Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1462/23.3T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PEDIDO DE ENCERRAMENTO DE ESTABELECIMENTO DE RESTAURAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 294.º, 1; 362.º, 1; 363.º, 2; 365.º, 1; 368.º, 1 E 615.º, 1, B) E C), DO CPC
Sumário: 1. - Em procedimento cautelar, é admissível a produção de prova pericial, ainda que oficiosamente determinada, desde que se trate de prova necessária/imprescindível, designadamente por os factos probandos essenciais demandarem especiais conhecimentos técnicos ou científicos, não ao alcance do comum das pessoas.
2. - Justifica-se a produção de prova pericial quando esteja em causa pedido de imediato encerramento de estabelecimento de restauração, instalado em fração autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal, ou a imediata proibição de qualquer atividade nesse estabelecimento – com os inerentes prejuízos económicos –, com fundamento em perigo para a saúde e a vida de pessoas/famílias residentes em frações autónomas habitacionais do mesmo edifício, por via da emissão de fumos, cheiros, gases e ruídos, razão pela qual também foi pedida a inversão do contencioso.
3. - As exigências probatórias inerentes aos procedimentos cautelares e o caráter urgente do respetivo procedimento não são de molde a afastar, de per si, a possibilidade de produção de prova pericial, dependendo a decisão sobre a admissão/produção desse meio de prova da natureza dos factos probandos e das particularidades do caso.
4. - A prova técnica assim obtida – sempre sujeita à urgência de que se reveste o procedimento cautelar – pode ser usada no julgamento da causa principal, desde que nesta o tribunal o deixe transparecer claramente, mormente na justificação da decisão da matéria de facto.
Decisão Texto Integral:

***
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Por decisão sumária – datada de 24/10/2023 (com Ref. 11027662) – proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no art.º 656.º do NCPCiv., foi decidido julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, nos seguintes termos:

I – Relatório

1.ºs - AA e mulher, BB,

2.ºs - CC e mulher, DD, e

3.ºs - EE e FF,

todos com os sinais dos autos,

intentaram procedimento cautelar não especificado contra

1.ª - A..., S. A.” e

2.ª - B..., LDA.”,

ambas estas também com os sinais dos autos,

pedindo que:

«(…) sem a audiência prévia dos requeridos, se digne (…) ordenar o imediato encerramento do estabelecimento de restauração instalado na fração autónoma designada pela letra “A” melhor identificada em 5º do (…) requerimento inicial, denominado “C...”;

Caso assim não se entenda, (…)

2. Deverá ordenar a imediata proibição à segunda requerida de qualquer atividade desenvolvida pela [mesma] no (…) estabelecimento de restauração de produção de cozinhados ou de refeições, nomeadamente de frituras, de assados, de grelhados ou de qualquer outra atividade que seja suscetível de gerar cheiros, fumos ou gases;

3. Deverá ser imediatamente ordenado à primeira requerida a reposição do telhado ou cobertura e da chaminé que serve o sistema de extração do fumos, cheiros e gases proveniente da fração autónoma designada pela letra “A” melhor identificada em 5º do (…) requerimento inicial onde labora a “C...”, por forma que fique igual à constante do projeto de arquitetura e como se encontrava aquando da venda das frações aos aqui requerentes.

Mais requerem a Inversão do Contencioso, nos termos do disposto nos artigos 369º, nº.1 e 376º, nº.4 do C.P.C.».

Para tanto, alegaram, em síntese, factos e alinharam razões para concluir que:

- sendo os Requerentes condóminos em prédio urbano constituído em propriedade horizontal, onde têm a sua habitação (em frações autónomas do mesmo), ali funciona também aquele estabelecimento de restauração (noutra fração autónoma, dada de arrendamento pela 1.ª à 2.ª Requeridas), provocando, por conduta imputável às demandadas, os ditos cheiros, fumos ou gases (provenientes dos grelhados, assados e fritos produzidos pela 2.ª Requerida), que penetram no interior das frações autónomas dos Requerentes, assim como nas partes comuns do edifício, bem como ruídos de laboração, sendo que, apesar das solicitações dos Requerentes, aquelas Requeridas vêm mantendo e agravando a situação de decorrentes perturbações para quem ali reside;

- os Requerentes temem fugas de gases nocivos para a sua saúde e dos seus familiares ou de outras pessoas que usem as suas frações, podendo haver risco de vida se se acumularem gases mortais gerados pela queima de oxigénio pelo fogo e sobretudo pelos braseiros.

