de o arguido não ter estado presente em qualquer das sessões da audiência, ele tem de ser notificado da sentença condenatória por contacto pessoal e o prazo para interposição de recurso por parte do arguido não se inicia antes de efectuada aquela notificação.

II – As notificações por contacto pessoal são executadas por funcionário de justiça ou agente policial, cara a cara com o notificando, a quem é entregue a carta ou aviso, e não pelo serviço postal.

III – A forma de assegurar a regularidade de notificação pessoal de arguido no estrangeiro passa necessariamente pela expedição de carta rogatória, com accionamento dos mecanismos da cooperação judiciária internacional.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Cristina Branco
1.ª Adjunta: Ana Carolina Cardoso
2.ª Adjunta: Isabel Valongo

*

1. , …, não se conformando com a sentença que o condenou, …, veio dela interpor o presente recurso.

2. Efectuado o exame preliminar, pela juíza desembargadora relatora foi decidido «não tomar conhecimento do recurso interposto, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido, …, não se mostrar ainda notificado da sentença condenatória proferida nos autos», proferindo decisão sumária, … a qual tem o seguinte teor (transcrição):

«I. Relatório
1. …, foi submetido a julgamento, realizado na sua ausência, o arguido , tendo, por sentença de 29-11-2021, sido decidido, para além do mais:

«a) Condenar o arguido … como autor material de um (01) crime de furto, …
- condeno o demandado civil … no pagamento ao demandante civil … a título de compensação pecuniária dos danos patrimoniais sofridos, do montante de €1.379,89 …
2. Inconformado com esta decisão, em 11-01-2022 o arguido, representado pela sua Ilustre defensora, interpôs o presente recurso, …
3. Admitido o recurso por despacho de 22-03-2023, respondeu o Ministério Público …

                  II. Fundamentação

Conforme já referido em sede de exame preliminar, existe circunstância que obsta ao conhecimento do recurso.

Vejamos porquê.

                 

                  …


…, a audiência de discussão e julgamento teve lugar na ausência do arguido … e da sentença proferida apenas foi notificada a sua Ilustre defensora, não tendo até à presente data sido efectuada a notificação pessoal desse arguido …
Ora, de acordo com o disposto nos arts. 113.º, n.º 10, e 333.º, n.º 5[1], ambos do CPP, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 deste último preceito, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este tem de ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para interposição de recurso por parte do mesmo antes de efectuada tal notificação.
Esta prescrição tornou-se ainda mais clara com a introdução, através da Lei n.º 26/2010, de 30-08, do actual n.º 6 do art. 333.º do CP, …
Que essa notificação da sentença ao arguido tem de ser efectuada através de contacto pessoal parece ser afirmação incontroversa, em face do decidido nos acórdãos do TC n.ºs 312/05 e 422/05[2]; no acórdão do STJ de 18-09-2014[3]; nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2017, 09-11-2020 e 26-10-2021[4]; da Relação de Coimbra de 26-09-2007 e 22-10-2014 e nas decisões sumárias da mesma Relação de 06-02-2013 e de 15-05-2013[5]; da Relação do Porto de 02-06-2004, 21-02-2007, 20-02-2013, 24-02-2016, 23-11-2016, 08-02-2017, 11-01-2023 e 29-03-2023[6]; da Relação de Évora de 20-11-2012, 03-03-2015, 06-06-2017 e 22-06-2021[7]; e da Relação de Guimarães de 10-03-2003[8], 23-03-2009, 08-10-2012 e 17-03-2014[9].

Assim, tal como se lê na decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 08-02-2012[10], cujo entendimento acompanhamos,
«O que se pode questionar é se na eventualidade de o defensor/mandatário interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente, antes deste, da mesma, se mostrar notificado, deve aquele ser objecto de despacho de admissão e, sendo o caso, de apreciação pelo tribunal superior.
Com o devido respeito por opinião contrária [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 838], entendemos que não!
Como bem realça o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.03.2003 “Torna-se clara a ligação, ou imediação, que a lei faz entre a notificação do arguido e a possibilidade daí decorrente de interposição de recurso, dessa forma reagindo a uma decisão condenatória. Aquela define o momento a partir do qual o direito pode ser exercido.
E bem se compreende que assim seja, pois que, se fosse possível ao defensor do arguido logo dela recorrer, então a decisão condenatória poderia ser objecto de duas apreciações pelo Tribunal da Relação: uma por acção (…) do defensor do arguido, outra na decorrência da notificação que ao arguido fosse feita da decisão condenatória” – [cf. CJ, Ano XXVIII, T. II, pág. 289, vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2005, CJ., Ano XXX, T. IV, págs. 220/221].
No mesmo sentido se pronunciam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, quando referem “O termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, incluindo a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade” – [cf. “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, Coimbra Editora, págs. 832/833].
Também a propósito, foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2010 “… No caso de julgamento na ausência do arguido … (art. 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) … é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …” – [cf. proc. n.º 1349/06.4TBLSD.P1].»

             
Neste sentido se pronunciou igualmente o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 11-12-2008 (proferido no Proc. n.º 8876/2008-9) e nas decisões sumárias de 14-04-2011, de 19-03-2012 e de 05-04-2016 (proferidas, respectivamente, nos Procs. n.ºs 1187/08.0PJLSB.L1-9, 940/08.9TDLSB.L2-9 e 577/14.3PCSNT.L1-9), o Tribunal da Relação de Coimbra na decisão sumária de 21-03-2012 (proferida no Proc. n.º 83/08.5JAGRD.C1), o Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 08-05-2018 (proferido no Proc. n.º 86/17.9GBODM.E1) e o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 22-10-2012 (proferido no Proc. n.º 585/09.6GBVVD.G1)[11].

