Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1505/17.0PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: RECURSO DO PEDIDO CÍVEL
DECLARAÇÕES PRESTADAS EM INQUÉRITO POR TESTEMUNHA ENTRETANTO FALECIDA
RECURSO DE DESPACHO PROFERIDO EM AUDIÊNCIA
PRAZO
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 402º, 356º, N.º 4, DO CPP
Sumário: I – Assentando o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 402.º do Código de Processo Penal na circunstância de os fundamentos da decisão serem, ou poderem ser, comuns às vertentes penal e civil da causa e aproveitando ao arguido o recurso interposto pelo demandado civil, mesmo para efeitos penais, nada obsta a que a demandada civil questione os vectores da decisão penal susceptíveis de onerar a sua posição. O entendimento que veda ao responsável civil a possibilidade de impugnação da matéria de facto com relevância penal assente no julgamento efectuado em primeira instância poderá traduzir-se numa intolerável restrição do direito ao recurso (o que sempre sucederá nos casos de inércia do responsável penal), deixando a demandada à mercê do maior ou menor empenho do responsável penal na sua própria defesa.
II – A leitura em audiência de declarações prestadas em inquérito por testemunha entretanto falecida não equivale à prestação de declarações para memória futura e dessa leitura não resulta nulidade por violação do princípio do contraditório. O contraditório, nos casos de impossibilidade de comparecimento por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apuramento do paradeiro, não tiver sido possível a notificação para comparecimento, é assegurado através da leitura das declarações em audiência, que poderão assim ser questionadas pelo arguido, tal como toda a demais prova produzida, tendo a solução normativa vertida no art. 356º acautelado as garantias de defesa do arguido relativamente a cada uma das leituras permitidas em função da sua natureza e das garantias processuais com que os actos foram praticados.

III – Não é pelo facto de o recorrente classificar as declarações prestadas por testemunha em inquérito como declarações para memória futura que estas assumem essa configuração. A correspondente arguição de nulidade com esse fundamento deverá ser desatendida por configurar arguição de nulidade de acto processual inexistente.

IV – Os despachos proferidos em audiência poderão ser sindicados em recurso interposto no prazo normal previsto para esse efeito, que começa a correr após a sua prolacção, estando o interessado presente. Se aquando da interposição de recurso da decisão final esse prazo já estiver esgotado, não poderão aqueles despachos ser atacados neste recurso, sem prejuízo de no recurso da decisão final poderem ser suscitadas as questões atinentes à utilização de prova ilegal.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Tribunal da Relação de Coimbra

4ª Secção (criminal)

Recurso nº 1505/17.0PBCBR.C1

Relator – Jorge Miranda Jacob

1ª Adjunta – Maria José Guerra

2ª Adjunta – Helena Lamas

_____________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

No âmbito destes autos de processo comum (tribunal singular) que correram termos pelo Juízo Local Criminal Coimbra – Juiz ..., foi proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

 (…)

Pelo exposto, o tribunal decide:

1. Julgar procedente por provada a acusação pública, e em consequência, condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artº 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende, por igual período de tempo, contada do trânsito em julgado desta decisão, acompanhada de regime de prova, cuja execução e supervisão será acompanhada pelos serviços da reinserção social.

2. Condenar o arguido AA na pena acessória de inibição de conduzir quaisquer veículos a motor prevista na alínea a) do nº 1 do artº 69º do Código Penal, pelo período de 3 (três) meses.

3. Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização deduzido nos autos pelos demandantes/assistentes BB e CC, e em consequência condenar a demandada cível, A... Seguros, S.A. a pagar aos referidos demandantes/assistentes, os seguintes montantes:

3.1. A título do dano de morte, o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3.2. A título de danos não patrimoniais da própria vítima, o montante de € 7.500,00 (sete mil quinhentos euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3.3. A título de danos não patrimoniais sofridos pela demandante/assistente BB, o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3.4. A título de danos não patrimoniais sofridos pelo demandante/assistente CC, o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

3.5. A título de danos patrimoniais por dano futuro relativamente à demandante/assistente BB, o montante de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar até efetivo e integral pagamento;

3.6. A título de danos patrimoniais por dano futuro relativamente ao demandante/assistente CC, o montante de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar até efetivo e integral pagamento;

3.7. Absolver a demandada cível A... Seguros, S.A. do demais peticionado pelos demandantes/assistentes BB e CC nos presentes autos.

(…)

Inconformados, recorreram o arguido AA e a demandada A... Seguros, S.A., formulando as seguintes conclusões:

I – Recurso do arguido AA:

A - Os factos 3, 4, 6, 7, 9 e por consequência 10 foram erroneamente dados como provados, decisão inversa se impunha.

B- Os factos que se transcrevem devem ser dados como provados:

- o veículo JQ não interveio na queda protagonizada pela mencionada DD, no dia 07.12.2017, nas instalações da Cáritas Diocesana de ...;

- nem colidiu, em algum momento, contra a malograda DD;

- o condutor do JQ, ao sair das instalações da Cáritas Diocesana de ..., onde tinha ido deixar a encomenda – mais concretamente no bloco destinado à realização de fisioterapia – apercebeu-se de que a malograda DD estava caída no exterior daquelas instalações, numa zona em que o pavimento se mostra todo ele revestido de pedras irregulares, tipo calçada portuguesa;

- apercebendo-se dessa circunstância, o condutor do JQ voltou novamente ao interior do edifício onde tinha deixado a encomenda, para pedir auxílio, tendo regressado de imediato ao local onde a dita DD estava caída, juntamente com a recepcionista do bloco de fisioterapia da Cáritas Diocesana de ...;

- acresce que, a referida DD padecia, bem assim, de diversas patologias, nomeadamente de problemas cardíacos, que lhe haviam sido diagnosticados há vários anos, tais como arritmia e insuficiência cardíaca, tendo antecedentes de cirurgia cardíaca via esternotomia e sendo ainda portadora de um pacemaker;

- para além da patologia cardíaca, à data de 07.12.2017, a malograda DD padecia também de:

- insuficiência respiratória /bronquite;

- obesidade, pois pesava cerca de 70 kg e tinha apenas 1,53 cm de altura;

- hiperplasia nodular da tiróide e toroidite linfocítica;

- adenoma cortical e tumor extensamente necrosado da supra-renal direita;

- adenocarcinoma extensamente necrosado do útero (endométrio);

- esteatose hepática mista, ligeira

- Arteriosclerose renal ligeira.

- a patologia cardíaca, de que a referida DD padecia, pode causar perdas de consciência súbita – ou até a morte súbita de quem dela padeça – com a consequente queda desamparada da mesma no solo; - foram as apontadas dificuldades de locomoção

- a referida DD não apresenta sinais no seu corpo sugestivos de que tivesse sido embatida/colidida por uma viatura, nomeadamente pelo JQ, o qual, de resto, não apresentava quaisquer danos no dia 07.12.2017;

- os exames levados a cabo durante a autópsia a que o cadáver da falecida DD foi submetida revelaram, pelo menos, os seguintes problemas, que não se mostram minimamente relacionados com a queda que a mesma protagonizou:

- broncopneumonia aguda muco-purulenta;

- fibrose intersticial e dilatação miocárdicas;

- aterosclerose coronária (placa excêntrica, tipo IV, < 25%;

- hiperplasia nodular da tiróide e toroidite linfocítica; - adenoma cortical e tumor extensamente necrosado da supra-renal direita; - adenocarcinoma extensamente necrosado do útero (endométrio); - esteatose hepática mista, ligeira.

C – Quanto aos factos erroneamente provados estes devem-se à conjugação da prova produzida, e dando por qui reproduzidas as doutas alegações e motivação do Demandada Civil, baseada numa leitura de um depoimento EE, apenas, que não foi escalpelizados, este a fls. 226 e lido em sede de audiência de discussão e julgamento, ainda que se não julgue admissível tal prova, pois não foram tomadas declarações para memória futura, que viessem permitir o contraditório, ou ainda o esclarecimento de certas observações incoerentes feitas pela “testemunha”, tais como:

D – A Testemunha FF afirmou eu o arguido entrou duas vezes na sua Porta, a testemunha EE diz que este saiu de uma e entrou na outra, que se encontra do lado oposto. o rapaz que conduzia a carrinha teria cerca de 30 anos”

E - Ficou claramente provado que o arguido entrou e saiu de um edifício e novamente entrou no mesmo edifício, já falecida, declarou que a pessoa que viu entrou no outro edifício. Mais declarou que o rapaz teria 30 anos, quando o arguido tem 49, e como se vê bem pelas fotografias nos autos a sua imagem não esconde a sua idade.

F – Não efectuado pela única testemunha ocular o reconhecimento do arguido.

G – Não foi exercido o contraditório tão simples como qual a altura do rapaz, qual a sua aparência, se tinha óculos, uma série de perguntas que poderiam valer à defesa e que não foi possível dado que não existiu qualquer contraditório. Ainda assim, que esta testemunha iliba de qualquer acto o aqui arguido, pois o rapaz que esta senhora terá visto entrou numa porta, dela saiu, e depois deslocou-se à por no sentido contrário.