Em 29/06/2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:

«O tribunal convidou as partes a pronunciarem-se sobre a eventual realização de uma perícia sobre factos que exigem conhecimentos especializados e que são essenciais para a demonstração do direito invocado pelos Requerentes.

Estes entendem que no âmbito de um procedimento cautelar, a prova a produzir-se é meramente indiciária, pelo que não se justifica a realização de qualquer perícia, até pelo tempo que a prova daí resultante demora a constituir-se.

Os Requeridos não se opõem a realização da perícia sugerida. A requerida B... L.da. chama, todavia, a atenção para as regras do ónus de provar os factos sobre os quais a perícia incidiria, caso a mesma não venha a ser realizada.

Vejamos.

A demonstração do direito dos Requerentes nos procedimentos cautelares não especificados é efetuada mediante o oferecimento de prova sumária (art. 365º, nº1 do C.P.C.). A prova sumária oferecida tem que ser, porém, minimamente apta à demonstração dos factos que sustentam o direito invocado. Assim, se a realidade, ainda que indiciária, de certos factos só é alcançável por determinados meios de prova é inútil tentar fazer essa prova indiciária por meios probatórios sucedâneos.

A nosso ver é o que sucede nos presentes autos, revelando-se indispensável a perícia sugerida para demonstração indiciária dos factos a que nos reportámos no nosso despacho de 15-05-2023, e de outros que as partes venham indicar.

Assim determino que se proceda à perícia, a qual será realizada por um único perito ou entidade.

Notifique as partes para, em 5 dias, se pronunciarem sobre o objeto da perícia, bem como sobre a identidade do perito que a haverá de realizar.».

É desta decisão que, inconformados, recorrem os Requerentes, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([1]):

«I. O despacho recorrido padece de vícios que o invalidam, designadamente de erro na interpretação e na aplicação da lei, de violação da lei e do princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso.

II. Os procedimentos cautelares têm natureza urgente (art. 363º, nº 1 CPC) e visam a prevenção da lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso.

III. Considerando estas duas características dos procedimentos cautelares (urgência e valoração do princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso), o legislador estabeleceu uma clara redução do ónus probatório a cargo do requerente (ao dispor, no art. 365º CPC, que “com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado”) e uma diminuição do grau de convicção do julgador que será necessário ao decretamento da providência, consagrada no nº 1 do art. 366º do CPC (ao prever que a providência será decretada desde que haja probabilidade séria de existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão).

IV. Decorre da própria natureza (urgente) do procedimento cautelar que toda a prova produzida é meramente indiciária, não se exigindo a prova segura do facto, como ocorre no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

V. É a ponderação do conjunto da prova indiciária trazida aos autos pelas partes (requerentes e requeridos) que permite ao julgador decidir o decretamento da providência requerida ou afastar os seus fundamentos.

VI. A prova pericial sugerida (e decretada) pelo Tribunal recorrido não se justifica no âmbito dos presentes autos de procedimento cautelar - onde a prova é meramente indiciária, bastando o juízo de mera probabilidade - justificando-se, antes, no âmbito da ação principal onde o direito litigioso é submetido a uma análise mais aprofundada, conscienciosa e ponderada – neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 19.12.2006 no âmbito do Proc. nº 2169/06-2.

VII. O presente procedimento cautelar deu entrada em juízo em 18.07.2022 – isto é há um ano – sem que tenha sido produzida qualquer prova, ainda que indiciária, o que não se compadece com a natureza urgente do procedimento em causa, violando a lei (mormente o artigo 363º, nº 2 do CPC que dispõe expressamente que “os procedimentos instaurados perante o tribunal competente devem ser decididos, em 1ª instância, no prazo máximo de dois meses, ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias”) e contrariando o princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso - negrito e sublinhado nossos.

VIII. Nos presentes autos, decorrido que se encontra um ano (!) de tergiversações processuais que têm como resultado a não produção de qualquer prova, ainda que indiciária, agrava ainda mais a impertinência e inadmissibilidade da prova pericial – a qual sempre poderá (e deverá) ocorrer nos autos de ação principal a que o presente procedimento corre por apenso.

IX. É incompreensível que o Tribunal recorrido – volvido que se encontra 1 (um) ano desde a propositura do presente procedimento cautelar sem que haja sido produzida qualquer prova – pretira a realização da prova oferecida (há muitos meses) pelas partes (recorrentes e recorridos), ordenando, agora, a realização da perícia (quando a lei e natureza do procedimento aqui em apreço exige que a prova a realizar seja sumária) – tudo com o consequente atraso na decisão que há muito deveria ter sido proferida nesta sede e com o agravamento dos danos que se vêm repercutindo na saúde e na esfera jurídica dos recorrentes.