             
Interposto o recurso pelo arguido …, julgado na sua ausência, antes de o mesmo ser notificado da sentença condenatória, o mesmo foi prematuramente admitido, existindo circunstância que obsta ao seu conhecimento, sendo certo que, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 414.º do CPP, o despacho que o admitiu não vincula este Tribunal.


*

                  III. Decisão

Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso interposto, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido, …, não se mostrar ainda notificado da sentença condenatória proferida nos autos.

Sem tributação.»

3. Desta decisão veio o Ministério Público reclamar para a conferência, nos termos do art. 417.º, n.º 8, do CPP, nos seguintes termos (transcrição):

              «…
Sobre as tentativas de notificação após audiência, nela apenas se indica o seguinte:
“Em 02-12-2021, foi solicitada à PSP a notificação pessoal do arguido da sentença
condenatória, a qual não obteve êxito, tal como o não obtiveram as subsequentes diligências
no sentido de o localizar a proceder a essa notificação.
- Entretanto, em 11-01-2022, havia sido interposto o presente recurso, que veio a ser admitido por despacho de 22-03-2023.”
Todavia, nada se diz quanto à informação de 16/03/2023, respeitante ao envio de notificação e à indicação de “envio entregue” ao arguido, com base na qual considerou o Ministério Público que se deveria considerar aquele notificado da sentença, tal como veio a ser judicialmente considerado, previamente à admissão do recurso.
Não desconhecemos que a questão enunciada na decisão, com citação de plúrimas jurisprudência, é controversa e controvertida.
Mas não se desconhece o disposto no artigo 196º do código de processo penal, sobre os direitos e deveres decorrentes do termo de identidade e residência, máxime no nº 3, e das suas consequências.
Sobre um caso idêntico, reproduzimos aqui uma parte do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/02/2023 - processo 365/16.2PDCSC-A.L1-5 acesível em www.dgi.pt:
“(…) A questão a que importa responder é se o arguido/recorrente tinha ainda que ser notificado, por contacto pessoal, do teor da sentença condenatória.
Prescreve o nº 10 do art. 113º do Cód. Proc. Penal que …
Resulta do citado normativo que as decisões proferidas no âmbito de processo penal são notificadas ao defensor/mandatário que representa o arguido, o assistente e as partes civis e são notificadas, ainda, pessoalmente ao arguido, ao assistente e às partes civis as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à sentença, à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil.
Mas prescreve o nº 3 do art. 373º do Cód. Proc. Penal que “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.
Como compatibilizar estes dois normativos?
A larga maioria da doutrina e da jurisprudência defende a posição do despacho recorrido, ou seja, “no que respeita especificamente à notificação da sentença, temos que a lei distingue, claramente, duas situações – a da notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (artigo 333º, nº 5 do citado Código), e a da notificação de arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado (artigo 373º, nº 3 do mesmo Diploma).
Com efeito, só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo para o segundo a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (artigo 411º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal).
Na verdade, a apontada diferença de regimes é axiologicamente compreensível, na medida em que apenas nesta segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado, que o julgamento terminará inevitavelmente com a leitura da sentença, sentença da qual ele é, inexoravelmente, o primeiro interessado”.
Subscrevemos.
E aditamos: como se pode ler no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 6.06.2017 (Proc. 2015/10.1TDLSB.L1-5, pesquisado em www.dgsi.pt) “Como tem sido o entendimento maioritário da Doutrina e Jurisprudência o art.373, C.P.Penal constitui uma norma complementar do regime notificação previsto no art.113º, nº10, 333º, nº1 , 2, e 5, 334, nº2 e 4 , 332, nº 5 e 6, 325º, nº4 e 5, sendo aplicável nos, designadamente, quando o arguido esteve presente numa das sessões da audiência de julgamento, mas ausente na leitura de sentença, bem como quando consentiu na realização da audiência de julgamento na sua ausência, ou nos casos em que o arguido foi afastado ou se afastou da sala de audiências durante o julgamento de julgamento e não esteve presente na leitura da sentença e/ou o arguido foi dispensado estar presente na leitura de sentença e esteve presente no julgamento.
Todas estas situações pressupõem, obviamente, que a sentença tenha sido lida perante o defensor ou advogado. E, em todos eles o início do prazo para recurso corre desde a notificação ao defensor nomeado ou constituído.

