Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4751/15.7T8VIS-T.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO EM QUE A MASSA INSOLVENTE SEJA PARTE
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
PODERES PARA DESISTIR
CONFESSAR OU TRANSIGIR
CONCORDÂNCIA DA COMISSÃO DE CREDORES
DELIBERAÇÕES DA COMISSÃO
INVALIDADE
DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º, 55.º, N.º 8, E 69.º DO CIRE E 573.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Nos termos do artigo 17.º do CIRE, “os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”, nomeadamente o princípio da concentração da defesa aí consagrado.
II – Estes princípios, fazem recair “sobre os ombros do réu/requerido” o ónus de, na contestação/oposição, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória; tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa, na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. Se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.

III – Nos termos do artigo 55.º n.º 8 do CIRE, o administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.

IV – É certo, que nos termos da norma do artigo 69.º do CIRE, a comissão de credores reúne sempre que for convocada pelo presidente ou por outros dois membros e que esta não pode deliberar sem a presença da maioria dos seus membros, sendo as deliberações tomadas por maioria de votos dos membros presentes, e cabendo ao presidente, em caso de empate, voto de qualidade.

V – Mas, não existe qualquer obrigação legal decorrente do disposto no art.º 69º do CIRE ou de qualquer normativo legal, para que as deliberações da comissão de credores sejam tomadas sempre em reunião convocada para o efeito; nada impede e até o exige o ritmo processual do CIRE, que as decisões da comissão de credores possam ser tomadas de forma mais expedita, não se exigindo a presença física dos membros em reunião, após convocatória.

VI – Ainda que seja defensável um regime misto no direito falimentar relativamente à natureza dos interesses protegidos, afigura-se-nos que a lei visa, essencialmente, a defesa do interesse dos credores, ao exigir no n.º 8 do citado artigo 55º a concordância da comissão de credores para que o administrador de insolvência possa desistir, confessar ou transigir em qualquer processo em que a massa insolvente seja parte, pelo que a inobservância desse normativo constitui uma nulidade relativa que só pode ser arguida pelos credores, individual ou colectivamente.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4751/15.7T8VIS-T.C1

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

Na assembleia de credores realizada no dia 04-05-2023, foi concedido o prazo de 10 dias para os credores e a insolvente requererem o que tivessem por conveniente.

A credora A..., Lda. apresentou o requerimento com a ref.ª 5932953 [45567575] de 15-05-2023, tendo concluído pela destituição do administrador da insolvência por justa causa e pela nulidade de escritura de venda celebrada a 13 de dezembro de 2022 no Cartório Notarial ..., indicando como fundamento legal deste pedido os artigos 161.º e 163.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem).

Os credores AA, BB, CC (requerimento com a ref.ª 5940886 [45608201] de 18-05-2023) também se pronunciaram sobre a questão, tendo respondido aos documentos juntos pela credora A..., Lda.

A credora A..., Lda. respondeu ao requerimento apresentado pelos credores AA, BB e CC tendo concluído no sentido de ser declarado(a)

a) a nulidade da escritura de cessão outorgada entre a Massa Insolvente e a B... a 13-12-2022 no Cartório Notarial ..., nos termos do art.º 280º do Código Civil;

b) que é a Massa Insolvente a titular dos direito litigiosos reclamados no processo nº 318/11...., nomeadamente a invocada posse exclusiva para usucapir bem como, subsidiariamente, o direito à indemnização pelas construções edificadas no terreno;

c) a posse exclusiva da B... sobre parte do prédio referida pelos Requerentes não é suportada por qualquer prova, facto ou documento, pelo que não poderá ser aceite;

d) a discrepância entre os valores de cessão dos direitos da Massa e a contrapartida recebida é obscena;

d) por violação do disposto nos artigos 161.º e 163.º do CIRE seja decretada a nulidade da escritura de venda celebrada a 13 de dezembro de 2022 no Cartório Notarial ..., uma vez que as obrigações assumidas pelo Administrador de Insolvência excedem manifestamente as assumidas pela B... (ref.ª 5969137 [45745247] de 01-06-2023).

Os credores AA, BB e CC pronunciaram-se no sentido de a credora A..., Lda. não ter direito a responder / replicar ao articulado que apresentaram, tendo concluído no sentido de ser desentranhado o requerimento de 01-06-2023 (requerimento com a ref.ª 5989684 [45842331] de 14-06-2023).

A credora A..., Lda. não se pronunciou sobre a questão suscitada no requerimento de 14-06-2023.

Pelo Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:

“Termos em que, pelos fundamentos expostos:

3.1. Indefiro o pedido de desentranhamento do requerimento de 15-06-2023;

3.2. Indefiro o pedido de declaração de ineficácia nos termos e para os efeitos do artigo 161.º e 163.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

3.3. Indefiro o pedido de destituição do administrador da insolvência;

3.4. Absolvo a sociedade A..., Lda., do pedido de condenação como litigante de má-fé;

3.5. Indefiro o pedido de destituição da credora A..., Lda. Como membro da comissão de credores.

Notifique.

D.n.

*

17-07-2023 (15-sáb.)

A... LDA., na qualidade de Credor e membro da Comissão de Credores na insolvência supra referenciada, notificada do despacho de 17.07.2023 (ref. Citius 9338368) que não admitiu e mandou desentranhar o articulado refª 5969137 (45745247) de 01.06.2023 e indeferiu o pedido formulado no requerimento de 15.05.2023, vem, nos termos do artº 14º do CIRE, dele interpor recurso com subida imediata e com efeito devolutivo, formulando as seguintes conclusões:

I. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A. Na escritura de cessão de crédito (ref. 5658411) celebrada entre o administrador da massa e a B... o administrador de insolvência não quantifica o valor dos direitos/créditos cedidos, sendo o preço pago pela B..., a assunção “a título de compensação”, dos encargos devidos pela Massa Insolvente no processo 318/11.... (custas, procuradoria, taxas de justiça ou outros) bem como os honorários de advogado que patrocinou a Massa Insolvente nos autos

B. A 15.05.2023 (ref. 5932953 a credora DD apresentou no Tribunal “a quo” um requerimento requerendo a) a destituição do administrador de Insolvência por justa causa e b) por violação do disposto nos artºs 161 e 163 do CIRE fosse decretada a nulidade da escritura, uma vez que as obrigações assumidas pelo Administrador de Insolvência excedem manifestamente as assumidas pela B....

Para prova do valor dos bens e créditos que foram cedidos pela Massa Insolvente à B..., a ora recorrente juntou cópia da contestação/reconvenção apresentada pela ora insolvente, a C... (doc. nº 2 com o requerimento ref. 5932953)

C. No processo em causa, em contestação/reconvenção, a C..., ora insolvente, invoca em primeiro lugar a acessão industrial imobiliária, já que teria efectuado no prédio causa sito em ..., ..., obras e edificações de valor superior ao valor do terreno, pedindo por isso que lhe seja transmitido o prédio, uma vez que alega ter construído o edifício no terreno, suportando todos os custos, que são superiores aos do valor do terreno – artºs 116 a 140 da contestação/reconvenção (doc. nº 2 com o requerimento 5932953) e que o prédio em causa, com as edificações incorporadas pela C..., passou a valer € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) valor calculado pela ora insolvente no ano de 2011. (artº 125 e 134 da contestação/reconvenção.)

D. A ora insolvente C... Lda. invocou, em alternativa, a usucapião pedindo o reconhecimento da propriedade sobre o prédio em causa sito em ..., ..., afirmando-se proprietária do mesmo, com exclusão de outrem, conforme se verifica na contestação/reconvenção junta (artºs 141 a 155 da contestação/reconvenção)

E. Subsidiariamente, a C..., para o caso dos pedidos anteriores de acessão e usucapião não procederem, pede uma indemnização pelas obras executadas no terreno, numa quantia que se cifra em € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) – artºs 157 da contestação/reconvenção

F. Na perícia colegial mandada efectuar efectuada pelo Tribunal ... para avaliar o custo da obra – doc. nº 4 (relatório pericial) junto com o requerimento citius 5932953 de 15.05.2023 - os peritos chegaram à conclusão de que o valor das obra efectuadas, à data actual, ascenderia ao montante global de € 1.037.000,00 (um milhão e trinta e sete mil euros) correspondente à soma dos valores de avaliação das obras efectuadas nos dois lotes de terreno.

a) No terreno com 3.000 m2 o custo das obras efectuadas ascenderia a € 313.000,00 ou € 442.000,00 à data actual. (pág. 20 do relatório pericial)

b) O custo da obra lote de terreno inscrito na matriz urbana sob o artº ...38 o custo das obras ascenderia a € 447.000,00 ou € 634.000,00 à data actual. (pág. 73 do relatório pericial)

G. Os valores referidos constantes dos pedidos reconvencionais apresentados pela ora insolvente, C... Lda. no processo 318/11...., cedidos à B..., não foram aqui impugnados.

H. O Tribunal ignorou o alegado pela ora recorrente e os referidos documentos, não tendo levado aos factos provados os valores do crédito/direitos cedidos nem tendo justificado a razão porque eles foram desconsiderados. (nº 4 do artº 607º do CPC)

I. Tais documentos, nº 2 e 4 juntos com o requerimento de 15.05.2023 (5932953) permitiriam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que perante a prova produzida deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto (nº 1 do artº 662º do CPC,

J. O Tribunal de 1ª Instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto uma vez que os documentos correspondentes à contestação/reconvenção e o relatório de peritagem, nunca foram contrariados por qualquer outra prova, são documentos que imporiam uma decisão diferente sobre a matéria de facto provada,

K. Sendo certo de se o valor dos bens e créditos que integram os direitos cedidos têm um valor de milhões de euros, factos que se tivesse sido dado como provado, imporiam uma decisão diversa da recorrida, uma vez que provaria que estamos perante um acto de especial relevo (nº 3 do artº 161 do CIRE) ficando a alienação destes direitos sujeitos ao disposto dos nº1 e 4 do mesmo artigo,

L. ficando ainda claro que o administrado judicial, ao ceder estes direitos por a assunção pela adquirente das custas e despesas em dívida naquele processo, custos que podemos estimar numa quantia que à partida não excederá os cinco mil euros, (0,0125% do valor dos direitos cedidos) as obrigações assumidas pelo administrador excedem manifestamente as da B... - artº 163 do CIRE.

M. Pelas razões expostas, deveria ser dado como provado e aditado aos factos provados que:

N. O valor do crédito e demais direitos litigiosos peticionados pela ora insolvente no âmbito do processo 318/11.... que que foram cedidos à B..., foram avaliados pela C... Lda. no referido processo em € 4.000.000,00, correspondente ao valor do prédio cuja propriedade reivindica, quer por acessão imobiliária quer por usucapião, e subsidiariamente o valor quatro milhões de euros a titulo de indemnização pelas obras executadas.

O. Caso o Tribunal “a quo” entendesse que tais documentos não faziam prova suficiente para apurar os valores do crédito e direitos litigiosos cedidos deveria, nos termos ordenar a produção de novos meios de prova, (al. c) do nº 2 do artº 662º do CPC

P. No ponto 16 dos factos que relevam para a decisão, o Tribunal, sem qualquer fundamento ou prova nos autos, indica os seguintes factos como provados:

- que a massa não pretende ser parte do processo nº 318/11...., “conforme decidido pela comissão de credores.

