Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4461/12.7TBLRA-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
BENS INTEGRADOS EM MASSA INSOLVENTE
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDA DA MASSA
INEXISTÊNCIA DE OBSTÁCULO À PENHORA E VENDA
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 46.º, N.º 1, 89.º E 172.º DO CIRE
Sumário:
Não existe qualquer obstáculo legal à penhora – e subsequente venda – de bens integrados em massa insolvente no âmbito de execução instaurada para pagamento de dívida da massa; sendo legalmente permitida a instauração de execuções para pagamento dessas dívidas (cfr. art.º 89.º do CIRE), também terá que ser admitida, nos termos gerais, a penhora e venda de bens integrados na massa, uma vez que são esses bens que, nos termos da lei, respondem pelo pagamento dessas dívidas (cfr. artigos 46.º, n.º 1, e 172.º do CIRE).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação nº 4461/12.7TBLRA-I.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Alcobaça - Juízo Comércio - Juiz 2

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

1.º Adjunto: Maria João Areias

2.º Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

O Condomínio do Edifício Sito Na Urbanização ..., instaurou execução contra a Massa Insolvente de AA e BB, pedindo o pagamento da quantia global de 20.065,48€, correspondente a quotas e encargos (bem como penalizações e despesas) do condomínio das fracções ... e ... do prédio identificado referentes ao período compreendido entre a data em que tais fracções foram apreendidas para a massa insolvente (em 03/07/2013) e Fevereiro de 2017 (data em que foi proposta a execução).

No âmbito dessa execução veio a ser penhorada – em 28/11/2022 – a fracção ... do prédio sito em ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... com o n.º ...13 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...19....

A Executada - Massa Insolvente de AA e BB – veio deduzir oposição a tal penhora, alegando, em resumo:

- Que, em relação ao referido imóvel – apreendido no processo de insolvência – foi reconhecido (por sentença transitada em julgado há mais de seis anos) um direito de retenção a favor de um dos credores (CC) que aí reclamou – e viu reconhecido – o seu crédito no valor de 184.555,20€ correspondente ao dobro do sinal que entregou ao Insolvente marido no âmbito de contrato promessa de compra e venda entre ambos celebrado;

- Que o referido imóvel é habitado desde ../../2002 pelo referido credor que aí mantém, desde então, a sua residência;

- Que, por essa razão, o referido credor tem interesse em intervir na presente execução para defender o seu interesse enquanto ocupante do imóvel, sendo certo que a penhora aqui efectuada põe em causa os seus direitos;

- Que, além do mais, as dívidas de condomínio que, eventualmente, existam, são da responsabilidade do referido CC, por ter sido ele quem usufruiu plenamente da referida fracção durante o período em causa.

Conclui pedindo que seja admitida a intervenção principal provocada do Sr. CC como associado da Massa Insolvente, ao abrigo do disposto nos artigos 30.º, 33.º e 316.º, n.º 3, do CPC.

O Exequente apresentou contestação, dizendo:

- Que nada daquilo que foi alegado corresponde a fundamento de oposição à penhora nos termos em que estes vêm enunciados no art.º 784.º do CPC, pelo que a oposição deduzida não tem fundamento legal;

- Que o direito de retenção alegado pela Massa Insolvente não colide com o crédito exequendo; o credor retentor é credor da insolvência que apenas tem uma garantia para ser pago pelo produto da venda do imóvel; o Exequente é credor da Massa Insolvente;

- Que a intervenção de terceiros jamais pode ser admitida no âmbito de uma oposição à penhora, sendo que os eventuais interesses de terceiros terão que ser defendidos por via de embargos de terceiro.

Conclui pela improcedência da oposição à penhora.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que, além do mais, indeferiu a requerida intervenção de terceiros e conheceu do mérito da oposição (por considerar que já dispunha dos elementos necessários), julgando procedente a oposição e determinando o levantamento da penhora sobre o imóvel acima identificado.

Inconformado com tal decisão, o Exequente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª A escalpelização hermenêutica da Sentença, ora, recorrida, descortina, salvo o devido respeito que muito é, equívocos continentais ao nível da subsunção e interpretação jurídicas.

2ª A convicção do julgador há-de formar-se, após, uma ponderação serena de todos os meios de prova produzidos, guiado sempre, por padrões de probabilidade, e nunca de certeza absoluta, num processo lógico-dedutivo de montagem do mosaico fáctico, perspectivado pelas regras da experiência comum.