Efetivamente tem sido ponderado o facto a impugnação da sentença/acórdão ser essencialmente uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor, pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso são asseguradas com a notificação da sentença/acórdão ao defensor constituído ou nomeado, desde que verificado o aludido pressuposto (aplicabilidade do disposto no art.373º, 3 do C.P.Penal nos moldes já referidos)”.
E precisamente porque a impugnação da sentença/acórdão é essencialmente uma decisão jurídica, que compete obrigatoriamente ao defensor, o art. 373º do Cód. Proc. Penal não impõe a informação do direito de recorrer e do respetivo prazo, como exige o art. 333º, n.º 6, todos do mesmo Código quando se refere à notificação do arguido. Não sabe o Advogado quando tem o direito de recorrer e qual o prazo para o efeito?
No sentido (propugnado) de que a notificação da sentença a arguido julgado na ausência (arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento – art. 333º, nº 5 do Cód. Proc. Penal) exige a notificação pessoal da sentença ao arguido “quando este se apresentar ou for detido” mas a notificação da sentença a arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado, é feita para todos os efeitos na pessoa do seu defensor presente à leitura da sentença (art. 373º, nº 3 do Cód. citado), e para além dos acórdãos citados no despacho recorrido, pode ler-se Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário Código de Processo Penal, em anotação ao art. 373º, p. 960 a 963); Oliveira Mendes (Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, em anotação ao art. 373º, p. 1117); e José Mouraz Lopes (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, em anotação ao art. 373º, p. 758).
Acrescentaremos que esta interpretação dada aos arts. 113º, nº 10, 335º, nº 5, e 373º, nº 3, do Cód. Proc. Penal não é inconstitucional, nem viola os arts. 12º, nº 1, 16º, nº 1, 1ª parte, 18º, 32º, nº 1, e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Em apoio desta tese veja-se o Acórdão nº 81/2012, do Tribunal Constitucional, datado de 09/02/2012 …
Voltando ao caso:
O arguido não esteve presente na audiência de julgamento de 25/11/2021, mas estava devidamente notificado e não justificou a falta.
E não esteve presente na sessão de 29/11/2021, data da leitura da sentença, estando presente a defensora.
Posteriormente, chegou aos autos a acima mencionada - informação de 16/03/2023, respeitante ao envio de notificação e à indicação de “envio entregue” ao arguido, com base na qual considerou o Ministério Público que se deveria considerar aquele notificado da sentença, tal como veio a ser judicialmente considerado, previamente à admissão do recurso, relativamente á qual nada se diz na decisão agora proferida.
Assim, se é certo que o arguido esteve ausente das duas sessões de julgamento, correspondendo a segunda à leitura da sentença, certo é que que estava devidamente notificado para comparecer ao julgamento, mas não compareceu, nem justificou a falta, sendo em todos os actos assistido por defensora, que da sentença foi notificada.

Por outro lado, o tribunal recorrido considerou que o arguido estava notificado da sentença pela dita informação/comprovativo de entrega de notificação, constante de fls. 757 dos autos.
Nesta conformidade, ao não considerar a dita informação - não resulta da decisão que tenha sido levada em conta -, este tribunal superior não conheceu de facto relevante e do qual tinha de conhecer, o que corresponde a nulidade por omissão de pronúncia.
Nesta conformidade, requer-se que a questão e o recurso sejam apreciados, discutidos e decididos em conferência


*

II. Fundamentação

A questão que se suscita na presente reclamação é a de saber se deve este Tribunal da Relação conhecer do recurso interposto pelo arguido, …, ou se não deve dele tomar conhecimento, por ser prematura a sua apreciação.

Vejamos.

A «omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertido quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.»[12].

Haverá, naturalmente, que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o art. 608.º, nº 2, do (N)CPC (Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06) e estabelecia anteriormente o art. 660.º, n.º 2 do CPC de 1961.

E entende-se por questão «o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão»[13].

«A omissão de pronúncia traduz-se num non liquet em relação ao objecto contestado, à questão ou situação colocada, legalmente relevante, e que, por isso, tem de ser expressamente decidida. Mas, como bem salientou o acórdão deste Supremo Tribunal de 23-05-2007 (Proc. n.º 1405/07 - 3.ª), a pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença (vício de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso) – deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos e razões alegadas.», lê-se no Acórdão do STJ de 15-10-2008, proferido no Proc. n.º 2864/08 - 3.ª[14].

In casu, a questão de saber se o recurso interposto pelo arguido … devia ser apreciado por este Tribunal, que oficiosamente se suscitou, foi analisada e decidida.

Tendo na decisão reclamada existido uma tomada de posição expressa sobre tal questão (independentemente de se referir expressamente ou não a determinados elementos processuais) e não uma «ausência de posição», não ocorre a apontada omissão.

De todo o modo, sempre se dirá que não deixou de se atentar na informação de fls.757 dos autos, datada de 16-03-2023, a que o reclamante alude.

Sucede que, como procurámos deixar claro na decisão sumária reclamada, tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência do arguido, que não esteve presente a qualquer das sessões da audiência, o mesmo tem de ser pessoalmente notificado da sentença condenatória, não bastando que dela tenha sido notificada a sua defensora, e o prazo para interposição de recurso por parte do arguido não se inicia antes de efectuada aquela notificação, que – repete-se – tem de ser efectuada através de contacto pessoal.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2023 (proferido no Proc. n.º 365/16.2PDCSC-A.L1-5), que vem citado pelo Digno reclamante – e com o qual concordamos em absoluto – em nada contraria este entendimento.

É que, salvo o devido respeito, ao contrário do alegado, a situação aí em causa não é idêntica à dos presentes autos.

Na verdade, como nesse aresto[15] se explica, desde logo no respectivo sumário[16] e, com mais detalhe, na sua fundamentação, inclusive no excerto transcrito pelo reclamante, a lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença: a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333.º, n.º 5, do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373.º, n.º 3, do CPP).

Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido («quando este se apresentar ou for detido»), valendo para o segundo caso a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Verificada qualquer dessas situações (a presença física do arguido a alguma das sessões da audiência, apesar da ausência na data da leitura da sentença, ou a sua total ausência física por iniciativa do próprio ou com o seu expresso consentimento), a sentença condenatória haveria de ter-se por notificada na pessoa da defensora do arguido, não carecendo de se aguardar a notificação deste último para se iniciar o prazo para interposição de recurso.

