Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2398/22.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: TRANSAÇÃO
PROMESSA UNILATERAL DE VENDA
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 868.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 410.º, N.º 1, E 830.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – A assunção de uma obrigação de venda de um determinado prédio, por uma das partes, numa transação homologada por sentença, integra uma promessa unilateral de venda.

II – Trata-se de uma obrigação de prestação de facto positivo, cujo regime geral se carateriza pela circunstância de o direito ao cumprimento ter como garantia uma ação constitutiva – a execução específica, prevista e regulada no artigo 830º do CC.

III – A transação em que se estabelecem obrigações para ambas as partes, e em que uma delas se obriga a vender determinado prédio após a execução de determinados trabalhos pela outra parte, não constituiu título executivo para a execução coerciva – em natureza ou em espécie – de tal obrigação de contratar.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n° 2398/22.0T8VIS-A.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Catarina Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

AA veio, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe é movida por BB e esposa, CC, deduzir oposição por meio de embargos de Executado,

pelos quais pugna pela extinção da execução, com os seguintes fundamentos:

o requerimento executivo não indica a finalidade dos autos, limitando-se a peticionar penhora do montante de indemnização de sanção pecuniária compulsória;

esta sanção não foi sequer arbitrada e só pode ser peticionada em execução se estiver ao serviço de compelir o executado ao cumprimento de uma outra obrigação na mesma execução;

por sentença transitada em julgado foi acordado que, cumpridas determinadas condições, o executado venderia determinado prédio aos exequentes, obrigação que, quando muito, deve ser exigida através dos meios legais ao dispor, nomeadamente, através da execução específica dessa promessa, sendo a ação executiva meio impróprio para a exigir;

ainda assim, a promessa de venda tinha uma condição que não foi cumprida; até à data de hoje existem trabalhos que não estão concretizados, o terreno não foi aterrado, nem foram retirados todos os materiais colocados no logradouro pelos ora exequentes; razão pela qual não era ainda – nem chegou alguma vez a ser - devida a contraprestação do embargante.

Os Exequentes deduzem oposição aos embargos, nos seguintes termos:

os exequentes indicaram o fim da execução, que é a prestação de facto, explicitando de forma exaustiva que a obrigação incumprida e que se pretende seja cumprida é a realização da escritura;

não se tendo as partes vinculado num contrato promessa, mas numa transação judicial homologada por douta sentença, o que consta e resulta do teor de uma sentença é para cumprir e não para prometer cumprir;

não podendo o tribunal obrigar o embargante a assinar a escritura, a via legal para cumprimento dessa obrigação encontra-se na fixação de uma sanção pecuniária compulsória até que tal obrigação seja cumprida, o que se peticiona;

os contestantes cumpriram com as suas obrigações nos precisos termos que foram acordados entre as partes.

Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual o tribunal anunciou estar em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, concedendo às partes a possibilidade de apresentar alegações, sendo que as mesmas deram por reproduzidos os respetivos articulados.


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Pelo Juiz a quo foi proferido Saneador/Sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

 V- Decisão

Considerando o supra exposto, o Tribunal julga procedentes por provados os embargos deduzidos e declara extinta a execução movida no âmbito dos autos principais.

Custas a cargo dos exequentes – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil


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Não se conformando com tal decisão, os Embargados interpõem recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1 - A transação e sentença homologatória, dados à execução, constituem título executivo bastante para os pedidos formulados nestes autos.

2 – Com efeito, na expressão “sentenças condenatórias” estão incluídas todas aquelas sentenças que, de forma expressa/explícita ou implícita/tácita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de uma obrigação, ou seja, a sentença, para ser exequível, não tem que, necessariamente, condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja”

3 – Do título executivo dado à execução emerge para o executado de forma expressa/explícita, desde logo, a obrigação de outorgar a escritura de compra e venda do prédio identificado no ponto 4º da transação, obrigação cujo cumprimento é peticionado nos artigos 13º e 15º do requerimento inicial,

4 – tal como emerge desse mesmo título a obrigação implícita/tácita de o executado emitir o recibo do valor de € 4.000,00 pagos pelos exequentes em cumprimento da transação e que o executado recebeu já pelo menos em 25-02-202.