H – Inexiste qualquer nexo de causalidade entre a queda e as fracturas, cfr. Parecer Técnico-científico, e testemunho do Professor GG.

I - Ao invés do que a Autora do relatório da Autopsia parte do pressuposto de ter havido acidente, facto este que lhe foi veiculado, e que esta desde o primeiro momento o tomou como certo. Assim, esta elabora o seu relatório num pressuposto que não tinha sido minimamente comprovado, tirando conclusões erróneas, e que não poderá o Tribunal considerar.

J - O nexo de causalidade tem que ser sempre caracterizado relativamente a 3 aspectos:

O nexo de causalidade pode ser Certo ou Hipotético, isto é: o nexo de causalidade é Certo quando não tenho dúvida nenhuma que aquela foi uma ligação directa entre uma coisa e outra, mas pode ser Hipotético quando há situações em que eu não posso dizer com segurança que aquela consequência é devidamente devida àquele evento, mas também não posso afastar com total certeza que aquela consequência não foi devida a algum evento. Neste caso nós estamos seguramente perante um nexo de causalidade Hipotético , isto é, eu não posso afirmar que o desenlace fatal é seguramnete devido àquela queda, mas também não posso afastar que aquela queda e as lesões delas decorrentes não tenham tido alguma influência neste desenlace fatal nomeadamente ao condicionar o processo hemorrágico, a ida de algum sangue para os pulmões. O facto de a senhora estar acamada e ter de permanecer acamada tudo isso são situações que favorecem o desenvolver de uma broncopneumonia, se foi broncopneumonia efectivamente, a acabar por condicionar a morte.

Depois o nexo de causalidade pode ser ainda Exclusivo ou Parcial. É Exclusivo quando é apenas aquele evento que é responsável pela totalidade das situações que levam à morte.

É parcial, quando no desenlace quantificado no estado patológico constatado, intervem mais do que um factor. (…)

L – Aqui o nexo de causalidade é Hipotético, Parcial, e depois pode ser ainda Directo ou Indirecto, Directo quando tudo resulta directamente daquela situação e Indirecto quando há outras intercorrências que podem ter surgido entretanto entre o evento traumático e o desenlace que veio a ser verificado quando outras intercorrências.

M – Não existiu reanimação.

N - Não se pode afirmar taxativamente que aquela broncopneumonia é a causa total do evento traumático e daquelas fracturas da face porque não pode fratura da face necessariamente uma broncopneumonia, já havia ali um terreno que favoreceu esse quadro (…)

O - Será sempre hipotético ou parcial e depois se directo ou indirecto não existem elementos para o afirmar

P -Inexiste prova de que o arguido atropelasse a DD, nem sequer existe qualquer nexo de causalidade entre a queda (pois inexistem sinais na autopsia de que esta fosse embatida, nem sequer um hematoma) nem existe qualquer nexo de causalidade entre o infortúnio da queda e da morte em si.

Q - Se o relatório de autópsia é meio de prova para imputar ao arguido uma conduta que este não teve, pois, a Sra. Dra. parte de um pressuposto atropelamento para obter uma conclusão e não dos factos que vê no corpo autopsiado. Pois nem sequer se permitiu o contraditório a este respeito, pois o corpo foi imediatamente cremado, não sendo possível à defesa, pois, ainda não estava constituído arguido o AA, de molde a que se pudesse opor à mesma.

R – Não se pode presumir a causa da morte por informação prévia não confirmada de atropelamento.

S - Do relatório da autópsia a fls 108 encontra-se o historial histopatológico da falecida, contudo o Meritíssimo Juiz a quo decidiu desvalorizar e dar como não provadas todas as patrologias de que padecia a falecida, nomeadamente:

T - Pelo que tais factos deveriam ter sido dados como provados, bem como os demais também, pois estão corroborados / provados no Parecer técnico científico, e pela prova testemunhal supra mencionada.

Revogando a decisão proferida, farão V. Exa. a tão Acostumada Justiça!

II - Recurso da demandada A... Seguros, S.A.:

I. Ocorreu erro de julgamento dos factos provados 4, 5 e 9, que deverão antes ser dados como não provados:

II. Por nulidade, por prova proibida, das declarações da testemunha EE prestadas, como o foram, para memória futura, em 07.12.2018 perante apenas o MP e não perante juiz de instrução e na ausência, por não notificada, da advogada do arguido, e por subsequente nulidade da sua leitura na audiência de julgamento de 10.01.2023, tudo por violação do previsto nos artºs 271º/1 e 4 e nos artºs 355º e 356º/4 do CPP;

III. Em especial se considerarmos que foi o MP que, perante a potencial iminência da morte da testemunha, tomou a iniciativa de a ouvir, apenas perante ele próprio, acusador, para memória futura, com o único fito de aproveitar mais tarde a leitura das suas declarações em audiência de julgamento, esquecendo o previsto no artº 271º do CPP para o efeito, a intervenção do juiz de instrução e a presença obrigatória da advogada do arguido, dessa forma obtendo uma prova segura e impedindo consequentemente, perante ela, todas as garantias da defesa.

IV. Por nulidade, por prova proibida, das declarações da testemunha EE e da leitura das mesmas na mesma audiência de julgamento, por violação do previsto no artº 355º/1 e 2 do CPP e sobretudo dos princípios do contraditório, da imediação e da audiência consagrado nos artºs 20º e 32º/1 e 5 da CRP, o que tudo se traduziu numa interpretação inconstitucional e, como tal, nula, daqueles preceitos dos artºs 355º/2 e 356º/4 do CPP;

V. Pelo facto de das declarações da testemunha EE não resultar a identificação do arguido, nem do veículo dito atropelante;

VI. Por aquele julgamento também se basear no depoimento indirecto da vítima, DD, sem qualquer contraditório, em violação do disposto no artº 129º do CPP e dos direitos de contraditório do arguido e da recorrente;

VII. Por inexistência de quem mais tivesse visto o atropelamento em causa.

Por seu lado,

VIII. Ocorreu erro de julgamento dos factos provados 6 e 7, que antes deverão ser dados como não provados:

IX. Porque resulta dos registos clínicos da urgência do hospital, a fls., que as lesões sofridas pela vítima DD com a queda em causa foram apenas lesões traumáticas faciais (fracturas de Lefort tipo 1 e 2) com hemorragia activa, não resultando de qualquer elemento de prova nos autos que aquela queda tenha causado uma broncopneumonia aguda mucopurulenta. Esta sobreveio no hospital !! Sendo ela a causa directa da morte ! Deverá, como tal, aquele facto 6 ser alterado em conformidade.

X. Porque resulta dos depoimentos dos (i) assistentes e (ii) da testemunha HH, (iii) bem como dos registos hospitalares do internamento da lesada, que até cerca das 19h do dia 09.12.2017 (última visita de uma testemunha), o dia anterior ao da morte, não se assinalaram naqueles registos quaisquer costelas partidas, nem qualquer broncopneumonia aguda mucupurulenta, nem a vítima apresentava qualquer sintoma ou queixa a qualquer desses dois níveis.

XI. Porque quer as 12 costelas partidas, com 20 lesões, quer a broncopneumonia aguda mucupurulenta advieram apenas depois de 07.12.2017, data da queda, no hospital e entre as 19h do dia 09.12.2017 última visita) e as 06h30 de dia 10.12.2017 (registo da morte).

XII. Porque, em face destes factos e das naturais dúvidas que suscitam, de que algo ocorreu naquele período que afectou, em muito o estado de saúde da lesada, não ser de aceitar, sem mais e atento o princípio in dúbio pro reo, a conclusão simplista do tribunal recorrido de que foram as lesões faciais sofridas na queda, que por si nunca causariam sozinhas a morte, a que sobreveio, no hospital, uma broncopneumonia, a causa da morte da lesada ?

XIII. Pelo contrário, por força do sobredito princípio in dúbio pro reo impunha-se antes a não prova daqueles factos 6 e 7.

XIV. A não prova dos factos 4, 5 e 9 e 6 e 7 deverá levar à revogação da sentença recorrida com a subsequente absolvição do arguido e da aqui recorrente.

TERMOS EM QUE em que deverá ser julgado procedente o recurso, alterando-se a factualidade atrás indicada para não provada e revogando-se depois a sentença recorrida, com o que se fará Justiça!

            O M.P., na sua resposta, pronunciou-se pela manutenção da decisão recorrida concluindo pela forma seguinte:

            1. Veio o arguido impugnar a sentença que o condenou pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena principal de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, cuja execução e supervisão será acompanhada pela DGRSP; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.