Q. Ora, nunca a comissão de credores se pronunciou sobre o assunto, sendo falsa esta afirmação do administrador, levada aos factos provados, tendo a DD impugnado já tal afirmação no ponto 7 do seu requerimento de 15.05.2023.

R. Afirma ainda o Administrador de insolvência que é previsível que o processo 318/11.... que “teve inicio em 05.01.2011 tenha uma duração nunca inferior a 4/5 anos...e que existe uma incerteza quanto ao seu resultado, contrariando a informação constante no mail do mandatário da massa junto com o requerimento do ministrador de insolvência (ref. 5400152 de 05.07.2022) contraria esta informação, já que “o processo se encontra na sua fase final, havendo, inclusive face à perícia que foi realizada nos autos, fortes possibilidades de sucesso desta acção”, ou seja, que o processo estaria decidido a curto prazo.

S. Aduz ainda o administrador de insolvência, sem juntar qualquer prova, que a Comissão de credores tem vindo a fazer enorme pressão junto do administrador de insolvência para que este adopte as medidas necessárias à conclusão do processo de insolvência, o que é falso já que a comissão de credores nunca tomou posição sobre a continuação ou encerramento do processo de insolvência.

T. Por serem falsos e não terem qualquer tipo de fundamentação deverão tais considerandos ser retirados do ponto 16 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redacção:

16. Em 13 de dezembro de 2022, o administrador da insolvência juntou requerimento apresentado cópia da escritura intitulada de “cessão de crédito”, celebrada no dia 13-12- 2022, na qual o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, declarou perante notário, que consignou a escrito as suas declarações naquela escritura, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz ..., sob o processo n.º 318/11...., ação judicial em que é autora a sociedade comercial com a firma D..., S.A., ré a massa insolvente de C..., Lda. e interveniente a sociedade comercial com a firma B..., Lda., que no âmbito deste processo ambas deduziram reconvenção, que o processo teve início em 05-01-2011 sem que, até à data, se tenha realizado a respetiva audiência de julgamento, e sem que exista sequer, data designada para a referida diligência, enquanto ré e reconvinte no mencionado processo, pelo que cede integralmente à segunda outorgante (B..., Lda.) o direito litigioso de que é titular como ré /reconvinte no mencionado processo; por sua vez, AA, em representação da sociedade B..., Lda., declarou que a sociedade que representa aceita integralmente a posição da primeira outorgante, como ré/reconvinte no processo acima identificado, assumindo, assim, a posição processual da primeira naqueles autos, com todos os inerentes direitos e obrigações, considerando que, por esta via, fica, por natureza, salvaguardado o direito de preferência que lhe assistia na alienação de que a primeira outorgante procede e que as segunda outorgante aceita como adquirente, mais declara assumir integralmente, a título de compensação e preço, todos os encargos devidos pela primeira outorgante no processo identificado (custas, procuradoria, taxa de justiça ou outros), bem como os honorários do advogado que tem patrocinado a primeira outorgante nos autos e, e bem ainda, os honorários devidos pelo patrocínio da massa insolvente no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz ..., sob o processo n.º 1225/12...., que a segunda outorgante obriga-se a, quando considerar processualmente oportuno e adequado, requerer a junção ao processo n.º 318/11.... do documento de cessão de direito litigioso, suscitando nele um incidente de habilitação, nos termos do artigo 356.º do Código de Processo Civil (requerimento de 13-12-2023).

U. Nos pontos 18 e 19 dos factos que relevam para a decisão, o Tribunal considerou a informação de que o Sr. DD seria proprietário de oito mil acções na sociedade D..., A. no processo nº 318/11..... V. O Sr. DD e a sociedade A... Lda. são pessoas jurídicas distintas.

W. O Sr. DD não é credor nem parte no presente insolvência, e os seus assuntos enquanto sócio da D... S.A. serão tratados no lugar próprio, o Tribunal Judicial ....

X. A A... Lda., enquanto credora da insolvente, tem o direito de acautelar os seus interesses e, enquanto membro da Comissão de Credores, de fiscalizar e proteger todos os credores da insolvente e assim tem pautado a sua intervenção nos autos.

Y. O negocio ruinoso que o administrador celebrou com a B... prejudica a A... Lda. e todos os credores, já que a eventual cobrança do crédito e dos direitos de avultado valor que a insolvente reclama no processo 318/11.... daria para pagar quase metade aos credores comuns, que, até à data, nada receberam, ainda por cima quando existe a garantia de pagamento através do prédio de ....

Z. Face ao exposto e porque a matéria julgada como provada nos pontos 18 e 19, se refere a pessoa que não está nos autos e nada tema a ver com estes, se requer a sua anulação.

II. Quanto à decisão de inadmissibilidade da resposta e desentranhamento do requerimento da ora Requerente:

AA. No seu requerimento de 15.05.2023 (ref. Citius 5932953) a credora A... Lda., refere que, em 2011 e antes de ter sido declarada insolvente, a C... Lda, no âmbito da acção judicial que lhe foi intentada, e que corre os seus termos no Tribunal ... – processo nº 318/11...., contestou e deduziu um pedido reconvencional, - doc. junto com º 2 - com o fundamento de que teria efectuado obras e edificações de de valor superior ao valor do terreno, suportando todos os custos que são superiores aos do valor do terreno,

BB. e que o valor dos prédios em causa com as obras e edificações incorporadas ascendia então (em 2011) a € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) pelo que pedia o reconhecimento da propriedade sobre o tal prédio sito em ..., ... e ainda do terreno anexo, invocando para o efeito a acessão industrial e, subsidiariamente, a usucapião e para o caso de tais pedidos não procederem a insolvente, a sociedade C... Lda. pedia uma indemnização pelas obras executadas no prédio e terreno anexo, no valor de € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros)

CC. Que neste processo nº 318/11... foi pedida pela C... Lda., ora insolvente, a intervenção principal da sociedade B..., mas porque esta sociedade não deduziu qualquer pretensão naqueles autos o Tribunal indeferiu o pedido desta para que pudesse ser considerada comproprietária, indeferindo também o pedido de condenação da A. no pagamento de obras, eventualmente executadas pela B....

DD. A 18.05.2023 AA, BB e CC, através de requerimento (ref, Citius 5940886) e na qualidade de credores da insolvência, vieram expor o seguinte: - Que (artº 19º do referido requerimento) “a acção que integra o processo 318/11.... visa a restituição (diga-se que impossível) do lote propriedade da D..., que constitui uma ínfima parte do terreno ocupado com a edificação das instalações de escritórios e que, há muito estão exclusivamente na posse da B..., uma vez que a massa insolvente não detém, nem podia deter tal posse.” - Aliás (artº 20º do mesmo) estas desproporções eventuais € 4.000.00,00 (quatro milhões) e os € 442.000,00 (quatrocentos e quarenta e dois mil euros) que a avaliação unânime dos perito reconheceu corresponder à parte edificada sobre o lote propriedade da D... S.A., dá bem noção da complexidade da questão e do infundado do poder de estar em causa, em beneficio, ou em prejuízo da massa insolvente, valores irrealistas.” - Acrescentam ainda no ponto 22 do referido requerimento que “ a razão de não ser pensável haver qualquer outro interessado nessa cessão contratual, pela circunstância de a B... ter construído, a suas exclusivas expensas, a maior parte do edifício de escritórios e ser a única e exclusiva entidade que está na posse de todo o imóvel edificado e, consequentemente, também o lote propriedade de D... S.A., que é objecto de acção reivindicativa em causa, associada a pedido de indemnização pela ocupação do mesmo lote. - E que – ponto 23 do referido requerimento – a área total em que está implantada a construção em causa, corresponde a 4.568m2 e a parte correspondente ao lote 2, propriedade de D... S.A., a A. naquela acção é de apenas 790m2, ou seja , 17% daquele total, razão pela qual o edificado naquele lote corresponde ao valor de 442.000,00 (quatrocentos e quarenta e dois mil euros) e envolve os direitos que assiste à B... pela construção que edificou, em parte sobre aquele lote.”

EE. é rotundamente falso tudo o que vem aduzido no referido requerimento onde não é junta qualquer prova.

FF. Quando do processo 318/11.... os requerentes AA e demais irmãos, que eram à data sócio gerentes da ora insolvente, C... Lda., não tinham dúvidas de que a posse do terreno a usucapir, a sua propriedade por acessão imobiliária ou usucapião e subsidiariamente o direito à indemnização por todas as obras executadas nesse terreno eram um direito da ora insolvente.

GG. Acresce que, na referida acção 318/11.... não foi reconhecido nenhum direito à B..., tendo inclusivamente o Tribunal ... decidido em sede de audiência prévia (doc. nº 7 junto ref. Citius 5932953) o seguinte: “cumpre notar que a interveniente (B...) nunca deduziu qualquer pretensão nestes autos de onde não faria qualquer sentido aceitar a ampliação do seu pedido para que passasse a ser considerada comproprietária, pelo que, neste tocando, indefiro a pretensão. Vem ainda a interveniente (B...) alegar que despendeu € 1.530.560,00 em obras e requer a condenação da Autora no pagamento de tal valor. Como é bom de ver, também esta pretensão tem de improceder precisamente por não ter sido tempestivamente deduzida e por não se poder ampliar um pedido que nunca foi formulado”

HH. Nunca tendo a B... invocado a posse e a sua vontade de usucapir o direito a que se refere a posse no âmbito do processo 318/11.... e tendo aí os sócios e gerentes da ora insolvente – que são os mesmos da B... - invocado que a posse do terreno e do prédio nele construído era da C... com exclusão de outrem, “não se percebe” como mudaram agora de opinião, reivindicando agora para a B... essa posse, sem que esta sociedade nunca a tenha invocado para usucapir, nesse ou em qualquer outro processo judicial, sem referir qualquer fundamento legal ou de facto que sustentem as afirmações vertidas nos artºs 19 a 23 e 30 do seu requerimento.

II. e tais factos e as questões de direito deles decorrentes, que tiveram influência na decisão da causa, pelo que deveria ter sido dada a oportunidade à ora recorrente para, sobre os mesmos, exercer o seu direito ao contraditório.

JJ. Direito que foi negado à ora recorrente, ao não ser admitido o articulado de resposta (nº 4 do artº 3º do CPC), que foi mandado desentranhar pelo Tribunal que condenou a A... nas custas do incidente.

KK. A inobservância do contraditório (nº 4 do artº 3º do CPC) constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual (artº 195º do CPC) já que tal omissão influenciou o exame e decisão da causa, sendo nula a decisão quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico.

LL. Pelo que, por violação do nº 4 do artº 3º do CPC deverá ser anulada a decisão de não admissão do articulado refª 5969137 e o seu desentranhamento, bem como a aplicação das custas pelo incidente determinadas pelo tribunal, com as consequências previstas no artº 195º do CPC.

III. Quando ao consentimento dado pela Comissão de Credores para a cessão do crédito:

MM. A talhe de foice, desde já se diga que a cessão mencionada no artº 16º dos factos provados, feita por negociação particular, trata-se, manifestamente diga-se, de um negócio que assume um especial relevo que não foi autorizado pela Comissão de Credores.