5 – Tendo-se o ora executado obrigado na transação homologada por sentença transitada em julgado a vender aos exequentes o prédio urbano identificado na cláusula 4ª, ainda que essa obrigação esteja sujeita a condição, não se pode enquadrar esta obrigação como se de um contrato promessa se trate, porquanto condenado nessa obrigação, importando tão-somente averiguar se a condição foi cumprida e sendo o processo executivo adequado à verificação dessa condição e imposição da obrigação do executado e outorgar a escritura de venda.

6 - Sendo estas obrigações supra referidas, já fixadas em transação homologada por sentença judicial transitada em julgado, obrigações de prestação de facto positivo, no caso inclusive infungíveis, pois só o executado as pode cumprir,

7 – é admissível que na execução para prestação de facto o exequente, para além da realização do facto, peticione indemnização pelos prejuízos causados pela ação ou omissão do executado, bem como sanção pecuniária compulsória, a liquidar na fase liminar da execução e a satisfazer segundo as regras da execução para pagamento de quantia certa, constituindo a sentença título executivo bastante para esses pedidos – artºs 868º, 870º, a 872º, 876º e 877º do CPC..

8 – Tais pedidos têm enquadramento no título executivo dado à execução, sendo que as prestações de facto, no caso, porque infungíveis, só podem mesmo ser alcançadas mediante a imposição dessas outras condenações visando precisamente e nomeadamente a sanção pecuniária compulsória não obter um sucedâneo do cumprimento mas o próprio cumprimento, isto é, a realização da prestação pelo devedor, estimulado (compelido) a cumprir.

9 – Finalmente, a pretensão do executado de se eximir ao cumprimento das suas obrigações (em especial a da realização da venda porque a outra nem justifica) invocando um alegado não cumprimento dos exequentes, verdadeira exceção de não cumprimento, atenta toda a factualidade supra referida é manifestamente desproporcionada, injustificada e extemporânea, pelo que, depois de tudo o que os exequentes cumpriram e o executado aceitou (o pagamento dos € 4.000,00, a posse do terreno que assumiu, a retificação dos elementos registrais do seu prédio assumidos e realizados e suportados pelos exequentes), a existir algum direito do executado, a sua exigência nas referidas circunstâncias excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e fim social e económico do próprio direito e como tal manifesto abuso de direito que se invoca expressamente, razão por que menos ainda se entende o sentido da decisão sob recurso.

10 – Os pedidos formulados nos autos têm, assim, enquadramento e resultam do título dado à execução pelo que existe título executivo bastante.

Foram violados, entre outros, os artigos 703º, n.º 1, al. a), 868º, 870º, a 872º, 876º e 877º do CPC.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos de executado e ordene o prosseguimento dos autos.


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O executado/embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

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Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões colocadas pelos Apelantes, no presente recurso, são as seguintes:
1. Se a sentença homologatória da transação celebrada entre as partes é título bastante para as pretensões que se pretende exercer através do requerimento executivo apresentado pelos embargados/Apelantes.
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III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Suficiência do título para as pretensões executivas exercidas pelos exequentes/Apelantes.

Para a apreciação dos embargos de executado em apreço, a decisão recorrida atendeu à seguinte:

“III- Factualidade

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1- No dia 19.05.2022, BB e CC requereram a execução de AA, alegando e peticionando o seguinte:

“1 - Nos termos da transação outorgada nos autos em 23-02-2022, exequentes (antes réus nos autos) e executado (antes autor nos autos) acordaram entre o mais o seguinte, acordo homologado por douta sentença transitada em julgado: "2º Os Réus comprometem-se a, num prazo de oito dias, retirar todos os materiais e todas as obras que fizeram naquele prédio do Autor, melhor descritas nos artigos 11º a 16º da PI, obrigando-se a deixar esse espaço de terreno limpo e em bom estado; 3º Os Réus devem pagar ao Autor, no mesmo prazo de 8 dias, a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia que deve ser entregue à mandatária do Autor para o IBAN a indicar por esta ao Mandatário dos Réus; 4º Logo que os Réus completem os trabalhos referidos no artigo 2.º, devem comunicá-lo ao Autor, na pessoa da sua ilustre Mandatária, na sequência do que o Autor se obriga a vender aos Réus o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...10 da união de freguesias ... e ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...51 pelo preço de € 11.000,00, valor que os Réus devem entregar ao Autor no dia da escritura e prédio melhor identificado no levantamento e modelo 1 do IMI, cuja cópia se anexa a esta transação e cujo original será entregue no dia de hoje ao Mandatário dos autores, assinado e rubricado pelo Autor; 5º A escritura deve ser agendada pelos Réus, agendamento que deve ser comunicado ao Autor, por intermédio dos respetivos mandatários, sendo que correm pelos Réus todos os custos associados a essa escritura;"

