Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4341/22.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OMISSÃO DA TAXA DE JUSTIÇA
NOTIFICAÇÃO PELA SECRETARIA
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 64º, N.º 2, DO RGCC; 8º, N.ºS 7 E 8, E 13º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS; 642º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
          O arguido que omite o pagamento da taxa de justiça prevista no art. 64º, n.º 2, do RGCC deve ser notificado para pagar a taxa de justiça omitida e a multa legal, nos termos do art. 642º do C.P.C.
Decisão Texto Integral:

Processo 4341/22.8t8vis.C1

Comarca de Viseu – juízo local criminal de Viseu – Juiz ...

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Recurso de Contra-Ordenação nº 4341/22.8T8VIS do Juízo Local Criminal de Viseu, foi o recurso apresentado pelo recorrente A... S.A. considerado sem efeito, por falta de pagamento da taxa de justiça.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

                                                          


I-         Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos em 07/03/2023, com a referência eletrónica n.º 92470181, que considerou sem efeito o recurso de contraordenação apresentado pela recorrente, por esta não ter efetuado o pagamento da taxa de justiça imposta pelo artigo 8.º, n.º 7 do RCP no prazo legal, não obstante ter sido notificada para o efeito, uma vez que entendeu o despacho recorrido que aos presentes autos não é aplicável subsidiariamente o vertido no artigo 642.º, n.º 1 do CPC.
II-        Com o devido respeito e por dever de patrocínio, a recorrente não partilha deste entendimento. De facto,
III-       O artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP é omisso relativamente ao procedimento a adotar pelo Tribunal no caso de falta de pagamento da taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, assim como também não prevê qualquer cominação ou sanção para a falta de pagamento, nomeadamente, a de considerar sem efeito o recurso.
IV-      Com efeito, verificamos que o artigo 8.º do RCP prevê, nos seus n.ºs 4 e 5, que a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como assistente e pela abertura de instrução requerida pelo assistente, determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito, e isto somente se, após notificação da secretaria para o interessado proceder à apresentação do documento comprovativo no
prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, este não o apresentar.

V-        Ou seja, o legislador não previu que, para a falta de pagamento da taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, tivesse como consequência que o recurso ficasse sem efeito, ao contrário do que expressamente previu no n.º 5 do dito artigo 8.º do RCP. E, mesmo ao abrigo desta disposição normativa, o requerimento para constituição de assistente ou a abertura de instrução só fica sem efeito se o assistente não tiver pago tais taxas com acréscimo de multa de igual montante, após notificação para o efeito.

VI-      Nesta medida e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao proferir o despacho recorrido, sem ordenar que a secretaria procedesse à notificação da recorrente para proceder ao pagamento omitido, acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 4.º do CPP.
VII-     Salvo melhor opinião, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto nos n.ºs 7 e 8 do RCP, impondo uma determinação à lei que esta, claramente, não contém, vendo-se, assim, a recorrente deveras prejudicada, colocando em causa o seu direito a um processo equitativo, constitucionalmente previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP.
VIII- Existindo uma omissão legal, o intérprete deve socorrer-se das regras subsidiárias previstas para a existência de lacunas, sendo que, no que aqui importa, deve socorrer-se das normas previstas no RGCO, CPP e CPC.
IX-      Sendo o RGCO e o CPP omissos quando a tal matéria, contudo, ordenando a aplicação das normas previstas no CPC, deveria ter sido aplicado pelo tribunal a quo o artigo 642.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP.
X-        A recorrente deveria, assim, ter sido notificada para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa, o que não foi efetuado.
XI-      Mais se diga que a jurisprudência tem sido, salvo melhor opinião, unânime no sentido de que, nos casos em que a coima não foi previamente liquidada e não tendo sido efetuado o pagamento da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 8.º do RCP, como é o caso destes autos, a secretaria deve efetuar a notificação do recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido
acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC.