NN. No entanto, o Tribunal decidiu que, “Admitindo que está em causa um acto de especial relevo, a sua realização dependia do consentimento da comissão de credores. Contrariamente ao alegado pela credora A... Lda., a cessão teve o consentimento da comissão de credores.”

OO. Por outro lado e nos termos do nº 1 do artº 161º do CIRE “Depende do consentimento da comissão de credores a prática de actos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência.”

PP. Dispondo o nº 4 do mesmo artigo que “a intenção de efectuar alienações que constituam especial relevo por negociação particular bem como a identidade do adquirente e todas as demais condições do negócio deverão ser notificadas à comissão de credores com a antecedência mínima de 15 dias relativamente à data da transacção.”

QQ. Tendo concluído o Tribunal recorrido, equivocamente diga-se, que a comissão de credores deu consentimento ao pedido constante do artigo oitavo dos factos provados, seja de forma expressa (pela credora E...), seja pelo silêncio dos restantes membros da Comissão de Credores.

RR. Convém, por isso, referir que, nos termos do art.º 69º do CIRE, as decisões da Comissão de Credores são tomadas por deliberação da maioria dos seus membros e depois de regularmente convocada reunião para o efeito, sendo que, dos factos julgados provados pelo Tribunal, não resulta que (i) tenha sido convocada qualquer reunião para o efeito, (ii) tenha ocorrido qualquer deliberação colegial da Comissão de Credores, não se podendo presumir que a passividade da maioria dos seus membros constitua e produza os efeitos de um consentimento prévio, necessariamente expresso, da proposta do Administrador de Insolvência.

SS. Não se pode, por isso e no caso concreto, falar em qualquer autorização tácita ou aprovação tácita, já que a mesma tem de ser pedida, analisada e decidida, (artº 218º do C.C.), na medida em que o consentimento não é uma mera formalidade burocrática, devendo ser prestado de forma informada e expressa. (Nesse sentido os Acordãos TRE, proc. 114/152T8RMZ-D-E1 de 10.05.2017, TRP 1212/12.0TYVNG-F.P1 de 13.06.2019,TRG 1040.7BVVD-F.G1, TRP 3/10.7BMLD-O.P1 entre outros).

TT. Sendo certo que “não havendo lei, uso ou convenção que atribua ao silêncio valor declarativo, ele não valerá como tal, sem necessidade de sabermos se a pessoa devia ou não falar” (anotação ao artº 218 do CC anotado de Pires de Lima Antunes Varela)

UU. Pelo que, e há falta de qualquer elemento de prova que indicie em sentido contrário, só se poderá de concluir que não existiu consentimento prévio da comissão de credores para a cessão à B..., tendo sido violado o disposto no nº 1 do artº 161º do CIRE e tendo o administrador de insolvência celebrado o negócio em apreço destituído dos poderes necessários para o efeito.

VV. Por outro lado, o negócio jurídico em causa – que se poderá ter como enformando a compra e venda de um direito litigioso -, não corresponde a nenhuma das propostas que foram apresentadas pelo administrador de insolvência à comissão de credores, na medida em que, o administrador de insolvência, acabou por proceder à venda dos créditos e direitos que a insolvente peticionou no processo 318/11...., no âmbito do pedido reconvencional deduzido,

WW. Não tendo, em qualquer caso, o administrador da insolvência obtido previamente o consentimento da Comissão de Credores para esta cessão/venda, nunca tendo, aliás, colocado à apreciação desta (comissão de credores) o negócio que viria a ser efectivamente celebrado por si, em representação da massa insolvente.

XX. O consentimento da comissão de credores é necessário para a prática de actos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência e a cessão venda de créditos e direitos de propriedade sobre bens que a própria C... Lda., a ora insolvente, avaliou em € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros) é um acto de especial relevo – alínea g) do nº2 do artº 161 do CIRE - que só pode ser praticado com autorização da comissão de credores, de acordo com o disposto no nº1 do citado artº 161º, pois, atento o acervo patrimonial apreendido nos autos, o volume de dívida reclamado e o valor obtido em sede liquidação do património da devedora, tal conclusão assumir-se-á como de palmar evidência.

YY. Acresce que, o preço da venda a efectuar é um elemento essencial do contrato a celebrar, pelo que, para que a Comissão de Credores preste o seu consentimento em face do valor do negócio que o Administrador pretenda efectuar - importando notar que, em conformidade com o disposto nos nºs 4 e 5 do citado artº 161º e estando em causa uma alienação que constitui acto de especial relevo e que vai ser efectuada por negociação particular - , a identidade do adquirente e as concretas condições do negócio sempre teriam que ser comunicadas à comissão de credores com a antecedência ali mencionada, para, então, ser autorizada a venda nos termos previamente comunicados de forma clara, expressa e objectiva. O que, no caso, não aconteceu.

ZZ. A comissão de credores tem de autorizar a venda/cessão dos créditos e essa autorização tem que abranger as condições essenciais do negócio, para que o juízo ponderativo da Comissão de Credores seja efectuado de forma verdadeiramente informada e tendo em conta o efectivo risco ou prejuízo para a massa insolvente.

AAA. No caso presente administrador de insolvência limitou-se a informar que iria “tentar que os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transaccionados com o outro executado” não tendo prestado qualquer informação sobre o valor dos direitos e créditos cedidos nem sobre o valor pelo qual iria ser efectuada a cessão desses direitos, de forma a que a comissão de credores pudesse avaliar se tal negócio era favorável ou prejudicial para a massa e para os credores da insolvência.

BBB. Nunca poderia, por isso, a Comissão de Credores ter autorizado a celebração de um negócio do qual não obteve qualquer informação quanto aos seus elementos essenciais, tendo a sua celebração ficado unicamente sujeita à arbitrariedade do administrador de insolvência.

CCC. Neste sentido, aliás, bem decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, processo. 6681/14.0T8CBR-P.C1 de 2002.2019, I. “A venda/cessão de créditos de valor relevante que constituem uma parte significativa dos bens integrados na massa insolvente corresponde a acto de especial relevo para os efeitos previstos no artigo 161 do CIRE e como tal depende do consentimento da comissão de credores, uma vez que a decisão de optar pela cessão de créditos – ao invés de proceder à respectiva cobrança – envolve riscos com repercussões nas perspectivas de satisfação dos credores da insolvência. II. Uma vez que os riscos envolvidos na operação - que dão ao acto um carácter de especial relevo – estão associados ao valor pelo qual se perspectiva proceder à venda dos créditos e ao valor que se perspectiva ser possível recuperar por via da respectiva cobrança judicial, a autorização da comissão de credores há-se abranger o preço pelo qual o negocio será efectuado, devendo ainda abranger abranger outras condições do negocio que envolvam algum risco ou prejuízo para a massa insolvente e para satisfação dos direitos dos credores.

DDD. Ora, efectivamente, a Comissão de Credores não foi ouvida sobre a modalidade da alienação, nem informada do valor base fixado ou do preço da alienação projectada, bem como da identidade do adquirente.

EEE. Por outro lado, dúvidas também não restarão de que existe uma discrepância enorme entre os valores atribuídos ao direito litigioso transmitido e a à contrapartida atribuída à massa insolvente, na medida em que a diferença entre os valores atribuídos na acção para o prédio reivindicado (cerca de € 4.000.000,00) e para as obras executadas (cerca de 1.000.000,00 nos termos do relatório pericial realizado naqueles autos), e os valores atribuídos pela escritura de cessão se mostra como constituindo um prejuízo chocantemente evidente para a massa insolvente,

FFF. Pois que, o valor da contraprestação prestada pela B..., enquanto adquirente do direito litigioso, apresenta-se como constituindo uma infinitésima parte do valor do bem cedido pela massa insolvente.

GGG. A cobrança do valor dos € 4.000.000,00 (quatro milhões) – valor estimado do direito litigioso nos termos em que a insolvente conformou a sua posição processual nos autos do processo 318/11.... - permitiria aos credores comuns um pagamento de uma parte importante dos seus créditos, representando este valor mais de 80% dos valores obtidos em sede de liquidação.

HHH. A actuação do Administrador de Insolvência, em desrespeito da lei, é culposa e ilegal e mesmo no caso de se entender que, em virtude da violação do disposto no artº 161 do CIRE, não prejudica a eficácia dos actos do Administrador de Insolvência – o que não se concede -, tal não sucederá se as obrigações por ele assumidas excedem manifestamente os da contraparte – artº 163º do CIRE - como é manifestamente o caso.

III. Por outro lado, a situação criada pelo Administrador de Insolvência, a omissão grave e intencional de informação relevante sobre a alienação e a sua efectivação sem que estivesse devidamente munido do necessário prévio conhecimento - com gravíssimos prejuízos para a Massa e todos os credores, numa actuação violadora dos deveres inerentes ao cargo e de uma gestão criteriosa -, causou uma quebra total de confiança naquele, e constitui justa causa de destituição conforme o nº 1 do artº 56º do CIRE e ainda por violação do disposto no nº 2 do artº 12º do Estatuto do Administrador Judicial.

Em suma,

JJJ. O Tribunal recorrido, tendo apreciado a matéria de facto apurada nos autos nos termos em que o fez, sempre se terá que ter como incorrendo em manifesto erro na sua apreciação, pelo que, sempre deverá o presente Tribunal proceder à sua alteração nos termos e com os fundamentos que já ficaram expressos, i.e., por alteração, aditamento e anulação, dando-se por cumprido o ónus artº 640.º CPC.

KKK. Cumulativamente, o exercício de desentranhamento laborado pelo Tribunal recorrido no Despacho de que se recorre, sempre se deverá ter como violando o direito à defesa e ao contraditório da Recorrente, na medida em que, estando em causa a invocação de factos extintivos, sempre deveria ter sido concedido direito de pronúncia sobre os mesmos à Recorrente,

LLL. Assim não procedendo, o Tribunal recorrido não só violou o disposto no nº 4 do artº 3º do CPC, como incorreu em omissão de acto legalmente devido, incorrendo na prática de nulidade processual nos termos do disposto no nº 1 do artº 195º do CPC,

MMM. Procedendo a uma interpretação dos referidos dispositivos violadora do direito à tutela jurisdicional efectiva, conforme previsto no artº 20º da CRP, e, assim suscitando a sua inconstitucionalidade material.

NNN. Por outro lado, ao decidir como decidiu no que ao cumprimento do dever de solicitação de consentimento prévio à Comissão de Credores, o Tribunal a quo violou, de forma manifesta diga-se, o disposto nos artºs 161º e 163º, do CIRE, ao proceder à outorga, por forma pública, de cessão de direito litigioso sem que estivesse munido do prévio e necessário consentimento prestado pela Comissão de Credores,

OOO. Tal actuação, para além de se mostrar como ostensivamente prejudicial para a massa insolvente e para os interesses dos credores reconhecidos nos autos insolvenciais, enforma, também, justa causa para a destituição do Administrador da Insolvência, nos termos em que o preconizam o nº 1 do artº 56º do CIRE e ainda por violação do disposto no nº 2 do artº 12º do Estatuto do Administrador Judicial.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs certamente suprirão, deverá o Despacho ora recorrido ser revogado, pronunciando-se o Tribunal ad quem dando provimento ao presente recurso de apelação, por provado, conhecendo do não cumprimento de dever de prévia obtenção do consentimento da Comissão de Credores, conforme legalmente imposto, ordenando, em consequência, a necessária destituição do Administrador da Insolvência nomeado nos autos. Com o que se fará a tão costumada. JUSTIÇA.