2 - Por email de 24-02-2022 o mandatário dos réus comunica à ilustre mandatária do autor, entre o mais, que "Relativamente às obras acordadas realizar pelos meus clientes mais informo que se encontram todas realizadas e concluídas conforme resulta das fotos que anexo, agradecendo confirmem.", tendo anexado duas fotografias ao email (doc. n.º 1)

3 - Por email de 25-02-2022 o mandatário dos réus comunica à ilustre mandatária do autor que os réus pagaram a indemnização acordada de € 4.000,00, anexando comprovativo da transferência para a conta indicada pela ilustre mandatária dos autores e solicitando o envio do recibo logo que possível (doc. n.º 2).

4 - logo nesse dia e sem qualquer reclamação os autores tomam posse do terreno entregue pelos réus nos termos do ponto 2 e nele iniciam a realização de obras, nomeadamente realização de escavações, movimentações de terras, depósito de areias e blocos e construção de um muro conforme fotografia que se anexa como doc. n.º 3).

5 - Após estes factos, por email da ilustre mandatária do autor de 3 de março de 2022, vem reclamar que o terreno antes das obras era mais alto que a rua cerca de um metro e como tal requeria a colocação desse logradouro nesse estado e por carta do autor dirigida aos réus e por estes recebida no dia 18 de março de 2021 estes reclamam que "...até à data de hoje existem trabalhos que não estão ainda concretizados..." concretizando a seguir que: "...o terreno não foi aterrado, nem foram retirados todos os materiais colocados no meu logradouro por V.as Exas.." e fixando um prazo de 3 dias para cumprimento integral da sentença sob pena de perda de interesse na prestação dos réus e resolução contratual", concluindo estar disponível para "...fornecer acesso ao espaço em causa e retirar quaisquer objetos meus que estejam a dificultar os trabalhos, para o que agradeço entrem em contacto com a minha mandatária para o efeito." (docs. n.º 4 e 5).

6 - Por email de 19-03-2022 o mandatário dos réus comunica à ilustre mandatária do autor, entre muito mais, que os réus, não obstante entenderem ter cumprido integralmente o acordo a tal ponto de os autores terem tomado posse do terreno sem qualquer reclamação, estariam com dois homens no terreno no dia 21 de março pelas 13 horas para "...proceder à colocação da terra que vosso cliente entender ser necessária e retirar a parede de blocos...", tudo de acordo com as orientações do autor cuja presença se solicitou no local (doc. n.º 5).

7 - Ninguém respondeu a este email, nem o autor nem ninguém compareceu no local e hora marcada, seja para dar instruções seja para retirar os materiais e obras do autor lá existentes, o réu e outro homem estiveram com os equipamentos no local durante uma hora à espera após o que abandonaram o local e por email desse dia 21-03-2022, pelas 17.55 horas, o mandatário dos réus comunica à ilustre mandatária do autor esta realidade e mais comunica a marcação da escritura de venda nos termos das cláusulas 4ª e 5ª da transação para o dia 23 de março de 2022, pelas 16.30 horas, no Cartório Notarial ..., conforme já tinha adiantado em email de 16 de março de 2022 (doc. n.º 5).

8 - A ilustre mandatária do autor responde então a estes emails solicitando a alteração da data da escritura invocando ir reunir com o cliente para ele aceitar fazer a escritura e as obras como estão, adiamento que foi aceite pelos réus nos pressupostos indicados (doc. n.º 5).

