Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/23.7GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AGRAVAÇÃO
VALIDADE DO ALCOOLÍMETRO
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL – J2)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 86.º N.º 3 E 88º DA LEI N.º 5/2006, DE 23/02; 152.º, N.º 1, AL. B) DO CÓDIGO PENAL; 14º, N.º 1, DA LEI N.º 18/2007, DE 17.5; 6º, N.º 3, PORTARIA 1556/2007, DE 10.12; 7º DO DEC.-LEI N.º 29/2022, DE 7.4
Sumário: I. Não constando a data em que o alcoolímetro foi aprovado, mas verificando-se através do talão que foi verificado menos de um ano antes dos factos, fica garantida a fiabilidade metrológica, sendo o resultado através dele obtido perfeitamente válido.
II. Tendo o crime de violência doméstica sido praticado pelo arguido enquanto este era portador de uma espingarda, preenche a conduta a circunstância agravante prevista no art. 86º/3 do RJAM.
Decisão Texto Integral: *

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo Comum Singular nº 129/23.... do Juízo Local Criminal ..., foi submetido a julgamento o arguido

AA, filho de BB e de CC, natural de ... (...), nascido a ../../2001, solteiro, residente em Rua ..., ..., ..., tendo sido :

- condenado na pena de 3 (três) anos de prisão [efetiva] pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, nos termos do artigo 86.º n.º 3 do RJAM, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- condenado numa: (i) pena acessória de proibição de contactos com DD, por qualquer meio, mesmo que por interposta pessoa pelo período de 3 anos e de afastamento do domicilio pessoal e profissional desta última durante aquele período de tempo, com a imposição de fiscalização por meios técnicos de controlo à distância caso o arguido seja colocado em liberdade condicional antes do termo desta sua pena (art. 152.º nº 5 do CP); (ii) numa pena acessória de obrigação de frequentar um programa específico de prevenção da violência doméstica, mesmo que em ambiente prisional, em articulação com o acompanhamento médico e psiquiátrico de que careça, além do mais, com vista ao tratamento e dissuasão de dependências [de álcool e drogas] e à estabilização de problemáticas psicossociais e motivação para a alteração do comportamento violento [controlo da impulsividade]; (iii) e numa pena acessória de proibição de usar e de se fazer portar de armas de fogo [e munições] ou outras pelo período de 3 (três) anos.

- condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (RJAM), numa pena de 1 (um) ano de prisão [efetiva].

- condenado na pena do concurso de 3 (anos) e 6 (seis) meses de prisão [efetiva].

- nos termos dos artigos 127.º e 128.º do Código Penal e do artigo 2.º, 4.º e 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, foram declarado perdoados na pena única 6 (seis) meses de prisão - pelo cometimento do crime de detenção de arma proibida - sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da presente Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto [entre 01.09.2023 e 01.09.2024] (art. 8.º n.º 1 e 2).

- condenado a pagar a DD a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais (art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09; 129.º do Código de Processo Penal e 483.º do Código Civil) acrescida de juros de mora à taxa de 4 % contados desde a prolação desta sentença e até ao efetivo e integral pagamento.

- condenado o arguido no pagamento das custas do processo fixando a taxa de justiça individual em 3 (três) UC – cfr. artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 por referência à tabela III do Regulamento das Custas Processuais – sem prejuízo dos demais encargos – art. 514.º do Código de Processo Penal – e sem custas na instância cível conexa – art. 4.º n.º 1 al. n) do RCP – por não serem devidas, sem prejuízo de eventual apoio judiciário com que litigue.

- declarada perdida a favor do estado a arma caçadeira, os cartuchos e a cartucheira apreendidos (fls.17.8) nos autos (art. 109.º do CP), com a sua oportuna destruição.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

                                     


(…)

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma (transcrição) :

(…)

1.2.3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o tribunal efectuou uma correcta valoração da globalidade da prova (documental e testemunhal) produzida em audiência, cumprindo o preceituado no art. 127º, do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova), não ocorrendo qualquer vício ou nulidade que a afecte; que para que se verifique a agravação do artigo 86º, nº 3 do RJAM, é apenas necessário que o agente seja portador de uma arma, ainda que esta esteja oculta; e que não é possível a formulação de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do delinquente, considerando as condenações sofridas pelo arguido e a sua postura em audiência .