Mas não é essa a situação destes autos.

Como já se referiu na decisão sumária ora reclamada, o arguido recorrente, …, foi notificado, por aviso postal simples para a morada constante do TIR[17], (apenas) para a sessão da audiência de julgamento de 25-11-2021[18].

Esteve ausente nessa data e também naquela que foi, então[19], agendada para leitura da sentença (da qual não foi, sequer notificado, acrescentamos, para melhor esclarecimento).

Sendo caso de aplicação do art. 333.º, n.º 5, do CPP, impunha-se a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal.

Ora, notificações por contacto pessoal são as executadas por funcionário de justiça ou agente policial (não pelo serviço postal), cara a cara com o notificando, a quem é entregue a carta ou aviso.

A forma de assegurar a regularidade de notificação pessoal de arguido no estrangeiro terá de passar necessariamente pela expedição de carta rogatória, com accionamento dos mecanismos da cooperação judiciária internacional.

Terá sido esse, de resto, o entendimento do Tribunal recorrido, que começou por solicitar a notificação do arguido … à PSP …, considerou, por despacho de 18-01-2022 …, que «o recurso ora apresentado deverá ficar nos autos até que se encontre comprovado que o arguido se encontra pessoalmente notificado da sentença proferida no dia 29 de novembro de 2021, devendo nessa data o recurso ser oportunamente apreciado» e que, uma vez informado por aquela autoridade policial que o arguido já não residia na morada do TIR e de que havia notícia de que teria regressado à ... … determinou a expedição de carta rogatória às autoridades judiciárias romenas …

Foi só na sequência da informação dos elevados custos em que importariam as traduções necessárias para a instrução dessas cartas rogatórias e de, sem sucesso, ter tentado apurar de um eventual regresso do notificando a Portugal, que, após promoção do MP, o Tribunal decidiu optar pela notificação da sentença ao arguido … por via postal …

Na verdade, o que a invocada informação de fls. 757documenta não é uma notificação por contacto pessoal (seja através de funcionário judicial seja de agente policial) mas tão-só uma notificação postal, não sendo, por isso, válida enquanto notificação ao arguido da sentença, nos termos exigidos pelo art. 333.º, n.º 5, do CPP.

Daí que na decisão sumária reclamada se tenha concluído que o arguido … não se encontra notificado da sentença condenatória.

E se assim é, o recurso por ele interposto foi prematuramente admitido, existindo circunstância que obsta ao seu conhecimento, …

Em suma, vistos os autos e analisada a decisão sumária reclamada, entende este Tribunal que a mesma não padece de omissão de pronúncia e não viola qualquer regra legal ou princípio constitucional, sendo de a subscrever integralmente, aqui dando por reproduzidos todos os seus fundamentos.


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III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a reclamação apresentada pelo Ministério Público, confirmando a decisão sumária reclamada.

Sem tributação.

Notifique.


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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatária, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

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Coimbra, 13 de Dezembro de 2023

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1. , …, não se conformando com a sentença que o condenou, …, veio dela interpor o presente recurso.
2. Efectuado o exame preliminar, pela juíza desembargadora relatora foi decidido «não tomar conhecimento do recurso interposto, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido, …, não se mostrar ainda notificado da sentença condenatória proferida nos autos», proferindo decisão sumária, … a qual tem o seguinte teor (transcrição):
«I. Relatório
1. …, foi submetido a julgamento, realizado na sua ausência, o arguido , tendo, por sentença de 29-11-2021, sido decidido, para além do mais:
«a) Condenar o arguido … como autor material de um (01) crime de furto, …
- condeno o demandado civil … no pagamento ao demandante civil … a título de compensação pecuniária dos danos patrimoniais sofridos, do montante de €1.379,89 …
2. Inconformado com esta decisão, em 11-01-2022 o arguido, representado pela sua Ilustre defensora, interpôs o presente recurso, …
3. Admitido o recurso por despacho de 22-03-2023, respondeu o Ministério Público …

II. Fundamentação
Conforme já referido em sede de exame preliminar, existe circunstância que obsta ao conhecimento do recurso.
Vejamos porquê.