X. De acordo com as regras da experiência comum – o critério de normalidade que o julgador deve prosseguir na apreciação de prova indiciária – bastaria ao Tribunal atravessar a Avenida da Europa, uma vez que o edifício a que dizem respeito todos os factos alegados nos autos dista cerca de 100 (cem) metros da entrada do tribunal, produzindo a sua convicção numa inspeção presencial onde facilmente constataria a persistência da produção cheiros e ruídos nas frações dos recorrentes (tão grave e evidente é a realidade).

XI. O despacho recorrido padece de vício de violação da lei - artigos 363º e 365º, nº 1 do CPC –, de erro na aplicação da lei e do Direito e de violação do princípio da prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso, subjacente aos procedimentos cautelares, sendo nulo e de nenhum efeito.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro que ordene a imediata produção de prova e prolação de decisão com a maior brevidade possível, com as legais consequências.».

Foi junta contra-alegação recursória pela 1.ª Requerida, a qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, motivo pelo qual ocorreu remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde resulta mantido o regime recursório.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir quanto ao objeto do mesmo, em decisão sumária, como referido, dada a simplicidade da questão que vem colocada.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber se é admissível, ou não, a prova pericial em procedimento cautelar e, bem assim, se, no caso dos autos, ela é necessária/justificada.

III – Fundamentação

         A) Da factualidade apurada

         O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se adita apenas o seguinte:

         - em anterior despacho, datado de 15/05/2023, foi assim explanado na 1.ª instância:

«No requerimento inicial alegam-se os seguintes factos que têm interesse para a determinação do direito invocado pelo Autores, mas também na determinação dos danos invocados.

Entre outros factos alegados, é dito que “a segunda requerida produz ruídos, fumos e cheiros que são retirados do interior da fração em que funciona o estabelecimento de restauração por uma conduta que circula pelo interior do edifício, passando nas partes comuns do mesmo e pelo interior de algumas das frações; (art. 21º); “As frações em que a tubagem ou condutas de fumos e de cheiros passa são as designadas pelas letras G, H e E.” (art. 22º); “Esta situação indicia que existirão fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros da fração em que se encontra a funcionar o restaurante da segunda requerida” (art. 24º)” “Ou que o sistema ali instalado não tem capacidade para conduzir tais fumos e cheiros do interior do restaurante para o exterior, sem incómodos e perturbações da qualidade de vida dos restantes condóminos, em especial dos aqui requerentes.” (art. 25º); “Sempre que o sistema de exaustão da churrascaria se encontra ligado (e é sempre que tal estabelecimento está aberto ao público), o ruído produzido à saída da chaminé é ensurdecedor.” (art. 39º)

A nosso ver tais são factos não são suscetíveis de serem demonstrados sem a realização de uma perícia a realizar quem tenha conhecimentos específicos nesta matéria.

Em todo o caso, notifiquem-se as partes para em dez dias se pronunciarem sobre a realização da perícia, seu objeto, e sobre os peritos que a realizarão.».

B) Substância jurídica do recurso

Da (in)admissibilidade e (des)necessidade de realização de prova pericial em procedimento cautelar

Como visto, sem invocação de uma específica norma legal habilitante (apenas aludiu ao disposto no art.º 365.º, n.º 1, do NCPCiv., que se reporta a «prova sumária»), segundo a interpretação que adotou, o Tribunal recorrido entendeu admissível e necessária/justificada a realização de prova pericial, no âmbito de procedimento cautelar, para determinação quanto a níveis (exatos) de ruídos, fumos, cheiros e gases, alegadamente invasores de frações habitacionais autónomas e, bem assim, partes comuns do prédio onde se integram, provenientes de uma fração não habitacional, onde se encontra instalado um estabelecimento de restauração, existindo fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros do restaurante ou não tendo o sistema ali instalado capacidade para conduzir tais fumos e cheiros do interior do restaurante para o exterior – sem incómodos e perturbações da qualidade de vida dos restantes condóminos, em especial dos aqui requerentes –, chegando os ruídos, por seu lado, a ser ensurdecedores.

Os Recorrentes, em primeira linha argumentativa, defendem que, neste tipo de processos, por apenas se exigir prova sumária e pela patente natureza urgente, não é admissível a produção de prova pericial, esta de conformação/obtenção demorada pela sua própria natureza.

A contraparte esgrime, por sua vez, no sentido da admissão dessa prova técnica.

Quem tem razão?