A Massa Insolvente de C..., Lda. apresentou as suas contra-alegações, invocando uma questão prévia e concluindo pela improcedência do recurso.

2. Do objecto do recurso

2.1 - Da questão prévia;

Alega a Apelada:

“Afigura-se que no presente caso se coloca a questão prévia de saber se à Recorrente, enquanto credora integrante da comissão de credores, e atento todos os seus antecedentes e percurso, bem como conduta processual, assiste o direito de recorrer.

Na verdade, o que aquele credor Recorrente pretende pôr em causa é a regularidade da cessão, por escritura pública, da posição processual da Insolvente no proc. n.º 318/11...., em que é Autora D....

Efectivamente, o direito de recurso está associado à circunstância de se ficar vencido relativamente à decisão de que se recorre. Naturalmente, tal questão está intrinsecamente ligada à má-fé e ao abuso de direito que são evidentes na conduta da Recorrente no presente caso.

Com efeito, enquanto membro da comissão de credores, a Recorrente nada opôs à cedência da referida posição processual à B..., nos exactos termos previamente apresentados pelo Administrador de Insolvência (adiante AI) e, até mesmo, com maiores benefícios para a massa insolvente.

Tudo isto resulta, da circunstância do credor/Recorrente A..., Lda., pretender usar os presentes autos para a salvaguarda de interesses da pessoa singular DD, totalmente estranhos aos presentes autos de insolvência.

A posição da Recorrente foi clara ao nada opor à cessão da posição processual em causa. Aliás, nem mesmo quando a credora E..., com o seu peso de Presidente da Comissão de Credores, veio explicitar a sua total anuência aquela operação, nem mesmo nessa ocasião, a Recorrente manifestou qualquer reserva para discordância.

Daqui resulta, que a Recorrente não foi vencida relativamente à decisão de proceder à cessão daquela posição processual e à sua total regularidade e legalidade.

Assim sendo, e face ao disposto art.º 631º do CPC, não lhe assiste o direito de recurso relativamente a quaisquer das decisões impugnadas por contraditórias com a sua conduta processual de concordância e aceitação de tais decisões.

Bastará, portanto, esta questão prévia, para uma rejeição liminar do recurso em causa, atenta, aliás, a conexão indissociável dos actos impugnados, tudo nos termos da parte final da al. a), do n.º 2, do art.º 641º do CPC”.

Avaliando.

Nos termos da norma do artigo 631.º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem:

 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

3 - O recurso previsto na alínea g) do artigo 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal.

A legitimidade do recorrente - seja ele parte principal, parte acessória ou terceiro directa e efectivamente prejudicado - é um pressuposto processual específico do recurso ou requisito de admissibilidade deste - Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, 2009, pág. 78.A legitimidade para o recurso afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente.

Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, pág. 487” , ensina, de harmonia com o critério formal, que “tem legitimidade para recorrer a parte que não obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que conseguiu na ação aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na ação”; diferentemente, segundo o critério material, tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão foi desfavorável - ou não foi o mais favorável que podia ser -, qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal recorrido, sendo que, entre nós, a doutrina - Cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 25, ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Almedina, pág. 66 e seguinte, TEIXEIRA DE SOUSA, ob. citada, pág. 487, CASTRO MENDES, in Direito processual civil, vol. III, 1989, AAFDL, págs. 14-18, ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 258 e seguintes  e a jurisprudência – por ex. os Acórdãos do STJ de 8.04.2003 (CJ, ASTJ, ano XI, tomo 2º, pág. 23) e de 17.03.2016 (processo nº 806/13.0TVLSB.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt - têm defendido que, no silêncio da lei, se deve adoptar um critério material definindo-se a utilidade na procedência do recurso, que funda a legitimidade do recorrente, em função do prejuízo que é causado pela decisão desfavorável, independentemente da conduta própria da parte na instância recorrida.

Portanto, mais do que indagar a conduta da parte que precedeu a decisão, importa sobretudo verificar em que medida a mesma decisão lhe foi desfavorável, ou seja, que resultado negativo produziu na sua esfera jurídica.

Ou seja, a expressão “parte vencida” constante da citada norma deve ser entendida no sentido de parte objectivamente afetada ou prejudicada pela decisão, pelo que o vencimento ou decaimento devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da acção e a sua projecção na esfera jurídica da parte, e não numa perspectiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa.

Por isso, a alegação da Recorrida não retira legitimidade ao direito ao recurso da Apelante.

2.2.  Assistia à credora A..., Lda. o direito de responder ao requerimento com a ref.ª 5940886 [45608201] de 18-05-2023?

A 1.ª instância entendeu que não, assim se justificando:

“Na sequência do prazo concedido na assembleia de credores de 04-05-2023, a credora A..., Lda. pronunciou-se nos termos constantes dos requerimentos de 15-05-2023 e era neste requerimento que devia concentrar o que pretendia referir sobre a questão e os esclarecimentos prestados na assembleia.

Esta credora não dispunha de articulado de resposta à resposta dos credores AA, BB e CC.

Por outro lado, não se afigura aceitável que se transfira para estes autos a discussão sobre o mérito das questões que fazem parte do objeto do processo número 318/11...., que abrangem a possibilidade da massa insolvente obter vencimento ou decair nas pretensões formuladas pela agora insolvente.

Deste modo, com o devido respeito por opinião contrária, ao apresentar articulado de resposta, a credora A..., Lda. praticou atos não permitidos por lei, o que constitui nulidade que também é de conhecimento oficioso (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2.ª edição, pág. 59, nota 41).

Termos em que, devido à inadmissibilidade da resposta, não admito o articulado com a ref.ª 5969137 [45745247] de 01-06-2023 que, oportunamente, deverá ser desentranhado dos autos, e condeno a credora A..., Lda. nas custas do incidente a que deu causa com taxa de justiça que fixo em 1UC, atendendo à simplicidade do incidente (art.º 7.º, n.ºs 4 e 8 e anexo II, do Regulamento das Custas Processuais)”.

E decidiu bem.

Sustenta a Apelante que lhe assistia direito de resposta com base no facto de a B..., no seu requerimento de 18.05.2023, ter invocado o instituto da usucapião, alegando “…um facto extintivo de um direito, o que sempre implicaria a possibilidade do exercício…do direito de defesa e ao contraditório por parte da Recorrente…”

Como é sabido, nos termos do artigo 17.º do CIRE, “os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”, nomeadamente o princípio da concentração da defesa aí consagrado – cfr. por ex. o artigo 573º, nº 1, do Código Processo Civil – 1 -Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado; 2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Estes princípios, fazem recair “sobre os ombros do réu/requerido” o ónus de, na contestação/oposição, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória, que são aquelas que importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor/requerente, salvo os casos excepcionais a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, de excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de o fazer posteriormente – neste sentido, por ex., o Acórdão do STJ de 11-03-2021, pesquisável em www.dgsi.pt. /tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa, na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. Se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 19.1.2017, em www.dgsi.pt, “a realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves- mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe ao tribunal proceder a qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada”.

Acresce que a legislação insolvencial rege-se por especial celeridade, encurtamento dos actos e concentração da defesa, atenta a sua natureza urgente.

Por isso, em obediência a estes princípios, à Apelante incumbia o ónus de, no prazo concedido na assembleia de credores de 04.05.2023, concentrar todos os argumentos, nomeadamente os ora invocados, no seu requerimento de 15.05.2023.

Como escreve a 1.ª instância, era neste requerimento que devia concentrar o que pretendia referir sobre a questão e os esclarecimentos prestados na assembleia. Esta credora não dispunha de articulado de resposta à resposta dos credores AA, BB e CC.

Mais, como escreve a Apelada, “ainda que a B... no seu requerimento de 18/05/2023 tivesse invocado um qualquer direito sobre o lote de terreno objecto da acção que corre termos sob o n.º 318/11...., esse facto nenhuma relevância tem para os presentes autos, uma vez que não é neste processo que se vai julgar o mérito das pretensões deduzidas pelas partes no processo acima identificado. Só se tivesse sido naquele processo que a B..., tivesse invocado algum facto novo, extintivo impeditivo ou modificativo do direito que entende deter no mesmo, é que assistiria direito de resposta à contraparte.

Mas nunca nos presentes autos, onde, recorde-se, não está em causa, nem se vai decidir, o objecto daquela acção. Seria passar para o presente processo a discussão do que está em causa no que corre termos sob o n.º 318/11..... Aliás, como se pode ler na douta sentença recorrida, “…não se afigura aceitável que se transfira para estes autos a discussão sobre o mérito das questões que fazem parte do objeto do processo número 318/11....…”

Dai que não tenha admitido a resposta da Recorrente, vertida no seu requerimento de 01/06/2023, pelo faco da mesma não se processualmente admissível. Ou seja, não foi cometida qualquer nulidade ao não se ter admitido o requerimento da Recorrente aqui em apreço. Na verdade, nulidade existiria em caso contrário, pois se iria eternizar o direito de resposta das partes aos requerimentos das outras”.

Improcede, também neste particular, a alegação trazida aos autos pela Apelante.

2.3 - Da impugnação da matéria de facto.

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

1. C..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 15-10-2015, transitada em julgado, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Sr. Dr. EE, que desempenhou as funções de administrador judicial provisório no processo especial de revitalização da insolvente que constitui o apenso A (ref.ª 75278816 de 15-10-2015).

2. A insolvente tem o capital social de €862.924,60, distribuído da forma seguinte:

- Quota no valor nominal de €43.146,23 pertencente a CC no estado de casado com FF, sob o regime da comunhão geral de bens;

- Quota no valor nominal de €43.146,23 pertencente a AA, como bem próprio, casado com GG, sob o regime da comunhão de adquiridos;

- Quota no valor nominal de €43.146,23 pertencente a FF, como bem próprio, casada com HH, sob o regime da comunhão de adquiridos;

- Quota no valor nominal de €43.146,23 pertencente a BB, como bem próprio, casado com II, sob o regime da comunhão de adquiridos;

- Quota no valor nominal de €647.193,45 pertencente em partes iguais aos mencionados CC, BB, AA e FF;

- Quota no valor nominal de €43.146,23 pertencente em partes iguais aos mencionados CC, BB, AA e FF (certidão junta aos autos em 03-12-2015)

3. Em 19 de novembro de 2015, o administrador da insolvência solicitou informação ao mandatário da insolvente sobre os processos em que a insolvente era autora e exequente “respetivos montantes, situação do processo, probabilidade de sucesso e indicação de honorários o âmbito dos mesmos para apresentar aos credores” (ref.ª 1130888 de 20-11-2015).

4. No relatório a que se refere o artigo 155.º o administrador da insolvência indicou os processos pendentes onde se inclui o processo n.º 318/11...., da Comarca da Grande Lisboa Oeste, Instância Central de Sintra, 1.ª Secção Cível, J..., “Ação de reivindicação de propriedade – Autor: D..., S.A.” (relatório junto aos autos em 09-12-2015).

5. Na assembleia de apreciação do relatório realizada no dia 28-01-2016 foi nomeada comissão de credores composta pelos seguintes membros efetivos: Banco 1..., S.A. (substituída pela sociedade E..., S.A. – ref.ª 76236426 de 11-01-2018), JJ, A..., Lda. (ref.ª 76236426).

6. No requerimento de 05-07-2022, junto ao apenso G, o Sr. administrador da insolvência declarou que se encontrava em curso o processo n.º 318/11.... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central de Sintra – J..., em que é autora a sociedade D..., S.A. e são réus a insolvente e a sociedade B..., Lda., acrescentando o seguinte:

“- Nesta ação, a autora peticiona que lhe seja reconhecida a propriedade dos lotes de terreno em ..., e que estes lhe sejam entregues livres e devolutos de pessoas e bens.

- A insolvente contestou e em pedido reconvencional reclama que seja declarada proprietária dos lotes de terreno, na proporção de metade com a B..., invocando a acessão industrial imobiliária e também a usucapião.

- Ou seja, atualmente os lotes de terreno formalmente são propriedade da A., que reclama a sua entrega devoluta de pessoas e bens, e por sua vez as rés peticionam que lhes seja reconhecido o direito de propriedade - Informa ainda o mandatário constituído anteriormente pela insolvente, Dr. KK, que se encontra agendado julgamento para os dias 13, 20 e 27 de setembro, conforme anexo.

- O mandatário do insolvente, Dr. KK, apresentou proposta de honorários no âmbito do referido processo, para realização das audiências de julgamento, no valor de 1.500,00 € + IVA, conforme anexo.

Face ao exposto, foram na presente data notificados os elementos da comissão de credores, para até 12/07/2022 se pronunciarem sobre a continuidade do processo n.º 318/11..... Não havendo parecer maioritário em contrário até à data indicada, irá constituir-se mandatário para dar continuidade à referida Ação” (requerimento de 05-07-2022 do apenso G).

7. Em 21-06-2022, colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários cópia do requerimento mencionado no artigo anterior.

8. No requerimento de 03-10-2022, o Sr. administrador da insolvência declarou o seguinte:

“- Conforme consta dos autos, a liquidação está suspensa pelo desfecho do processo n.º 318/11.... (Autor: D...; Ré: C... e outro).

- Conforme referido na altura, foram notificados os elementos da comissão de credores para até 12-07-2022 virem informar, se seria de constituir mandatário para a massa para dar continuidade à referida ação.

- A comissão de credores pronunciou-se favoravelmente, bem como quanto à proposta de honorários do Dr. KK (€ 1.500,00 + IVA), para a realização da audiência de julgamento.

- A audiência de julgamento encontrava-se agendada para o dia 13, 20 e 27 de setembro, ou seja, datas próximas para uma possível decisão judicial.

- Ora, acontece que, a diligência do dia 13 foi suspensa, conforme anexo, tendo vindo o mandatário solicitar o valor de e 1.000,00 IVA pela sua presença na diligência e preparação do julgamento.

- O processo é de 2011 e como é sabido resulta de divergências na família C..., sou a concluir o arrastamento do mesmo inclusive para instâncias para além de a Insolvente ser executada.

Assim, salvo melhor opinião, e como esta ação só nos foi comunicada em julho, foi notificada a comissão de credores, para até dia 17 de outubro de 2022 se pronunciar sobre o não prosseguimento por parte da massa insolvente e se possível tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado.

Finda aquela data e não havendo parecer maioritário em contrário, considera-se aceite a desistência na referida ação” (requerimento de 03-10-2022).

9. Em 03-10-2022, a colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários mail do mesmo teor do requerimento mencionado no artigo anterior (mail junto com o requerimento de 03-10-2022).

10. Em 11-10-2022 o administrador da insolvência comunicou ao mandatário da credora E..., S.A. que nenhum dos lotes foi apreendido para a massa insolvente e como tal não foram vendidos, que “este processo só nos foi comunicado” há pouco tempo, embora seja de 2011, sobre o ganho, em caso de confirmação da propriedade dos lotes parcialmente, pois o outro réu é a B..., firma onde estão alguns dos irmãos ex-gerentes da C.... “Os terrenos não foram apreendidos porque não se encontravam em nome da Insolvente, no entanto, conforme autos de apreensão várias viaturas foram arroladas e apreendidas naquele edifício. A ideia que tenho é que a C... e B... vão tentar comprovar que o terreno e a edificação do imóvel foi efetuada por estas duas empresas.

Sobre o eventual ganho mesmo que parcial da causa, não esqueçamos que os autores são familiares, a B... que é representada pelo mesmo escritório de advogados que a massa insolvente vai tentar canalizar para a B... o máximo que puder” (doc. 2 do requerimento de 01-06-2023).

11. Em 11-10-2022 o Ilustre mandatário da credora E..., S.A. comunicou ao Sr. administrador da insolvência que a sua constituinte concordava com a transação proposta pelo administrador da insolvência (mail junto com o requerimento de 24-10-2022).

12. Em 24-10-2022, o administrador da insolvência juntou ao apenso G requerimento do seguinte teor:

“- Conforme consta nos autos, foi notificada a comissão de credores para se pronunciar, até dia 17 de outubro de 2022, sobre a desistência na qualidade de Ré no âmbito do processos n.º 318/11...., e tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado.

- Não houve qualquer parecer em contrário, tendo inclusive a E... aceite a proposta, conforme print do email em anexo.

Face ao exposto, encontra-se liquidado todo o ativo”.

13. Em 24-10-2022, colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários mail do mesmo teor do requerimento mencionado no artigo 10.º (mail junto com o requerimento de 24-10-2022).

14. Em 26-10-2022, o administrador da insolvência juntou ao apenso G requerimento onde refere que relativamente ao processo no 318/11...., o mandatário desistiu dos honorários e das despesas, tendo apresentado mail subscrito pelo Sr. Dr. KK onde declarara o seguinte: “atenta a circunstância de a insolvente não pretender prosseguir como parte no processo n.º 318/11...., cessando assim a minha intervenção neste processo em sua representação, venho confirmar que nada mais me é devido a título de honorários” (requerimento de 26-10-2022 do apenso G).

15. Na sequência do requerimento mencionado no artigo 12.º, em 02-11-2022 foi proferido despacho a declarar encerrada a liquidação da massa insolvente, cujo teor foi notificado aos mandatários dos membros da comissão de credores (despacho de 02-11-2022 e notificação de 04-11-2022 do apenso G).

16. Em 13 de dezembro de 2022, o administrador da insolvência juntou requerimento onde menciona que, conforme requerimento enviado aos autos a 24-10-2022, a massa não pretende ser parte do processo n.º 318/11...., “conforme decidido pela comissão de credores. Assim, procedeu-se na presente data à transação aceite conforme escritura pública de cessão de crédito para a B..., Lda.”, tendo apresentado cópia da escritura intitulada de “cessão de crédito”, celebrada no dia 13-12-2022, na qual o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, declarou perante notário, que consignou a escrito as suas declarações naquela escritura, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra, Juiz ..., sob o processo n.º 318/11...., ação judicial em que é autora a sociedade comercial com a firma D..., S.A., ré a massa insolvente de C..., Lda. e interveniente a sociedade comercial com a firma B..., Lda., que no âmbito deste processo ambas deduziram reconvenção, que o processo teve início em 05-01-2011 sem que, até à data, se tenha realizado a respetiva audiência de julgamento, e sem que exista sequer, data designada para a referida diligência, nem qualquer previsão de para quando será agendada, que é previsível que este processo tenha duração adicional nunca inferior a 4/5 anos, que a comissão de credores da massa insolvente da C..., Lda. tem vindo a fazer enorme pressão junto do administrador de insolvência para que este adote as medidas necessárias à conclusão do processo de insolvência, que enquanto estiver pendente o mencionado processo não é possível concluir o processo de insolvência, que a massa insolvente de C..., Lda., por razões de conclusão do respetivo processo de insolvência e da incerteza quanto ao seu resultado e ao seu termo definitivo, pretende ceder o direito litigioso de que é titular, enquanto ré e reconvinte no mencionado processo, pelo que cede integralmente à segunda outorgante (B..., Lda.) o direito litigioso de que é titular como ré /reconvinte no mencionado processo; por sua vez, AA, em representação da sociedade B..., Lda., declarou que a sociedade que representa aceita integralmente a posição da primeira outorgante, como ré/reconvinte no processo acima identificado, assumindo, assim, a posição processual da primeira naqueles autos, com todos os inerentes direitos e obrigações, considerando que, por esta via, fica, por natureza, salvaguardado o direito de preferência que lhe assistia na alienação de que a primeira outorgante procede e que as segunda outorgante aceita como adquirente, mais declara assumir integralmente, a título de compensação e preço, todos os encargos devidos pela primeira outorgante no processo identificado (custas, procuradoria, taxa de justiça ou outros), bem como os honorários do advogado que tem patrocinado a primeira outorgante nos autos e, e bem ainda, os honorários devidos pelo patrocínio da massa insolvente no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz ..., sob o processo n.º 1225/12...., que a segunda outorgante obriga-se a, quando considerar processualmente oportuno e adequado, requerer a junção ao processo n.º 318/11.... do documento de cessão de direito litigioso, suscitando nele um incidente de habilitação, nos termos do artigo 356.º do Código de Processo Civil (requerimento de 13-12-2023).

17. B..., Lda. tem o capital social de €500.000,00, com a composição constante da certidão junta aos autos com o requerimento de 15-06-2023.

18. Em 11-02-2023 DD juntou requerimento ao processo n.º 318/11...., a solicitar o prosseguimento com o mesmo no lugar da autora D..., S.A., como seu sócio maioritário (doc. 4 junto com o requerimento de 01-06-2023).

19. Em 11-05-2023 DD apresentou requerimento no processo n.º 318/11...., a requerer a junção aos autos “documentos comprovativos da posse e propriedade das 8.000 ações representativas do capital social da sociedade D..., S.A.” e o contrato de compra e venda das ações de 14-12-2012 (doc. 4 junto com o requerimento de 01-06-2023).

Esmiuçando os autos:

Pretende a Apelante  impugnar a decisão sobre a matéria de facto que serviu de base à decisão tomada no requerimento em apreço e da qual aquela recorre, ou, em alternativa, “Caso se entenda não haver elementos que permitam a alteração da decisão sobre a matéria de facto, i.e. em caso de se suscitarem dúvidas sobre a conclusividade da prova produzida, sempre deverá este Tribunal ordenar a produção de novos meios de prova, sendo anulada a decisão proferida na 1ª instância;” considerando, ainda, que “Do referido Despacho constam decisões sobre factos essenciais para o julgamento da causa que não estão suportadas por qualquer fundamento;”.

Alega nos arts.º 1º a 26º , as razões pela qual entende que àquela deve ser aditado como provado o seguinte facto:

- “O valor do crédito e demais direitos litigiosos peticionados pela ora insolvente no âmbito do processo 318/11.... que que foram cedidos à B..., foram avaliados pela C... Lda., no referido processo, em € 4.000.000,00, valor este que corresponde ao valor do prédio cuja propriedade reivindica, (seja por acessão imobiliária ou por usucapião) e que, subsidiariamente, corresponde (o valor de € 4.000.000,00) ao valor reclamado a título de indemnização pelas obras executadas.” No entendimento da Recorrente, a razão que justificariam a inclusão deste facto em sede dos factos que relevam para a decisão tomada no despacho recorrido é, em suma, a circunstância de considerar que “…a apreciação e quantificação do valor dos direitos cedidos [se mostrar], no caso concreto, como uma questão sobre a qual se impunha que o Tribunal recorrido se tivesse pronunciado…”

Ora, seguindo de perto a alegação da recorrida, esta matéria pode tornar-se absolutamente irrelevante para a decisão do mérito das restantes questões em apreço.

Como refere a Apelada, “como acima já se disse, existem mais razões que justificam que este facto não seja aditado à matéria selecionada como relevante para a boa decisão da causa, e debruçando-nos agora sobre a indicada em (ii) importa referir que não está, nem nunca esteve em causa o valor do crédito cedido, porquanto a questão do respectivo valor nunca foi suscitada pela Comissão de Credores como condição, critério ou pressuposto para a celebração do negócio nos termos em que este foi proposto concretizar pelo Administrador de Insolvência (adiante AI) e da forma como foi aceite pela Comissão de Credores – que, ao contrário do alegado pela Recorrente o aceitou de forma inequívoca e expressa, como abaixo se demonstrará.

Aliás, também ao contrário do que é alegado pela Recorrente, o valor da acção sempre foi do conhecimento da comissão e demais credores dos presentes autos – e, como abaixo se demonstrará, pro maioria de razão, pela Recorrente - uma vez que, conforme consta dos pontos 3 e 4 dos factos provados o AI solicitou informação ao mandatário da Insolvente sobre os processos em curso em que esta era Autora e Exequente, tendo aquele indicado, entre outros, o processo n.º 318/11....,

E tendo o AI – conforme ponto 4 dos factos provados – no relatório a que se refere o art.º 155º do CIRE, indicados os processos pendentes onde se “…inclui o processo n.º 318/11...., da Comarca da Grande Lisboa Oeste, Instância Central Cível, 1.ª Secção Cível, J...… (relatório junto aos autos em 09- 12-2015).” Ou seja, é falso que a comissão ou os demais credores da ora Insolvente desconhecessem o processo aqui em causa, o seu objecto e o seu valor.

Dai que a questão do crédito cedido não tenha sido suscitada - nem faria sentido que o tivesse sido face ao conhecimento antecipado da Comissão de Credores acerca daquele facto – aquando da comunicação do AI, datada de 03/10/2022, em que este notificou a comissão para “…se pronunciar sobre o não prosseguimento por parte da Massa Insolvente e se possível tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado.” Acresce que, ao colocar a questão do valor do crédito cedido, bem como as demais que entretanto levantou, – para além de, como acima se disse, este ser do conhecimento da Recorrente – após 17/10/2022, data até à qual o AI concedeu prazo à Comissão de Credores para se pronunciar sobre a proposta que apresentou no seu requerimento de 02/10/2022, sob pena de que “…não havendo parecer maioritário em contrário, considera-se aceite a desistência da referida acção”, a Recorrente fê-lo de forma extemporânea e inclusivamente contraditória com o comportamento que adoptou perante a comunicação do AI de 03/10/2022 - em que nada disse, bem sabendo que esta conduta configurava expressa e manifesta anuência à proposta neste requerimento apresentada – devendo mesmo considerar-se neste contexto, que actua em abuso de direito e litiga de má-fé”.

Por isso, sem prejuízo de se voltar à questão da impugnação da matéria de facto, passemos a analisar a seguinte questão:

 2.4 - Da nulidade da escritura de venda celebrada a 13 de dezembro de 2022 no Cartório Notarial ... – transação no processo n.º 318/11....;

Sendo objectivo do processo de insolvência a satisfação dos direitos dos credores, a qual por eles será sempre melhor conseguida, é por essa via que, seguramente, melhor se concretizará o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado. É sempre da estimativa dos credores - todos os credores - que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar, ou não, a empresa, e em que termos.

O legislador do CIRE visou, por isso e como princípio geral, afastar a possibilidade de impugnação dos actos do administrador - substantivos ou de procedimento - directamente perante o juiz da insolvência, remetendo tal fiscalização para a comissão de credores e assembleia de credores.

Em contrapartida, passou-se a conferir expressamente - art. 59.º do CIRE – um direito indemnizatório aos credores e ao devedor - mas não aos terceiros -  contra o administrador da insolvência pelos danos causados em decorrência da inobservância culposa dos respetivos deveres funcionais - esse direito indemnizatório do devedor e dos credores é a exercitar, naturalmente, através da competente acção autónoma de processo comum.

Pretendeu-se deste modo, sem prejuízo pois para o exercício do direito à reparação do prejuízo a que haja lugar, afastar do âmbito da insolvência tergiversações das partes naturais do processo - devedor e credores - relativamente aos actos do administrador da insolvência. É este o sentido e alcance, cremos, do ponto 10 do Preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE.

Ora, nos termos do artigo 55.º n.º 8 do CIRE, o administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.

Mostram os autos – matéria que não se mostra impugnada pela Apelante – que:

3. Em 19 de novembro de 2015, o administrador da insolvência solicitou informação ao mandatário da insolvente sobre os processos em que a insolvente era autora e exequente “respetivos montantes, situação do processo, probabilidade de sucesso e indicação de honorários o âmbito dos mesmos para apresentar aos credores” (ref.ª 1130888 de 20-11-2015).

4. No relatório a que se refere o artigo 155.º o administrador da insolvência indicou os processos pendentes onde se inclui o processo n.º 318/11...., da Comarca da Grande Lisboa Oeste, Instância Central de Sintra, 1.ª Secção Cível, J..., “Ação de reivindicação de propriedade – Autor: D..., S.A.” (relatório junto aos autos em 09-12-2015).

5. Na assembleia de apreciação do relatório realizada no dia 28-01-2016 foi nomeada comissão de credores composta pelos seguintes membros efetivos: Banco 1..., S.A. (substituída pela sociedade E..., S.A. – ref.ª 76236426 de 11-01-2018), JJ, A..., Lda. (ref.ª 76236426).

6. No requerimento de 05-07-2022, junto ao apenso G, o Sr. administrador da insolvência declarou que se encontrava em curso o processo n.º 318/11.... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central de Sintra – J..., em que é autora a sociedade D..., S.A. e são réus a insolvente e a sociedade B..., Lda., acrescentando o seguinte:

“- Nesta ação, a autora peticiona que lhe seja reconhecida a propriedade dos lotes de terreno em ..., e que estes lhe sejam entregues livres e devolutos de pessoas e bens.

- A insolvente contestou e em pedido reconvencional reclama que seja declarada proprietária dos lotes de terreno, na proporção de metade com a B..., invocando a acessão industrial imobiliária e também a usucapião.

- Ou seja, atualmente os lotes de terreno formalmente são propriedade da A., que reclama a sua entrega devoluta de pessoas e bens, e por sua vez as rés peticionam que lhes seja reconhecido o direito de propriedade - Informa ainda o mandatário constituído anteriormente pela insolvente, Dr. KK, que se encontra agendado julgamento para os dias 13, 20 e 27 de setembro, conforme anexo.

- O mandatário do insolvente, Dr. KK, apresentou proposta de honorários no âmbito do referido processo, para realização das audiências de julgamento, no valor de 1.500,00 € + IVA, conforme anexo.

Face ao exposto, foram na presente data notificados os elementos da comissão de credores, para até 12/07/2022 se pronunciarem sobre a continuidade do processo n.º 318/11..... Não havendo parecer maioritário em contrário até à data indicada, irá constituir-se mandatário para dar continuidade à referida Ação” (requerimento de 05-07-2022 do apenso G).

7. Em 21-06-2022, colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários cópia do requerimento mencionado no artigo anterior.

8. No requerimento de 03-10-2022, o Sr. administrador da insolvência declarou o seguinte:

“- Conforme consta dos autos, a liquidação está suspensa pelo desfecho do processo n.º 318/11.... (Autor: D...; Ré: C... e outro).

- Conforme referido na altura, foram notificados os elementos da comissão de credores para até 12-07-2022 virem informar, se seria de constituir mandatário para a massa para dar continuidade à referida ação.

- A comissão de credores pronunciou-se favoravelmente, bem como quanto à proposta de honorários do Dr. KK (€ 1.500,00 + IVA), para a realização da audiência de julgamento.

- A audiência de julgamento encontrava-se agendada para o dia 13, 20 e 27 de setembro, ou seja, datas próximas para uma possível decisão judicial.

- Ora, acontece que, a diligência do dia 13 foi suspensa, conforme anexo, tendo vindo o mandatário solicitar o valor de e 1.000,00 IVA pela sua presença na diligência e preparação do julgamento.

- O processo é de 2011 e como é sabido resulta de divergências na família C..., sou a concluir o arrastamento do mesmo inclusive para instâncias para além de a Insolvente ser executada.

Assim, salvo melhor opinião, e como esta ação só nos foi comunicada em julho, foi notificada a comissão de credores, para até dia 17 de outubro de 2022 se pronunciar sobre o não prosseguimento por parte da massa insolvente e se possível tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado.

Finda aquela data e não havendo parecer maioritário em contrário, considera-se aceite a desistência na referida ação” (requerimento de 03-10-2022).

9. Em 03-10-2022, a colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários mail do mesmo teor do requerimento mencionado no artigo anterior (mail junto com o requerimento de 03-10-2022).

10. Em 11-10-2022 o administrador da insolvência comunicou ao mandatário da credora E..., S.A. que nenhum dos lotes foi apreendido para a massa insolvente e como tal não foram vendidos, que “este processo só nos foi comunicado” há pouco tempo, embora seja de 2011, sobre o ganho, em caso de confirmação da propriedade dos lotes parcialmente, pois o outro réu é a B..., firma onde estão alguns dos irmãos ex-gerentes da C.... “Os terrenos não foram apreendidos porque não se encontravam em nome da Insolvente, no entanto, conforme autos de apreensão várias viaturas foram arroladas e apreendidas naquele edifício. A ideia que tenho é que a C... e B... vão tentar comprovar que o terreno e a edificação do imóvel foi efetuada por estas duas empresas.

Sobre o eventual ganho mesmo que parcial da causa, não esqueçamos que os autores são familiares, a B... que é representada pelo mesmo escritório de advogados que a massa insolvente vai tentar canalizar para a B... o máximo que puder” (doc. 2 do requerimento de 01-06-2023).

11. Em 11-10-2022 o Ilustre mandatário da credora E..., S.A. comunicou ao Sr. administrador da insolvência que a sua constituinte concordava com a transação proposta pelo administrador da insolvência (mail junto com o requerimento de 24-10-2022).

12. Em 24-10-2022, o administrador da insolvência juntou ao apenso G requerimento do seguinte teor:

“- Conforme consta nos autos, foi notificada a comissão de credores para se pronunciar, até dia 17 de outubro de 2022, sobre a desistência na qualidade de Ré no âmbito do processos n.º 318/11...., e tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado. Não houve qualquer parecer em contrário, tendo inclusive a E... aceite a proposta, conforme print do email em anexo.Face ao exposto, encontra-se liquidado todo o ativo”.

13. Em 24-10-2022, colaboradora do administrador da insolvência remeteu aos membros da comissão de credores e respetivos mandatários mail do mesmo teor do requerimento mencionado no artigo 10.º (mail junto com o requerimento de 24-10-2022).

14. Em 26-10-2022, o administrador da insolvência juntou ao apenso G requerimento onde refere que relativamente ao processo no 318/11...., o mandatário desistiu dos honorários e das despesas, tendo apresentado mail subscrito pelo Sr. Dr. KK onde declarara o seguinte: “atenta a circunstância de a insolvente não pretender prosseguir como parte no processo n.º 318/11...., cessando assim a minha intervenção neste processo em sua representação, venho confirmar que nada mais me é devido a título de honorários” (requerimento de 26-10-2022 do apenso G).

15. Na sequência do requerimento mencionado no artigo 12.º, em 02-11-2022 foi proferido despacho a declarar encerrada a liquidação da massa insolvente, cujo teor foi notificado aos mandatários dos membros da comissão de credores (despacho de 02-11-2022 e notificação de 04-11-2022 do apenso G).

Ou seja, a Comissão de Credores promoveu a realização, com a concordância do julgador e no seguimento da Assembleia de Credores, com vista a que fossem prestados os necessários esclarecimentos, por parte do Administrador Judicial sobre a cessão de posição litigiosa. Mais, foi, ainda, concedido um prazo de 10 dias, para que todos os interessados se pudessem pronunciar sobre tal questão, decorrendo, assim, toda esta tramitação com o mais amplo contraditório.

É certo, que nos termos da norma do artigo 69.º do CIRE:

1 - A comissão de credores reúne sempre que for convocada pelo presidente ou por outros dois membros.

2 - A comissão não pode deliberar sem a presença da maioria dos seus membros, sendo as deliberações tomadas por maioria de votos dos membros presentes, e cabendo ao presidente, em caso de empate, voto de qualidade.

3 - Nas deliberações é admitido o voto escrito se, previamente, todos os membros tiverem acordado nesta forma de deliberação.

4 - As deliberações da comissão de credores são comunicadas ao juiz pelo respectivo presidente.

5 - Das deliberações da comissão de credores não cabe reclamação para o tribunal.

Mas, nada impede e até o exige o ritmo processual do CIRE, que as decisões da comissão de credores possam ser tomadas de forma mais expedita, não se exigindo a presença física dos membros em reunião, após convocatória. Até porque, no caso em análise, a questão tem inicio na assembleia de credores, presidida pelo juiz.

Como escreve a Apelada, “Da mesma forma, não se encontra correcta, com a interpretação e dimensão que a Recorrente lhe pretende dar, a afirmação vertida no art.º 74º de que “…nos termos do artº 69º do CIRE; as decisões da Comissão de Credores são tomadas por deliberação da maioria dos seus membros e depois de regularmente convocada para o efeito.”

Do alegado neste artigo pela Recorrente, pareceria resultar uma obrigação de que as decisões da Comissão de Credores fossem sempre tomadas por deliberação em reunião para tanto convocada. Mas, como se sabe, não é assim, já que não existe qualquer obrigação legal decorrente do disposto no art.º 69º do CIRE ou de qualquer normativo legal, para que as deliberações da Comissão de Credores sejam tomadas sempre em reunião convocada para o efeito.

 Na verdade, ao art.º 69º do CIRE limita-se a dizer que a Comissão de Credores pode reunir-se sempre que for convocada pelo seu presidente ou por outros dois membros, ou seja, que pode ser convocada se o presidente ou outros dois membros o entenderem necessário, não exigindo para a validade das deliberações deste órgão que estas sejam sempre tomadas em reunião.

Ou seja, não impõe que seja convocada para este ou para aquele efeito, nem impõe que seja sempre convocada, sempre que é necessário que a Comissão de Credores seja chamada a prestar consentimento à prática de determinado acto: é só quando o presidente ou outros dois membros entendam necessário. Não sendo verdade o alegado no art.º 77º de seja

Dai que o consentimento da Comissão de Credores possa ser validamente prestado da forma como foi para os actos em consideração. E, como acima se demonstrou, esse consentimento foi inequivocamente prestado, dando-se aqui por reproduzido, por razões de economia processual, tudo quanto acima se alegou a páginas 5 a 9, acerca da questão relacionado com o consentimento da Comissão de Credores”.

Ainda que seja defensável um regime misto no direito falimentar relativamente à natureza dos interesses protegido, afigura-se-nos que a lei visa, essencialmente, a defesa do interesse dos credores ao exigir no n.º 8 do citado artigo 55º a concordância da comissão de credores para que o administrador de insolvência possa desistir, confessar ou transigir em qualquer processo em que a massa insolvente seja parte, pelo que a inobservância desse normativo constitui uma nulidade relativa que só pode ser arguida pelos credores, individual ou colectivamente.

Por isso, mesmo que estivéssemos perante uma irregularidade, o que não acontece, esta já se encontrava sanada com a primeira intervenção da ora Apelante – artigo 199.º do CPC -, após a notificação que lhe foi feita na Assembleia Geral de Credores, para se pronunciar, até dia 17 de outubro de 2022, sobre a desistência na qualidade de Ré no âmbito do processos n.º 318/11...., e tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com a outra parte.

Citando a 1.ª instância:

“A liquidação é da competência do administrador da insolvência, corre por apenso ao processo de insolvência (art.º 170.º), é efetuada preferencialmente através de leilão eletrónico, podendo o administrador da insolvência justificadamente optar por qualquer das modalidades que vigoram em processo executivo ou por alguma outra que entenda ser mais conveniente (art.º 164.º, n.º 1).

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º, incumbe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir, alienar os bens da massa insolvente para obter dinheiro que servirá para o pagamento das dívidas da insolvente.

A credora A..., Lda. considera que a cessão mencionada no artigo 16.º dos factos provados é um negócio que assume especial relevo, que não foi autorizado pela comissão de credores e que as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência excedem manifestamente as assumidas pela B....

Admitindo que está em causa um ato de especial relevo, a sua realização dependia do consentimento da comissão de credores, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 161.º.

Contrariamente ao alegado pela credora A..., Lda., a cessão teve o consentimento da comissão de credores.

Com efeito, no requerimento mencionado no artigo sexto dos factos provados, o Sr. administrador da insolvência declarou que se encontra pendente o processo n.º 318/11.... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central de Sintra – J..., em que é autora a sociedade D..., S.A. e são rés a insolvente e a sociedade B..., Lda., tendo também identificado o objeto do processo.

Posteriormente, no requerimento 03-10-2022, o Sr. administrador da insolvência, depois de ter mencionado a aceitação da proposta de honorários referida no artigo sexto dos factos provados, declarou que solicitou à comissão de credores para se pronunciar, até ao dia 17 de outubro de 2022, “sobre o não prosseguimento por parte da massa insolvente e se possível tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado” (artigo 8.º dos factos provados).

Apesar de o administrador da insolvência ter referido, erradamente, que a transação seria efetuada com o outro “executado” (não está em causa qualquer execução), os destinatários da notificação, em face do teor da comunicação mencionada no artigo sexto, não podiam ignorar que estava em causa transação a celebrar com a sociedade “B..., Lda.”

Acresce que, na comunicação remetida à comissão de credores e no requerimento junto aos autos em 03-10-2022, é referido que a falta de parecer maioritário até ao dia 17 de outubro de 2022, determinaria que se considerasse a aceitação da “desistência” na referida ação, no sentido do “não prosseguimento por parte da massa insolvente e “se possível tentar que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, possam ser transacionados com o outro executado”.

Só o mandatário do presidente da comissão de credores é que se pronunciou, tendo solicitado esclarecimentos e, de seguida, comunicado ao Sr. administrador da insolvência que a sua constituinte aceitava a transação proposta pelo administrador (artigos 10.º e 11.º dos factos provados).

Com o acordo mencionado no artigo décimo sexto dos factos provados, acaba, por um lado, por se tentar concretizar o não prosseguimento do processo por parte da massa insolvente, com a assunção pela sociedade “B...” da posição processual da massa insolvente no processo n.º 318/11...., e, por outro lado, de forma a executar a tentativa de transferir “todos os custos já havidos e a suportar pela massa”, esta sociedade assumiu “integralmente, a título de compensação e preço, todos os encargos devidos pela primeira outorgante no processo identificado (custas, procuradoria, taxa de justiça ou outros), bem como os honorários do advogado que tem patrocinado a primeira outorgante nos autos e, e bem ainda, os honorários devidos pelo patrocínio da massa insolvente no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz ..., sob o processo n.º 1225/12....”. Resulta, assim, que, nos termos solicitados à comissão de credores, o Sr. administrador da insolvência conseguiu concretizar a possibilidade que tinha enunciado (“se possível tentar”) da sociedade “B...” (erradamente chamada de “executada”) assumir “todos os encargos devidos” pela massa insolvente naquele processo e ainda os honorários relativos ao patrocínio da massa insolvente no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz ..., sob o processo n.º 1225/12.....

Como parece evidente, a assunção daqueles custos e a tentativa de transferir para a “B...” (nos termos sobreditos) os custos do processo, não seria assumida a título meramente gratuito, porém, esta também não foi uma condição imposta para que a massa insolvente não prosseguisse com o processo, o que certamente não deixa de abranger o pedido reconvencional mencionado no artigo sexto dos factos provados.

Como bem refere a massa insolvente, em face do teor da comunicação mencionada nos artigos oitavo e nono dos factos provados , onde se menciona que “não havendo parecer maioritário em contrário, considera-se aceite a desistência na referida ação”, com o devido respeito, não é razoável afirmar que a credora ficou a aguardar mais informação do Sr. administrador sobre a referida ação.

A credora A..., Lda., apesar de não o ter referido de forma expressa, não concordará com o facto de não ter sido formalizada desistência na ação, o que seria mais vantajoso para o seu sócio, na medida em que se arroga como representante da autora, contra quem foi deduzido pedido reconvencional.

Porém, o negócio celebrado, mencionado no artigo décimo sexto dos factos provados, não pode deixar de ser compreendido no objeto do consentimento, já que, de outra forma, não se alcança como é que a sociedade “B...” assumiria os encargos e a proposta do administrador da insolvência de tentar “se possível (…) que todos os custos já havidos e a suportar pela massa, [pudessem] ser transacionados com o outro executado”.

É manifesto que a mera a desistência do pedido reconvencional, embora fosse vantajosa para a autora daquele processo, seria mais prejudicial para a massa insolvente, desde logo, porque seria responsável pelo pagamento das custas.

Resulta, assim, que o negócio mencionado no artigo décimo sexto dos factos provados está compreendido no consentimento dado ao pedido constante do artigo oitavo dos factos provados, quer de forma expressa (pela credora E..., S.A.), quer pelo silêncio dos restantes membros da comissão de credores”.

No entanto, mesmo que assim não se entendesse, a questão principal em recurso, não teria resolução no âmbito destes autos - a abertura deste incidente de natureza declarativa, para a apreciação de irregularidades formais na fase da liquidação, só contribuiria para comprometer seriamente a sua eficácia, retardando a obtenção do pagamento aos credores.

Senão vejamos.

A função da sentença homologatória não é decidir a controvérsia substancial, mas “unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo” - A. dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, pág. 499 - quanto ao seu objecto e à qualidade dos sujeitos intervenientes. Objetivamente nada obstava à homologação da transação dado que não contém a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis  - artigo 289º, nº1, do Código de Processo Civil.

Como refere Antunes Varela em anotação ao ac. do STJ de 16.07.1981  - RLJ ano 116, p. 71 e sgs -, “uma coisa é a nulidade provinda da insuficiência de poderes dos mandatários judiciais para a transação, que fica suprida uma vez ratificado o acto pelos mandantes, havendo declaração expressa nesse sentido dentro do prazo legal de 10 dias ou mediante o seu silêncio quando notificados pessoalmente da sentença homologatória com essa cominação; Coisa diferente é o administrador de insolvência ter ratificado a transação sem a concordância da comissão de credores conforme a exigência do aludido nº8 do artigo 55º, hipótese enquadrável no artigo 287º do Cód. Proc. Civil, em que a sua inobservância configura uma nulidade que pode ser invocada pelas pessoas em vista de cujos interesses foi estabelecido o requisito violado”.

A arguição dessa nulidade pode ser efectuada por via de recurso da sentença homologatória que deu cobertura ao vício - nulidade de julgamento do artigo 615º, nº1/d do CPC - e, tendo essa sentença transitado em julgado, pela interposição de recurso de revisão com fundamento na alínea d) do nº1 do artigo 696º do CPC, ou mediante acção de nulidade adrede intentada pelos interessados por apenso ao processo de insolvência  - nesse sentido, cf. o citado parecer de Antunes Varela, publicado na RLJ ano 116, e Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código Processo Civil, 2013, pág. 406.

Assim, demonstrado que está o consentimento prévio da Comissão de Credores, porque exigível - a legitimidade do administrador de insolvência para celebrar a cessão de posição processual litigiosa/transacção decorre cristalinamente do citado artigo 81.º, n.º 4 – prejudicadas ficam as restantes questões do recurso, com excepção:

2.5. Da destituição do administrador da insolvência.

Como é sabido, o administrador da insolvência deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidor da justiça e do direito, deve atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhe vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, no caso dos autos, a liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores  - art.º 12.º, n.º 2 da Lei n.º 22-2013, de 26-01 (Estatuto do Administrador Judicial).

A credora A..., Lda. peticiona a sua destituição alegando, em síntese apertada:

(…).

A 1.ª instância entende que não.

Salvo o devido respeito pela alegação da apelante, fê-lo acertadamente.

Senão vejamos:

Como é sabido, uma das finalidades do processo de insolvência é liquidar o património do devedor e repartir o seu produto pelos credores - artigo 1º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE ) que será o diploma a citar sem menção de origem.

Por isso, uma vez declarada a insolvência, o Juiz decreta a apreensão imediata de todos os bens do insolvente existentes no seu património à data de tal declaração e os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo  - massa insolvente -, nomeia administrador, a este passando a estar cometidos os poderes de administração e disposição dos bens daquela integrantes e de representação do próprio devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência - artigos 36º, alíneas d) e g), 46º, nº 1 e 52º, nº 1, 81º, nºs 1 e 4, e 149º, nº 1.

Como é sabido, porque tal resulta evidentemente do regime em vigor e é proclamado no próprio preâmbulo  - nº 10 - do Decreto-lei 53/2004, de 18 de Março, intensificou-se a desjudicialização do processo, cometeu-se aos credores e ao administrador o grosso das tarefas e decisões tendentes à realização daquele desiderato e, reconhecendo o fracasso das tentativas de ir mais longe nessa privatização, reservou-se ao tribunal apenas o papel quase exclusivo de promotor da celeridade e de controlo da legalidade de certos actos, assim emprestando ao processo um carácter público que, na sua essência primordial, ele não tem.

De acordo com o artigo 55º, são funções da competência do administrador:

“1 - a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;

b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.

2 - Sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais.

3 - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.

4 - O administrador da insolvência pode contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente ou à continuação da exploração da empresa, mas os novos contratos caducam no momento do encerramento definitivo do estabelecimento onde os trabalhadores prestam serviço, ou, salvo convenção em contrário, no da sua transmissão.

5 - Ao administrador da insolvência compete ainda prestar oportunamente à comissão de credores e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente.

6 - A requerimento do administrador da insolvência e sempre que este não tenha acesso directo às informações pretendidas, o juiz oficia quaisquer entidades públicas e instituições de crédito para, com base nos respectivos registos, prestarem informações consideradas necessárias ou úteis para os fins do processo, nomeadamente sobre a existência de bens integrantes da massa insolvente.

7 - A remuneração do administrador da insolvência referido na parte final do n.º 2 é da responsabilidade do administrador da insolvência que haja substabelecido, sendo deste a responsabilidade por todos os atos praticados por aquele ao abrigo do substabelecimento mencionado no mesmo número.

8 - O administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.”.

Exercendo pessoalmente as competências do seu cargo, além da cooperação e fiscalização da comissão de credores - se esta existir - e do recurso à colaboração de técnicos - como advogados para o exercício do patrocínio - ou outros auxiliares e trabalhadores, sujeita-se ainda à fiscalização do juiz, que pode a todo o tempo exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação - artigo 58º.

O Administrador goza de Estatuto legal próprio - Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a alteração emprestada pelo DL n.º 52/2019, de 17 de Abril -, ressaltando do respectivo art.º 12º o rol de deveres cometidos.

A norma do artigo 56º n.º 1 determina que “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência fundadamente considerar existir justa causa.”

Não obstante aludir a concretas e pontuais situações como correspondendo a justa causa de destituição -  como é o caso dos arts. 168º, nº 2 e 169º -, a lei não contém qualquer conceito ou definição de justa causa que, segundo Luís M.T. Menezes Leitão - Direito da Insolvência, 2013, 5ª ed., pág. 112 “…constitui um conceito vago e indeterminado que abrange naturalmente a violação grave dos deveres do administrador, mas também quaisquer outras circunstâncias que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo”.

Segundo Luís Carvalho Fernandes e João Labareda - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pág. 262 -, cobrem-se nesse conceito “…todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e…aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções…”.

A jurisprudência vem afinando e desenvolvendo tal conceito, no sentido de que “a justa causa”  legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência se preenche e concretiza: 1) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; 2) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (artigo 59º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas); 3) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado” – cfr. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.02.2014.

 “A justa causa para a destituição do administrador da insolvência é alguma circunstância ligada à sua capacidade ou a seu comportamento que, pela sua gravidade, inviabilize a manutenção das suas funções – Acórdão desta Relação de 17.11.2015/ O conceito de “justa causa” assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por grave violação de deveres e importante atentado ao princípio da confiança que está subjacente às relações funcionais estabelecidas com o Tribunal, os órgãos de gestão, credores e demais interessados na insolvência, dificultando ou inviabilizando o objetivo ou finalidade do respetivo processo, enunciado no artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.7.2021 – todos retirados do site www.dgsi.pt.

Inexistindo justa causa o juiz não tem o poder discricionário de destituir o administrador judicial, e isso é um facto crucial para garantir a independência do mesmo.

A verificação da existência de justa causa para a respectiva destituição há-de aferir-se, em concreto, e para o que à situação em apreço importa, pelo incumprimento grave dos respectivos deveres funcionais – “o conceito de “justa causa” legitimadora da destituição do administrador da insolvência (art. 56º, n.º 1, do CIRE) normalmente resulta da prática de atos ou omissões graves e intencionais ou reveladores de inaptidão ou incompetência para o exercício das funções de administrador, não sendo de excluir as condutas que se mostrem gravemente violadoras dos deveres inerentes ao cargo (apreciadas de acordo com a diligência de um administrador da insolvência prudente e ordenado) e que conduzam a uma quebra justificada da sua confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9.5.2021, pesquisado em www.dgsi.pt .

Não é, seguramente, o caso dos autos.

Nas palavras avisadas do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.2.2022 – acessível em www.dgsi.pt:

“I - O administrador da insolvência pode ser destituído, a todo o tempo, pelo juiz se este entender, fundadamente, existir justa causa, conceito que a lei insolvencial não define, nem apresenta critérios para o seu preenchimento.

II - A inexistência de um conceito de justa causa possibilita uma melhor adequação ao caso concreto e às suas particularidades, conferindo uma maior liberdade de decisão ao juiz, mas também provoca alguma incerteza jurídica fruto das diversas interpretações jurisprudenciais que podem surgir.

III - É de considerar que o conceito de justa causa, enquanto fundamento da destituição do administrador judicial em processo de insolvência, preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na inobservância culposa dos seus deveres, apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado; iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.

IV - O juiz tem que se mostrar prudente e avisado na avaliação da atuação do administrador da insolvência no que concerne ao preenchimento do conceito de justa causa, uma vez que as omissões ou falhas deste sempre têm que ser vistas em função da repercussão que as mesmas tiveram no andamento do processo e da sua complexidade, de forma a evitar que situações de incumprimento de relevo diminuto possam vir a servir de fundamento para a sua destituição”.

Ora, como decidiu a 1.ª instância, e à qual aderimos:

“O administrador da insolvência deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidor da justiça e do direito (art.º 12.º, n.º 1), deve atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhe vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, no caso dos autos, a liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores (art. 12.º, n.º 2 da Lei n.º 22-2013, de 26-01 Estatuto do Administrador Judicial).

O Sr. administrador da insolvência atuou de acordo com o pedido de consentimento que solicitou à comissão de credores e, em face do desinteresse no prosseguimento do processo n.º 318/11...., para além de ter tido o cuidado de garantir os encargos desta ação, conseguiu que a outra parte assumisse o pagamento de encargos de outro processo (cfr. artigo 16.º dos factos provados), o que demonstra preocupação pela satisfação dos direitos dos credores, na medida em que estavam em causa despesas /dívidas da massa insolvente (art.º 51.º, n.º 1, alínea d)), cujo pagamento devia ser assegurado antes do pagamento aos credores da insolvência (art. 172.º, n.º 1).

Contrariamente ao referido no requerimento de 03-10-2022, a existência do processo não foi comunicada apenas em julho de 2022, na medida em que está em causa processo já mencionado no relatório que o administrador da insolvência juntou aos autos em 09-12-2015 (artigo 4.º dos factos provados).

Não resulta, no entanto, evidenciado que, o não acompanhamento do processo em data anterior à que se refere a comunicação referida no artigo sexto dos factos provados, causou qualquer prejuízo à massa insolvente.

Por conseguinte, não resultam provados factos que permitam considerar que o Sr.administrador da insolvência não orientou a sua conduta para maximização da satisfação dos interesses dos credores, pelo que não estão demonstrados factos que permitam considerar demonstrada a existência de justa causa de destituição”.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pela Apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.

Resta concluir:

(…).

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Viseu – Juiz ....

Custas pela Apelante.

Coimbra, 21 de Setembro de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Paulo Correia - 1.º adjunto)

(Maria João Areias – 2.ª adjunta)