…, a audiência de discussão e julgamento teve lugar na ausência do arguido … e da sentença proferida apenas foi notificada a sua Ilustre defensora, não tendo até à presente data sido efectuada a notificação pessoal desse arguido …
Ora, de acordo com o disposto nos arts. 113.º, n.º 10, e 333.º, n.º 5 Do seguinte teor: …, ambos do CPP, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 deste último preceito, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este tem de ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para interposição de recurso por parte do mesmo antes de efectuada tal notificação.
Esta prescrição tornou-se ainda mais clara com a introdução, através da Lei n.º 26/2010, de 30-08, do actual n.º 6 do art. 333.º do CP, …
Que essa notificação da sentença ao arguido tem de ser efectuada através de contacto pessoal parece ser afirmação incontroversa, em face do decidido nos acórdãos do TC n.ºs 312/05 e 422/05 Ambos in www.tribunalconstitucional.pt. …; no acórdão do STJ de 18-09-2014 Proferido no Proc. n.º 69/14.0YFLSB - 5.ª, in www.dgsi.pt, …; nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2017, 09-11-2020 e 26-10-2021 Proferidos, respectivamente nos Procs. n.ºs 2015/10.1TDLSB.L1-5.ª, 111/18.6T9LSB.L1-9, e 41/19.4SHLSB-A.L1-5, todos ibidem.; da Relação de Coimbra de 26-09-2007 e 22-10-2014 e nas decisões sumárias da mesma Relação de 06-02-2013 e de 15-05-2013 Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 225/01.1PBTMR-A.C1, 944/08.1TAFIG-A.C1, 93/12.8PFLRA.C1 e 414/10.8TAMGR.C1, todos ibidem.; da Relação do Porto de 02-06-2004, 21-02-2007, 20-02-2013, 24-02-2016, 23-11-2016, 08-02-2017, 11-01-2023 e 29-03-2023 Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 0440441, 0646069, 1922/10.6TAMTS.P1, 1975/13.5T3AVR-A.P1, 285/14.5PTAVR-A.P1, 1545/13.8PBAVR-A.P1, 53/21.8GDAND-A.P1 e 14/18.4T9MLD-A.P1, todos ibidem.; da Relação de Évora de 20-11-2012, 03-03-2015, 06-06-2017 e 22-06-2021 Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 40/09.4GFELV.E1, 136/13.8GBLGS.E1, 720/11.4 TAPTM.E1 e 753/17.7PAVFX.E1, todos ibidem.; e da Relação de Guimarães de 10-03-2003 In CJ, Ano XXVIII, tomo 2, pág. 289., 23-03-2009, 08-10-2012 e 17-03-2014 Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 2546/08-2, 441/10.5PABCL.G1 e 53/13.1GTVCT.G1, todos ibidem..

Assim, tal como se lê na decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 08-02-2012 Proferida no Proc. n.º 161/03.7GAMIR.C2, ibidem., cujo entendimento acompanhamos,
«O que se pode questionar é se na eventualidade de o defensor/mandatário interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente, antes deste, da mesma, se mostrar notificado, deve aquele ser objecto de despacho de admissão e, sendo o caso, de apreciação pelo tribunal superior.
Com o devido respeito por opinião contrária [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 838], entendemos que não!
Como bem realça o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.03.2003 “Torna-se clara a ligação, ou imediação, que a lei faz entre a notificação do arguido e a possibilidade daí decorrente de interposição de recurso, dessa forma reagindo a uma decisão condenatória. Aquela define o momento a partir do qual o direito pode ser exercido.
E bem se compreende que assim seja, pois que, se fosse possível ao defensor do arguido logo dela recorrer, então a decisão condenatória poderia ser objecto de duas apreciações pelo Tribunal da Relação: uma por acção (…) do defensor do arguido, outra na decorrência da notificação que ao arguido fosse feita da decisão condenatória” – [cf. CJ, Ano XXVIII, T. II, pág. 289, vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2005, CJ., Ano XXX, T. IV, págs. 220/221].
No mesmo sentido se pronunciam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, quando referem “O termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, incluindo a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade” – [cf. “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, Coimbra Editora, págs. 832/833].
Também a propósito, foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2010 “… No caso de julgamento na ausência do arguido … (art. 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) … é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …” [cf. proc. n.º 1349/06.4TBLSD.P1].»

Neste sentido se pronunciou igualmente o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 11-12-2008 (proferido no Proc. n.º 8876/2008-9) e nas decisões sumárias de 14-04-2011, de 19-03-2012 e de 05-04-2016 (proferidas, respectivamente, nos Procs. n.ºs 1187/08.0PJLSB.L1-9, 940/08.9TDLSB.L2-9 e 577/14.3PCSNT.L1-9), o Tribunal da Relação de Coimbra na decisão sumária de 21-03-2012 (proferida no Proc. n.º 83/08.5JAGRD.C1), o Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 08-05-2018 (proferido no Proc. n.º 86/17.9GBODM.E1) e o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 22-10-2012 (proferido no Proc. n.º 585/09.6GBVVD.G1) Todos ibidem..

Interposto o recurso pelo arguido …, julgado na sua ausência, antes de o mesmo ser notificado da sentença condenatória, o mesmo foi prematuramente admitido, existindo circunstância que obsta ao seu conhecimento, sendo certo que, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 414.º do CPP, o despacho que o admitiu não vincula este Tribunal.
*
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso interposto, por ser prematura a sua apreciação, em consequência de o arguido, …, não se mostrar ainda notificado da sentença condenatória proferida nos autos.
Sem tributação.»

