Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
377/23.0T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: TERCEIROS INTERVENIENTES NA EXECUÇÃO
ENTIDADE PATRONAL DO EXECUTADO
LEGITIMIDADE PARA INVOCAR A INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 723.º, N.ºS 1, ALÍNEA D), E 2, 773.º, 531.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 27.º, N.ºS 1 E 5, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário:
I – O art.º 723.º, n.º 1, alínea d), do CPC quando estabelece que incumbe ao juiz decidir outras questões suscitadas por terceiros intervenientes, não está a atribuir legitimidade ao devedor notificado nos termos do art.º 773.º do CPC para suscitar as questões que entender por pertinentes, designadamente a falta de exequibilidade do título dado à execução.

II – A entidade patronal da executada carece de legitimidade para colocar em causa a validade do título executivo, sendo o executado que o poderá suscitar por embargos, nos casos em que a lei o permite.

III – A aplicação da taxa sancionatória especial exige que o ato assuma uma natureza excecionalmente reprovável, merecedora da sanção excecional prevista no art.º 531.º do CPC. A errónea apreciação do regime legal, por si só, não justifica a aplicação desta taxa.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Relatora: Helena Melo
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Maria João Areias


Processo 377/23.0T8ANS-A.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

O Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ..., veio instaurar execução contra AA, proprietária da fração B, para pagamento da quantia de 1.917,52.

Com data de 09.03.2023 a Sra. Solicitadora de Execução expediu notificação para T... Unipessoal Lda. nos seguintes termos:

“Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários, subsídios de férias e natal ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado.

No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento).

Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.

A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, omontante equivalente a um salário mínimo nacional.

VALOR TOTAL PREVISTO

2978.30 Euros

IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO

AA, NIF: ...90; BI: ...-9

COMINAÇÃO / ADVERTÊNCIAS

Se nada disser, entende-se que reconhecem a existência da obrigação (nº 4 do artigo 773º do CPC).

Se faltarem conscientemente à verdade incorrem na responsabilidade do litigante de má-fé (nº5 do artigo 773º do CPC).

Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.

Nos termos do Artigo 417.º do CPC, a falta de colaboração pode ser sancionada com multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem precisos.”

            Notificada, T..., Unipessoal, Lda. veio apresentar requerimento. alegando vir deduzir oposição por simples requerimento, porquanto estava em causa matéria de exceção que podia ser conhecida oficiosamente (art. 734.º do CPC), o que fez nos termos e com os seguintes fundamentos:

“I. Da admissibilidade da oposição

1. No art. 723.º, n. 1, als.) c) e d) do CPC refere-se que cabe ao “juiz julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias; e decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias”.

2. No art. 734.º, n. 1 do CPC, diz-se que “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.

3. Daqui resulta, segundo entendimento pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, a possibilidade de o Tribunal, a requerimento de qualquer interessado, poder conhecer e decidir questões que conduzam à extinção total ou parcial da execução, dada a sua simplicidade e prova inequívoca por meio de documentos.

II. Fundamentos da oposição

4. A Requerente foi notificada para proceder à penhora da Executada por meio de carta com A.R. (RA426056586PT), datada de 09.03.2023 (Doc. 1 em anexo) e recebida no dia

28.03.2023 (Doc. 2).

5. No dia 29.03.2023, a Requerente interpelou a Exequente que, por email desse mesmo dia, envio as duas Atas de Assembleia de Condóminos que servem de base à execução (Doc.3),

6. Esclarecendo ainda que a Executada não foi devidamente notificada de tais Atas (Doc.

3).

7. Tal como se diz no Ac. do TRE de 28.06.2017, Proc. 6759/11.2TBSTB-B.E1 (Tomé de Carvalho), “as atas de condomínio constituem título executivo, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do DL nº 268/94, de 25/10. No entanto, para que as mesmas sejam exequíveis é necessário que elas sejam eficazes relativamente ao devedor, seja porque participou nas deliberações, esteve presente na Assembleia ou não tendo participado, nem comparecido à assembleia lhe seja dado efetivo conhecimento das deliberações tomadas, e que só assim o vinculam”. (…) A ata da reunião da assembleia de condóminos é um ato composto que inclui a deliberação da assembleia de condóminos e a prova do cumprimento do ónus de efetuar uma comunicação eficiente.