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Impugnação da matéria de facto;

- Agravação do crime de violência doméstica;

- Suspensão da execução da pena de prisão.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) :

2.1. Factos provados

            2.1.1. AA [arguido], conhecido pela alcunha “EE”, teve um relacionamento amoroso com DD [ofendida], com quem residiu na Rua ..., ..., em comunhão de teto, de mesa e cama, como se de marido e mulher se tratassem, de meados do mês de fevereiro de 2021 até ao dia em que ocorreram os factos que infra se consignarão.

            2.1.2. Na noite de 8 de abril de 2023, AA e DD deslocaram-se de automóvel para as festas de ... em ... acompanhadas por FF, onde permaneceram até à madrugada do dia seguinte.

            2.1.3. Enquanto estiveram na referida festa o arguido ingeriu várias bebidas alcoólicas e discutiu com DD.

            2.1.4. Tendo DD decidido abandonar o local, acompanhada pela sua amiga FF, e deixar AA em casa da mãe deste situada na Rua ..., ..., ..., ....

            2.1.5. Ali chegados e com o veículo já imobilizado o arguido retirou as chaves do veículo de DD da ignição e, já no exterior da viatura, contrariado com a decisão da namorada de o ali deixar, começou a gritar com a mesma.

            2.1.6. Sem que haja devolvido as chaves da viatura à sua companheira, apesar de lho ser pedido.

            2.1.7. E dirigindo-se para o interior da residência da sua mãe.

           2.1.8. Onde viria a entrar e de onde saiu passados breves minutos, munido de uma espingarda da marca feliz Sarasqueta, calibre 12GA, com dois canos sobrepostos, interior liso e com 70,8 cm de comprimento, devidamente municiada, dirigindo-se à ofendida.

            2.1.9. FF tentou acalmar o arguido e recuperar a chave da viatura, mas sem sucesso, voltando o arguido a dirigir-se a DD, gritando com a mesma.

            2.1.10. Altura em que o arguido, junto à viatura, desfere com a coronha da referida arma pancadas na zona abdominal e nas coxas da ofendida que ali se encontrava, após o que efetuará dois disparos para o ar.

           2.1.11. Perante a atuação do arguido, FF e DD abandonam o local apeadas, mas acabam por contactar a PSP ..., usando para o efeito o telemóvel da ofendida com o cartão SIM ...78.

           2.1.12. Indo então ao encontro das autoridades policiais chegadas ao local, cerca das 06h50m desse mesmo dia.

            2.1.13. A arma descrita em 2.1.8) foi apreendida ao arguido no quarto onde o mesmo pernoitava, debaixo da cama, na referida residência da sua mãe, juntamente com 4 (quatro) cartuchos calibre 12GA, marca IPM, e 02 (dois) invólucros de cartuchos de calibre 12GA já deflagrados, uma cartucheira e um estojo preto em couro para transporte da arma de fogo.

            2.1.14. O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma (LUPA).

            2.1.15. O arguido às 09h49m era portador de uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,89 g/l.

            2.1.16. O arguido atuou de forma livre, deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de atingir a sua namorada DD na sua dignidade humana e saúde física, molestando o corpo e a sua mente, causando-lhe dores, provocando-lhe medo e intranquilidade e coartando a sua liberdade de ação, prejudicando a sua liberdade de determinação pessoal e o seu bem-estar psicossocial, o que representou e quis.

            2.1.17. Ao utilizar e ter na sua posse a arma e munições referidas em 2.1.8) o arguido agiu também de forma livre, deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de ter em seu poder a aludida arma de fogo e munições, conhecendo a sua natureza e características, não obstante consciente que não era titular de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo suas munições e que não as podia deter ou usar, como fez.

            2.1.18. Bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas a punidas por lei.

            (…)

            2.1.21. São conhecidos ao arguido os seguintes antecedentes criminais:

            a) Condenado por acórdão [do Juízo Central Criminal ... – J... – processo n.º 151/18....] transitado em julgado a 06 de Março de 2019 pela prática, entre Junho e Julho de 2018, de cinco crimes de roubo (um deles sobre a forma tentada) e dois crimes de coação numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, com regime de prova, declarada extinta pelo cumprimento em 31.03.2023.

            b) Condenado por sentença [do Juiz Local Criminal ... – J... – no processo comum n.º 10/18....] transitada em julgado a 29 de Março de 2019 pela prática, a 10 de Janeiro de 2018, de um crime de ofensa à integridade física simples, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, declarada extinta pelo seu cumprimento.

            c) Condenado por sentença [do Juízo Local Criminal ... – J... – processo n.º 578/19....] transitada em julgado a 19 de novembro de 2020 pela prática, em julho de 2019, de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeito a deveres e obrigações de proibição de contactos com a vitima; de uso e de porte de armas de fogo e de frequência programas específicos de prevenção violência doméstica no período mencionado.