            2. No que tange ao erro de julgamento relativamente aos pontos 3, 4, 6, 7, 9 e 10 da factualidade dada como provada, cumpre referir que, analisando a motivação da decisão de facto, facilmente se constata que foram essenciais à formação da convicção do tribunal os depoimentos da testemunha EE, entretanto falecida, cujo depoimento foi lido e analisado em audiência de julgamento em conformidade com o disposto no artigo 356.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, bem como no depoimento indirecto prestado pela própria infeliz vítima enquanto foi viva, trazido à liça pela testemunha HH, conjugado com o teor dos depoimentos prestados pelas demais testemunhas inquiridas, bem como os documentos e relatórios juntos aos autos, que o recorrente pretende a todo o custo desvalorizar e/ou valorizar da forma que melhor lhe convém.

            3. De todo em todo, cumpre assinalar que é profícua a fundamentação da sentença ora em crise, explanando os motivos que levaram o Tribunal a quo a formar a sua convicção, pelo que entendemos que o Tribunal apreciou criticamente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência e com a sua livre convicção, contido no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

            4. No que tange à invocada nulidade do depoimento prestado pela testemunha EE porquanto, no entender da defesa, se tratou efectivamente de declarações para memória futura que não obedeceram aos 17 requisitos formais ínsitos no artigo 271.º do Código de Processo Penal, cumpre referir que tal depoimento foi prestado perante a autoridade judiciária competente, o que, naquela fase processual (a do inquérito), se trata do Magistrado do Ministério Público.

            5. Acresce dizer que nada obriga, por um lado, o Ministério Público a diligenciar pela prestação de declarações para memória futura de determinada testemunha e, por outro ainda, nada obsta a que tome depoimento a determinada testemunha na sua presença.

            6. Na verdade, no caso de falecimento da dita testemunha, o facto de o legislador conferir a possibilidade de tal depoimento ser lido e analisado em audiência de discussão e julgamento sem que para tanto haja acordo dos intervenientes, justifica-se plenamente, na medida em que se inscreve na linha geral da reforma de 2013: a conciliação prática entre, por um lado, a necessidade de celeridade e eficácia no combate ao crime e de defesa da sociedade; e, por outro lado, a garantia dos direitos de defesa do arguido.

            7. Vale por dizer que, tendo sido assegurado o exercício pleno do contraditório em sede de audiência em relação à testemunha cujo depoimento, em julgamento, tenham sido objeto de leitura, verificado que foi o circunstancialismo descrito no artigo 356.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, não ocorreu a invocada nulidade nem, tão-pouco, se assistiu à valoração de prova proibida,

            8. Não merecendo, como tal, censura a sentença recorrida, inclusivamente na parte em que não dispensou, na formação da convicção, a consideração do dito depoimento.

            9. Em conclusão, atenta a factualidade dada como provada na sentença em apreço e, bem assim, atentos os fundamentos supra expostos, andou bem o Tribunal a quo, quando condenou o Recorrente nas penas irrogadas.

            Posto isto, face a tudo o quanto foi supra exposto, bem como o demais que V.Exªs. doutamente suprirão, entende-se que não deverá ser dado provimento aos recursos, e que, apenas mantendo-se a douta sentença proferida, se fará inteira e sã justiça!

            Também os assistentes responderam aos recursos, pronunciando-se pela respectiva improcedência. Alegaram, em síntese, que não houve tomada de declarações para memória futura relativamente à testemunha EE, mas mera leitura das suas declarações em audiência, por aquela ter, entretanto, falecido; e que a verificar-se nulidade ou irregularidade deveria ter sido arguida nos prazos legalmente previstos, o que não sucedeu.

            Nesta instância, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto secundou a posição assumida pelo M.P. em primeira instância, acrescentando que a prova produzida desmente a posição assumida pelo arguido; que não houve tomada de declarações para memória futura, mas válida leitura em audiência de declarações recolhidas em inquérito; que é válido, também, o depoimento indirecto, concernente ao que os assistentes e a testemunha EE ouviram a vitima dizer.

            Foram colhidos os vistos legais.

Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões formuladas, as questões a conhecer são as seguintes:

            - Nulidade das declarações para memória futura prestadas pela testemunha EE;

            - Nulidade da leitura em audiência das declarações da mesma testemunha;

            - Nulidade ainda, decorrente do facto de a sentença ter atendido ao depoimento indirecto da vítima, DD;

            - Erro de julgamento, apontando o recorrente AA como incorrectamente provados os factos nºs 3, 4, 6, 7, 9, 10 e a recorrente A... os factos 4, 5, 6,7 e 9.

           

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

            1. No dia 07 de dezembro de 2017, perto da hora do almoço, o arguido, no exercício das suas funções de distribuidor para a empresa “B..., LDA”, ao volante do veículo ligeiro de mercadorias de marca Citroen, modelo XS9HUC, de matrícula ..-JQ-.., propriedade da sociedade “C..., LDA”, dirigiu-se à Cáritas Diocesana de ..., sita na Rua ..., em ....

            2. Ali chegado, o arguido entrou com o referido veículo nas instalações da Cáritas e estacionou-o em frente à entrada da porta principal do bloco de fisioterapia.

            3. Após, o arguido entrou nas referidas instalações e, depois de entregar uma encomenda, voltou a entrar no veículo por si conduzido, para dali se ausentar.

            4. Assim, após ter percorrido cerca de 4 ou 5 metros em marcha atrás, o arguido embateu com a retaguarda do veículo que conduzia nas costas de DD que ali se encontrava a passar, apeada, fazendo com que a mesma caísse ao chão de barriga e face viradas para baixo.

            5. Começando DD a sangrar da face por força do impacto da queda no solo.

            6. Com a conduta descrita, o arguido provocou à ofendida as lesões melhor descritas no relatório de fls. 114-117, designadamente lesões traumáticas faciais (fracturas de Lefort tipo 1 e 2) com hemorragia activa, complicadas de broncopneumonia aguda mucopurulenta.

            7. Lesões essas que foram causa adequada da sua morte no dia 10.12.2017, após ter estado internada no Serviço de Maxilo-Facial do CHUC.

            8. À data e hora do embate estava bom tempo, era de dia e havia boa visibilidade.

            9. Ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidada, agindo sem o cuidado que o dever geral da prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que era capaz de adoptar e que devia ter adoptado, sobretudo atento o local onde se encontrava, para evitar um resultado que podia e devia prever, mas que não previu, dando, assim, causa àquelas lesões para a vitima, que foram causa adequada da sua morte.

            10. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

            Mais se provou que:

            11. A vítima DD faleceu sem testamento nem disposição de última vontade, deixando como únicos e universais herdeiros, os aqui assistentes CC e BB.

            12. Por contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice nº ...67, a demandada Companhia de Seguros A... Seguros, S.A. assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo XS9HUC, com a matrícula ..-JQ-.., o qual no momento do acidente era conduzido pelo arguido.

            13. Tal contrato estava em vigor à data do atropelamento que vitimou mortalmente a DD: 07/12/2017.

            14. A vítima DD nasceu a ../../1935, e à data dos factos, tinha 82 anos de idade.

            15. A vítima DD era alegre, bem disposta, amiga do seu amiga e respeitada e considerada por todos no meio familiar e social em que se inseria.

            16. Apesar das dificuldades de locomoção, a falecida DD era uma pessoa saudável, cheia de vida, muito enérgica e dinâmica.

            17. A falecida DD auferia, mensalmente, a título de pensão de reforma, a quantia de € 2.190,61.

            18. acrescida da pensão de sobrevivência por falecimento do seu marido, II, na quantia mensal de € 462,22.

            19. Mensalmente, a falecida DD ajudava cada um dos seus filhos, os aqui demandantes, no montante de € 250,00 a cada um deles.

            20. A falecida DD tinha gosto pela vida, fazendo questão de a partilhar com os seus filhos, a quem devotava grande amor e carinho.

            21. Os demandantes retribuíam-lhe tal afeto.

            22. Entre os demandantes e a falecida, sua mãe, havia uma relação de grande amizade, amor e companheirismo.

            23. A falecida DD vivia para a sua família, uma família harmoniosa, unida e feliz.

            24. Sofreram os demandantes um profundo desgosto, uma profunda dor e mágoa com a perda da sua mãe, ficaram tristes, deprimidos, angustiados e com perda de gosto de viver por terem perdido o ente familiar que para eles é insubstituível e por quem tinham grande amor.

            25. A falecida DD convivia diariamente com os demandantes, seus filhos, ajudando-os e acompanhando-os nos momentos bons e nos menos bons.

            26. Sempre foi uma mãe carinhosa, preocupada e presente.

            27. Os demandantes tiveram conhecimento pessoal do atropelamento, bem como do falecimento da sua mãe, DD, decorrente daquele, no dia em que o mesmo ocorreu.

            28. Os demandantes sofreram o choque e a angústia profunda da situação irreversível de nunca mais poderem estar com a sua mãe.

            29. Em consequência do seu estado emocional e físico, os demandantes, desde o dia do atropelamento mortal de sua mãe, passaram a sentir dificuldades em dormir, grande irritabilidade e redução do apetite.

            30. Os demandantes, com a morte de sua mãe, decorrente dos factos praticados pelo arguido sentiram (e ainda sentem) forte moral e vazio existencial que muito os faz sofrer.