8. No caso concreto, resulta do teor das atas dadas à execução que a Executada não participou nas deliberações, nem esteve presente nas assembleias (Doc. 3).

9. Sabe-se ainda que a Executada não foi devidamente notificada das deliberações tomadas (Doc. 3).

10. Sabe-se também que a presente execução não principiou pela citação da Executada, pelo que nem sequer se pode considerar que a Executada foi interpelada com a citação.

11. Nessa conformidade, deve a presente execução ser extinta por não se verificarem os pressupostos de que depende a sua válida instauração e prosseguimento.

12. Em consequência, devem igualmente ser desfeitos quaisquer atos de penhora.

TERMOS EM QUE: deve a presente execução ser extinta por não se verificarem os pressupostos de que depende a sua válida instauração e prosseguimento; Em consequência, devem igualmente ser desfeitos quaisquer atos de penhora.”

            Por despacho de 05.05.2023 foi indeferida a pretensão da T... Unipessoal, Lda. e esta condenada na taxa sancionatória excecional de 2 Uc´s com os seguintes fundamentos:

“A requerente do presente incidente, em primeiro lugar, não tem a qualidade nem de Executada, nem de Exequente, nem se vislumbra que contra si tenha prosseguido a Execução nos termos do artigo 777º, n.º3 do Código de Processo Civil.

Ou seja, o que se depreende dos autos é que a Requerente foi notificada nos termos e para os efeito do artigo 773º do C.P.C.. Logo, assiste-lhe unicamente declarar se o crédito existe – 773º, n.º2 – ou contestar a existência do crédito nos termos do artigo 775º do C.P.C. Caso nada diga, reconhece a existência da obrigação – artigo 773º, n.º4 do C.P.C..

Assim, o requerimento em apreço analisado à luz do artigo 773º do C.P.C. leva-nos à conclusão que a entidade patronal, notificada para proceder à penhora do vencimento da Executada, nada diz, pelo que, reconhece a obrigação.

No mais, entende-se que existe uma falta clara de legitimidade da Requerente para colocar em causa a validade do título executivo nos termos e para os efeitos do artigo 734º do C.P.C., uma vez que, mais uma vez não tem a qualidade de parte nos presentes autos. Igualmente não dispõe de qualquer interesse em agir na medida em que não é o seu património que se mostra a ser visado com a presente execução.

O artigo 734º do C.P.C. só cobre situações de insuficiência ostensiva do título executivo dado à execução, o que não é o caso.

Termos em que se julga manifestamente improcedente o requerimento apresentado.

Uma vez que, o presente Incidente se apresentava manifestamente improcedente pela falta de legitimidade da Requerente, mera interveniente acidental que visou colocar em causa, de forma temerária, com este expediente a exequibilidade do título executivo, condena-se a Requerente em taxa sancionatória excecional que se fixa em 2 Uc`s – artigo 531º do Código de Processo Civil.”

A entidade patronal da executada não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte  modo:

A)No Despacho assinado em 05.05.2023 (ref. 103659304), o Tribunal a quo condenou a

Recorrente a pagar taxa sancionatória excecional de 2 Uc`s, por considerar que o

“presente Incidente se apresentava manifestamente improcedente pela falta de

legitimidade da Requerente, mera interveniente acidental que visou colocar em causa e

forma temerária, com este expediente a exequibilidade do título executivo”.

B) O art. 734.º do CPC, conjugado com o art. 723.º, n. 1, al. d) do CPC, dá plena cobertura

à atuação da Recorrente como terceiro interveniente já que está em causa uma razão de

conhecimento oficioso que poderá levar ao indeferimento liminar da presente execução:

a manifesta insuficiência do título dado à execução que se deve ao facto de as atas de

assembleia de condóminos não terem sido comunicadas à Executada.

C) Caso a questão suscitada por terceiros seja manifestamente injustificada, a consequência é aplicação de multa (art. 723.º, n. 2 do CPC) e não de taxa sancionatória excecional.

D) No caso, não deve ser aplicada multa nem taxa sancionatória excecional, uma vez que a Recorrente não só tem legitimidade para intervir enquanto terceiro, como lhe assiste razão quando ao fundamento invocado para a extinção da Execução ou, pelo menos, o

fundamento apresentado é plausível e merece ser apreciado.

E) A Recorrente, entidade patronal da Executada, obrigada que está a proceder à penhora de vencimento dos seus colaboradores, sempre que tal seja legalmente devido, não pode também ignorar os especiais deveres para com os seus trabalhadores (cfr. art. 126.º do Código do Trabalho), não fosse o direito ao salário um direito fundamental!

F) Assim, tendo conhecimento de que a Executada não teria ainda tido conhecimento da ata de assembleia de condomínios (Docs. 1 a 3 do requerimento), a Recorrente, para afastar a sua obrigação de proceder à penhora de vencimento da sua Trabalhadora, e por ter manifesto interesse em estar ao lado da sua trabalhadora, decidiu dar conhecimento de tal facto ao Tribunal a quo.

G) A Recorrente agiu assim por saber que, havendo uma ata que constitua título executivo

ao abrigo do art. 6.º nº 1 e 2, do DL nº 268/94, de 25/10, a mesma só é exigível relativamente aos condóminos ausentes quando lhes for comunicada por carta registada

com aviso de receção, no prazo de 30 dias (Neste sentido, Ac. do TRE de 28.06.2017, Proc. 6759/11.2TBSTB-B.E1 (Tomé de Carvalho).

H) No caso concreto, resulta do teor das atas dadas à execução que a Executada não participou nas deliberações, nem esteve presente nas assembleias (Doc. 3 do Requerimento).

I) Sabe-se ainda que a Executada não foi devidamente notificada das deliberações tomadas (Doc. 1 a 3 do Requerimento).

J) Por isso, a Recorrente entende que a presente execução deve ser extinta,

K) o que, naturalmente, extingue a obrigação de proceder à penhora de vencimento da Executada.

L) Como tal, é manifesto o interesse processual da Recorrente e a sua legitimidade para intervir como terceiro!

***

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que declare a extinção da ação executiva por falta ou manifesta insuficiência do título executivo.

Sem prescindir, deve a Recorrente ser absolvida da taxa sancionatória aplicada e não lhe deve ser aplicada qualquer multa por ser manifesto que a questão suscitada não só era plausível, como passível de ser suscitada por requerimento ao abrigo do disposto no art. 734.º do CPC, conjugado com o art. 723.º, n. 1, al. d) do CPC.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se a entidade patronal da executada, putativa devedora, notificada para os efeitos do artº 773º do CPC, pode invocar a falta de título executivo; e,

. se assim não se entender, se ao atuar do modo descrito, a sua conduta deve ser censurada com a aplicação de uma taxa sancionatória especial, prevista no artº 531º do CPC.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita.

.Se a entidade patronal da executada pode suscitar a inexequibilidade do título executivo

Notificada a entidade patronal da executada, sua putativa devedora, esta pode adotar quatro condutas (cfr. defendem António Santos Geraldes e outros, CPC anotado, vol II, Almedina, 2020, pag 158):

. reconhecer expressamente que o crédito existe, nos termos em que foi indicado à penhora, cabendo-lhe, logo que a dívida se vença, proceder ao depósito da importância respetiva em instituição de crédito à ordem do agente de execução (artº 773º, nº 1 do CPC);

. reconhecer, de forma expressa, a existência do crédito, estando, no entanto,  a  exigibilidade da obrigação dependente de uma prestação do executado, caso em que seguirá a tramitação do artº 776º do CPC;

. negar a existência do crédito (artº 775º do CPC); e,

. nada dizer, não efetuando quaisquer declarações, nem no ato da notificação, nem por escrito no prazo de 10 dias (artº 773º, nº 4 do CPC), caso em que presumirá a existência do crédito.

            É à executada que assiste o direito de, se assim o entender, suscitar as questões relativas ao título, mediante a dedução de embargos (artº 728º  do CPC) e não ao indicado devedor.