3. Desta decisão veio o Ministério Público reclamar para a conferência, nos termos do art. 417.º, n.º 8, do CPP, nos seguintes termos (transcrição):
«…
Sobre as tentativas de notificação após audiência, nela apenas se indica o seguinte:
“Em 02-12-2021, foi solicitada à PSP a notificação pessoal do arguido da sentença
condenatória, a qual não obteve êxito, tal como o não obtiveram as subsequentes diligências
no sentido de o localizar a proceder a essa notificação.
- Entretanto, em 11-01-2022, havia sido interposto o presente recurso, que veio a ser admitido por despacho de 22-03-2023.”
Todavia, nada se diz quanto à informação de 16/03/2023, respeitante ao envio de notificação e à indicação de “envio entregue” ao arguido, com base na qual considerou o Ministério Público que se deveria considerar aquele notificado da sentença, tal como veio a ser judicialmente considerado, previamente à admissão do recurso.
Não desconhecemos que a questão enunciada na decisão, com citação de plúrimas jurisprudência, é controversa e controvertida.
Mas não se desconhece o disposto no artigo 196º do código de processo penal, sobre os direitos e deveres decorrentes do termo de identidade e residência, máxime no nº 3, e das suas consequências.
Sobre um caso idêntico, reproduzimos aqui uma parte do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/02/2023 - processo 365/16.2PDCSC-A.L1-5 acesível em www.dgi.pt:
“(…) A questão a que importa responder é se o arguido/recorrente tinha ainda que ser notificado, por contacto pessoal, do teor da sentença condenatória.
Prescreve o nº 10 do art. 113º do Cód. Proc. Penal que …
Resulta do citado normativo que as decisões proferidas no âmbito de processo penal são notificadas ao defensor/mandatário que representa o arguido, o assistente e as partes civis e são notificadas, ainda, pessoalmente ao arguido, ao assistente e às partes civis as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à sentença, à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil.
Mas prescreve o nº 3 do art. 373º do Cód. Proc. Penal que “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.
Como compatibilizar estes dois normativos?
A larga maioria da doutrina e da jurisprudência defende a posição do despacho recorrido, ou seja, “no que respeita especificamente à notificação da sentença, temos que a lei distingue, claramente, duas situações – a da notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (artigo 333º, nº 5 do citado Código), e a da notificação de arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado (artigo 373º, nº 3 do mesmo Diploma).
Com efeito, só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo para o segundo a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (artigo 411º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal).
Na verdade, a apontada diferença de regimes é axiologicamente compreensível, na medida em que apenas nesta segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado, que o julgamento terminará inevitavelmente com a leitura da sentença, sentença da qual ele é, inexoravelmente, o primeiro interessado”.
Subscrevemos.
E aditamos: como se pode ler no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 6.06.2017 (Proc. 2015/10.1TDLSB.L1-5, pesquisado em www.dgsi.pt) “Como tem sido o entendimento maioritário da Doutrina e Jurisprudência o art.373, C.P.Penal constitui uma norma complementar do regime notificação previsto no art.113º, nº10, 333º, nº1 , 2, e 5, 334, nº2 e 4 , 332, nº 5 e 6, 325º, nº4 e 5, sendo aplicável nos, designadamente, quando o arguido esteve presente numa das sessões da audiência de julgamento, mas ausente na leitura de sentença, bem como quando consentiu na realização da audiência de julgamento na sua ausência, ou nos casos em que o arguido foi afastado ou se afastou da sala de audiências durante o julgamento de julgamento e não esteve presente na leitura da sentença e/ou o arguido foi dispensado estar presente na leitura de sentença e esteve presente no julgamento.
Todas estas situações pressupõem, obviamente, que a sentença tenha sido lida perante o defensor ou advogado. E, em todos eles o início do prazo para recurso corre desde a notificação ao defensor nomeado ou constituído.

Efetivamente tem sido ponderado o facto a impugnação da sentença/acórdão ser essencialmente uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor, pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso são asseguradas com a notificação da sentença/acórdão ao defensor constituído ou nomeado, desde que verificado o aludido pressuposto (aplicabilidade do disposto no art.373º, 3 do C.P.Penal nos moldes já referidos)”.
E precisamente porque a impugnação da sentença/acórdão é essencialmente uma decisão jurídica, que compete obrigatoriamente ao defensor, o art. 373º do Cód. Proc. Penal não impõe a informação do direito de recorrer e do respetivo prazo, como exige o art. 333º, n.º 6, todos do mesmo Código quando se refere à notificação do arguido. Não sabe o Advogado quando tem o direito de recorrer e qual o prazo para o efeito?
No sentido (propugnado) de que a notificação da sentença a arguido julgado na ausência (arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento – art. 333º, nº 5 do Cód. Proc. Penal) exige a notificação pessoal da sentença ao arguido “quando este se apresentar ou for detido” mas a notificação da sentença a arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado, é feita para todos os efeitos na pessoa do seu defensor presente à leitura da sentença (art. 373º, nº 3 do Cód. citado), e para além dos acórdãos citados no despacho recorrido, pode ler-se Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário Código de Processo Penal, em anotação ao art. 373º, p. 960 a 963); Oliveira Mendes (Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, em anotação ao art. 373º, p. 1117); e José Mouraz Lopes (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, em anotação ao art. 373º, p. 758).
Acrescentaremos que esta interpretação dada aos arts. 113º, nº 10, 335º, nº 5, e 373º, nº 3, do Cód. Proc. Penal não é inconstitucional, nem viola os arts. 12º, nº 1, 16º, nº 1, 1ª parte, 18º, 32º, nº 1, e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Em apoio desta tese veja-se o Acórdão nº 81/2012, do Tribunal Constitucional, datado de 09/02/2012 …
Voltando ao caso:
O arguido não esteve presente na audiência de julgamento de 25/11/2021, mas estava devidamente notificado e não justificou a falta.
E não esteve presente na sessão de 29/11/2021, data da leitura da sentença, estando presente a defensora.
Posteriormente, chegou aos autos a acima mencionada - informação de 16/03/2023, respeitante ao envio de notificação e à indicação de “envio entregue” ao arguido, com base na qual considerou o Ministério Público que se deveria considerar aquele notificado da sentença, tal como veio a ser judicialmente considerado, previamente à admissão do recurso, relativamente á qual nada se diz na decisão agora proferida.
Assim, se é certo que o arguido esteve ausente das duas sessões de julgamento, correspondendo a segunda à leitura da sentença, certo é que que estava devidamente notificado para comparecer ao julgamento, mas não compareceu, nem justificou a falta, sendo em todos os actos assistido por defensora, que da sentença foi notificada.