XII-                      Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado                              de    10/07/2019,    proferido    no    âmbito    do                                        processo                  n.º 880/18.3T9BGC.G1,            disponível            para            consulta            em https://jurisprudencia.pt/acordao/190116/, que sufraga o entendimento, partilhado pela aqui recorrente, de que se deve proceder à aplicação subsidiária do artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, para que, assim, se atinga um processo equitativo, “(…) segundo o qual o processo não poderáconduzir aresultados injustos, devendo os cidadãos poder efetivamente fazer valer os seus direitos. Como é sabido, trata-se de um princípio estruturante das sociedades democráticas e do Estado de Direito e tem força vinculativa no direito português por força do disposto no artigo 6º, nº 1 da CDH, com dignidade constitucional, em conformidade com o vertido no artigo 20º, nº 4 da CRP.”.
XIII- Em face do exposto e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao considerar sem efeito o recurso apresentado pela recorrente, sem que secretaria a notificasse a fim de, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa de igual montante.
XIV- Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido vai em sentido oposto à jurisprudência maioritária (os citados Ac. do TRG de 10/07/2019, relatado por ArmandoAzevedo; Ac. do TRPde14/12/2017, relatadopor MariaLuísa Arantes, Ac. do RE de 04.05.2010, relatado por António Condesso; Ac. do RE de 04.04.2013, relatado por Martinho Cardoso; Ac. do RC de 19.12.2017, relatado por Brizida Martins; Ac. do RP de08.03.2017, relatado por Manuel Soares) e, bem assim, à doutrina sobre a matéria (o citado supra Salvador da Costa, in “Custas Processuais – Análise e Comentário”, Almedina, 7.ª edição, 2018, páginas 158-159).
XV-     Deve, por conseguinte, o despacho recorrido ser revogado, devendo ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida, acrescida de multa deigual montante, em conformidade com o disposto no artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, com as legais consequências.


XVI- Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação, pelo menos, das disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 7 e 8 do RCP, 41.º do RGCO, 4.º do CPP e 642.º do CPC.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado, devendo ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual montante, em conformidade com o disposto no artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, com as legais consequências.

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso.
1. Entendeu a Mm.ª Juíza que o pagamento da referida taxa de justiça constitui uma condição prévia de apreciação da impugnação judicial apresentada e que que não tem aplicação subsidiária ao caso vertente o disposto no n.º 1 do art. 642.º do Código de Processo Civil.


2. Não lhe assistindo, salvo melhor opinião, razão, dado que tal omissão nãotem como consequência que o recurso ficasse sem efeito, ao contrário do que expressamente previu o legislador no n.º 5 do dito artigo 8.º do RCP.


3. O artigo 8º do RCP é omisso relativamente ao procedimento a adotar pelo Tribunal no caso de falta de pagamento da dita taxa de justiça, assim como também não prevê qualquer cominação ou sanção para a falta de pagamento, nomeadamente, a de considerar sem efeito o recurso.


4. É aplicável a situações como esta o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 4.º do Código de Processo Penal.


5. O despacho recorrido deverá ser substituído por outro que determine que a secretaria procedesse à notificação da recorrente para proceder ao pagamento omitido, acrescido de multa, nos termos dos referidos normativos
Pelo exposto, e na procedência do recurso interposto pelo arguido, deve proferir-se despacho em conformidade.

1.2.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação teve vista do processo e sufragou integralmente a argumentação da Sr.ª Procuradora da República na 1ª instância.

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões de recurso, a questão a conhecer prende-se com a consequência da falta de pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais .

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que consta do processo :

- A recorrente A..., S.A. veio impugnar judicialmente a decisão administrativa do IMT, IP que a condenou numa coima de 500 euros pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 31º, nº 1 do DL. 257/2007 de 16/7.

- Em 24/10/2022 foi proferido o seguinte despacho :

« Por este tribunal ser competente, a impugnação ser tempestiva, legalmente admissível e se mostrarem respeitadas as exigências formais, admite-se o recurso da decisão da autoridade administrativa interposto por A..., S.A. (cfr. artigo 63º do D.L. 433/82 de 27/10 na redacção introduzida pelo D.L. 244/95 de 14/9).


*

Afigurando-se-nos desnecessária a realização da audiência de julgamento para a decisão a proferir nos presentes autos, e atenta a posição já manifestada pela Digna Magistrada do MP a fls. 2, determino que se notifique a recorrente nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 64º, nº 2, do D.L. 433/82 de 27/10 na redacção introduzida pelo D.L. 244/95 de 14/9).».

- Este despacho foi notificado à recorrente por notificação electrónica enviada ao respectivo mandatário em 7/11/2022.

- Por requerimento de 21/11/2022 a recorrente veio opor-se a que se profira decisão por simples despacho e arrolou duas testemunhas .

- Em 30/1/2023 foi proferido o seguinte despacho :

« Tenha a secção em atenção o cumprimento oficioso do disposto no artigo 8º, nº 8, do RCP, atento o despacho que foi proferido a fls. 35, e tendo em conta ainda que não foi previamente liquidada a coima por parte da arguida – cfr. ainda o nº 7 do citado artigo 8º.».