3ª A matéria factual vertida no ponto 1. dos factos provados, deve ser complementada com a indicação da data da propositura da acção executiva em Juízo, e que ocorreu em 13.02.2017, por se mostrar pertinente para o exame e decisão da causa.

4ª O Tribunal “a quo”, no seu múnus decisório, exorbitou os limites impostos pelo princípio do pedido, e excedeu a pronúncia sobre questão para a qual não foi convocado, importando, inelutavelmente, o vício da Nulidade, por excesso de pronúncia, nos precisos termos hipotizados no artigo 615º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC, o que para os devidos efeitos, aqui, expressamente, se invoca.

5ª O Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” no seu múnus subsuntivo de aplicação do Direito ao manadeiro fáctico considerado assente, perdeu o azimute, e enleou-se numa guisa de labirinto de Dédalo, perfilando-se a sua decisão de levantamento da penhora sobre o imóvel a descoberto do manto da legalidade, e sem qualquer cabimento jurídico.

6ª Esta írrita decisão do Sr. Juiz do Tribunal “a quo” ofende, no âmbito da responsabilidade da Massa Insolvente pelas suas dívidas:

i) O princípio da precipuidade ou pré-dedução. (Cfr. artigo 46º, n.º 1 do CIRE);

ii) O princípio da satisfação imediata. (Cfr. artigo 172º, n.º 3 do CIRE);

iii) O princípio da exequibilidade (Cfr. artigo 89º do CIRE).

7ª A Massa Insolvente consubstancia um património autónomo e separado, afecto, em primeiro lugar, à satisfação dos seus credores, e num segundo plano, depois de pagas as suas próprias dívidas, à satisfação dos credores da Insolvência. (Cfr. artigo 46º, n.º 1 do CIRE).

Ora, o bem imóvel penhorado nos autos, incrustou-se na esfera da Massa Insolvente, tendo sido deslocado da esfera jurídico-patrimonial dos Insolventes para a Massa Insolvente, por apreensão.

8ª A dívida exequenda em causa é da responsabilidade da Massa Insolvente, pois tange, directamente, com os encargos de condomínio dum bem imóvel que foi, em devido tempo, apreendido para a Massa Insolvente.

Estes encargos condominiais, exigidos em sede executiva venceram-se em data posterior da declaração da Insolvência dos devedores.

9ª A quantia exequenda não tem, nem pode ser reclamada na Insolvência, ao lado de qualquer credor da Insolvência, não seguindo o regime próprio do artigo 173º do CIRE.

10ª A dívida exequenda consubstancia uma dívida sobre a Massa Insolvente, nos termos consignados no artigo 51º do CIRE e sujeita a pagamento imediato na data do seu vencimento, e em qualquer estado do processo, a diligenciar pelos Sr. Administrador de Insolvência, nos termos plasmados no artigo 172º, n.º 3 do CIRE, o que este sempre postergou.

11ª inexistia qualquer óbice, substantivo ou adjectivo, para a propositura da acção executiva, que deu entrada em Juízo no pretérito dia 13.02.2017 e subsequente penhora do imóvel, sabendo que, pelas dívidas da Massa Insolvente, respondem todos os bens apreendidos e que se inscrevem no seu acervo, em obediência ao princípio geral plasmado no artigo 601º do CC.

12ª A presente quantia exequenda é certa, líquida e exigível, e o bem imóvel em concreto penhorado estava sujeito à execução, porquanto, susceptível de penhora, nos termos da lei substantiva e adjectiva.

13ª Violou, assim, diz-se com o devido respeito, a Sentença recorrida, os artigos 601º do CC; Os artigos 46º, n.º 1; 51º; 89; e 172º todos do CIRE; e os artigos 609º, n.º1; 615º, n.º1, alíneas d) e e) e 735º todos do CPC.

Conclui pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, ordenando-se a manutenção da penhora sobre o imóvel e ulterior tramitação processual.

Não houve resposta ao recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

· Saber se deve ser alterada a matéria de facto nos termos propostos pelo Apelante;

· Saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;

· Saber se há (ou não) fundamento para determinar o levantamento da penhora.


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III.

Matéria de facto

O Apelante começa por sustentar – em relação à decisão da matéria de facto – que o ponto 1 dos factos provados deve ser complementado com a indicação da data de propositura da acção executiva (13/02/2017) por ser um facto pertinente para a decisão da causa.

Não encontramos razões para indeferir essa pretensão.