Por outro lado, o tribunal recorrido considerou que o arguido estava notificado da sentença pela dita informação/comprovativo de entrega de notificação, constante de fls. 757 dos autos.
Nesta conformidade, ao não considerar a dita informação - não resulta da decisão que tenha sido levada em conta -, este tribunal superior não conheceu de facto relevante e do qual tinha de conhecer, o que corresponde a nulidade por omissão de pronúncia.
Nesta conformidade, requer-se que a questão e o recurso sejam apreciados, discutidos e decididos em conferência

*
II. Fundamentação
A questão que se suscita na presente reclamação é a de saber se deve este Tribunal da Relação conhecer do recurso interposto pelo arguido, …, ou se não deve dele tomar conhecimento, por ser prematura a sua apreciação.

Vejamos.

A «omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertido quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.» Cf. Acórdão do STJ de 11-01-2012, Proc. n.º 197/08.1GAMLD.C1.S1 - 3.ª, in www.stj.pt.
Haverá, naturalmente, que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o art. 608.º, nº 2, do (N)CPC (Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06) e estabelecia anteriormente o art. 660.º, n.º 2 do CPC de 1961.
E entende-se por questão «o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão» Cf., entre muitos outros, os Acórdão do STJ de 04-12-2008, Proc. n.º 2823/08 - 3.ª, 26-01-2011, Proc. n.º 39/96.9TBCNF.S1 - 3.ª, de 21-01-2009, Proc. n.º 111/09 - 3.ª, de 09-02-2012, Proc. n.º 131/11.1YFLSB - 3.ª, e de 10-05-2012, Proc. n.º 39/94.3JAAVR.L1.S1 - 5.ª, os dois primeiros ibidem e os demais in www.dgsi.pt..
«A omissão de pronúncia traduz-se num non liquet em relação ao objecto contestado, à questão ou situação colocada, legalmente relevante, e que, por isso, tem de ser expressamente decidida. Mas, como bem salientou o acórdão deste Supremo Tribunal de 23-05-2007 (Proc. n.º 1405/07 - 3.ª), a pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença (vício de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso) – deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos e razões alegadas.», lê-se no Acórdão do STJ de 15-10-2008, proferido no Proc. n.º 2864/08 - 3.ª Ibidem..

In casu, a questão de saber se o recurso interposto pelo arguido … devia ser apreciado por este Tribunal, que oficiosamente se suscitou, foi analisada e decidida.
Tendo na decisão reclamada existido uma tomada de posição expressa sobre tal questão (independentemente de se referir expressamente ou não a determinados elementos processuais) e não uma «ausência de posição», não ocorre a apontada omissão.

De todo o modo, sempre se dirá que não deixou de se atentar na informação de fls.757 dos autos, datada de 16-03-2023, a que o reclamante alude.
Sucede que, como procurámos deixar claro na decisão sumária reclamada, tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência do arguido, que não esteve presente a qualquer das sessões da audiência, o mesmo tem de ser pessoalmente notificado da sentença condenatória, não bastando que dela tenha sido notificada a sua defensora, e o prazo para interposição de recurso por parte do arguido não se inicia antes de efectuada aquela notificação, que – repete-se – tem de ser efectuada através de contacto pessoal.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2023 (proferido no Proc. n.º 365/16.2PDCSC-A.L1-5), que vem citado pelo Digno reclamante – e com o qual concordamos em absoluto – em nada contraria este entendimento.
É que, salvo o devido respeito, ao contrário do alegado, a situação aí em causa não é idêntica à dos presentes autos.
Na verdade, como nesse aresto E nos indicados a fls. 3-4 da decisão sumária reclamada. se explica, desde logo no respectivo sumário «A notificação da sentença a arguido julgado na ausência (arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento – art. 333º, nº 5 do Cód. Proc. Penal) exige a notificação pessoal da sentença ao arguido “quando este se apresentar ou for detido”.
A notificação da sentença a arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado, é feita para todos os efeitos na pessoa do seu defensor presente à leitura da sentença (art. 373º, nº 3 do Cód. citado).» e, com mais detalhe, na sua fundamentação, inclusive no excerto transcrito pelo reclamante, a lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença: a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333.º, n.º 5, do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373.º, n.º 3, do CPP).
Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido («quando este se apresentar ou for detido»), valendo para o segundo caso a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Verificada qualquer dessas situações (a presença física do arguido a alguma das sessões da audiência, apesar da ausência na data da leitura da sentença, ou a sua total ausência física por iniciativa do próprio ou com o seu expresso consentimento), a sentença condenatória haveria de ter-se por notificada na pessoa da defensora do arguido, não carecendo de se aguardar a notificação deste último para se iniciar o prazo para interposição de recurso.
Mas não é essa a situação destes autos.
Como já se referiu na decisão sumária ora reclamada, o arguido recorrente, …, foi notificado, por aviso postal simples para a morada constante do TIR, (apenas) para a sessão da audiência de julgamento de 25-11-2021 Naturalmente que se não estivesse regularmente notificado a audiência não poderia sequer ter-se iniciado, sob pena de nulidade insanável..
Esteve ausente nessa data e também naquela que foi, então Como se verifica pelo despacho de 06-10-2021 … as datas inicialmente designadas para audiência de julgamento … foram dadas sem efeito e agendada unicamente a data de 25-11-2021., agendada para leitura da sentença (da qual não foi, sequer notificado, acrescentamos, para melhor esclarecimento).
Sendo caso de aplicação do art. 333.º, n.º 5, do CPP, impunha-se a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal.
Ora, notificações por contacto pessoal são as executadas por funcionário de justiça ou agente policial (não pelo serviço postal), cara a cara com o notificando, a quem é entregue a carta ou aviso.
A forma de assegurar a regularidade de notificação pessoal de arguido no estrangeiro terá de passar necessariamente pela expedição de carta rogatória, com accionamento dos mecanismos da cooperação judiciária internacional.
Terá sido esse, de resto, o entendimento do Tribunal recorrido, que começou por solicitar a notificação do arguido … à PSP , considerou, por despacho de 18-01-2022 , que «o recurso ora apresentado deverá ficar nos autos até que se encontre comprovado que o arguido se encontra pessoalmente notificado da sentença proferida no dia 29 de novembro de 2021, devendo nessa data o recurso ser oportunamente apreciado» e que, uma vez informado por aquela autoridade policial que o arguido já não residia na morada do TIR e de que havia notícia de que teria regressado à ... determinou a expedição de carta rogatória às autoridades judiciárias romenas
Foi só na sequência da informação dos elevados custos em que importariam as traduções necessárias para a instrução dessas cartas rogatórias e de, sem sucesso, ter tentado apurar de um eventual regresso do notificando a Portugal, que, após promoção do MP, o Tribunal decidiu optar pela notificação da sentença ao arguido … por via postal
Na verdade, o que a invocada informação de fls. 757 documenta não é uma notificação por contacto pessoal (seja através de funcionário judicial seja de agente policial) mas tão-só uma notificação postal, não sendo, por isso, válida enquanto notificação ao arguido da sentença, nos termos exigidos pelo art. 333.º, n.º 5, do CPP.
Daí que na decisão sumária reclamada se tenha concluído que o arguido … não se encontra notificado da sentença condenatória.
E se assim é, o recurso por ele interposto foi prematuramente admitido, existindo circunstância que obsta ao seu conhecimento, …