            O artº 734º do CPC permite que o juiz até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados possa conhecer oficiosamente questões que poderiam ter determinado o indeferimento do requerimento liminar nos termos do artº 726º do CPC, designadamente a falta manifesta de título executivo (artº 726º, nº 2, alínea a)), mas o que o artº 734º do CPC permite é que o juiz possa conhecer de determinadas questões, sem necessidade de prévia iniciativa das partes nesse sentido e não permitir que o devedor, notificado nos termos e para os efeitos do artº 773º do CPC suscite questões que devem ser suscitadas pelo executado. Sempre se dirá que face ao título junto – atas das assembleias de condóminos – não é manifesta a falta de exequibilidade do título que a apelante defende existir por as atas não terem sido notificadas à executada e esta não ter estado presente nas assembleias em causa,   sendo que apenas é possível conhecer oficiosamente da falta manifesta de título executivo.

No atual modelo da ação executiva, as competências do juiz são restritas e tipificadas, sem prejuízo da reserva de jurisdição prevista no artº 202º, nº 2 da CRP (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, 2º volume, 2020, Almedina, pág. 59). O juiz apenas pode fiscalizar a legalidade dos atos processuais no âmbito do que lhe for solicitado, para além de apreciar questões de conhecimento oficioso.

A  intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, constituindo ainda entendimento prevalecente (decorrente do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 19/9, e do demais direito positivo) que a relação entre o juiz e o agente de execução não se pauta por uma relação hierárquica do segundo para com o primeiro, inexistindo da parte deste um poder geral de controlo sobre a atuação do segundo, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no artigo 723.º (cfr. se defende nos  Acórdãos do TRC de 27-06-2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1 e do TRE  de 27.05.2021, proc. 2561/15.0T8STB-E.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

De acordo com o nº 1 do artº 723 do CPC, a lei especificamente atribui ao juiz, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe concede,  competência para, designadamente:

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

A alínea d) constitui uma norma aberta, de caráter residual, abrangendo designadamente a reação à inação do agente de execução, cfr.se defendeu no Ac. do TRL de 27.10.2016, proc. 127/13.9YUSTR-C.L1-9, onde se considerou  que  “Tratando-se na alínea d), do nº1 do artigo 723º, de uma norma em branco, a mesma deve ser materializada e densificada, em cada momento e processo, pelos intervenientes previstos nessa mesma norma, a saber: juiz, partes, intervenientes acidentais e agente de execução.”

O recurso à alínea d) poderá ser utilizado para esclarecer dúvidas sobre a solução jurídica ou sobre a interpretação de determinados preceitos legais e, designadamente,  para os efeitos previstos nos artigos 755º, nº 4 e 855º, nº 2, alínea b) do CPC.

            Mas também o artº 723º, nº 2, alínea d) do CPC quando estabelece que incumbe ao juiz decidir outras questões suscitadas por terceiros intervenientes, não está a atribuir legitimidade ao devedor notificado nos termos do artº 773º do CPC  para suscitar a questão da falta de título executivo. A entidade patronal poderá suscitar questões no âmbito da notificação que lhe foi dirigida e não outras.

            Consequentemente, a decisão recorrida não merece censura ao concluir pela falta clara de legitimidade da apelante para colocar em causa a exequibilidade do título em que se funda a execução, por não ter a qualidade de parte nos presentes autos e por, igualmente não dispôr de qualquer interesse em agir na medida em que não é o seu património que se mostra visado com a presente execução.

            Da aplicação da taxa sancionatória excecional

            Estabelece o artº 531º do CPC que “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou  incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

            Defende a apelante que no caso de pedido infundado a consequência é a aplicação de uma multa nos termos do artº 723º, nº 2 do CPC e não de uma taxa sancionatória excecional prevista no artº 531º do CPC. No entanto, no caso,  não lhe deve ser aplicada nem multa nem taxa sancionatória excecional, uma vez que a Recorrente não só tem legitimidade para intervir enquanto terceiro, como lhe assiste razão quanto ao fundamento invocado para a extinção da execução ou, pelo menos, o fundamento apresentado é plausível e merece ser apreciado.

Apreciando:

O artigo 10º do Regulamento das Custas Processuais determina que «A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC».

Já relativamente à multa dispõe o artº 27º, nº 1 do RCP que sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respetivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.

Nos casos excecionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC (artº 27º, nº 2 do RCP).