            d) Condenado por sentença [do Juízo Local Criminal ... – J... – processo n.º 303/19....] transitada em julgado a 29 de setembro de 2021 pela prática, a 17 de dezembro de 2019, de um crime de ameaça agravada e de um crime de roubo na forma tentada, nas penas de 120 dias de multa à taxa diária de 8,00 € e na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na execução por 2 anos e 6 meses, sujeita a deveres e obrigações.

            e) Condenado por acórdão [do Juízo Central Criminal ... – J... – processo n.º 289/20....] transitado em julgado a 07 de janeiro de 2022 pela prática, a 19 de agosto de 2020, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo.

           

*

            (…)

            2.3. Motivação

            O Tribunal para dar como provados os factos consignados como tal valorou de forma positiva e conjugada entre si os elementos de prova indicados pela acusação pública e pela defesa e coligidos no processo, como seja: nas declarações que o arguido AA prestaria em sede de audiência e julgamento, verbalizando um pedido de desculpa pelo seu comportamento, declaração essa que se crê ser mais movido pela posição processual que ocupa neste processo do que reflexo de um verdadeiro juízo critico para o comportamento adotado. E tanto assim é que denotou uma «memória» muito seletiva e parcial a respeito dos factos de que está acusado, refugiando-se no estado de intoxicação alcoólica [e não só] em que se encontrava, mas não convence que lhe tenha obliterado a sua capacidade de fazer inscrever aquele episódio na sua memória, visto que os atos de que diz não ter memória são exatamente aqueles mais intensos e que dão corpo e robustez à incriminação aqui em causa [retirada das chaves da ignição da viatura da namorada, ter batido na namorada com a coronha da caçadeira de que se muniu para o efeito e o seu propósito ao realizar disparos]. E não se lembrando do que fez naquela madrugada, como afirma, retira conteúdo e sentido à declaração feita de que se mostra muito arrependido [do quê? Se não se lembra!]. As suas declarações são, assim, enviesadas e oferecem-nos as maiores reservas a respeito da sua sinceridade quanto à ausência de memória do que haja feito [aliás, a candidez revelada em audiência contrasta com o perfil do arguido que emerge dos relatórios sociais a seu respeito há largos anos, assim como da violência dos crimes que tem averbados no seu certificado do registo criminal].

            Nesse seguimento não podemos contar com o depoimento de DD [cabeleireira – 2.1.22), e ex-namorada do arguido] que, na qualidade de ex-namorada do arguido, se recusaria validamente a prestar depoimento em audiência (art. 134.º n.º 1 al.b) do Código de Processo Penal, no seguimento das respostas que dará aos costumes [unida de facto com o arguido desde meados de fevereiro de 2021 e até aos factos que constituem objeto deste processo]); a testemunha FF [divorciada, guarda noturna, amiga da ofendida e conhecida do arguido], por sua vez, viria a depor a respeito dos factos que presenciou naquela noite, tendo memória consistente da atuação de cada um dos intervenientes, em especial do comportamento do arguido nos moldes descritos na acusação e que presenciou; a testemunha GG [agente principal da PSP] deporia a respeito dos contactos telefónicos feitos nessa noite para a central da PSP solicitando a presença das autoridades na residência da mãe do arguido, em linha com a cota elaborada pela GNR a fls. 167 a este respeito; de HH [pai da ofendida, motorista e músico], titular do contrato de comunicações a que está associado o cartão SIM detido pela ofendida; estando ainda a par do relacionamento que a filha teve com o arguido e o que conduzira à sua separação; por fim na inquirição de II [Cabo da GNR e agente autuante] que se desloca ao local naquela madrugada e viria a deter o arguido no interior da sua residência, bem como a arma detida e suas munições, sujeitando-o, ainda, ao teste de alcoolémia documentado nos autos, atestando, assim, as circunstâncias de tempo, modo e lugar consignadas no auto de notícia de fls. 2-5; o resultado obtido no talão de teste de alcoolémia de fls. 6; no registo fotográfico do local e do sitio onde os objetos foram apreendidos de fls. 14-15; nos autos de apreensão de fls. 16-18 e no registo fotográfico das lesões da ofendida de fls. 20.