A data em questão poderá, efectivamente, ser relevante, designadamente, para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 89.º do CIRE.

Assim a matéria de facto fixada em 1.ª instância (complementada com a data acima referia) é a seguinte:

1. Condomínio da Urbanização ..., em ... propôs execução – em 13/02/2017 – contra Massa Insolvente de AA e BB.

2. No âmbito da execução n.º 4461/12.... foi penhorada o prédio urbano designado pela fracção autónoma com a letra ..., inscrito na matriz predial urbana das freguesias de ... com o artigo ...13 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...43 (cfr. Ap. ...54 de 2022/10/19).

3. AA e de BB foram declarados, respectivamente, insolventes por douta Sentença datada de 2013/06/28 e transitada em julgado em Dezembro de 2013.

4. Consta registada na certidão o registo predial do imóvel referido em 2. a aquisição do imóvel por parte de AA e BB (cfr. Ap 26 de 1998/09/15).

5. Consta registada no imóvel referido em 2. a declaração de insolvência de AA e BB (cfr. ap. 2636 de 2014/03/13).


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IV.

Está em causa no presente recurso, a decisão que, julgando procedente a oposição à penhora, determinou o levantamento da penhora sobre o imóvel acima identificado.

O Apelante centra a sua discordância em relação a essa decisão em dois pontos fundamentais:

i. Considera, em primeiro lugar, que tal decisão é nula por excesso de pronúncia por ter apreciado e decretado o que não lhe foi pedido (uma vez que a Executada/Oponente não pediu o levantamento da penhora);

ii. Considera, em segundo lugar, que não havia fundamento jurídico para o levantamento da penhora e que a decisão que assim o determinou ofende, no âmbito da responsabilidade da Massa Insolvente pelas suas dívidas: o princípio da precipuidade ou pré-dedução (cfr. artigo 46º, n.º 1 do CIRE); o princípio da satisfação imediata (cfr. artigo 172º, n.º 3 do CIRE) e o princípio da exequibilidade (cfr. artigo 89º do CIRE).

Analisemos, portanto, essas questões.

i) Nulidade da sentença

Diz o Apelante que a sentença é nula por excesso de pronúncia – nos termos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC – na medida em que a Executada/Oponente não pediu o levantamento da penhora nem convocou o Tribunal a pronunciar-se sobre essa matéria.

Não podemos deixar de reconhecer razão ao Apelante.

Segundo o disposto nas referidas alíneas do citado preceito legal, a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Ora, é verdade que a Executada não pediu o levantamento da penhora; a única pretensão que formulou foi no sentido de ser admitida a intervenção principal provocada de CC como seu associado. E se é certo que não formulou qualquer pretensão relativamente à penhora (mais concretamente, o seu levantamento), nem sequer aludiu no seu requerimento a qualquer inadmissibilidade dessa penhora ou a qualquer facto ou circunstância que, nos termos previstos no art.º 784.º do CPC, fosse susceptível de fundamentar uma oposição à penhora.

Na verdade, apesar de apelidar o incidente que veio deduzir de “oposição à penhora”, o que a Executada veio fazer foi apenas deduzir um incidente (que foi indeferido) de intervenção principal provocada de um credor da insolvência (terceiro em relação a esta execução), alegando (o que também não é próprio de um incidente de oposição à penhora) que seria este (e não a Massa Insolvente) o responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

Importa notar que, conforme resulta do disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC, a oposição à penhora não visa atacar a instância executiva e/ou discutir a responsabilidade do executado pela satisfação da obrigação exequenda (para esse efeito, o meio processual adequado é a oposição à execução); a oposição à penhora visa apenas atacar um concreto e determinado acto de penhora com fundamento na sua ilegalidade ou inadmissibilidade por ocorrer algumas das circunstâncias previstas no n.º 1 do art.º 784.º do CPC e aquilo que com ela se pretende é o levantamento da penhora (sendo esse o efeito que a lei associa à procedência dessa oposição, conforme resulta do n.º 6 do art.º 785.º).