9 - Por email de 19-03-2022 a ilustre mandatária do autor comunica ao mandatário dos réus que, afinal, o problema advém do facto de a Câmara Municipal não permitir que o autor faça o muro no local (que delimitaria a via pública do terreno) e solicita mais uma vez que os réus lá vão pôr terra, 10 - ao que é respondido que o réu já marcou dia, hora e local para realizar esses trabalhos, esteve no local e ninguém apareceu, não pretender imiscuir-se na atual relação do autor com a Câmara Municipal, dispôs-se suportar todos os custos da colocação de terra no local efetuando o autor tal trabalho diretamente e sob sua responsabilidade e marcou-se novamente a escritura para o dia 7 de abril de 2022 pelas 16.30 horas no Cartório Notarial ..., facto comunicado por email de 31-03-2022 do mandatário dos réus enviado à ilustre mandatária do autor (doc. n.º 5).

11 - A ilustre mandatária do autor chega a responder nunca ter tido conhecimento de nenhuma marcação antecipada para realização dos trabalhos e do email do mandatário dos réus de 19-03-2022 (que consta da sequência de emails que se junta como doc. n.º 5), 12 - no dia 7 de abril de 2022 pelas 16.30 horas o réu e seu mandatário compareceram aí para realização da escritura, tendo antes sido enviado à ilustre mandatária do autor por email cópia do cheque bancário já emitido para pagamento do preço e o autor não compareceu nem foi comunicado ou explicado o que quer que fosse relativamente a essa falta (doc. n.º 6).

13 - Até hoje o autor não se disponibilizou fazer a escritura nem sequer foi ainda enviado aos réus recibo de quitação da indemnização paga supra referida no ponto 3.

14 - Atendendo a que se acordou em que a escritura seria agendada pelos Réus e tal foi feito e comunicado ao autor nos termos acordados, o autor, ora executado, está em incumprimento da sua obrigação desde 7 de abril de 2022, entendendo-se não se justificar fixação de prazo para o mesmo cumprir. A assim não se entender então, subsidiariamente, sempre se requer seja fixado prazo não superior a 20 dias para esse cumprimento, por se reputar suficiente, ouvindo-se o executado e fixando-se o prazo judicialmente.

15 - Requer-se seja fixada uma sanção pecuniária compulsória em montante nunca inferior a € 100,00 por cada dia de atraso que já decorreu desde 8 de abril de 2022, inclusive, e em que se mantiver no futuro a recusa do executado em outorgar a escritura de venda aos exequentes do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...10 da união de freguesias ... e ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...51 pelo preço de € 11.000,00, até que tal escritura seja outorgada pelo executado e seguindo-se os demais termos de execução até cobrança do valor da sanção pecuniária,

16º - Acresce que os exequentes destinam o prédio referido no artigo anterior a um alojamento local, pretendendo reconstruí-lo para esse efeito, e o atraso na realização da escritura implica idêntico e proporcional atraso nas obras e início de exploração desse estabelecimento, causando um prejuízo mensal aos exequentes nunca inferior a € 500,00, valor que mesmo em tempos de pandemia faturaram com o alojamento local sito mesmo ao lado e de que requerem sejam indemnizados com inicio de contagem na data da instauração da presente, mais devendo assim o executado ser condenado nessa indemnização e nas custas e todos os demais encargos desta execução.”;

2- No processo referido em 1, os exequentes, ora embargados apresentaram, como título executivo, um acordo celebrado e homologado por sentença proferida, em 23.02.2022, no âmbito do processo n.º 162/17...., com o seguinte teor:

Os Réus reconhecem que o Autor é proprietário e legitimo possuidor do prédio identificado nos artigos 1º a 3º da PI;

Os Réus comprometem-se a, num prazo de oito dias, retirar todos os materiais e todas as obras que fizeram naquele prédio do Autor, melhor descritas nos artigos 11º a 16º da PI, obrigando-se a deixar esse espaço de terreno limpo e em bom estado;

Os Réus devem pagar ao Autor, no mesmo prazo de 8 dias, a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia que deve ser entregue à mandatária do Autor para o IBAN a indicar por esta ao Mandatário dos Réus;

Logo que os Réus completem os trabalhos referidos no artigo 2.º, devem comunicá-lo ao Autor, na pessoa da sua ilustre Mandatária, na sequência do que o Autor se obriga a vender aos Réus o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...10 da união de freguesias ... e ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...51 pelo preço de € 11.000,00, valor que os Réus devem entregar ao Autor no dia da escritura e prédio melhor identificado no levantamento e modelo 1 do IMI, cuja cópia se anexa a esta transação e cujo original será entregue no dia de hoje ao Mandatário dos autores, assinado e rubricado pelo Autor;

A escritura deve ser agendada pelos Réus, agendamento que deve ser comunicado ao Autor, por intermédio dos respetivos mandatários, sendo que correm pelos Réus todos os custos associados a essa escritura;

(…).”