            31. Como consequência directa da morte de DD, deixou de entrar mensalmente no património de cada um dos demandantes a quantia referida no facto provado sob o iten 19.

            32. Até outubro de 2019, data em que a falecida DD completaria 84,5 anos de idade, deixou de entrar no dito património dos demandantes, a quantia total de € 11.000,00 euros.

            33. A falecida DD sofreu dores intensas em consequência do acidente e das lesões que a atingiram, suportou cerca de 3 dias de internamento hospitalar e dolorosos tratamentos e perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.

            34. À data do atropelamento, a falecida DD movimentava-se com o auxílio de duas canadianas.

            35. O arguido trabalha para uma empresa de transportes, com sede em ..., ..., como motorista, auferindo mensalmente o salário de cerca de € 550,00 euros.

            36. O arguido vive em casa própria, com a sua esposa que trabalha, e três filhos de 6, 11 e 21 anos de idade.

            37. O filho de 21 anos de idade está a frequentar o curso de Solicitadoria, pagando o arguido e a sua esposa, por mês, a título de despesas mensais, o montante de € 200,00 euros.

            38. Com vista à aquisição da casa onde o arguido e o seu agregado familiar habitam, aquele e a sua esposa contraíram empréstimo bancário, estando ambos a despender mensalmente, a título de amortização do mútuo, a quantia de cerca de € 350,00 euros.

            39. Faz parte ainda do património do arguido e da sua esposa, um veículo ligeiro de passageiros, marca ..., ano 2012.

            40. O arguido possui o 7º ano de escolaridade.

            41. O arguido não tem antecedentes criminais.

           

            Foram descritos como não provados os seguintes factos:

            - o veículo JQ não interveio na queda protagonizada pela mencionada DD, no dia 07.12.2017, nas instalações da Cáritas Diocesana de ...;

            - nem colidiu, em algum momento, contra a malograda DD;

            - o condutor do JQ, ao sair das instalações da Cáritas Diocesana de ..., onde tinha ido deixar a encomenda – mais concretamente no bloco destinado à realização de fisioterapia – apercebeu-se de que a malograda DD estava caída no exterior daquelas instalações, numa zona em que o pavimento se mostra todo ele revestido de pedras irregulares, tipo calçada portuguesa;

            - apercebendo-se dessa circunstância, o condutor do JQ voltou novamente ao interior do edifício onde tinha deixado a encomenda, para pedir auxílio, tendo regressado de imediato ao local onde a dita DD estava caída, juntamente com a recepcionista do bloco de fisioterapia da Cáritas Diocesana de ...;

            - entretanto, deslocaram-se para o local vários enfermeiros da Cáritas Diocesana de ... que prestaram assistência especializada à mencionada DD, razão pela qual, o condutor do JQ se ausentou do local, não sem antes ter deixado o seu contacto à referida recepcionista, caso algo se mostrasse necessário, visto que tinha sido quem primeiro se apercebera da senhora caída no chão;

            - a malograda DD tinha indicação para andar sempre acompanhada de outra pessoa nas suas deslocações, dadas as francas limitações de locomoção que apresentava e o risco de queda associado às mesmas, tanto mais que tinha sido recentemente submetida a uma intervenção cirúrgica;

            - acresce que, a referida DD padecia, bem assim, de diversas patologias, nomeadamente de problemas cardíacos, que lhe haviam sido diagnosticados há vários anos, tais como arritmia e insuficiência cardíaca, tendo antecedentes de cirurgia cardíaca via esternotomia e sendo ainda portadora de um pacemaker;

            - para além da patologia cardíaca, à data de 07.12.2017, a malograda DD padecia também de:

            - insuficiência respiratória /bronquite;

            - obesidade, pois pesava cerca de 70 kg e tinha apenas 1,53 cm de altura;

            - hiperplasia nodular da tiróide e toroidite linfocítica;

            - adenoma cortical e tumor extensamente necrosado da supra-renal direita;

            - adenocarcinoma extensamente necrosado do útero (endométrio);

            - esteatose hepática mista, ligeira (<5%) e multifocal;

            - Arteriosclerose renal ligeira.

            - a patologia cardíaca, de que a referida DD padecia, pode causar perdas de consciência súbita – ou até a morte súbita de quem dela padeça – com a consequente queda desamparada da mesma no solo;

            - foram as apontadas dificuldades de locomoção ou eventualmente a patologia cardíaca de que padecia, que levaram a que a malograda DD se tivesse desequilibrado e por imperícia/desatenção/falta de cuidado/perda de consciência súbita, acabasse por cair desamparada no chão, no exterior da Cáritas Diocesana de ...;

            - as lesões sofridas pela mencionada DD, diagnosticadas no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no dia 07.12.2017, revelam que a mesma caiu sem qualquer atitude defensiva, batendo com a cara em cheio no chão, o que é compatível com uma eventual perda de consciência súbita;

            - a referida DD não apresenta sinais no seu corpo sugestivos de que tivesse sido embatida/colidida por uma viatura, nomeadamente pelo JQ, o qual, de resto, não apresentava quaisquer danos no dia 07.12.2017;

            - no local onde a malograda DD protagonizou a queda, o pavimento das instalações da Cáritas Diocesana de ... apresenta uma configuração irregular, sendo constituído em calçada portuguesa, o que pode ter estado na origem do seu desequilíbrio;

            - o local onde a referida DD caiu destinava-se tanto à circulação de peões, como à circulação de veículos de transporte de mercadorias, de encomendas ou de pacientes/utentes que se dirigissem às instalações da fisioterapia da Cáritas Diocesana de ...;

            - a morte da mencionada DD não ocorreu como consequência dos ferimentos por ela sofridos, na sequência da queda que protagonizou, em 07.12.2017;

            - na sequência da sobredita queda verificada nas instalações da Cáritas Diocesana de ..., a malograda DD foi conduzida ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde foi internada, com o diagnóstico de traumatismo facial com hemorragia;

            - durante o internamento no C.H.U.C., a malograda DD foi observada por Neurocirurgia, tendo tido alta dessa especialidade, logo no dia 08.12.2017, em virtude de não lhe ter sido diagnosticada qualquer lesão a esse nível;

            - com efeito, em consequência da sobredita queda, a malograda DD não sofreu qualquer lesão intracraniana, nem tão pouco qualquer traumatismo encefálico;

            - as únicas lesões diagnosticadas à malograda DD foram apenas a fractura dos ossos próprios do nariz e dos seios maxilares, cujo tratamento consistiu no tamponamento nasal;

            - por ter tido alta da especialidade de Neurocirurgia e porque o seu estado de saúde não inspirava outros cuidados, em 08.12.2017, a mencionada DD foi transferida para a enfermaria de Cirurgia Maxilo Facial do C.H.U.C., visto que as lesões que lhe haviam sido diagnosticadas se localizavam na face;

            - durante o tempo que permaneceu internada na enfermaria de Cirurgia Maxilo Facial, a referida DD apresentou uma boa evolução clínica, sem perdas hemáticas, tendo estado sempre hemodinamicamente estável;

            - não obstante, pelas 06:30h, do dia 10.12.2017, a indicada DD veio a morrer, por falência cardíaca;

            - a fractura dos ossos próprios do nariz e dos seios maxilares sofridas pela referida DD não são causa necessária e suficiente para provocar a sua morte.

            - a morte da DD foi resultado de falência cardiorrespiratória súbita, provavelmente por agravamento súbito da sua insuficiência cardíaca, que terá motivado paragem cardíaca, ou da sua insuficiência respiratória /bronquite, de que também padecia desde data anterior a 07.12.2017;

            - foram estes problemas que afectavam a malograda DD que estiveram na origem da sua morte e não as lesões que sofreu na sequência da queda que protagonizou em 07.12.2017;

            - os exames levados a cabo durante a autópsia a que o cadáver da falecida DD foi submetida revelaram, pelo menos, os seguintes problemas, que não se mostram minimamente relacionados com a queda que a mesma protagonizou:

            - broncopneumonia aguda muco-purulenta;

            - fibrose intersticial e dilatação miocárdicas;

            - aterosclerose coronária (placa excêntrica, tipo IV, < 25%;

            - hiperplasia nodular da tiróide e toroidite linfocítica;

            - adenoma cortical e tumor extensamente necrosado da supra-renal direita;

            - adenocarcinoma extensamente necrosado do útero (endométrio);

            - esteatose hepática mista, ligeira (<5%) e multifocal;

            - Arteriosclerose renal ligeira;

            - congestão vascular marcada e difusa.

            - os antecedentes patológicos de que a malograda JJ padecia são só por si suficientes para lhe causar a morte;

           

            O julgamento de facto foi motivado nos seguintes termos:

            O tribunal alicerçou a sua convicção, no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em consideração os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade, conjugados com as regras da experiência comum e da normalidade social prevalente.