- Este despacho foi notificado à recorrente por notificação electrónica enviada ao respectivo mandatário em 31/1/2023, que nada pagou.

- Em 7/3/2023 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor :

« O n.º 7 do art.º 8º do RCP obriga ao pagamento de taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito dos processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada.

Com efeito, dispõe o citado preceito legal, que: “É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões das autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante deste Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito”.

Por sua vez, dispõe o nº 8 – “A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação do arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.”.

Verificamos assim que o pagamento da referida taxa de justiça constitui uma condição prévia de apreciação da impugnação apresentada.

No caso vertente verificamos que, após ter sido proferido o despacho constante de fls. 35, onde se considerou desnecessária a realização da audiência de julgamento e se ordenou a notificação do recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64º, nº 2, do RGCO, e, em virtude deste não ter liquidado a coima, foi o mesmo devidamente notificado para, além do mais, proceder ao pagamento da taxa de justiça, e não o fez no prazo legal (cfr. fls. 41 e 42).

Ora, conforme se defende no Acórdão do STA de 19/04/2017, publicado in www.dgsi.pt, entendemos que não tem aplicação subsidiária ao caso vertente o disposto no n.º 1 do art. 642.º do CPC. Com efeito, e conforme se ler no citado acórdão, na parte que aqui releva, “a nosso ver não pode considerar-se que o n.º 1 do art. 642.º do CPC – artigo que tem como epígrafe «Omissão do pagamento das taxas de justiça» e cujo n.º 1 prevê que «[q]uando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC»– seja aplicável em sede de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima. É que, como dissemos já, nesta sede, contrariamente o que sucede quando o autor instaura uma acção, há uma notificação por parte do tribunal para que seja efectuado o pagamento da taxa de justiça, como decorre do já citado n.º 8 do art. 8.º do RCP, que foi observado no caso sub judice. Ou seja, não vislumbramos motivo para a aplicação subsidiária do n.º 1 do art. 642.º do CPC a uma situação com contornos bem diversos dos subjacentes àquela fattispecies. Insistimos que, em sede do recurso judicial da decisão administrativa da aplicação da coima há uma notificação expressa para pagamento da taxa da justiça, diferentemente do que ocorre no processo civil. Não logram aqui aplicação os dispositivos do CPC, que pressupõem que o pagamento da taxa de justiça, quando devido, deve ser comprovado no momento oportuno, independentemente de qualquer notificação para o efeito, que não está prevista”.

Assim sendo, e em face das disposições legais supra citadas, considero sem efeito o recurso apresentado pela recorrente.

Custas a cargo da recorrente, que se fixam no mínimo legal.

Notifique e, após trânsito, remeta certidão integral dos autos à entidade administrativa.».

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A recorrente insurge-se contra o despacho recorrido que, perante a falta de pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, considerou o recurso de contra-ordenação apresentado por aquela sem efeito, ao invés de a secretaria a ter notificado para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa, em obediência ao disposto no artigo 642º, nº 1 do C.P.C., aplicável por força dos artigos 41º do Regime Geral da Contra-ordenações e Coimas e 4º do C.P.P..

O artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL. 34/2008 de 26/2, depois de dispor acerca da taxa de justiça devida pela constituição de assistente e pela abertura da instrução, estabelecendo os respectivos montantes, prazos e modos de pagamento e consequências da sua falta, prescreve o seguinte :

«7 - É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela iii, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.

8 - A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.

(…) »

Embora a epígrafe deste artigo de refira ao processo penal e ao processo contra-ordenacional, tal não significa que as soluções encontradas para o primeiro valham integralmente para o segundo.

De acordo com o artigo 1º do DL. 433/82 de 27/10, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, a contra-ordenação é a acção ilícita e censurável, sancionada com a aplicação de uma coima, enquanto sanção puramente patrimonial, a que podem ser associadas sanções acessórias (cfr. o artigo 21º), ambas  dissociadas de qualquer ideia de retribuição ou expiação ética

Conforme explica Figueiredo Dias, «O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», in Jornadas de Direito Criminal : O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I, CEJ, «… não se trata aqui de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna , mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima».

Como se vê da norma transcrita, em caso de impugnação judicial das decisões administrativas no âmbito contra-ordenacional, no caso de a coima não ter sido previamente paga, é devida 1UC de taxa de justiça, que deve ser «autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.».

O nº 1 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais define a taxa de justiça como o montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o mesmo Regulamento, aplicando-se na falta de especial disposição os valores constantes da sua tabela I-A.