A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo ato processual, em multa e em taxa sancionatória excecional (artº 27º, nº 5 do RCP).

O nº 2 do artº 723º do CPC não tem aplicação, pois que, não recaindo, como supra se expôs, a pretensão da apelante no âmbito de quaisquer alíneas do seu nº 1, não lhe pode ser aplicado o regime do nº 2 que pressupõe, obviamente, o preenchimento do nº 1.

Relativamente à aplicação da taxa sancionatória excecional, a jurisprudência do STJ tem entendido que:

- Ac. de 09.05.2019, proc. 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1:   

I - Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excecional, prevista no art. 521.º, do CPP, a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando-se evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido, assim se salvaguardando o princípio da economia processual, e a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta.

II - Com a taxa sancionatória excecional não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.

- Ac. de 05.09.2019, proferido no processo n.º 222/18.8YUSTR.L1-A.S1:

“A taxa sancionatória excecional prevista no citado artigo 531º do CPC «corresponde à que estava já em vigor no art. 447º-B do anterior CPC, aditado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, e em cujo preâmbulo se esclarecia tratar-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial com carácter penalizador”.

- Ac. do STJ de 22.02.2022, processo 103/06.8TB-E.G1.S1:

I - A figura da taxa de justiça sancionatória excecional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma atividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.

II - Justifica-se a aplicação da taxa de justiça sancionatória excecional quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentados pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de ação, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer, bem demonstrado pela uniformidade nas várias instâncias judiciais quanto ao invariável desatendimento do que é infundadamente pedido nos autos.

III - É precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excecional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma atividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada.

            E Ac. do STJ de 20.06.2023, processo 6854/18.7T8PRT-F.P1.S2:

            “II - Enquanto na litigância de má-fé se subordina a condenação da parte em multa à verificação de condutas ou omissões típicas, dolosas ou gravemente negligentes, o art. 531.º do CPC faz depender a aplicação da taxa sancionatória excecional da falta de prudência ou diligência da parte.

III- De acordo com a jurisprudência do STJ sobre a interpretação do art. 531.º do CPC, a taxa sancionatória excecional não se reporta apenas a recursos cuja mérito seja manifestamente infundado ou improcedente, mas também a atuações processuais patológicas, inexistentes na lei, fora do desenrolar normal da instância, ou ainda a recursos de despachos irrecorríveis”.

            Assim, para que a taxa sancionatória especial seja aplicável:

. o ato praticado deve ser manifestamente infundado;

. revelando a sua prática falta de prudência ou diligência;

. assumir o ato uma natureza excecionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

            Apenas em situações excecionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão, praticando ato processual manifestamente improcedente, é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória.

            Pode recair no âmbito desta previsão a  utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização claramente abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.

Não tem por fim a sanção de erros técnicos, pois estes são sancionados através da condenação no pagamento de custas. Esta taxa não tem natureza tributária, mas sim sancionatória (cfr. se defende  no acórdão do Supremo Tribunal de 26-06-2019, proferido no processo n.º 565/12.2PCCBR.C2.S1, supra citado).

Com a criação desta taxa pretendeu-se também obviar a expedientes que retardem a celeridade processual e bem assim à prática de atos inúteis, afetando recursos à análise  de pretensões manifestamente sem fundamento.

No caso, não suscita dúvidas que o ato praticado pela apelante não tem fundamento,  revelando falta de diligência, mas não se nos afigura que o ato assuma uma natureza excecionalmente reprovável, merecedora da sanção excecional prevista no artº 531º do CPC, designadamente por não resultar dos autos que o ato tenha sido praticado para  dificultar a marcha do processo. A posição assumida traduz uma errónea apreciação do regime legal, mas que, por si só, não justifica a aplicação desta taxa.

Consequentemente, entendemos não ser de manter a condenação da apelante na taxa sancionatória especial prevista no artº 531º do CPC.

            Sumário:

            (…).   

IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em revogar parcialmente a decisão recorrida, não condenando a apelante em taxa sancionatória especial, confirmando-a no demais decidido.

            Custas pela apelante em 50% da taxa devida.

            Notifique.

            Coimbra, 7 de novembro de 2023