            Apreciando:

            Quanto ao juízo de culpabilidade do arguido imputado nos factos provados, no que tange à dinâmica do acidente do qual resulta a morte da infeliz vítima DD resulta da circunstância de a versão do arguido não ter logrado obter credibilidade por parte do tribunal – negou a prática dos factos - tendo sido infirmada diretamente pela testemunha presencial dos factos, desde o início e até ao seu epílogo trágico, a, entretanto, falecida EE, cujo depoimento foi lido em audiência de julgamento, depoimento esse prestado pouco tempo depois do acidente, portanto, ainda “fresco” na memória da referida testemunha, revelando-se circunstanciado, preciso e detalhado que resultou da visualização do acidente, e que em síntese útil, confirmou a dinâmica do acidente dada como provada nos autos. Depoimento este essencial que não foi posto em causa por nenhum outro meio de prova produzido em audiência de julgamento, nomeadamente testemunhal. Pelo contrário, o referido depoimento mostrou-se até reforçado quanto à sua credibilidade e em consonância com as mais elementares regras de verosimilhança (diga-se, aliás, fazendo-se aqui um “intermezzo” que a idoneidade e/ou a imputabilidade da falecida testemunha nunca foi posta também em crise na audiência de julgamento) pela conjugação de alguns depoimentos de testemunhas prestados em audiência de julgamento, como o foram, de forma que nos pareceu credível, e a título principal, o prestado pela testemunha KK, que referiu, na sua essencialidade, estava a acerca de 20/30 metros do local onde ocorreu o acidente em análise nos autos, ouviu um estrondo, e ao olhar viu a carrinha - identificada nos factos provados - junto ao corpo da infeliz vítima a avançar e o arguido logo depois a sair e a dirigir-se ao interior das instalações da Caritas, afirmando de forma impressiva que a traseira da carrinha embateu nas costas da vítima. Também o depoimento da testemunha LL – depoimento que nos pareceu igualmente credível - que se encontrando nas imediações do local do acidente, referiu ter ouvido um grito, viu a carrinha a avançar e a afastar-se do corpo, mas quando começou a avançar a sua traseira estava junto ao corpo da vítima, tendo identificado o local e a viatura como sendo conduzida pelo arguido. Como igualmente, de forma credível, apontando para a responsabilidade do arguido, o depoimento da testemunha MM que referiu ter sentido a necessidade de pedir a identificação pessoal ao arguido, por que tinha ouvido alguém ter dito que o arguido teria batido na vítima.

            Acresce ainda, e enquanto foi viva, as declarações da própria infeliz vítima, a qual até à hora da sua morte se manteve sempre consciente, como referiram os assistentes – que a iam visitar enquanto esteve internada - e a testemunha HH – empregada da infeliz vítima – e que disse sempre que tinha sido atropelada.

            Para além disso, como resulta das declarações do arguido, das fotografias 179/180, 363/364 e 508 verso a 511 verso, e ainda, como se infere, de forma conjugada na globalidade dos depoimentos das testemunhas identificadas nas alíneas i) a xi) elencadas na acusação pública, o arguido estava em trabalho, estacionou o veículo em lugar que não podia fazê-lo, no caso em frente à entrada da porta principal do bloco de fisioterapia, que se destinava a veículos de emergência médica e por onde era também normal circular pessoas (utentes e acompanhantes) que entravam e saíam das instalações da Cáritas.

            Ora, do cotejo probatório acima exposto, máxime, quanto aos depoimentos das testemunhas e declarações da infeliz vítima – depoimento indireto, cujas declarações foram confirmadas em audiência de julgamento de forma que nos pareceu credível pelos assistentes e testemunha HH - que o tribunal valorizou em detrimento dos restantes depoimentos prestados, quanto à dinâmica do acidente e imputação da culpa ao arguido, por nada acrescentarem de relevante para a descoberta da verdade material, cedendo todos eles perante depoimentos de testemunhas presenciais dos factos, como o é de forma direta, o depoimento da malograda testemunha EE, secundado ainda pelos restantes depoimentos supra individualizados, não perdendo de vista, nesta sede, relembrando as questões do local, condições atmosféricas, dinâmica do acidente, seus intervenientes e imputação culposa subjetiva do acidente ao arguido, ainda, e de forma complementar o teor do seguinte acervo documental, para além dos acima referidos, a saber: aditamento nº 4 de 15.12.2017, fls. 7-12; aditamento nº 5 de 15.12.2017, fls. 15, Reportagem fotográfica, fls. 13-14, pesquisa do IMTT, fls. 84, pesquisa do veículo, fls. 186, informação da C..., Lda, fls. 272 e Escala SMTUC dia 07.12.2017, fls. 330, dúvidas não ficaram ao tribunal de que o arguido foi o responsável exclusivo, a título negligente, pela eclosão do acidente, no caso atropelamento, de que a infeliz DD foi vítima.

            Quanto ao nexo de causalidade entre o facto lesante e dano (morte) dado como provado nos autos, o tribunal teve em consideração, a título essencial, os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelas Sras. Peritas Dra. NN, subscritora do relatório de anatomia patologia forense da vítima DD e da Dra. OO, subscritora do relatório de autopsia da referida vítima, dos quais se extrai que as lesões detetadas nas costelas, ainda que tivessem ocorrido, não tiveram qualquer influência ou interferência no resultado morte. Na verdade, dos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita Dra. NN retira-se a ilação segura que o trauma está diretamente relacionado com as infecções respiratórias, sendo que o internamento hospitalar pode facilitar a entrada de bactéria e depois a broncopneumonia purulenta, concluindo-se como no relatório da autópsia – fls. 114 e 117 - que as lesões faciais detetadas na infeliz vítima DD foram causa direta do aparecimento da broncopneumonia que levou à morte daquela. Na verdade, e a este propósito, foi relevante para a formação da convicção do tribunal, os esclarecimentos por quem fez a autópsia, a Dra. PP, que de forma clarividente decompôs as conclusões por si escritas no relatório de autópsia, esclarecendo de forma científica que as lesões detetadas na vítima são compatíveis com a descrição do acidente ocorrido nos autos e não de uma queda solitária por parte da vítima, pois, como referiu, não foram detetadas feridas defensivas nos braços e mãos. Mais aduzindo, a Dra. PP que não foram detetadas outras lesões e que as fraturas nas costelas podem ter resultado de uma manobra de reanimação. Aliás, se não houver desvio é possível que as lesões nas costelas não possam ser detetadas no primeiro RX, como se afirmou em audiência de julgamento, o que se pode inferir do depoimento da testemunha Dr. QQ, médico aposentado (estomatologia e cirurgia maxilo-facial). Ainda, quanto a existência de outros acontecimentos que pudessem de algum modo interferir no processo causal, a consulta técnico-científica de fls. 695 e ss., concluiu, a fls. 697, que não há outros elementos nos autos quer permitam admitir a ocorrência de outros acontecimentos que pudessem estar na origem do óbito, sendo que face ao resultado da autopsia médico-legal as lesões que determinaram o óbito foram consequência do traumatismo (acidente) ocorrido em 07/12/2017, tendo, em esclarecimentos prestados acerca do parecer do Conselho Médico-Legal de 12-01-2022, o Prof. Doutor RR, a fls. 947 a 949, em especial, a fls. 949, concluído que é de admitir que a causa de morte tenha sido, conforme o relatório de autopsia, devido às lesões traumáticas faciais com hemorragia ativa complicadas de broncopneumonia aguda. Ainda neste âmbito, a testemunha Prof. Dr. SS, especialista e Medicina Legal, referiu que pode haver um nexo de causalidade mesmo que seja indireto e adequado. Tudo ponderado, com base nos indicados meios de prova, alicerçado ainda no relatório da autópsia e do relatório da urgência, constantes dos autos, e dada a ausência de prova documental credível que possa sequer indiciar a existência de outras causas hipotéticas como estando na origem ou tendo dado causa de forma adequada ao óbito da vítima, pois a informação clínica prestada pelo serviço de cirurgia maxilo-facial à vítima, durante o internamento, e constante de fls. 893 e ss., é manifestamente inconclusiva, dela não podendo retirar-se a existência de qualquer causa que pudesse interromper ou modificar o nexo causal afirmado no relatório de autópsia, seja por motivo de queda, ou outros factos traumáticos; bem como a inexistência de documento com força probatória idêntica ao relatório pericial de autopsia que pudesse indiciar ou comprovar que a vítima faleceu em consequência de outras causas, desde logo, as lesões e fraturas nas costelas, o tribunal não ficou com quaisquer dúvidas, em face do relatório de autópsia que é claro e objetivo, devidamente esclarecido pela perita/médica legista Dra. PP em audiência de julgamento que não há qualquer relação causal entre as lesões nas costelas, a broncopneumonia e a morre da vítima, antes concluindo que a vítima faleceu em consequência do acidente causado pela condução desatenta e descuidada do arguido, nos exatos termos dados como provados.