A taxa de justiça é, assim, o valor que cada interveniente deve prestar por cada processo, como contrapartida de um serviço, procurando adequar-se o valor da taxa ao tipo de processo e serviço que, em concreto, acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, sem perder de vista os elevados índices de litigância, com o que concorre para a moralização e racionalização dos recursos – cfr. o preâmbulo do DL. 34/2008, de 26/2, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.

A regra, de que o prazo de 10 dias se deve contar da notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, é uma excepção às regras sobre o prévio pagamento da taxa de justiça em geral, pressupondo mesmo uma notificação para efeito do pagamento da taxa de justiça, dado que deve ser dado conhecimento ao arguido «…do prazo e os modos de pagamento da mesma».

 Foi esta a razão pela qual foi, em 30/1/2023, prolatado o despacho com o seguinte teor :

«Tenha a secção em atenção o cumprimento oficioso do disposto no artigo 8º, nº 8, do RCP, atento o despacho que foi proferido a fls. 35, e tendo em conta ainda que não foi previamente liquidada a coima por parte da arguida – cfr. ainda o nº 7 do citado artigo 8º.».

A arguida/recorrente nada pagou e o tribunal recorrido entendeu, com base nessa omissão de pagamento, declarar o recurso de contra-ordenação sem efeito.

Verdadeiramente, o legislador não estabeleceu expressamente a consequência jurídica dessa omissão de pagamento, pelo que são possíveis duas soluções :

- a de, por recurso ao disposto no artigo 642º do C.P.C., aplicável ex vis os artigos 4º do C.P.P. e 41º do DL. 433/82, dever ser o recorrente notificado para pagar a taxa de justiça omitida e da multa ali prevista e, no caso de não pagamento, então sim, não ser recebido o recurso de contra-ordenação;

- a de considerar que o juiz só pode rejeitar o recurso fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma – onde não se inclui o pagamento da taxa de justiça -, pelo que o recurso será decidido e, a final, condenar-se-á o recorrente na taxa de justiça em falta e respectivos juros de mora .

Cfr.  o Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Salvador da Costa, 2011 – 3ª edição, Almedina, p. 231-232. 

Ora, os princípios de direito penal e processual penal são aplicáveis, subsidiariamente, em sede substantiva e adjectiva, respectivamente, às contraordenações e seu processo, devidamente adaptados, por força dos artigos 32º e 41º do DL. nº 433/82, de 27/10.

Mais, dado que o código de processo penal também não contém uma norma que regule a situação em apreço, é imperioso concluir que a omissão em causa reclama a sua integração, a realizar por recurso às normas do código de processo civil – cfr. o artigo 4º do C.P.P..

Deste modo, há que considerar o disposto no artigo 642º do C.P.C., que dispõe para a omissão de pagamento das taxas de justiça, o seguinte:

«1 - Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

2 - Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.

3 - A parte que aguarde decisão sobre a concessão do apoio judiciário deve, em alternativa, comprovar a apresentação do respetivo requerimento.».

A reforçar este entendimento, temos o artigo 13º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais estabelece que «A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais.»

No caso sob apreciação, ocorreu a omissão daquela segunda notificação pela secretaria, ou seja, não foi a recorrente notificada para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UCs.

Tanto basta para proceder o recurso.

Neste sentido, ver os Acórdãos da Relação de Évora de 4/5/2010, processo 360/09.8tbpsr.E1, relatado por António Condesso; da mesma Relação de 4/4/2013, processo 2121/11.5tbabf.E1, relatado por Martinho Cardoso; da Relação do Porto de 14/12/2017, processo 1345/17.6y2mts.P1, relatado por Maria Luísa Arantes, da Relação de Coimbra de 19/12/2017, processo 544/16.2t8cnt.C1, relatado por Brízida Martins; do S.T.A. de 26/6/2019, processo 0532/18.4bebrg, relatado pela Conselheira Isabel Marques da Silva, e do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/10/2021, processo 00275/21.1beavr, relatado por Paulo Moura, acessíveis in www.dgsi.pt; e o Acórdão da Relação de Guimarães de 10/7/2019, processo 880/18.3t9bgc.G1, relatado por Armando Azevedo, in Jurisprudência. pt.

Sendo assim, importa determinar o prosseguimento dos autos na primeira instância .

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente procedente o recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido acrescido de multa de igual montante.

Sem custas.

Coimbra, 6 de Março de 2024


(Helena Lamas - relatora)


(Cândida Martinho)


(Teresa Coimbra)