            Para além disso, foi positivamente valorado o teor do auto de exame direto, de fls. 19; o auto de exame à arma e munições, de fls. 155-158; à informação retirada da base de dados da NOS e da Vodafone, fls. 173-174 e 222 (a respeito do titular do cartão SIM com o n.º ...78); o relatório técnico de inspeção judiciária, fls. 187-194; o relatório de exame pericial (vestígios de pólvora na mão do arguido), fls. 245; o certificado do registo criminal do arguido e os relatórios sociais a seu respeito constantes do processo eletrónico.

            Elencados os meios de prova valorados cumprirá enunciar o seu contributo para a demonstração dos factos consignados como provados, quanto à culpa efetiva do arguido e para a necessidade de pena.  Concretizando.

            No que diz respeito à natureza do relacionamento de AA e de DD, bem como «casa de morada de família» adotada até aos factos foram valoradas as respostas dadas em sentido convergente e inequívoco pelo arguido e ofendida, esta última apenas nas respostas dadas aos costumes, permitindo estabelecer o início e o termo da sua relação com coabitação. Tudo em linha com os depoimentos das testemunhas HH, na qualidade de pai da ofendida, conhecedor da relação de namoro da filha com o arguido, e de FF, como amiga desta última [2.1.1].

            Quanto ao episódio ocorrido entre a noite de 8 e madrugada do mês de abril de 2023 [2.1.2) a 2.1.12], é o próprio arguido AA que em sede de declarações vem a reconhecer o trajeto seguido nessa noite e madrugada, sempre acompanhado da namorada de então, DD, e da amiga desta última, FF. Reconhecendo, todavia, que se desentendeu com a ofendida ainda em ..., não sabendo esclarecer porque razão, nega que haja sido em virtude de se encontrar a destruir património alheio [danificar carros], sendo que a testemunha FF não confirmará essa realidade, por dela não ter registo ou memória, apesar de se encontrar junto do arguido e da ofendida na referida festa – cuja data não se recorda bem, ainda que haja esclarecido que era um sábado. Razão pela qual se consigna o ponto 2.2.1) como único facto não provado.

            Sendo convergente as declarações destas duas testemunhas quanto ao plano de saída naquela concreta noite, as declarações do arguido e da referida testemunha também convergirão no reconhecimento que aquela noite terminaria com o desentendimento entre o arguido e a ofendida DD e a recusa desta última em seguir dali para casa com o arguido. Tendo-se deslocado em viatura própria desta última, e sempre em ambiente tenso, conduz o arguido a casa da sua mãe, «obrigando-o» a ali pernoitar, contra vontade deste. É nesta altura, após imobilizar a sua viatura no logradouro da referida casa, que o arguido – seguindo à frente, ao lado da condutora – premeditadamente retira a chave da viatura da ignição à revelia e contra a vontade da ofendida, que faz sua, não sendo sensível aos apelos da namorada para que lha devolvesse, dirige-se ao interior da casa da mãe onde sairá com a caçadeira, devidamente municiada, que lhe foi apreendida nos autos, e adota postura hostil para com a namorada que se encontrava no exterior da viatura. O arguido menciona que não apontou a arma a ninguém, mas uma tal afirmação não está em linha com o depoimento de FF que afirma o contrário, dando uma perspetiva do caso bem mais plausível em função das circunstâncias e do comportamento objetivo que é assumido pelo arguido – o de intimidar com recurso a arma de fogo. Atitude que o arguido não explica e que pouco diz ter memória. Mas podemos afirmar que a arma estava devidamente municiada e pronta a disparar, como se verá, e que o arguido não se ficará pela função meramente intimidatória da exibição daquela arma de fogo, já que dela se socorrerá – com a parte da coronha – para agredir fisicamente a sua namorada no local – cfr depoimento sincero, seguro e inequívoco da testemunha FF que tudo viu e descreveu no seu depoimento e registo fotográfico que é tirado à ofendida de fls.20, onde surgem retratadas as mazelas [vergões] no corpo [coxa/perna esquerda e direita e abdómen] compatíveis, pela configuração dos vergões, com a anatomia de uma coronha de uma arma caçadeira como a usada pelo arguido para a agredir [cfr fotos de fls.19] naquelas partes do seu corpo. Após o que efetuará dois disparos para o ar afugenta a ofendida e a testemunha FF do local. Como esta acabou por mostrar ter memória, o arguido assumiu ter feito e o militar II também colheu da própria ofendida no local.

            Tudo isto, não obstante a atuação protetora de FF [natural do brasil] que encontrando-se também alcoolizada, de acordo com o que disse, irá tentar condicionar a atuação do arguido – abraçando-o – com a referida arma de fogo [cuja atuação se deve à maior desinibição e falsa perceção do perigo em que se encontrava ou até a uma experiência pretérita como invocado pela testemunha], mas sem sucesso. 

            Ao abandonar o local, apeadas, a testemunha ganhará perceção da gravidade do que se passara e não tendo bateria no seu telemóvel usará o da amiga DD [...78], que se mostrava traumatizada e emocionalmente destabilizada, para chamar as autoridades ao local, fazendo uma breve explicação do que se havia passado, e retornando ao local para ir ao seu encontro. Factos que o militar II [Cabo da GNR] que se deslocará ao local naquela madrugada confirma, assim como a intervenção tática levada a cabo – após lhe terem sido abertas as portas de casa - no sentido de concretizar a detenção do arguido no interior de casa da mãe, onde se encontrava visivelmente nervoso, nos termos por si descritos em audiência, bem como da arma de fogo, cartucheira e demais munições – incluído os invólucros dos dois cartuchos deflagrados. Tudo isto em linha, mais uma vez, com o teor do auto de notícia de fls. 2-5; o registo fotográfico do local e do sitio onde os objetos foram apreendidos ao arguido, de fls. 14-15 e nos autos de apreensão de fls. 16-18.

            Quanto às características da arma de fogo e respetivas munições detidas pelo arguido este último assumiria os factos de que se mostra acusado, justificando que a arma de fogo e munições em questão vieram à sua posse por se tratar de uma arma pertencente a um dos seus avós, que guardava no quarto que tem em casa da sua mãe, debaixo da cama, onde viria a ser encontrado. Em suma, o arguido detinha na sua posse uma arma caçadeira de calibre 12 que, como sabia, sem que estivesse legalmente autorizado a deter aquela arma de fogo de classe D, por não estar devidamente autorizado – cfr. relatório pericial realizado pela PSP junto aos autos a fls.155-8 – em violação do disposto nos artigos 86.º n.º 1 al. c) do RJAM com referência às alíneas s), ar) e aj) do n.º 1 do artigo 2.º e da al. c) do n.º 6 do artigo 3.º do mesmo diploma legal – [2.1.13) e 2.1.14)].

            A TAS de que o arguido era portador à data da sua sujeição a exame por ar expirado é reconhecido pelo arguido e está documentado no processo a fls. 6 [constituindo prova tarifada, ainda que não haja sido deduzido o respetivo EMA] – 2.1.15).

            Quanto ao elemento subjetivo das incriminações [2.1.6) e 2.1.8)], aqui chegados, não obstante estarmos na presença de uma atuação isolada por parte do arguido, certo é que o encadeado de factos que resultam dados como provados e da autoria do arguido, quanto à sua materialidade, intensidade, violência e significado objetivo e finalisticamente orientado, visto a uma contraluz de um padrão de comportamento normativamente imposto (ao nível do respeito do bom nome, da liberdade de ação e de determinação, de respeito pela saúde); de respeito e dever de correção devido à sua namorada – aqui ofendida. Que é credora que aquele proporcione um certo «equilíbrio psicossomático» no relacionamento intersubjetivo que tinham, faz com que o arguido se tenha efetivamente comprometido com o crime de violência doméstica na sua forma agravada [munido de arma de fogo] de que se mostra acusado e para o que não tem desculpa ou justificação.

            A imagem global dos factos é impactante e reveladora das fragilidades estruturais do arguido AA ao nível emocional e da sua personalidade violenta que lhe vêm sendo notadas nas suas anteriores condenações, e que deixam indelével marca nos crimes pelos quais tendo vindo a ser condenado que têm como denominador comum o ataque à pessoa humana na dimensão da sua integridade física. A sua jovialidade [ainda que maior de 21 anos à data dos factos] não justifica o seu comportamento perante a densidade dos bens jurídicos por si violados e por mais do que uma vez e os inerentes riscos de não se deixar condicionar – até à data - pelas sentenças judiciais e suas intervenções em liberdade e/ou a sua parca e frágil retaguarda familiar [essencialmente a sua mãe] que constituem conhecidos indicadores de risco acrescido de recidivas. Acresce a isto uma adição convicta de produtos estupefaciente e bebidas alcoólicas relativamente ás quais não evidencia juízo critico e que materializam novos riscos de recidiva. A sua conduta intensa e violenta foi orientada para o desrespeito, condicionamento da liberdade de atuação e de decisão da namorada e violação da sua integridade moral e física com recurso de arma de fogo de que fez uso. Já tendo o arguido sido condenado pelo cometimento de um crime de detenção de arma de fogo. Sendo por empedernida e malformada vontade que é, de novo, detido na posse de uma arma de fogo e munições que não está habilitado – ou qualquer outra - a deter.

            As ofensas concretizadas na pessoa da sua namorada atingem os elementos típicos e ilícitos do normativo de que o arguido está acusado nas suas múltiplas dimensões (violência física, emocional e psíquica), cônscio de que incorria em responsabilidade criminal.

            O ponto 2.1.19) decorre da confissão parcial do arguido.

            O ponto 2.1.20) do teor dos relatórios elaborados pela DGRSP e juntos aos autos.

            O ponto 2.1.21) do teor do certificado do registo criminal do arguido.

            O ponto 2.1.22) decorre das declarações de DD a respeito dos costumes.

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1.  Impugnação da matéria de facto:

O Tribunal da Relação pode/deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:

- o  da impugnação ampla, se tiver sido suscitada;

- o dos vícios do nº 2 do artigo 410º do C.P.P.

Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), todos do C.P.P.

«…os vícios previstos no mencionado artigo 410º - como é expresso na norma – devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto cava fundo na apreciação da prova. Aqui o recorrente vai além do texto da decisão, debruça-se sobre a prova produzida em 1ª instância …» - cfr. Sérgio Gonçalves Poças, in Processo Penal Quando o Recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Revista Julgar nº 10, p. 24-25.

Estabelece o artigo 410º, nº 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

3. Erro notório na apreciação da prova.

Estes vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do C.P.P..

Em qualquer das hipóteses pensadas pelo legislador, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, terá esta que ser auto-suficiente.

Neste sentido, ver Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, Editorial Verbo 1994, p. 324; Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, Almedina, p. 1329; e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 9.ª edição, p. 85 e ss.

Assim, a análise a efectuar pelo tribunal de recurso basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.

Como dizem Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 2008, p. 77, erro notório na apreciação da prova é a «... falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.».

Não se trata de qualquer desconformidade entre a decisão de facto e aquela que o recorrente considere ser a correcta, face à prova que foi produzida, mas antes de um erro grosseiro, de uma falha grave e gritante, patenteada pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que, pela sua manifesta desconformidade com as regras da lógica e da normalidade da vida, não escaparia à análise do homem de formação média, sendo fácil e liminarmente perceptível pelo mesmo.

Traduz-se, pois, num vício de raciocínio na apreciação da prova de que um cidadão comum, perante a leitura da decisão, dele facilmente se apercebe.

O recorrente invoca a existência do vício de erro notório na apreciação da  matéria de facto, com violação do princípio in dubio pro reo, mas funda-se – excepto num ponto que analisaremos infra -, não na sentença proferida, ainda que aliada às regras da experiência.

Na verdade, o recorrente entende que o Tribunal de primeira instância, ao decidir como decidiu os pontos 2.1.10 e 2.1.16, fez uma incorrecta valoração dos factos e das provas produzidas em audiência de julgamento, nomeadamente quanto ao depoimento da testemunha FF e quanto ao registo fotográfico das lesões .

Porém, lendo o texto da decisão recorrida, nela não se descortina qualquer falha grosseira que, ferindo a mais elementar lógica, fosse detectável pelo cidadão comum, não se vislumbrando igualmente que tenham sido considerados provados factos incoerentes entre si, nem que o Tribunal recorrido tenha efectuado juízos ilógicos, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida.

Nestes termos, o erro apontando pelo recorrente não resulta do teor da sentença, mas sim num alegado erro de julgamento, que será objecto de análise infra.

Quanto ao ponto 2.1.15 dos factos provados, com a redacção «O arguido às 09h49m era portador de uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,89 g/l.», relembramos que o erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada.

O recorrente questiona a validade da prova obtida através da utilização do alcoolímetro que procedeu à medição da taxa de álcool do arguido no dia 9/4/2023, pelas 9h 49m.

Para tanto, invocando que a prova assim obtida é nula, alega que a aprovação do aparelho é válida pelo período de 10 anos e que não consta dos autos nada sobre a sua renovação, bem como nada consta acerca da última verificação periódica.

Analisando a sentença proferida, verificamos que para fundar o ponto 2.1.15, o tribunal recorrido baseou-se no auto de notícia de fls. 2-5 e no resultado obtido no talão de teste de alcoolemia de fls. 6.

Nos termos do artigo 125º do C.P.P., sob a epígrafe «Legalidade da prova», «São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei .».