Vejamos.

É certo que no procedimento cautelar comum começa por se exigir prova sumária, com vista ao preenchimento do primeiro de dois requisitos, legalmente previstos, de procedência da providência que haja sido requerida.

Assim é que dispõe o art.º 362.º n.º 1, do NCPCiv. que:

«Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.».

Enquanto, no mesmo sentido, estabelece o art.º 368.º, n.º 1, do mesmo Cód. que a «providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.».

 Esses dois requisitos legais, são, pois, como é consabido:

a) A provável existência do direito; e

b) O fundado receio da sua lesão (perigo de lesão grave e dificilmente reparável).

A exigência de (simples) «prova sumária» resulta da “provisoriedade da medida cautelar e sua instrumentalidade perante a ação de que é dependência”, reportando-se, então (e apenas), à «existência do direito ameaçado» – basta aqui «uma simples justificação», um «juízo de verosimilhança», que «não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal» –, uma vez que, diversamente, se exige algo mais quanto ao periculum in mora, o dito fundado receio de lesão, a dever «revelar-se excessivo»/acentuado/intenso (por comparação à comum «pendência de qualquer ação»), já que nesta parte a prova dos factos concludentes de suporte haverá de ser correspondente a um «juízo de certeza sobre a sua realidade», aquele mesmo que «é exigível em qualquer demonstração probatória feita em juízo», embora com o tempero da «urgência do procedimento cautelar», em função do que «o juiz deve evitar o risco de demasiada exigência na investigação» ([3]).

Do exposto já pode inferir-se que a prova do periculum in mora não se basta com uma prova sumária, um mero juízo de verosimilhança ou uma simples justificação, exigindo-se, de forma mais clara, um juízo de certeza sobre os factos.

Quanto às concretas provas admissíveis nos incidentes da instância – de que os procedimentos cautelas são um exemplo –, referem Abrantes Geraldes e outros ([4]) que, relativamente à prova testemunhal, «existe uma limitação quantitativa», por a parte não poder produzir mais de cinco testemunhas (como resulta do n.º 1 do art.º 294.º do NCPCiv.), sempre salientando que, quanto a outros meios de prova, «serão admitidos aqueles que a matéria de facto justificar», sem, pois, qualquer abstrata exclusão de determinados meios de prova (pela sua natureza).

E acrescentam os mesmos Autores que o «pressuposto da probabilidade séria supera os meros indícios, mas fica aquém do nível de convicção necessário para decretar a inversão do contencioso» ([5]).

Assim, poderá dizer-se que, à partida, e em abstrato, nada parece impedir a produção de prova pericial em procedimento cautelar, desde que produzida de forma célere, atenta a natureza urgente do processo, e se mostre ser necessária/justificada. Poderá até recorrer-se às provas produzidas no âmbito da providência cautelar, incluindo a prova pericial, para o julgamento da respetiva ação principal, contanto que o juiz, se fundar nessas provas a sua convicção, assim o explicite (de antemão) às partes e o declare na motivação da decisão da matéria de facto, observando as necessárias exigências de transparência e boa-fé ([6]).

Pode assentar-se, assim, em que, em matéria de procedimentos cautelares como o dos autos, são admissíveis, em abstrato, «todos os meios de prova legítimos», com a restrição imposta, apenas, «pelas necessidades do caso concreto», havendo o juiz de «orientar-se pelos critérios legais ajustados ao caso e sindicáveis em via de recurso», nada obstando a que «o tribunal faça todas as averiguações complementares que se justificarem para a correcta e justa composição da lide», no uso do seu poder/dever de «inquisitoriedade», «o poder de averiguação oficiosa, para além daquilo que as partes entendam trazer ao processo» ([7]) ([8]).

Líquida, pois, a admissibilidade, em abstrato, da prova pericial em procedimento cautelar, importa verificar, agora, se no caso tal prova era necessária/adequada/justificada, ao ponto de ter sido oficiosamente determinada pelo Tribunal.

A questão é, então, a de saber se os factos essenciais probandos, de que depende o decretamento da providência requerida, impõem o recurso à prova pericial, apesar – e para além – das provas indicadas pelas partes.

Refere a parte recorrida (na sua contra-alegação):

«Os Requerentes, aqui Recorrentes não tiveram em consideração que a prova pericial se mostra imprescindível à boa decisão da causa, por respeitar a perícia a factos que não são suscetíveis de serem apurados através de outros meios de prova, sendo pois a sua realização relevante, revestindo-se utilidade para dirimir a controvérsia em apreço nos autos, o que determinou a respetiva admissão.