            No que tange às restantes testemunhas inquiridas, e não especialmente identificadas supra, no âmbito da questão relacionada com a comprovação do nexo de causalidade e o internamento da vítima no serviço maxilo-facial, m.id nas atas de audiência de julgamento de 23-02-2023, 20-03-2023 e 17-05-2023, não obstante a sua razão de ciência – enfermeiros e médico que prestaram serviço durante o tempo em que a vítima esteve internada - nada disseram de relevante, para além do que consta da informação clínica prestada pelo serviço de cirurgia maxilo-facial à vítima, durante o internamento, e constante de fls. 893 e ss., que pudesse abalar a convicção positiva acerca da comprovação de todos os factos descritos na acusação pública relativos ao nexo de causalidade.

            No que toca à conduta negligente do arguido, a convicção do tribunal alicerçou-se nas regras da experiência comum, sendo aquela compatível com uma condução descuidada e desatenta de um veículo automóvel.

            Quanto aos factos provados do PIC, nas declarações dos assistentes, filhos da vítima, e no depoimento da testemunha HH, empregada da vítima, com conhecimento direto e pessoal sobre a grande proximidade que existia entre eles e a mãe, e ainda na habilitação de herdeiros de fls. 428/429, nos documentos juntos com o PIC e no documento de fls. 600, quanto às pensões mensais auferidas pela infeliz vítima. No que concerne à existência de contrato de seguro do veículo interveniente no acidente, na cópia da apólice de seguro junto como documento nº 1 junto com a Contestação da demandada cível, Companhia de Seguros A..., S.A. No que tange às condições de vida, no que se inclui as condições económicas e financeiras do arguido, nas suas próprias declarações que nesta parte, nos pareceram credíveis conjugadas com o relatório social elaborada pelos serviços de reinserção social. Já quanto aos antecedentes criminais do arguido, no teor do último CRC atualizado junto aos autos.

            Relativamente aos factos não provados constantes da contestação apresentada pela demandada cível, não foi feita prova convincente, tendo a mesma sido infirmada pelo elenco dos meios de prova e fundamentos acima aduzidos em sede de motivação positiva que, aqui se dá por integralmente reproduzido.

            Não se provaram, pois, quaisquer outros factos para além dos elencados supra, uma vez que nenhuma prova foi produzida que permitisse acrescentar aos provados outros factos, além dos referidos, e desde logo a versão apresentada pela demandada cível na sua contestação quanto à dinâmica do acidente e nexo de causalidade que não logrou obter credibilidade por parte do Tribunal.

            Quanto ao restante alegado no pedido de indemnização civil e na contestação cível apresentados nos autos, não foi objeto de valoração por parte do tribunal, por se considerar tratar-se de matéria irrelevante, conclusiva, de direito ou já se encontrar englobada no elenco dos factos provados e não provados.


***

           

            À luz da matéria de facto transcrita e da correspondente fundamentação haverá que apreciar as questões abordadas nos recursos do arguido e da demandada civil.

            Pode suscitar-se a título prévio a questão de saber se é lícito à demandada discutir a matéria de natureza penal ou se a sua intervenção se deve ter por confinada à parte civil da decisão, dada a especifica natureza da sua intervenção nos autos. A questão tem sido controvertida na jurisprudência, particularmente nas situações em que está em causa a ausência de recurso do arguido relativamente à decisão condenatória. Não é esse o caso dos autos, estando em causa, no entanto, a discussão de matéria de facto e de questões de direito relevantes para a determinação da responsabilidade penal do arguido.

            Não tendo a questão sido levantada pelos sujeitos processuais, sempre diremos, ainda que  sem entrar em aprofundada análise do tema, que na medida em que o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 402º do Código de Processo Penal (código a que se reportam também todas as demais normas citadas sem menção do diploma de origem) assenta na circunstância de os fundamentos da decisão serem, ou poderem ser, comuns às vertentes penal e civil da causa e aproveitando ao arguido o recurso interposto pelo demandado civil, mesmo para efeitos penais, nada parece obstar a que a demandada civil questione os vectores da decisão penal susceptíveis de onerar a sua posição. Em bom rigor, o entendimento que veda ao responsável civil a possibilidade de impugnação da matéria de facto com relevância penal assente no julgamento efectuado em primeira instância poderá traduzir-se numa intolerável restrição do direito ao recurso (o que sempre sucederá nos casos de inércia do responsável penal), deixando a demandada à mercê do maior ou menor empenho do responsável penal na sua própria defesa.

            Não vemos, pois, razões que justifiquem a não admissão em toda a sua plenitude da defesa aduzida pela demandada civil.

            Posição que não traduz, no entanto, o acolhimento da defesa ensaiada pela demandada A... Seguros, S.A. (doravante referida apenas como A...), como se verá já de seguida, uma vez que no conhecimento das questões suscitadas pelos recorrentes haverá que atentar em primeiro lugar e por razões de lógica coerência nas arguições de nulidade, por força dos efeitos que poderão desencadear quanto à validade do julgamento ou da sentença.

            Debrucemo-nos, pois, antes de tudo o mais, sobre aquilo que vem apontado pela recorrente como traduzindo nulidade por utilização de prova proibida, decorrente da utilização das declarações para memória futura da testemunha EE, prestadas em 07/12/2018 perante apenas o MP e não perante juiz de instrução e na ausência, por não notificada, da advogada do arguido, em violação do disposto no art. 271º, nºs 1 e 4. A este propósito, alega nos termos seguintes (itálico nosso):

            9. Aquela testemunha, como consta dos autos, havia primeiro sido ouvida em 03.04.2018 perante agente da PSP e, por despacho do MP de 03.12.2018, foi determinado ouvi-la por magistrado do MP, por aos autos ter chegado a notícia, por mail de 12.11.2018 (refª 78652545), que a mesma estaria mal de saúde.

            10. As declarações prestadas por aquela testemunha em 07.12.2018 foram, pois, para memória futura.

            11. Não foram, porém, prestadas perante juiz de instrução, como imposto pelo artº 271º/1 do CPC, nem foi notificada para estar presente na diligência a mandatária do arguido, como se impunha por força do artº 271º/4 do CPP, cuja presença, como ali se determina, era obrigatória.

            12. Aquelas declarações, prestadas apenas perante magistrado do MP e na ausência da advogada do arguido são, pois, nulas.

            E, mais adiante, a propósito da leitura daquelas declarações em audiência:

            16. Em especial se considerarmos que foi o MP que, perante a potencial iminência da morte da testemunha, tomou a iniciativa de a ouvir, apenas perante ele próprio, acusador, para memória futura, com o único fito de aproveitar mais tarde a leitura das suas declarações em audiência de julgamento, esquecendo o previsto no artº 271º do CPP para o efeito, a intervenção do juiz de instrução e a presença obrigatória da advogada do arguido, dessa forma obtendo uma prova segura e impedindo consequentemente, perante ela, todas as garantias da defesa.

            Compulsados os autos, é-nos dado verificar que a referida EE foi notificada para comparecer em 17/05/2018 nos serviços do Ministério Público para ser inquirida como testemunha (ref. Citius 77281473), tendo respondido a essa notificação transmitindo a impossibilidade de se deslocar por ter estado internada e por se encontrar ainda em tratamento durante um mês, estando debilitada e utilizando cadeira de rodas e algália (ref. Citius 4157442). Foi então notificada «(…) para no prazo de 10 dias, vir aos presentes autos, declarar se tem disponibilidade para ser inquirida no seu domicílio ou em outro local à sua escolha, na data e hora que lhe for conveniente» (ref. Citius 77533670). Ulteriormente, a cuidadora da testemunha veio «(…) solicitar que a mesma seja inquirida no Centro Dia que fica localizado no Bairro .../V, ... - .... Esta solicitação deve-se ao fato de que nos últimos dias a mesma não se encontra muito bem de saúde» (ref. Citius 4559769). Nessa sequência, a Ex.ª Magistrada do M.P. titular do inquérito designou data para tomada de declarações no local (ref. Citius 78811732), tendo a testemunha sido inquirida em 07/12/2018 no âmbito do inquérito em curso (ref. Citius 78883557).

            Resulta cristalinamente de tudo isto que em momento algum esteve em causa uma tomada de declarações para memória futura, como a demandada A... bem sabe. Aliás, bem vistas as coisas, o único procedimento censurável é o que resulta da actuação da própria demandada, distorcendo deliberadamente a realidade processual, nomeadamente, quando alega que (…) por despacho do MP de 03.12.2018, foi determinado ouvi-la por magistrado do MP, por aos autos ter chegado a notícia, por mail de 12.11.2018 (refª 78652545), que a mesma estaria mal de saúde (…), quando não deixou seguramente de se inteirar que a determinação de audição da testemunha EE pelo M.P. surgiu em momento anterior ao que alega e nada teve que ver com o seu estado de saúde.

            Este lamentável procedimento só encontra justificação num intuito de induzir em erro o tribunal ad quem, imputando para o efeito ao M.P. um modo de proceder sem correspondência na realidade processual retratada no inquérito. Através duma narrativa que subverte os termos do processado, a recorrente tentou dar corpo a uma “nulidade” que bem sabe inexistir, expediente que se afirma de tal forma ostensivo e grosseiro que dispensa qualquer outro comentário.

            Em conclusão, não houve tomada de declarações para memória futura, resultando prejudicada a correspondente arguição de nulidade, pois não há como arguir a nulidade de um acto inexistente.

            A recorrente alega concomitantemente a nulidade da leitura dessas declarações em audiência por violação do disposto nos arts. 355º, nº 2 e 356º, nº 4, sustentando-se ainda no nº 1 do art. 355º para rotular a leitura daquelas declarações como prova proibida, apontando por essa via a nulidade da sentença.

            No que tange à apontada nulidade da leitura em audiência das declarações prestadas pela testemunha EE, trata-se de questão suscitada na sessão de audiência de julgamento de 10/01/2023, tendo sido objecto de despacho judicial do qual os interessados se consideram imediatamente notificados por estarem presentes e terem assistido ao acto. Não foi interposto recurso desse despacho, tendo o correspondente prazo decorrido integralmente. Nessa medida, o despacho que admitiu aquela leitura de declarações transitou, não podendo ser atacado por via do recurso interposto da sentença final, proferida quando o prazo de recurso daquele despacho já se havia esgotado.

            Contornando essa dificuldade, a recorrente socorre-se da arguição da nulidade da sentença com fundamento na utilização de prova proibida, mas sem razão. Se é certo que o art. 355º, nº 1, estipula não valerem em julgamento (…) nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, logo o nº 2 do mesmo artigo exceptua (…) as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos artigos seguintes, relevando no caso de que agora cuidamos o disposto  no nº 4 do art. 356º, que dispõe que é permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.

            A garantia de legalidade na utilização da prova referida neste último normativo exige que ela seja submetida ao contraditório. Esse contraditório, nos casos de impossibilidade de comparecimento por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apuramento do paradeiro, não tiver sido possível a notificação para comparecimento, é assegurado através da leitura das declarações em audiência, que poderão assim ser questionadas pelo arguido, tal como toda a demais prova produzida, tendo a solução normativa vertida no art. 356º acautelado as garantias de defesa do arguido relativamente a cada uma das leituras permitidas em função da sua natureza e das garantias processuais com que os actos foram praticados. Assim o reconheceu o Tribunal Constitucional, ao considerar que (…) o princípio rector de todas as regras sobre produção de prova na audiência de julgamento consta do artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo o qual "não valem em julgamento nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tivessem sido produzidas ou examinadas em audiência".

            Por influxo deste princípio, como aliás resulta do nº 2 daquele dispositivo, a prova constante de actos processuais praticados anteriormente muito embora esteja à disposição do tribunal, não pode por este ser utilizada para efeitos de decisão se os respectivos autos não forem lidos em audiência.

            A leitura dos autos e declarações autorizada pelo artigo 356º representa uma emanação da oralidade e publicidade da audiência, traduzindo-se porém em excepção ao princípio da imediação da prova, excepção justificada pela impossibilidade ou grande dificuldade da sua produção directa ou por outras razões pertinentes.

            Mas, nas situações que, a título taxativo, são previstas naquele preceito houve o evidente propósito de acautelar as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o princípio do contraditório estabelecendo-se um regime diferenciado em função, não só da natureza dos actos processuais, como também da autoridade judiciária ou de polícia criminal perante quem foram praticados.

            Com efeito, destinguem-se ali, sucessivamente: (1) os actos processados com observância das formalidades estabelecidas para a audiência [artigos 356º, nº 1, alínea a) e 318º, 319º e 320º];  (2) autos de instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas [artigo 356º, nº 1, alínea b)]; (3) declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas prestadas perante o juiz quando destinadas a memória futura ou obtidas mediante precatórias legalmente permitidas [artigo 356º, nº 2, alíneas a) e c)]; (4) declarações anteriormente prestadas perante o juiz na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não se recorda de certos factos ou quando houver entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo [artigo 356º, nº 3]; (5) declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura [artigo 356º, nº 4]; (6) declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas prestadas perante o juiz e perante o Ministério Público ou órgãos de polícia criminal se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura [artigo 356º, nºs 2, alínea b) e 5].

            A diferenciação de tratamento estabelecida para a leitura em audiência dos diversos actos ali previstos radica na sua particular natureza e conteúdo mas também, e é esse um ponto que aqui importa sublinhar, nas maiores ou menores garantias processuais com que os mesmos foram praticados (com as formalidades estabelecidas para a audiência, levadas a cabo perante o juiz, perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal [1].

           

            Por outro lado, não resulta nulidade da referência a depoimentos que mencionaram o que ouviram dizer à vitima, entretanto falecida. Não se trata de depoimento indirecto, como alega a recorrente, mas de depoimento directo (as afirmações da vítima foram ouvidas pelas testemunhas que se lhes referiram e é esse, tão-só, nessa parte, o alcance do respectivo depoimento), que foi submetido ao contraditório.

            Consequentemente, não padece a sentença de nulidade por utilização de prova proibida, assim como não padece de inconstitucionalidade por violação dos art.s 20º e 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação feita pelo tribunal recorrido das normas processuais penais antes referidas.

            Entremos, pois, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto, de que ambos os recorrentes se socorrem.

            Impõe-se relembrar que a jurisprudência dos tribunais superiores vem sistematicamente afirmando que a sindicância deste erro não se basta com a circunstância de os elementos probatórios apontados pelos recorrentes permitirem a consideração de uma realidade alternativa. Tais elementos deverão verdadeiramente impor uma conclusão sobre o significado da prova diferente da assumida na decisão em crise, exigência que encontra lastro no disposto no art. 412º, nº 3, al. b), do CPP. A exigência legal, para demonstração do erro de julgamento, da referência às concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida, traduz o inequívoco reconhecimento de que a prova pode induzir diversas soluções; e nessa perspectiva o legislador não se bastou, para efeitos de impugnação, com provas que permitam decisão diversa, antes exigiu provas que imponham outra solução, distinta da encontrada em primeira instância. Ou seja, se a solução encontrada pelo tribunal recorrido estiver fundamentada e encontrar acolhimento nas regras da experiência, não poderá ser afastada em recurso, porque assumida pelo julgador no âmbito da sua livre convicção.

            Nessa medida, a mera transcrição de excertos de depoimentos desacompanhada da clara explicitação da razão que deveria ter conduzido a outra solução em sede de fixação do provado, como sucede em parte do recurso do recorrente AA, não satisfaz a exigência legal de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; isto, desde logo, porque a intervenção do Tribunal da Relação na apreciação do julgamento de facto cinge-se à apreciação de erros de julgamento inequivocamente identificados por recurso aos factos em crise e aos concretos elementos probatórios que comprovam o alegado. A concretização do erro de análise da prova para efeitos de fixação do provado, em termos de impor uma diversa conclusão sobre o significado da prova, cabe inteiramente ao recorrente, sendo essencial que este proceda à articulação dos segmentos que transcreve com os factos que impugna.

            A impugnação que o recorrente AA faz dos factos nºs 3 e 4 é dificilmente compreensível. O que se afirma nesses factos, a interpretar necessariamente por referência aos dois factos anteriores, é que após [se ter dirigido à Cáritas Diocesana de ...], o arguido entrou nas referidas instalações e, depois de entregar uma encomenda, voltou a entrar no veículo por si conduzido, para dali se ausentar.

            O recorrente não diz com clareza o que é que pretende impugnar, sendo a sua alegação deveras confusa. Depreende-se que pretende socorrer-se de elementos circunstanciais para desmentir os depoimentos testemunhais que a si se referem, nomeadamente, na coincidência entre si e a pessoa que a testemunha FF diz ter visto entrar no edifício da Cáritas.

            São os seguintes, os termos da sua alegação:

            Ora, ficou claramente provado que o arguido entrou e saiu de um edifício e novamente entrou no mesmo edifício.

            A testemunha EE, já falecida, declarou que a pessoa que viu entrou no outro edifício. Mais declarou que o rapaz teria 30 anos, quando o arguido tem 49, e como se vê bem pelas fotografias nos autos a sua imagem não esconde a sua idade.

            Não se vê, no entanto, que intercorra qualquer erro de julgamento quanto aos factos 3 e 4 nem esta impugnação permite ter por inadequadamente analisada em primeira instância a prova produzida. Na verdade, não é posto em causa que no dia 7 de Dezembro de 2017 o arguido, enquanto distribuidor da empresa B..., LDA, conduzindo veículo ligeiro de mercadorias ..., modelo XS9HUC, de matrícula ..-JQ-.., pertença de C..., LDA, se tenha dirigido à Cáritas Diocesana de ..., sita na Rua ..., nesta cidade, que tenha estacionado essa viatura em frente à entrada da porta principal do bloco de fisioterapia e que tenha entrado nessas instalações para fazer uma entrega. O próprio arguido o admitiu em audiência. O que verdadeiramente é impugnado é que o arguido tenha reentrado no veículo, arrancando em marcha atrás, embatendo então com a retaguarda do veículo que conduzia nas costas de DD. No entanto, esta factualidade é confirmada pela apreciação integrada da prova que, aliás, ouvimos na sua generalidade, muito para além dos segmentos apontados pelo recorrente.