O artigo 88º da Lei nº 5/2006 de 23/2 – Regime Jurídico das Armas e Munições -, sob a epígrafe «Uso e porte de arma sob efeito de álcool e substâncias estupefacientes ou psicotrópicas», estabelece no seu nº 1 que «Quem, pelo menos por negligência, detiver, transportar fora das condições de segurança previstas no artigo 41.º, usar ou portar arma com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 360 dias».

Por sua vez, nos artigos 45º e 46º, este diploma legal estabeleceu a disciplina de fiscalização da ingestão de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias. Assim, na detecção e quantificação do consumo de álcool, neste âmbito, podem ser utilizados os aparelhos e outros meios homologados para efeitos do Código da Estrada (cfr. o artigo 46º, nº 5).

De acordo com o artigo 153º do Código da Estrada, «O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.».

De acordo com a Lei nº 18/2007, de 17.5, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, «A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue» - cfr. o nº 2 do seu artigo 1º.

O artigo 14º desta Lei estabelece :

«1. Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

2. A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros

…».

O Regulamento dos Alcoolímetros foi aprovado pela Portaria 1556/2007 de 10/12, que estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade e compreende as operações de a) aprovação de modelo; b) primeira verificação; c) verificações periódicas; d) verificação extraordinária - cfr. o seu artigo 5º.

O nº 3 do artigo 6º da mesma Portaria estabelece que «A aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.».

É certo que esta Portaria veio a ser revogada, entretanto, após a prática dos factos sob análise pelo recorrente, pela Portaria nº 366/2023 de 15 de Novembro. Porém, além desta última manter a competência no IPQ para o controlo metrológico legal dos alcoolímetros (cfr. o seu artigo 5º), estabelece no seu artigo 12º que «Os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis.».

Já o DL. 29/2022 de 7 de Abril, que estabelece o regime geral de controlo metrológico legal dos métodos e instrumentos de medição, nos quais se incluem os alcoolímetros, estabelece no seu artigo 7º, na parte que aqui interessa :

«1 - Aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado.

2 - A aprovação de modelo … é. válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.

(…)

7 - Os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis.».

Aqui chegados, ao contrário do que alega o recorrente, o decurso do prazo de 10 anos, contados desde a respectiva homologação, não faz caducar a sua validade, nem acarreta a nulidade da prova obtida !

Na verdade, os aparelhos podem continuar a ser utilizados, desde que submetidos às operações de verificação que a lei estipula .

 Voltando a analisar a Portaria nº 1556/2007, em vigor aquando da prática dos factos, verifica-se que a verificação periódica é anual (salvo indicação em contrário no ,  8º, nº 1 da Portaria nº 366/2023.

Ora, resulta do artigo 9º do DL. 29/2022, já referido, que «A verificação periódica compreende o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.» - cfr. o seu nº 1 – e que  «A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.» - cfr. o seu nº 3.

Esta norma remete-nos, mais uma vez, para o Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, para a Portaria nº 1556/2007, em vigor aquando da prática dos factos pelo recorrente, e para a Portaria nº 366/2023, que revogou aquela e entrou em vigor em 16/11/2023.

Ambas as Portarias estipulam que as verificações periódicas são anuais.

Mas enquanto a Portaria nº 366/2023 indica que são válidas durante um ano após a sua realização – cfr. o seu artigo 8º, nº 1 -, a Portaria nº 1556/2007 apenas estipulava que as verificações periódicas eram anuais.

Efectivamente não consta dos autos quando é que o alcoolímetro utilizado para testar o arguido foi aprovado. Contudo, do talão de fls. 6 consta que o mesmo havia sido verificado em 12/8/2022, ou seja, no ano anterior à fiscalização em questão, e menos de um ano antes.

Como se afirma no Acórdão da Relação de Guimarães de 27/1/2020, processo 33/19.3ptvrl.G1, relatado por Cândida Martinho, in www.dgsi.pt, «uma coisa é o prazo de validade de aprovação do modelo do aparelho, outra é a qualidade técnica do mesmo para efectuar medições, sendo que esta pode manter-se para além daquele, desde que reconhecida e válida conforme as verificações exigidas». E mais à frente «o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não determina, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de poder ser utilizados na fiscalização, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, de acordo com as regras aplicáveis, ou seja, através das mencionadas verificações periódicas e extraordinárias …».