De facto, andou bem o Tribunal a quo em admitir a perícia, uma vez que as questões em discussão assumem carácter técnico e os factos que constituem o respetivo objeto integram o fundamento do procedimento cautelar e da oposição deduzida, encontrando-se controvertidos.».

Já se viu que o Tribunal a quo se perfilou no sentido de haver factos alegados, de si relevantes, que exigem conhecimentos especializados e que são essenciais para a demonstração do direito invocado pelos Requerentes, tornando necessária a realização de prova pericial, sinalizando que, se a realidade, ainda que indiciária, de certos factos só é alcançável por determinados meios de prova, é inútil tentar fazer essa prova indiciária por meios probatórios sucedâneos.

Considerou, por isso, indispensável a perícia quanto aos factos referentes à alegada produção de ruídos, fumos, cheiros e gases, sua origem e propagação (provenientes do interior da fração onde funciona o estabelecimento de restauração, seguindo por uma conduta que circula pelo interior do edifício, passando nas partes comuns do mesmo e pelo interior de algumas das frações); à existência de fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros da fração onde funciona o restaurante; à incapacidade do sistema ali instalado para conduzir tais fumos e cheiros para o exterior, sem incómodos e perturbações para os restantes condóminos; aos ruídos produzidos à saída da chaminé, de si ensurdecedores.

Ora, apreciando, cabe dizer que estes factos, pela sua natureza, demandam prova técnica/pericial, não se vendo, salvo o devido respeito, como afastar a determinada perícia, a qual, todavia, atenta a natureza dos autos, terá de ser obtida, inquestionavelmente, de forma célere/urgente.

Com efeito, sobre níveis de quantificação/intensidade de cheiros, fumos, gases e ruídos, sua proveniência, propagação e perigo para a saúde – ou até, como invocado, para a vida – das pessoas, no interior de frações autónomas habitacionais, onde residam famílias, não parece possível produzir uma prova testemunhal fiável, rigorosa e credível, por se tratar de matéria cujo esclarecimento/estabelecimento, com a segurança necessária, demanda especiais conhecimentos técnicos, que não estão ao alcance do comum das pessoas, mas somente de peritos habilitados.

A isto acresce o dano económico para a atividade do dito estabelecimento comercial de restauração decorrente da procedência da providência: foi pedido, lembre-se, o imediato encerramento do estabelecimento ou, caso assim não se entenda, a imediata proibição de qualquer atividade desenvolvida no mesmo, bem como a imediata reposição do telhado ou cobertura e da chaminé que serve o sistema de extração do fumos, cheiros e gases.

Por outro lado, foi pedida, também, a inversão do contencioso.

Assim sendo, afigura-se necessário, por mais seguro, obter níveis fiáveis de emissões de fumos, cheiros, gases e ruídos, sua origem e propagação, bem como decorrentes perigos alegados ([9]).

Tarefa probatória esta muito dificilmente alcançável através de prova testemunhal, antes sendo adequada e justificada a dita prova pericial, que se mostra, assim, necessária/imprescindível para o estabelecimento, com um mínimo de segurança, da respetiva factualidade alegada.

E não está afastada, como visto, a hipótese de a prova pericial em discussão – que terá de ser produzida/obtida com urgência – vir a poder ser apreciada/aproveitada no âmbito do processo principal.

De notar ainda que no Ac. TRE de 19-12-2006 invocado, a seu favor, pelos Recorrentes ([10]) havia duas questões a apreciar: «a admissibilidade da resposta à oposição e a verificação dos requisitos do procedimento cautelar».

Não estava, pois, em causa qualquer prova pericial e respetiva (in)admissibilidade, bem se compreendendo que, como consta do respetivo sumário, apenas se firmasse ali o entendimento no sentido de:

«I- Apesar de estar vedada a resposta em articulado, o requerente do procedimento cautelar pode responder à oposição do requerido na audiência que se segue à dedução da oposição, com a faculdade de discutir matéria de excepção que, eventualmente, tenha sido levantada na oposição.

II- Nos procedimentos cautelares toda a prova produzida é meramente indiciária, seja a produzida pelo requerente, seja a produzida pelo requerido, em sede de oposição, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

Por isso, os indícios trazidos pelo requerente do procedimento cautelar podem ser afastados por indícios de sinal contrário carreados pelo requerido. E é a ponderação do conjunto da prova indiciária que permite ao julgador manter a providência decretada, afastar os seus fundamentos ou determinar a sua redução, constituindo esta nova decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida, como vem estabelecido no artigo 388°, n° 2 do CPC.».

Nada, assim, se pode retirar deste aresto no sentido da proibição ou inviabilidade da prova pericial em procedimento cautelar.

Resta o argumento que se prende com a urgência do procedimento cautelar e a invocada ultrapassagem do prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv..

Com efeito, a parte requerente/recorrente discorda do decidido também por entender que, em obstrução à natureza urgente e sumária inerente ao procedimento cautelar, já há um ano os autos estão pendentes, sem produção de qualquer prova indicada, razão pela qual pede que se ordene a imediata produção das provas oferecidas.

Todavia, importa reconhecer que a decisão recorrida apenas se pronuncia sobre a prova pericial, determinando-a oficiosamente, pelo que é esse o âmbito/objeto do decidido, com que tem de conformar-se o decorrente recurso: apelação autónoma de decisão que admitiu/determinou o meio de prova pericial [art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), do NCPCiv.].

E nem se sabe – nestes autos de recurso de apelação autónoma, com subida, por isso, em separado – quais os motivos da demora do processo cautelar, as razões pelas quais ainda não tenha sido produzida qualquer prova, se há, ou não, motivo justificado para a não correspondência ao prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv., embora seja essa uma matéria/problemática – a do eventual incumprimento de prazos processuais pelo juiz e seus motivos – que se reflete essencialmente no âmbito da eventual responsabilidade disciplinar, que caberia ao Conselho Superior da Magistratura considerar, e não, salvo o devido respeito, na ponderação quanto às provas admissíveis ([11]).

Aliás, não se vê que a questão da ultrapassagem desse prazo processual, tal como fixado no dito art.º 363.º, n.º 2, tenha sido, de antemão, colocada à 1.ª instância, sendo fora de dúvida que não foi objeto de decisão no despacho recorrido, pelo que sempre se trataria de questão nova, de que, por isso, é vedado à Relação conhecer neste recurso de apelação autónoma incidente sobre exclusiva questão de admissão de meio de prova.

Em suma, não se demonstrando violação de lei, improcede a apelação, cabendo à parte interessada suscitar, querendo, na 1.ª instância – ou junto do órgão disciplinar competente – a questão da ultrapassagem daquele prazo processual.

***

IV – Concluindo (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

(…).

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a suportar pela parte recorrente, vencida no recurso (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.)..

II - Discordando do assim decidido, vêm os Apelantes reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 3, do NCPCiv., para que sobre a matéria da decisão singular proferida recaia acórdão deste Tribunal da Relação, concluindo, assim, no essencial, pela recursiva procedência da sua pretensão de revogação da decisão de admissão da prova pericial, para o que arguem, de permeio, diversas causas de nulidade da decisão sumária sob reclamação.

A contraparte nada veio dizer.

III - Apreciando

Não tem razão – salvo sempre o devido respeito – a parte Recorrente/Reclamante.

A qual vem oferecer as seguintes linhas de argumentação:

a) Na decisão singular, não se conhecendo da invocada violação do princípio da prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso, subjacente aos procedimentos cautelares, incorreu-se no vício de omissão de pronúncia, com a decorrente nulidade da decisão reclamada (art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., ex vi art.º 666.º, n.º 1 do mesmo Cód.);

b) Incorreu-se também, do mesmo modo, no vício de «contradição entre a fundamentação [e] a própria decisão proferida», determinando «a nulidade da decisão singular (…), nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC ex vi artigo 666º, nº 1 do CPC», posto que a «a realização a perícia (…) se afigura manifestamente contrária à natureza urgente do procedimento cautelar em causa, já que estes autos – que a lei caracteriza como urgentes – se encontram pendentes desde 18.07.2022 sem qualquer produção de prova»;

c) Apreciando-se, então, as nulidades invocadas, deverá julgar-se procedente o recurso, com rejeição da prova pericial.

Vejamos.

1. - A parte começa por invocar questões formais, sem bulir com a substância do objeto recursivo ou com a valia da fundamentação jurídica plasmada na decisão sumária sob reclamação.

Na verdade, concentra-se, desde logo, na invocação de nulidades dessa decisão, começando pelo assacado vício de omissão de pronúncia, para depois passar ao de contradição.

Ora, apreciando, dir-se-á que, quanto aos vícios que se prendem com a fundamentação da decisão judicial, a lei começa por encarar o vício de falta de fundamentação, dispondo no art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv. que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, só depois passando, compreensivelmente, às hipóteses em que, havendo fundamentação, esta seja ininteligível.