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Apresentando como título executivo uma “Transação” celebrada entre os exequentes e o aqui executado e homologada por Sentença de 23.02.2022, através da qual o aí autor e aqui executado se obrigou a vender aos exequentes o prédio urbano que aí identificam, e invocando que o executado se encontra em mora no cumprimento de tal obrigação desde 07 de abril de 2022, os exequentes instauram a presente execução, na qual exercem as seguintes pretensões:

1. caso o tribunal assim o exija, requerem que seja fixado prazo não superior a 20 dias para tal cumprimento;

2. requerem seja fixada uma sanção pecuniária compulsória em montante nunca inferior a € 100,00 por cada dia de atraso que já decorreu desde 8 de abril de 2022, inclusive, e em que se mantiver no futuro a recusa do executado em outorgar a escritura de venda aos exequentes do prédio urbano inscrito na matriz, até que tal escritura seja outorgada pelo executado e seguindo-se os demais termos de execução até cobrança do valor da sanção pecuniária;

3. a condenação dos réus numa indemnização pelos prejuízos para sai resultantes do atraso na celebração da escritura e demais encargos com a presente execução.

O executado deduziu oposição à execução, com os seguintes fundamentos:

1. o requerimento executivo não indica a finalidade dos autos, sendo que a sanção pecuniária compulsória não foi sequer arbitrada e só pode ser peticionada em execução se estiver ao serviço de compelir o executado ao cumprimento de uma outra obrigação na mesma execução;

2. por sentença transitada em julgado foi acordado que, cumpridas determinadas condições, o executado venderia determinado prédio aos exequentes, obrigação esta que, quando muito, deve ser exigida através dos meios legais ao dispor nomeadamente através da execução específica dessa promessa, sendo a ação executiva meio impróprio para a exigir;

3. de qualquer modo, a condição aí estabelecida para o cumprimento não se mostra satisfeita: até à data de hoje existem trabalhos que não estão concretizados, o terreno não foi aterrado, nem foram retirados todos os materiais colocados no logradouro pelos ora exequentes; razão pela qual não era ainda – nem chegou alguma vez a ser – devida a contraprestação do embargante.

O tribunal a quo, entendendo disporem os autos dos elementos necessários ao efeito, julgou procedentes os embargos de executado, determinando a extinção da execução, por inexistência de título executivo para as pretensões exercidas pelos exequentes, apoiando-se no seguinte raciocínio:

- dos pontos 4 e 5. da transação, resulta a celebração de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, tendo a celebração do contrato prometido ficado dependente da verificação de uma condição, qual seja, a de os Réus completarem os trabalhos a que se obrigaram;

- os exequentes não vêm pedir que o tribunal se substitua aos promitentes alegadamente faltosos;

o que os exequentes vêm solicitar é a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da promessa de venda e, ainda, a fixação de uma indemnização mensal de € 500,00 pelos atrasos na realização das obras necessárias à exploração de um alojamento local que pretendem explorar.

- tais sanções pelo não cumprimento do contrato não resultam do próprio título, podendo antes decorrer da ponderação a decisão de um conjunto de factos que cumpre caracterizar à luz de um conjunto de normas e que, por sua vez, despoletam a aplicação da norma sancionatórias;

 impõe-se, assim, a apreciação prévia e a verificação da ocorrência de uma série de eventos que permitam apreciar a falta de celebração do contrato definitivo, objeto do contrato promessa, como um incumprimento definitivo e culposo, ou uma situação de simples mora e as respetivas consequências;

- considerando o concreto teor do título executivo, importa distinguir se a pretensão de execução se refere ao próprio objeto do contrato ou se, ao invés, se pretende, por impossibilidade de cumprir o contrato, executar outras obrigações, com objetivos indemnizatórios do incumprimento ou mora;

- neste segundo caso, como acontece nos presentes autos, a sentença não lhes serve de título executivo, na medida em que da mesma não resulta a constituição de tais obrigações e o seu reconhecimento direto no acordo celebrado e sujeito a homologação judicial.

Insurgem-se os Apelantes/exequentes contra o decidido, com base nas seguintes ordens de razões:

1. do título executivo dado à execução emerge para o executado de forma expressa/explícita, a obrigação de outorgar a escritura de compra e venda do prédio identificado no ponto 4º da transação, obrigação cujo cumprimento é peticionado nos artigos 13º e 15º do requerimento inicial, tal como emerge desse mesmo título a obrigação implícita/tácita de o executado emitir o recibo do valor de € 4.000,00 pagos pelos exequentes em cumprimento da transação e que o executado recebeu já pelo menos em 25-02-202;

2. tendo-se o ora executado obrigado a vender tal prédio aos exequentes, não se pode enquadrar tal obrigação como se de um contrato promessa se tratasse, importando tão somente saber se tal condição foi cumprida;

3. na execução para prestação de facto, o exequente, para além de peticionar a prestação pode peticionar indemnização pelos prejuízos causados pela ação ou omissão do executado, bem como sanção pecuniária compulsória, a liquidar na fase liminar da execução e a satisfazer segundo as regras da execução para pagamento de quantia certa, constituindo a sentença título executivo bastante para esses pedidos – artºs 868º, 870º, a 872º, 876º e 877º do CPC.

Cumpre apreciar

Se bem se entende a posição assumida nas suas alegações de recurso, os Apelantes sustentam poder socorrer-se da execução para prestação de facto, porquanto, do título executivo emerge expressamente a obrigação, que impende sobre o executado, de vender o prédio aos exequentes, bem como a obrigação de entrega do recibo, sendo que, peticionando nos autos tais prestações, e sendo as mesmas prestações de facto positivo, no caso, infungíveis, aos exequentes assiste ainda o direito à indemnização pelos prejuízos causados pela ação ou omissão do executado, bem como à sanção pecuniária compulsória, a liquidar na fase liminar da execução.

Mais sustentam que a obrigação que da transação emerge para o executado não pode ser enquadrada como se de um contrato promessa se tratasse, incumbindo nos presentes unicamente apreciar se a condição aí prevista para a sua realização se encontra satisfeita.

Enquadram os Apelantes as suas pretensões no artigo 868º, nº1 do Código de Processo Cicil (CPC) – execução para prestação de facto – e, considerando que o facto que o réu se encontraria obrigado a prestar – obrigação de proceder à venda do imóvel aos Exequentes – seria infungível, avançam, desde logo, com os pedidos de sanção pecuniária compulsória e de indemnização pelos danos sofridos.

Desde já, adiantamos não ser de dar razão aos Apelantes, fazendo assentar o seu raciocínio em pressupostos errados – na classificação que fazem da natureza “infungível” da obrigação de contratar assumida no contrato, ou quando negam a natureza de contrato promessa à obrigação alegadamente incumprida, ou quando afirmam que a obrigação de venda contraída pelo réu emergente diretamente da transação sendo exequível mediante a instauração de execução para prestação de facto.

Não podemos acompanhar os apelantes quando afirmam que, constando a obrigação de vender de uma transação homologada por sentença, o executado está já condenado a cumpri-la nos seus precisos termos, não havendo que a enquadrar no regime geral do contrato promessa.

Antes de mais, haverá que clarificar que, enquanto “nas sentenças em que o juiz decide um litígio entre as partes, mediante a aplicação do direito (substantivo) ao caso que se lhe apresente, as sentenças homologatórias caraterizam-se por o juiz se limitar a sancionar a composição dos interesses em litígio pelas próprias partes, limitando-se a verificar a sua validade enquanto negócio jurídico[1]”.

Na transação de que os exequentes se servem como título executivo, o aqui executado obrigou-se a vender aos exequentes determinado prédio.

A assunção da obrigação de vender determinado prédio, por parte do aí autor, integra uma promessa unilateral de venda.

O contrato promessa é definido por lei como a “a convenção pela qual alguém se obriga a futuramente celebrar um outro contrato” (artigo 410º, nº1, do Código Civil), sendo irrelevante para a determinação da sua natureza que tal obrigação se tenha constituído no âmbito de uma transação (envolvendo também esta a celebração de um contrato entre as partes) ou de um acordo/contrato extrajudicial.

O contrato promessa pode, ainda, ser caraterizado “como a convenção pela qual uma das partes se obriga perante outra, ou ambas se obrigam reciprocamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio jurídico prometido[2]”.

O contrato promessa é um verdadeiro contrato (e não um mero acordo preparatório preliminar), por via do qual, ambos ou apenas um dos contraentes (abarca não só a promessa bilateral, mas igualmente o contrato promessa unilateral), assumem o compromisso de emitir as declarações negociais correspondentes a um outro contrato, o contrato prometido[3].

E o nº1 do artigo 830º do Código Civil prevê o direito à execução específica relativamente à obrigação de celebração de um contrato: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.

“No contrato promessa as partes obrigam-se a emitir determinada declaração negocial. Estamos assim perante uma obrigação de prestação de facto positivo, cujo regime geral se carateriza pela circunstância de o direito ao cumprimento ter como garantia uma ação constitutiva – a execução específica, prevista e regulada no artigo 830º do CC.[4]

Não é uma prestação infungível[5] – a ação do tribunal pode substituir-se à intervenção do promitente.

Encontrando-se expressamente prevista a possibilidade da sua execução forçadaespecífica e não apenas por equivalente –, a obrigação de celebrar determinado contrato não pode ser qualificada como “infungível”, uma vez que para os fins da execução específica pode ser dispensada a intervenção do devedor: a vontade do devedor é prescindida para a conclusão do contrato, sendo a prestação obtida por intervenção judicial, tendo a sentença judicial aptidão para produzir os efeitos do contrato não celebrado[6].

Traduzindo-se a assunção da obrigação de vender aos exequentes um seu imóvel, constituída na transação que constituiu o título executivo, numa promessa unilateral de venda, a execução coerciva de tal obrigação haveria de efetivar-se através da ação declarativa a que se reporta o artigo 830º, em que o pedido de execução específica pode ser cumulado com um pedido pelos danos moratórios sofridos pelo atraso no cumprimento.

“A execução específica é uma ação de cumprimento que, atenta a feição constitutiva de que está dotada a sentença, permite a satisfação in natura do interesse do credor, dispensando-o de percorrer a dupla etapa de condenação no cumprimento e execução, posto que se opera a modificação jurídica que teria ocorrido se a obrigação tivesse sido cumprida[7]”.

Por outro lado, ainda que não se encontrasse previsto um regime especial para a execução da prestação de facto consistente na obrigação de celebrar um contrato, nunca aquela transação poderia constituir título executivo relativamente à obrigação de venda do imóvel aí assumida pelo aqui executado.

Com efeito, tal obrigação emerge de um contrato/transação, no qual se encontram previstas obrigações para ambas as partes:

Para os réus, aqui exequentes:

- Os Réus comprometem-se a, num prazo de oito dias, retirar todos os materiais e todas as obras que fizeram naquele prédio do Autor, melhor descritas nos artigos 11º a 16º da PI, obrigando-se a deixar esse espaço de terreno limpo e em bom estado;

- Os Réus devem pagar ao Autor, no mesmo prazo de 8 dias, a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia que deve ser entregue à mandatária do Autor para o IBAN a indicar por esta ao Mandatário dos Réus;

- A escritura deve ser agendada pelos Réus, agendamento que deve ser comunicado ao Autor, por intermédio dos respetivos mandatários

E para o autor, aqui executado:

- Logo que os Réus completem os trabalhos referidos no artigo 2.º, devem comunicá-lo ao Autor, na sequência do que o Autor se obriga a vender aos Réus o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...10 da união de freguesias ... e ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...51 pelo preço de € 11.000,00, valor que os Réus devem entregar ao Autor no dia da escritura e prédio.

As obrigações dos exequentes e do executado aí previstas encontram-se sujeitas a tempos de cumprimento distintos, resultando dos termos contratuais que o cumprimento da obrigação de venda a cargo do autor/executado só será exigível após terem sido previamente cumpridas as obrigações aí previstas a cargo dos exequentes.

Quer a obrigação de contratar emerja de um contrato extrajudicial, quer a mesma se encontre coberta por uma transação judicial homologada por sentença, a exequibilidade de tal obrigação, na ausência da fixação de qualquer prazo para cumprir, sempre dependeria da alegação e prova de que o promitente/vendedor (ou comprador) se encontrava em mora ou que houvesse recusa de cumprimento de tal obrigação, da sujeição prévia a contraditório relativamente aos mesmo e de uma atividade jurisdicional por parte do juiz, de subsunção de tais factos às normas aplicáveis.

O reconhecimento do direito dos exequentes encontrar-se-ia dependente da alegação e prova, nomeadamente, de que, em conformidade com o acordado, os exequentes haviam procedido à realização das obras nos termos em que se haviam obrigado e que haviam procedido à marcação da escritura, ou seja, que a obrigação em que o autor se havia constituído se mostrava incumprida por facto que lhe era imputável.

Ora, esta prova extravasa por completo o âmbito da ação executiva em que o título surge não só como condição necessária, mas também, suficiente da ação executiva, afirmação sem outro alcance que não seja o de dispensar “qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere[8]”.

A obrigação de prestação de facto deve emergir do próprio documento, sem necessidade de outras indagações[9].

Daí que a execução para a prestação de facto só se encontra prevista para aqueles casos em que “alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo” (nº1 do art. 868º, CPC).

Por outro lado, existem as já referidas especificidades derivadas da natureza da obrigação assumida e que se pretende executar. Quando se encontra em causa a obrigação de celebração de um contrato, tal atividade indagatória e decisória por parte do tribunal há de fazer-se na ação declarativa prevista no artigo 830º, ação esta que, contendo em si também uma fase executiva, com a exigência de o requerente oferecer, no prazo fixado pelo tribunal, a sua prestação, leva, em caso de procedência, a uma sentença que produz os mesmos efeitos do contrato prometido.

A apresentação de uma transação homologada por sentença, da qual constam obrigações para ambas as partes, e entre outras, a obrigação do executado a vender-lhes determinado prédio, não é suficiente para o reconhecimento do seu direito à execução coerciva desta obrigação (em espécie ou por equivalente).

Concluindo, os embargados não se podiam socorrer da presente execução para prestação de facto, desde logo, porque, tal como é assumido na decisão recorrida, a execução coerciva da obrigação de contratar dependia da alegação e prova da mora no incumprimento de tal obrigação por parte do devedor, indagação esta que, por complexa, não poderia ser efetuada no âmbito de uma ação executiva.

A apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida

Custas da apelação a suportar pelos Apelantes.

                                                                Coimbra, 24 de outubro de 2023


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…)



[1] José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, p. 6ª ed., p. 61.
[2] Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Princípios de Direito dos Contratos”, 1ª ed., Coimbra editora, pp. 255.
[3] Ana Afonso, “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Portuguesa, p. 79.
[4] Susana Pereira e Susana Sousa Machado, “Contrato-promessa com eficácia real – a execução específica e o regime da venda direta”, Julgar Online, Outubro 2020, p.9.
[5] A prestação de facto é infungível quando é insubstituível por uma prestação de terceiro por lhe ser essencial a pessoa do devedor; a prestação respeita a facto fungível, quando a prestação por terceiro pode igualmente satisfazer o interesse do credor – Cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3º, Almedina, p. 901, anotação ao artigo 868º.
[6] Ana Prata, “O Contrato e o Seu Regime Civil”, Almedina, pp. 65-66.
[7] Ana Afonso, “Comentário (…), anotação ao artigo 830º, pp.1241-1242.
[8] Artur Anselmo de Castro, “A Ação Executiva Singular, comum e especial”, Coimbra 1973, p.14.
[9] António Abrantes Geraldes, afirmando, ainda a tal respeito: “Deste modo apesar de se encontrar inscrita num contrato de compra e venda a obrigação de execução de determinados trabalhos de reparação de avarias de bens vendidos dentro da garantia, não basta a invocação desse contrato para se executar o imediato cumprimento da obrigação, a qual pressupõe a prévia discussão de outros factos que não se encontram ainda assegurados. Em tais circunstâncias o acertamento que carateriza o ingresso na ação executiva mostra-se insatisfeito, dependendo da confirmação dos pressupostos da obrigação exequenda” – “Títulos Executivos”, Revista THEMIS, Revista da FD da UNL, Ano IV – nº7 – 2003, p. 39.