Ou, na síntese do Acórdão da Relação do Porto de 18/10/2023, processo 520/22.6gamld.P1, relatado por Maria Deolinda Dionísio, igualmente in www.dgsi.pt, «Resumindo e concluindo: Estando garantida – pela operação de verificação - a fiabilidade do alcoolímetro usado, o mesmo cumpria o requisito da aprovação e manutenção em uso, nenhum óbice se colocando à ponderação e ratificação da TAS detectada ao arguido, antes se impondo que a mesma fosse considerada – como foi e bem – provada.».

Em suma, o aparelho utilizado no exame efectuado ao arguido cumpria as exigências legais relativamente às verificações periódicas, continuava a garantir a fiabilidade metrológica, pelo que o resultado através dele obtido é perfeitamente válido  .

(…)

4.2.  - Agravação do crime de violência doméstica :

O recorrente insurge-se contra a integração da conduta na agravação prevista no nº 3 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006 de 23/2.

A primeira parte da sua argumentação cai por terra em face do indeferimento da impugnação da matéria de facto.

Em segundo lugar, o recorrente defende que só poderá ser agravada a pena do crime quando a arma é utilizada enquanto tal, utilizando as suas funções e finalidades, o que não sucedeu no caso em apreço, na medida em que a arma de fogo não foi disparada.

Vejamos :

O preceito mencionado estipula .

(…)

«3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente. ».

O nº 3 do artigo 86º foi introduzido pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, que teve origem na Proposta da Lei n.º 222/X, cuja Exposição de Motivos justificou a alteração legislativa nos seguintes termos: «[n]o Estado de Direito democrático, a utilização de armas compete, em regra, às forças de segurança para protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, manutenção da paz pública e reforço da autoridade do Estado. Assim, a detenção de armas ilegais ou a utilização de armas na comissão de crimes deve ser especialmente reprimida, de forma a responder de modo adequado e proporcional à criminalidade violenta e grave. Por esta razão, a presente lei prevê o agravamento das penas do crime de detenção de arma proibida e dos crimes cometidos com recurso a arma. (…) Todos os crimes praticados com armas passam a ser objecto de uma agravação especial de um terço, nos seus limites mínimo e máximo. Esta regra funciona de acordo com um princípio de subsidiariedade e com respeito pelos princípios penais e processuais penais, pelo que a agravação só se aplica se outra, mais grave, não estiver estabelecida e se o uso de arma não constituir já um elemento do tipo de crime.».

Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 8/11/2023, processo 1197/21.1s5lsb.L1-3, relatado por Cristina Almeida e Sousa, in www.dgsi.pt, citando outra Jurisprudência, «Esta agravação encontra o seu fundamento num maior grau de ilicitude do facto, e, por isso tem sempre lugar se o crime, independentemente da sua natureza, for cometido com arma, de harmonia com o propósito do legislador de obviar e dissuadir à proliferação de condutas criminosas praticadas com armas função do acréscimo de perigosidade para um ou vários bens jurídicos criminalmente protegidos.».

Resulta da leitura do nº 3 transcrito, que a prática de um crime será sempre agravada se cometida com uma arma, qualquer que seja a sua classe (fogo, branca, química, biológica, radioativa, etc.), desde que tal arma não faça parte do tipo do crime.

O crime de violência doméstica foi praticado pelo arguido usando uma espingarda e esta arma não é elemento do crime p. e p. no artigo 152º do C.P..

Por outro lado, resulta ainda do nº 3 que o mero porte da arma no momento do crime constitui uma agravante, dado que se exclui esta se o porte for elemento típico ou se o tipo previr o porte de arma como agravante .

Depois, no caso em apreço é preciso não esquecer que o recorrente, depois de agredir a ofendida com a espingarda, mas na sua presença, efectuou dois disparos para o ar, pelo que deu uso à dita arma. 

Mais, em face do número 4 do artigo 86º, não vislumbramos como é defensável a tese do recorrente, de que a agravação só teria lugar no caso de o arguido ter disparado a arma (dado tratar-se de uma arma de fogo, uma espingarda).

Na verdade, se o legislador equipara ao cometimento do crime com arma, a situação em que o agente (ou um dos agentes em caso de comparticipação) é portador de arma aparente ou oculta, nitidamente a arma nem tem de ser utilizada na prática do crime, seja da sua forma habitual, seja como objecto contundente !

 Em suma, não assiste razão ao recorrente nesta questão do enquadramento jurídico-penal da sua conduta.

(…)

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.P. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).

Coimbra, 24 de Abril de 2024


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(Helena Lamas - relatora)



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(Maria José Guerra)



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(Rosa Pinto)