Assim, o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c),  com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada, e não da sua conjugação com outras posições decisórias exaradas no processo, designadamente anteriores despachos ou pretérita tramitação.

Inexiste, por isso, in casu, um vício interno da decisão proferida/reclamada, no plano dos respetivos fundamentos, que constituísse anomalia a extrair da leitura dessa decisão, ante a forma como a mesma se mostra elaborada.

Na verdade, se aqueles vícios internos de determinada decisão têm que resultar da própria decisão e não da sua conjugação com outros atos processuais (trata-se de falhas ou desconformidades internas de uma determinada decisão judicial, vista em si própria), nada se encontra na decisão sumária em apreço que evidencie o vício invocado.

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([12]).

Ora, os fundamentos ou premissas da decisão sumária reclamada estão em sintonia com o dispositivo dessa decisão: considerou-se, desde logo, ser legalmente admissível, em abstrato, a prova pericial em procedimento cautelar, para depois se entender que tal prova, no caso dos autos, é de ter por necessária/justificada (em concreto); por isso se concluiu (dispositivo) que, na improcedência do recurso, deve manter-se a decisão que determinou a realização de tal perícia.

Quanto a ser a realização da perícia contrária à natureza urgente do procedimento cautelar, mormente tendo em conta o tempo de pendência dos autos, sem qualquer produção de prova, resta dizer que, a ser assim, estaríamos perante um erro de julgamento, por contrariedade à lei (no preceito que determina tal urgência, o qual, nesta lógica, resultaria violado na decisão reclamada), e não – o que é diferente – perante nulidade por contradição entre fundamentos em decisão.

Resta, então, acrescentar o que já se disse na fundamentação da decisão sumária aludida, quanto ao argumento que se prende com a urgência do procedimento cautelar e a invocada ultrapassagem do prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv..

Com efeito, a parte requerente/recorrente discorda do decidido também por entender que, em obstrução à natureza urgente e sumária inerente ao procedimento cautelar, já há um ano os autos estão pendentes, sem produção de qualquer prova indicada, razão pela qual pede que se ordene a imediata produção das provas oferecidas.

Todavia, importa reconhecer que a decisão recorrida apenas se pronuncia sobre a prova pericial, determinando-a oficiosamente, pelo que é esse o âmbito/objeto do decidido, com que tem de conformar-se o decorrente recurso: apelação autónoma de decisão que admitiu/determinou o meio de prova pericial [art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), do NCPCiv.].

E nem se sabe – nestes autos de recurso de apelação autónoma, com subida, por isso, em separado – quais os motivos, por não evidenciados, no plano factual, pelos aqui Recorrentes/Reclamantes, da demora do processo cautelar, as razões pelas quais ainda não tenha sido produzida qualquer prova, se há, ou não, motivo justificado para a não correspondência ao prazo a que alude o art.º 363.º, n.º 2, do NCPCiv., embora seja essa uma matéria/problemática – a do eventual incumprimento de prazos processuais pelo juiz e seus motivos – que se reflete essencialmente no âmbito da eventual responsabilidade disciplinar, que caberia ao Conselho Superior da Magistratura considerar, e não, salvo o devido respeito, no quadro da ponderação quanto às provas admissíveis.

Aliás, não se vê que a questão da ultrapassagem desse prazo processual, tal como fixado no dito art.º 363.º, n.º 2, tenha sido, de antemão, colocada à 1.ª instância, sendo fora de dúvida que não foi objeto de decisão no despacho recorrido, pelo que sempre se trataria de questão nova, de que, por isso, é vedado à Relação conhecer neste recurso de apelação autónoma incidente sobre exclusiva questão de admissão de meio de prova.

Inexiste, pois, salvo o devido respeito, contradição entre fundamentos e decisão ([13]), o que afasta o correspondente vício de nulidade invocado.

Também não ocorre omissão de pronúncia.

Assim, quanto à alegada desconsideração da incidência do «princípio da prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso», que resultaria violado pela determinação da prova pericial, deve dizer-se que esse princípio não foi menosprezado na decisão reclamada.

O que ali se entendeu foi que, não se demonstrando violação de lei, improcede a apelação, cabendo à parte interessada suscitar, querendo, na 1.ª instância – ou junto do órgão disciplinar competente – a questão da ultrapassagem do prazo processual para decisão do procedimento cautelar.

E resulta implícito que também não se considerou, do mesmo modo, haver violação daquele princípio, por não se demonstrar a invocada incompatibilidade ou contradição entre a realização de prova pericial e a finalidade e urgência do procedimento cautelar.

Acresce que não se trata aqui de uma questão integrante do thema decidendum do recurso, mas de um simples argumento da parte recorrente.