Em suma, vistos os autos e analisada a decisão sumária reclamada, entende este Tribunal que a mesma não padece de omissão de pronúncia e não viola qualquer regra legal ou princípio constitucional, sendo de a subscrever integralmente, aqui dando por reproduzidos todos os seus fundamentos.
*
III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a reclamação apresentada pelo Ministério Público, confirmando a decisão sumária reclamada.
Sem tributação.
Notifique.
*
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatária, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)
*
Coimbra, 13 de Dezembro de 2023


[1] Do seguinte teor: …
[2] Ambos in www.tribunalconstitucional.pt. …
[3] Proferido no Proc. n.º 69/14.0YFLSB - 5.ª, in www.dgsi.pt, …
[4] Proferidos, respectivamente nos Procs. n.ºs 2015/10.1TDLSB.L1-5.ª, 111/18.6T9LSB.L1-9, e 41/19.4SHLSB-A.L1-5, todos ibidem.
[5] Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 225/01.1PBTMR-A.C1, 944/08.1TAFIG-A.C1, 93/12.8PFLRA.C1 e 414/10.8TAMGR.C1, todos ibidem.
[6] Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 0440441, 0646069, 1922/10.6TAMTS.P1, 1975/13.5T3AVR-A.P1, 285/14.5PTAVR-A.P1, 1545/13.8PBAVR-A.P1, 53/21.8GDAND-A.P1 e 14/18.4T9MLD-A.P1, todos ibidem.
[7] Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 40/09.4GFELV.E1, 136/13.8GBLGS.E1, 720/11.4 TAPTM.E1 e 753/17.7PAVFX.E1, todos ibidem.
[8] In CJ, Ano XXVIII, tomo 2, pág. 289.
[9] Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 2546/08-2, 441/10.5PABCL.G1 e 53/13.1GTVCT.G1, todos ibidem.
[10] Proferida no Proc. n.º 161/03.7GAMIR.C2, ibidem.
[11] Todos ibidem.
[12] Cf. Acórdão do STJ de 11-01-2012, Proc. n.º 197/08.1GAMLD.C1.S1 - 3.ª, in www.stj.pt

[13] Cf., entre muitos outros, os Acórdão do STJ de 04-12-2008, Proc. n.º 2823/08 - 3.ª, 26-01-2011, Proc. n.º 39/96.9TBCNF.S1 - 3.ª, de 21-01-2009, Proc. n.º 111/09 - 3.ª, de 09-02-2012, Proc. n.º 131/11.1YFLSB - 3.ª, e de 10-05-2012, Proc. n.º 39/94.3JAAVR.L1.S1 - 5.ª, os dois primeiros ibidem e os demais in www.dgsi.pt.
[14] Ibidem.
[15] E nos indicados a fls. 3-4 da decisão sumária reclamada.
[16] «A notificação da sentença a arguido julgado na ausência (arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento – art. 333º, nº 5 do Cód. Proc. Penal) exige a notificação pessoal da sentença ao arguido “quando este se apresentar ou for detido”.
A notificação da sentença a arguido presente em julgamento e que, entretanto, se tenha ausentado, é feita para todos os efeitos na pessoa do seu defensor presente à leitura da sentença (art. 373º, nº 3 do Cód. citado).»
[17]
[18] Naturalmente que se não estivesse regularmente notificado a audiência não poderia sequer ter-se iniciado, sob pena de nulidade insanável.
[19] Como se verifica pelo despacho de 06-10-2021 … as datas inicialmente designadas para audiência de julgamento … foram dadas sem efeito e agendada unicamente a data de 25-11-2021.