Ora, conforme se referiu, a Executada não pediu o levantamento da penhora (o que pediu foi apenas que fosse admitida a intervenção principal do referido credor); não alegou qualquer facto ou circunstância que constituísse fundamento de oposição à penhora nos termos do citado art.º 784.º e tão pouco fez qualquer referência a qualquer ilegalidade ou inadmissibilidade da penhora. Apesar de lhe ter chamado “oposição à penhora”, o que Executada veio deduzir, na verdade, foi apenas um incidente de intervenção principal do referido credor e, ainda que tivesse alegado também que a divida não era da sua responsabilidade, mas sim desse credor, essa alegação – que nem sequer se reflectiu em qualquer pretensão que tivesse formulado – também não se adequava a um incidente de oposição à penhora, sendo certo que o meio processual adequado para discutir essa responsabilidade era a oposição à execução e não a oposição à penhora. Poder-se-á, portanto, dizer, em suma, que a Executada não deduziu qualquer incidente de oposição à penhora, sendo certo que não formulou a pretensão que se ajustava a tal incidente; não alegou qualquer facto que se ajustasse aos fundamentos que, nos termos da lei, podem fundamentar essa oposição e tão pouco alegou ou fez referência a qualquer ilegalidade ou inadmissibilidade da penhora que pudesse indiciar a formulação de uma pretensão (ainda que tácita) de se opor a tal penhora e de pretender o seu levantamento.

Nessa medida, poder-se-á, de facto, dizer que, ao determinar o levantamento da penhora, a decisão recorrida deferiu uma pretensão que não lhe havia sido solicitada e apreciou questão que não havia sido submetida à sua apreciação, incorrendo, nessa medida, na nulidade prevista nas alíneas d) e e) do n.º 1 do citado art.º 615.º.

De qualquer forma, ainda que se entendesse que o juiz podia apreciar oficiosamente a legalidade da penhora, não haveria fundamento para determinar o seu levantamento, como iremos ver de seguida.

ii) Existência (ou não) de fundamento para o levantamento da penhora

A decisão recorrida considerou que a penhora não era admissível com a seguinte fundamentação:

No caso dos autos verifica-se que o imóvel em causa é propriedade dos insolventes, tendo sido apreendido tal bem para a massa insolvente. Os autos de insolvência prosseguiram para liquidação sendo certo que as normais diligências de liquidação deverão levar à venda do bem em causa sem que sobre o mesmo possa ainda incidir uma penhora posterior. Note-se que não está em causa saber (ou não) se cabe à massa insolvente o pagamento de dívidas de condomínio, nem tão pouco se o produto das vendas efetuadas na insolvência poderá ser penhorado para pagamento de tais dívidas.

O que está em causa é a penhora de um bem que não é propriedade da massa insolvente e cuja venda no âmbito da insolvência não poderá ser onerada com a penhora efetuada no âmbito da execução n.º 4461/12....”.

Salvo o devido respeito, não poderemos concordar.

Vejamos.

Pensamos ser inequívoco que a dívida em causa nos autos – que está a ser reclamada na execução – não poderá deixar de ser classificada como dívida da massa insolvente. Com efeito, tal dívida reporta-se a prestações de condomínio –  referentes a uma das fracções apreendidas para a massa insolvente – que se venceram após a declaração de insolvência e que, nessa medida, se integram na previsão das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRE, na medida em que são despesas inerentes à conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal que, após a apreensão, se encontra sob administração do administrador da insolvência[1].

Ora, como é sabido, essas dívidas (da massa insolvente) estão sujeitas a regime diferente daquele a que estão submetidas as dívidas da insolvência. Na verdade, além de serem pagas com precipuidade em relação às dividas da insolvência (cfr. art.º 46.º, n.º 1, e 172.º, n.º 1, do CIRE), as dívidas da massa – ao contrário do que acontece com as dívidas da insolvência – são pagas nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo (cfr n.º 3 do citado art.º 172.º).

É precisamente essa regra – de pagamento pontual dessas dívidas nas datas dos vencimentos – que justifica a possibilidade (expressamente prevista no art.º 89.º, n.º 1, do CIRE) de elas serem reclamadas por via de acção declarativa ou executiva (caso exista título executivo), apenas se ressalvando que as acções executivas não podem ser instauradas nos três meses seguintes à data da declaração de insolvência (período que se relacionará com a necessidade de conceder algum tempo para que a massa insolvente consiga gerar rendimento com vista à satisfação dessas dívidas).

Ora, a aceitar-se como boa a argumentação da decisão recorrida, tal significaria – pensamos ser isso que dela se retira – que nunca seria viável a penhora de bens integrados na massa insolvente.

A verdade é que isso não se compatibiliza com o disposto na lei.