Na verdade, não deixou o Relator de se pronunciar sobre as diversas questões – em sentido jurídico – de que devia conhecer, as que constituíam/integravam o dito thema decidendum, que, como se sabe, não se confunde com as razões e/ou os argumentos das partes, só daquelas (questões) e não de todos estes se impondo um conhecimento de meritis.

Em suma, inexiste nulidade.

2. – No mais, o que ressuma da reclamação apresentada é que a parte reclamante continua a não se conformar com a oficiosa determinação de realização de prova pericial, tal como diagnosticado na decisão recorrida, repisando agora os mesmos argumentos que já expusera anteriormente.

Ora, sobre esses argumentos e esse inconformismo já foi oferecida adequada análise na decisão sumária reclamada, cuja fundamentação se transcreveu, se sufraga aqui e não se vê, por isso, necessidade de repetição, que seria inútil, posto nada haver a divergir da ponderação do Relator.

Apenas se acrescenta, quanto à referência sobre «bastar ao Tribunal atravessar a Avenida da Europa, uma vez que o edifício a que dizem respeito todos os factos alegados nos autos dista cerca de 100 (cem) metros da entrada do Tribunal, produzindo a sua convicção numa inspeção presencial onde facilmente constataria a persistência da produção cheiros e ruídos a que se reportam os recorrentes no seu requerimento inicial», que, por um lado, a parte não requereu – e podia tê-lo feito – inspeção judicial ao local, cingindo-se, no essencial a prova testemunhal e por declarações de parte de um dos requerentes, e, por outro lado, é de crer – com elevado grau de probabilidade – que o Tribunal não dispusesse dos conhecimentos técnicos e dos meios de medição e pesquisa que lhe permitissem uma liminar, mas cabal, recoleção/apreciação probatória sobre a factualidade implicada, que não parece assumir a simplicidade – e manifesta visibilidade/apreensibilidade – que os Reclamantes pretendem fazer crer (tendo em conta, para além do mais, fatores de intensidade, causalidade e danosidade, que são idóneos a demandar especializada, complexa e aturada pesquisa e análise).

Em suma, remetidos os autos, na legal tramitação, à Conferência, impõe-se acordar, na improcedência da reclamação in totum, em confirmar, sem qualquer alteração, a decisão singular em apreço, cujas conclusões são de subscrever.

(…)

V - Decisão

Termos em que se decide indeferir a reclamação e, confirmando a improcedência da apelação – nos moldes constantes da decisão sumária em apreço –, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Reclamantes/Apelantes.

Coimbra, 13/12/2023

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

         Luís Cravo

                                     

João Moreira do Carmo


([1]) Cujo teor se deixa transcrito.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, ps. 7, 8 e 40.
([4]) Veja-se a obra Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 340.
([5]) Vide op. cit., p. 429.
([6]) Neste sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Almedina, Coimbra, 1998, ps. 131 a 134.
([7]) Cfr. Abrantes Geraldes, Temas, cit., ps. 196 e 197, acrescentando ainda o mesmo Autor que, sem «prejuízo da necessária celeridade, o objectivo da adequada segurança jurídica, que também deve estar presente no decretamento de uma medida cautelar, impõe ao juiz um maior poder de averiguação e uma maior dose de empenhamento na detecção da real situação de facto de onde emerge a pretensão do requerente».
([8]) Salientando também esta caraterística da oficiosidade na determinação de diligências probatórias indispensáveis, veja-se José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 35.
([9]) Refere-se, expressamente, na petição do procedimento que «Esta situação indicia que existirão fugas nas condutas de extração dos fumos e cheiros da fração em que se encontra a funcionar o restaurante da segunda requerida», «Ou que o sistema ali instalado não tem capacidade para conduzir tais fumos e cheiros do interior do restaurante para o exterior», temendo Os Requerentes «que possa haver fuga de gases nocivos para a sua saúde e dos seus familiares ou de outras pessoas que usem as suas frações», «Podendo mesmo haver risco de vida se se acumularem gases mortais que são gerados pela queima de oxigénio pelo fogo e sobretudo pelos braseiros.».
([10]) Proc. 2169/06-2 (Rel. Almeida Simões), em www.dgsi.pt.
([11]) Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 16.
([12]) Cfr., por todos, o Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. do STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([13]) Não se mostra, assim, qualquer falha interna, de raciocínio lógico, no iter decisório, nem que o segmento decisório (dispositivo) não seja conclusão lógica dos elementos de facto e de direito explanados/convocados na fundamentação.