            Segundo a versão dos factos relatada pelo arguido, quando saiu do edifício onde foi fazer a entrega da encomenda, viu uma senhora estatelada no chão, pelo que nem chegou a entrar no veículo, tendo ido (…) chamar a senhora da recepção. Para além de negar que tivesse embatido na vítima, o arguido negou que a vítima estivesse por trás da carrinha, afirmando que estava mais para o lado. Nesse particular foi desde logo desmentido pela testemunha MM, directora técnica da instituição onde o arguido tinha ido fazer a entrega. Esta testemunha, que se dirigiu ao local onde se encontrava a vítima logo que lhe foi transmitido que esta se encontrava caída no chão, relatou a posição da vítima relativamente à carrinha. Verificou que a vítima estava com a cara toda ensanguentada, a cabeça para a frente, na vertical, na direcção da porta. A carrinha estava atrás, virada para os pés da vítima e a testemunha teve a percepção de que na posição em que se encontrava, a vítima não teria caído só por si, tendo explicitado devidamente as razões que lhe induziram essa percepção. O tema foi amplamente debatido em audiência e a testemunha, tendo prestado um depoimento que se percepciona como fundamentado, isento e credível, manteve sempre que a carrinha estava alinhada com o corpo da vítima, na posição em que aquela se encontrava caída no chão.

            Este depoimento encontra reforço e confirmação no depoimento da testemunha LL, que permite questionar de modo mais incisivo as declarações do arguido. A testemunha, que trabalhava na sede da Cáritas, em frente ao Centro Rainha Santa Isabel, estava a sair da sede e viu uma carrinha branca a deslocar-se num movimento da esquerda para a direita e quando olhou para a esquerda (o que fez, esclareceu mais tarde, por ter ouvido gritos) viu uma senhora deitada no chão, jorrando muito sangue do nariz e da boca. Pediu-lhe para se mover um pouco para o lado para não sufocar com o seu próprio sangue, tendo constatado que estava completamente estendida na horizontal, com os braços para trás, e as muletas ainda agarradas aos braços. Viu a carrinha a distanciar-se daquela senhora, em direcção oposta àquela em que ela se encontrava, tendo apontado a distância entre a pessoa caída no chão e a carrinha, depois de imobilizada, em 5 ou 6 metros. Dada a posição da pessoa caída no chão, depreendeu que teria sido embatida nas costas, esclarecendo que a percepção que teve foi que a carrinha lhe teria embatido e que quando a viu se estaria a afastar na direcção oposta. A testemunha referiu que alguém terá dito para o condutor da carrinha algo, como “o senhor não viu o que fez? Não viu que embateu na senhora?” tendo ele respondido “não, não vi”. Esse indivíduo esteve a conversar com o condutor da carrinha durante cerca de cinco minutos e mais tarde, quando a testemunha lhe disse para não se esquecer de contar à policia o que tinha visto, respondeu “se calhar, não vi bem”, o que lhe causou alguma perplexidade. Não teve dúvidas em identificar esse condutor como sendo o arguido, esclarecendo que não se encontrava ali qualquer outra carrinha branca. Também não viu que o condutor tenha retirado qualquer objecto do carro nessa ocasião, nomeadamente, uma encomenda. Nessa medida dada a sequência relatada e o modo como se processaram os factos subsequentes, sendo ponto assente que o arguido se tinha deslocado àquele local para fazer a entrega duma encomenda, não se oferece como razoável que após ter sido invectivado nos termos referidos e após toda a movimentação subsequente, tivesse tido a preocupação de ir entregar a encomenda como se nada tivesse acontecido. Aliás, o conjunto da prova produzida inculca a ideia de que a encomenda teria sido entregue em momento anterior à sucessão de factos relatados pela testemunha LL, claudicando uma vez mais a versão dos factos apresentada pelo arguido. Acrescente-se, já agora, que o depoimento desta testemunha foi coerente e não não foi de molde a gerar qualquer suspeita de parcialidade ou de deliberado afastamento em relação à realidade que percepcionou.

            Também o depoimento da testemunha KK, apesar das suas imprecisões, corrobora o que já resultava dos depoimentos antes referidos. Esta testemunha, que era então assistente de contabilidade na Cáritas, ouviu “um baque” e quando olhou para trás, viu a senhora estatelada no chão, atrás dela. Perto da senhora estava uma carrinha. Foi confrontada em audiência com as declarações anteriormente prestadas, em que mencionou que imediatamente após aquele ruído, viu a traseira da carrinha a afastar-se da senhora que estava caída no chão.

            Ainda em reforço do descrito, a testemunha HH, que trabalhou para a vítima, referiu que na data do acidente acompanhou a vítima ao hospital, a pedido dela, e que a visitou uns dias depois, tendo mencionado que ela lhe relatou ter sido embatida pelas costas.

            Face a todo este acervo probatório, a leitura em audiência das declarações prestadas em inquérito pela testemunha EE relatando ter visto a carrinha fazer marcha-atrás e embater nas costas da vítima constituem apenas mais um elemento de prova, a somar-se aos anteriormente referidos, confirmando o que já resultava da análise do restante conjunto probatório, apreciado à luz do senso comum e das regras da experiência. Assim, no que concerne ao desenrolar do evento naturalístico que vitimou a falecida DD, inexistem razões que consistentemente permitam questionar a versão dos factos que o tribunal a quo teve como assente depois de ouvir e analisar a prova. A primeira instância beneficiou, aliás, da oralidade/imediação na apreciação dos depoimentos ante si produzidos, fundamentou devida e justificadamente as suas opções em sede de julgamento de facto e os elementos apontados pelos recorrentes não são de molde a impor uma distinta percepção da prova produzida.

            Também no que concerne ao nexo de causalidade – os factos que permitem estabelecer uma relação entre o embate da vítima pela carrinha tripulada pelo arguido e o evento «morte» que se veio a verificar três dias depois – não se suscitam dúvidas que devam conduzir à alteração da matéria de facto. Na verdade, da conjugação dos relatórios e informação clínica constantes dos autos com os esclarecimentos prestados em audiência, não se vê que sejam postas em causa as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido. Concluiu o relatório de autópsia que «1ª. Conjugando a informação clinica com os dados post mortem, morte de DD foi devida às lesões traumáticas faciais (fracturas de Lefort tipo 1 e 2) com hemorragia activa, complicadas de broncopneumonia aguda mucopurulenta. 2ª.Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte. 3ª. Estas e as restantes ledsões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, podendo ter sido devidas a acidente de viação, como consta da informação».

            É verdade, como afirma a recorrente A..., que as lesões sofridas pela vítima DD com a queda a que se reporta a matéria de facto foram apenas lesões traumáticas faciais (fracturas de Lefort tipo 1 e 2) com hemorragia activa, o que é comprovado pela informação hospitalar e é conforme, aliás, ao estado de abundante sangramento verificado pelas testemunhas que assistiram a vitima no local. A broncopneumonia aguda mucopurulenta sobreveio em momento ulterior, no decurso do seu internamento hospitalar. Os esclarecimentos prestados pela Sra. Dra. NN, como pela Sra. Dra. OO, permitiram concluir com segurança a existência de uma relação directa, causal entre o trauma verificado e as infecções respiratórias, podendo o internamento hospitalar facilitar a entrada de bactérias e a subsequente broncopneumonia purulenta. Quanto às fracturas nas costelas cuja existência veio a ser apurada, foi explicado em audiência que não havendo desvio, poderiam não ser detectáveis no primeiro raio X. Não havendo registo de outros episódios que pudessem justificar a morte da vítima nas condições em que ocorreu, sobreleva a conclusão alcançada no relatório de autópsia, pelas razões detalhadamente explicitadas na motivação de facto constante da sentença, para onde remetemos por comodidade de exposição, posto que seria redundante repeti-las aqui, sobretudo ante uma argumentação recursiva que não logra pôr em causa a fundamentação exarada nos autos em moldes de dela resultar a percepção da existência de um erro de julgamento.

            Em síntese, a decisão proferida em sede de julgamento de facto foi devidamente fundamentada e a impugnação aduzida pelos recorrentes não aponta verdadeiramente quaisquer elementos que permitam questionar as conclusões, juízos ou inferências retiradas pelo tribunal a quo, não indo, verdadeiramente, além da impugnação da convicção formada pelo julgador.

            Não se evidenciam, por outro lado, quaisquer vícios enquadráveis no âmbito do art. 410º, nº 2, aliás, de oficioso conhecimento pelo tribunal de recurso.

            Em consequência, ambos os recursos improcedem.

           

            III – DISPOSITIVO:

            Pelo exposto, acordam nesta secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos do arguido e da demandada A....

Fixa-se a taxa de justiça devida em 3 UC no que concerne ao arguido e em 4 UC relativamente à demandada A....


*


                    Coimbra, 24 de Abril de 2024

                     (Processado pelo relator, revisto por todos os signatários e assinado electronicamente)


[1] - Ac. nº 1052/96, de 10 de Outubro de 1996.