Com efeito, sendo legalmente permitida a instauração de execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente, também terá que ser admitida a penhora e venda de bens nessa acção executiva, uma vez que é essa a finalidade dessas acções. Não faria qualquer sentido que se admitisse a instauração de uma acção executiva para depois negar a possibilidade de aí se proceder à penhora e venda de bens com vista ao efectivo pagamento do crédito.

Por outro lado, estando em causa uma dívida da massa insolvente, serão, naturalmente, os bens integrados na massa (e não quaisquer outros) que irão responder pelo respectivo pagamento, como resulta, aliás, do disposto nos artigos 46.º, n.º 1, e 172.º do CIRE. E, sendo esses os bens que respondem por essas dívidas, só poderão ser esses os bens a penhorar (e vender) no âmbito de uma acção executiva que seja instaurada com vista ao respectivo pagamento (cfr. art.º 735.º, n.º 1, do CPC), sem que se possa concluir, portanto, (como fez a decisão recorrida) pela existência de qualquer obstáculo (de princípio) à penhora bens apreendidos para a massa insolvente, até porque, quando falamos em bens integrados na massa (e são esses que respondem pelas dívidas em causa), falamos, por regra, nos bens que já se encontram apreendidos, tendo em conta que os bens integrantes da massa são objecto de apreensão imediata na sequência da declaração de insolvência (cfr. art.º 149.º do CIRE).

Argumenta a decisão recorrida – para fundamentar a inadmissibilidade da penhora – que a venda do bem no âmbito da insolvência não pode ser efectuada com o ónus de uma penhora posterior.

No entanto, ao contrário do que se pressupõe na decisão recorrida, a penhora do bem no âmbito desta execução (referente a dívida da massa) implicará que seja aqui – e não na insolvência – que o bem irá ser vendido e será vendido livre de ónus e encargos (designadamente da penhora e da apreensão para a massa) nos termos previstos no art.º 824.º do CC, revertendo o produto da venda para pagamento do exequente e o eventual remanescente para a massa insolvente.

Ainda que o bem fosse vendido no âmbito da insolvência, ele apenas seria vendido com o ónus da penhora se, ao contrário do que é suposto acontecer, a massa insolvente não cumprisse as suas obrigações e faltasse ao pagamento da dívida da massa que é garantida por essa penhora, importando notar, no entanto, que a penhora se destina precisamente a garantir que tal não acontece, ou seja, a garantir a efectiva satisfação do crédito, sendo certo que a acção executiva e a penhora de bens da massa é a única forma de o credor da massa ver assegurada a satisfação do seu crédito que não lhe foi pago na data do respectivo vencimento (refira-se que, no caso em análise, estão em causa dividas que se venceram a partir de Julho de 2013 e que, até à data, não foram pagas – pelo menos não há notícia desse pagamento –, apesar de já terem sido vendidos diversos bens da massa).

Concluímos, portanto, em face do exposto, que não há qualquer obstáculo legal à penhora de bens apreendidos para a massa insolvente. Tais bens poderão, portanto, ser penhorados e vendidos no âmbito de acção executiva instaurada para pagamento de dívidas da massa, nos mesmos termos em que tal é permitido no âmbito de qualquer outra execução e com sujeição, naturalmente, às mesmas regras e limitações.

Nessas circunstâncias, sendo certo que a presente execução foi instaurada com respeito pelo prazo ou dilação de três meses a que se reporta o art.º 89.º, n.º 1, do CIRE (o que, de qualquer forma, não se relacionaria directamente com a admissibilidade da penhora, mas sim com a admissibilidade da execução), não ocorrendo nenhuma situação de impenhorabilidade objectiva nos termos dos artigos 736.º e seguintes e não resultando dos autos – sendo certo que, como acima se referiu, tal não foi sequer invocado ou alegado – que se verifique alguma das situações que, nos termos do art.º 784.º do CPC, pudesse obstar à penhora, não se vislumbra fundamento legal para concluir – como concluiu a decisão recorrida – que a penhora efectuada nos autos é ilegal ou inadmissível.

 

Assim sendo, procede o recurso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida no segmento em que determinou o levantamento da penhora (mantendo-se, consequentemente, tal penhora).
Custas a cargo da Apelada.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                   (Maria João Areias)

                                                      (Helena Melo)




[1] Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2010 (processo n.º 2578/09.4TBVFR-G.P1); Acórdão da Relação de Évora de 27/03/2014 (processo n.º 3236/10.2TBPTM.E1) e Acórdão da Relação de Lisboa de 06/07/2017 (processo n.º 1856/07.1TBFUN-K.L1-8), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt