Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1253/23.1T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA PELO TRABALHADOR INDEPENDENTEMENTE DE JUSTA CAUSA
PRAZO DE AVISO PRÉVIO
INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DO PRAZO
Data do Acordão: 04/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 400.º, N.º 1, E 401.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita ao empregador, com a antecedência mínima de 60 dias, no caso de ter mais de dois anos de antiguidade (n.º 1 do artigo 400.º do CT).

II – Se não cumprir total ou parcialmente o prazo de aviso prévio, o trabalhador deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância daquele prazo (n.º 1 do artigo 401.º do CT).

III – Tendo resultado provado que a Autora “retirou” o Réu da segurança social no dia 28/06/2023, ou seja, comunicou o fim do vínculo do trabalhador e como motivo a denúncia do contrato, demissão por iniciativa do trabalhador, não era exigível a este que se apresentasse ao serviço no dia 14/08/2023, pese embora o período de aviso prévio só terminasse no dia 25/08, na medida em que a Autora já havia aceitado e comunicado o fim do vínculo do Réu.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 1253/23.1T8CTB.C1

Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A..., Ldª, com sede em ...

intentou a presente ação de processo comum, contra

AA, residente em ...

alegando, em síntese que:

Em 26/06/2023 o Réu enviou à Autora uma carta a denunciar o contrato com aviso prévio de 60 dias, no entanto, no dia 29/06/2023, o Réu comunicou à Autora que não ia apresentar-se mais ao trabalho e só depois de receber a carta da Autora é que engendrou ficar doente para não indemnizar a Autora pela resolução do contrato sem aviso prévio, desconhecendo-se a natureza da suposta doença do Réu; assim tem direito a receber uma indemnização correspondente ao período do aviso prévio em falta e outra por danos causados, no valor de € 6.000,00.

Termina, pedindo que:

Nestes termos, e nos mais que Direito que V.Exa. suprirá, deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar o Réu a pagar à Autora, os seguintes valores:

a) 927,32 (Novecentos e vinte e sete euros e trinta e dois cêntimos), correspondente a parte do pré-aviso ainda em falta;

b) 6.000,00 (Seis mil euros), a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com a denúncia do contrato sem o respectivo pré-aviso.

Aos montantes acima descritos, num total de 6.927,32 € (Seis mil novecentos e vinte e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescem ainda juros de mora vincendos, desde a data da citação do Réu para a presente acção e até efectivo e integral pagamento.”

*

Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, o Réu apresentou contestação alegando, em síntese, que:

No dia 29/03/2023 não foi trabalhar porque a sua filha estava doente e avisou a Ré; também informou a Ré de que não se sentia bem, foi ao médico e ficou incapaz para o trabalho de 02/07 a 13/07/2023, documento que remeteu à Autora, incapacidade que foi prorrogada de 14/07 a 12/08/2023, documento que também remeteu à Autora; posteriormente foi convocado para exame médico do qual resultou a subsistência da incapacidade temporária para o trabalho, tendo informado a Autora de que estaria de baixa, pelo menos, até ao termo do aviso prévio; cumpriu o aviso prévio a que estava obrigado e não assiste qualquer razão à Autora quanto à exigibilidade da indemnização que reclama; a Autora deve-lhe a quantia total de € 5.607,76.

Termina dizendo que:

NESTES TERMOS, e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá:

a) A presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se o réu do pedido.

b) Seja julgado totalmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelo     réu,  sendo a  autora condenada:

- A pagar ao réu o montante total de EUR 5.607,76 (cinco mil, seiscentos e sete euros e setenta e seis cêntimos), a título de créditos laborais, cfr. exposto.”

                                                             *

A Autora ofereceu resposta concluindo pela improcedência do pedido reconvencional e como na petição inicial.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador e dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento, conforme resulta da ata de fls. 47 e segs..

                                                             *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 49 e segs.) com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo o réu AA do pedido.

Mais decido julgar a reconvenção parcialmente procedente, e em consequência, condeno a autora reconvinda “A..., LDA.” a pagar ao réu reconvinte AA a quantia de 3.387,18€, acrescida dos juros de mora sobre esse montante, calculados dia a dia à taxa legal de 4%, desde a data da sua citação e até integral reembolso.”

*

A Autora notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que conclui da forma seguinte:

(…).

*

O Réu não veio responder.

                                                                      *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 79 e segs. no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso e a sentença ser confirmada nos seus precisos termos.”

                                                           *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela recorrente, quais sejam:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se o Réu não cumpriu o aviso prévio da denúncia do contrato.

3ª – Se o Réu deve ser condenado na indemnização peticionada pela Autora.

4ª – Se o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente.

*

*

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica ao comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos, conforme certidão permanente junta como documento nº 1.

2) Em ordem a satisfazer o seu objeto social, a Autora celebrou com o Réu um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos de tempo. Doc. 2

3) O Réu foi admitido ao serviço da Autora no dia 03 de maio de 2021, para sob as ordens, direção e fiscalização da respetiva gerência lhe prestar a sua atividade de servente.

4) As funções do Réu consistiam na recolha de sucatas e desperdícios metálicos para as instalações da Autora, sitas em Estrada Nacional ...8, ..., ... ....

5) Trabalhando de terça-feira a sábado, entre as 09h30 e as 18h30, com intervalo para almoço e com descanso semanal à segunda-feira, coincidente com o dia de encerramento da atividade da Autora.

6) Atualmente, auferindo a retribuição base mensal ilíquida de 760,00 € (setecentos e sessenta euros), acrescida do subsídio diário para alimentação, subsídio de férias e de Natal pago em duodécimos, conforme recibo de vencimento junto como documento nº 3.

7) No dia 26 de junho de 2023, o Réu enviou à Autora uma carta registada a denunciar o contrato de trabalho, dando cumprimento ao aviso prévio de 60 dias, previsto no artigo 400º do Código do Trabalho, conforme documento nº 4.

8) O Réu no dia 29 de junho de 2023, pelas 08:01, enviou ao gerente da Autora, a seguinte mensagem de texto: “Bom dia, hoje não vou trabalhar a BB não passou a noite bem, não dormi nada.”

9) No mesmo dia, pelas 14:57, o Réu telefonou do seu telemóvel nº ...14 ao gerente da Autora.

10)O gerente da Autora enviou ao Réu a carta registada com o seguinte teor:

“Exmº Senhor

AA

Avenida ....

... ...

(Registada)

..., 29 de Junho de 2023

ASSUNTO: Rescisão de Contrato de Trabalho

Exmº Senhor:

Foi recebida pelo gerente da Firma A..., Lda, a carta enviada por V. Exª na qual, denuncia com aviso prévio, o contrato de trabalho em vigor com a empresa.

De acordo com a s/ comunicação, o seu último dia de trabalho será o dia 25 de Agosto de 2023, dando assim cumprimento ao aviso prévio de 60 dias, conforme artigo 400º do Código do Trabalho.

Acontece que, no dia de hoje, V. Exª não compareceu no local de trabalho, nem cumpriu o horário de trabalho estipulado pela empresa e comunicou telefonicamente ao Legal Representante/Gerente daquela que, não iria trabalhar mais, contrariando assim, o teor da carta por si enviada.

Como é do conhecimento de V. Exª, tal comportamento configura uma denúncia do contrato de trabalho sem aviso prévio, previsto no artigo 401º, nº 1 do Código do Trabalho, obrigando o trabalhador a pagar à entidade patronal, uma indemnização de valor igual à retribuição base corresponde ao período em falta, além da empresa, ainda ter direito a ser indemnizada pelos danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio.

Assim sendo, comunica-se desde que, todos os créditos salariais que lhe são devidos até à data, não lhe serão pagos, dado que, irão ser efectuados os cálculos para apurar o valor de indemnização devida por V. Exª à empresa, correspondente ao período de pré-aviso em falta, bem como, vai ser apurado o valor da indemnização pelos danos causados pela inobservância do referido aviso prévio.

Como V. Exª bem sabe, a empresa tem vários serviços agendados, alguns dos quais, para este final de semana (30 de Junho e 01 de Julho de 2023), não havendo na empresa outro funcionário além de V. Exª para efectuar tais serviços, dado que, o outro funcionário irá entrar de férias, as quais não podem ser alteradas, devidos aos custos que isso, acarreteria para o outro trabalhador.

Pelo exposto, deverá V. Exª apresentar-se ao trabalho, no dia seguinte ao recebimento desta carta (01 de Julho/2023) e desempenhar funções até ao dia 25 de Agosto de 2023, tal como, referiu na sua carta, sob pena de, ter que indemnizar a empresa nos termos do artigo 401º do Código do Trabalho, em valor nunca inferior a 15.000,00 (Quinze mil euros), para o qual, iremos proceder à respectiva cobrança judicial com penhora de bens, alertando-o desde que acrescerão as custas judiciais do processo em tribunal e os respectivos honorários de Advogado.

Atenciosamente,

A Gerência,”

11)A referida carta registada com o nº ...25..., foi recebida por CC, no dia 30 de junho/2023, conforme comprovativo dos CTT aqui junto como documento nº 8.

12)O Réu depois de receber a referida carta não se apresentou no seu local de trabalho no dia 01 de julho/2023.

13)DD, tinha as férias agendadas a partir do dia 01 de julho/2023 e iria estar ausente uma semana, como efetivamente aconteceu.

14)A Autora para o dia 01 de julho/23, já tinha agendado a compra de sucata/maquinaria de um restaurante sito na ..., pertencente ao Exm.º Senhor EE.

15)O réu trabalhou até ao dia 28 de junho de 2023, quarta-feira.

16)No dia 29 de junho de 2023, quando se preparava para ir trabalhar, o réu constatou que a sua filha menor se encontrava adoentada e ostentava bolhas e borbulhas ao longo do corpo.

17)Por esse motivo, o réu avisou o sócio e gerente da autora, através de mensagem SMS, de que não iria trabalhar.

18)O réu dirigiu-se, nesse dia, à ULS de ... – cfr. documento n.º 3 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19)O réu ficou de baixa, tendo remetido à autora a predita justificação e a declaração – cfr. documento n.º 4 e documento n.º 5 que ora se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20)No aludido dia 29 de junho de 2023, o réu também contactou o sócio e gerente da autora através de chamada telefónica para o informar de que também ele não se sentia bem fisicamente e que suspeitava estar, outrossim, enfermo.

21)Nesse sentido, o réu acabou por também ir ao médico, tendo sido declarada a sua incapacidade temporária para o trabalho no período de 2 de julho de 2023 a 13 de julho de 2023 – cfr. documento n.º 6 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22)Documento que foi remetido à autora e que esta recebeu – cfr. documento n.º 7 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23)A incapacidade temporária para o trabalho foi prorrogada no período de 14 de julho de 2023 a 12 de agosto de 2023 – cfr. documento n.º 8 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24)Documento que foi remetido à autora e que esta recebeu – cfr. documento n.º 9 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25)Posteriormente, o réu foi convocado para comparecer em exame médico no dia 9 de agosto de – cfr. documento n.º 10 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

26)Da aludida comissão de verificação resultou, em 09 de agosto de 2023, a subsistência da incapacidade temporária do réu para o trabalho.

27)A autora “retirou” o réu da Segurança Social no dia 28 de junho de 2023.

28)O réu não gozou férias no ano de 2023.

29)Nem recebeu subsídio de férias.

30)O réu nunca teve quaisquer formações promovidas pela autora.

Factos não provados:

1) No telefonema referido em 9) dos factos provados, o réu comunicou ao gerente da autora que não ia trabalhar mais, que não contasse mais com ele, conversa telefónica que também foi ouvida pelo trabalhador FF, dado que o telemóvel estava em alta voz.

2) A Autora apenas tinha dois funcionários, a saber: o Réu e FF;

3) Nessa semana, o gerente da Autora, para manter o estabelecimento aberto, não se ausentou do mesmo, tendo perdido a oportunidade de realizar vários negócios de compra e venda de sucata.

4) A compra de sucata /maquinaria referida em 14) dos factos provados iria proporcionar à autora um ganho de 6.000,00.

5) Serviço esse que não se realizou, devido à demissão do Réu.

6) O que causou à Autora o prejuízo de 6.000,00 € (seis mil euros).

 “Fundamentação da decisão de fato:

(…)”.

*

*

b) - Discussão

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

(…).

Assim sendo, foi feita prova bastante desta matéria e, por isso, adita-se à matéria de facto provada o seguinte:

31 - Em 14 de agosto de 2023 o Réu declarou o início de atividade como trabalhador independente no ramo da sucata e não mais trabalhou para a Autora.

                                                           *

(…).

Assim sendo, assiste razão à recorrente e, por isso, o ponto 13 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

13)DD tinha as férias agendadas a partir do dia 30 de junho/2023 até quarta feira da semana seguinte, o que ocorreu.

                                                           *

(…).

Procede, assim, apenas no que respeita ao ponto 13 dos factos provados e ao aditamento do ponto 31 a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão

Se o Réu não cumpriu o aviso prévio da denúncia do contrato.

3ª questão

Se o Réu deve ser condenado na indemnização peticionada pela Autora.

Alega a recorrente que:

- A sentença deveria ter dado como provado que o Réu, apesar de no dia 26 de Junho de 2023 ter enviado à Autora uma carta registada a denunciar o contrato de trabalho, dando cumprimento ao aviso prévio de 60 dias previsto no artigo 400º do Código do Trabalho, a verdade é que não cumpriu o mesmo, tendo acabado por denunciar verbalmente através de chamada telefónica e com efeitos imediatos em 29 de Junho de 2023 o contrato de trabalho e, consequentemente, renunciado ao aviso prévio anteriormente concedido;

- Deveria ter julgado a ação totalmente procedente, dando como provado que o Réu violou o disposto no artigo 400º, nº 1, do Código do Trabalho e, consequentemente, a Autora tinha direito a ser indemnizada nos termos do estabelecido no artigo 401º, nº 1, do Código do Trabalho, conforme peticionado na Petição Inicial e a Reconvenção deduzida pelo Réu/Reconvinte julgada totalmente improcedente.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

Nos termos do artigo 400º do Código do Trabalho, “o trabalhador pode denunciar

o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade”

Prescreve depois o artigo 401.º do Código do Trabalho que “o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo da indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.”

Importa salientar que a indemnização prevista no art.º 401.º do CT opera automaticamente, pelo facto de ter sido omitido, total ou parcialmente o aviso prévio, ou seja sem necessidade de alegação e prova de eventuais prejuízos que a falta de cumprimento de tal aviso possa causar ao empregador, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar, o que no caso não alegado.

Ora, no caso dos autos, o réu comunicou a cessação do contrato de trabalho em 26 de junho de 2023, pelo que estaria obrigado a trabalhar até ao dia 25 de agosto (conforme aliás pacificamente admitido pelas partes).

Sucede que a partir do dia 29 de junho o réu não mais se apresentou ao serviço da ré. Mas será que tal significa que tenha incumprido o aviso prévio?

Adiantando desde já conclusões, entendo que não.

Na verdade, e conforme resulta da matéria de fato considerada provada, o réu justificou a sua ausência ao serviço, entregando à ré, primeiro, a auto declaração de fls. 37 e depois os certificados de incapacidade para o trabalho de fls. 9, 35 e 36. E assim sendo, terá de se considerar que as faltas ao serviço por parte do réu se mostram justificadas. Acresce que, conforme se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 26.03.2012, disponível em www.dgsi.pt, “concedida baixa médica por doença ao trabalhador durante o cumprimento do prazo de aviso prévio, não se suspende a contagem deste, pois ainda estamos no domínio do cumprimento do contrato de trabalho”, pelo que, independentemente da baixa médica do autor, o prazo de aviso prévio que começou a correr com a resolução do contrato de trabalho em 26 de junho, continuou ininterruptamente a correr até final.

Conclui-se por isso que o réu não incumpriu o prazo de aviso prévio a que estava obrigado ao denunciar o contrato de trabalho, pelo que não se mostra obrigado a indemnizar a autora nos termos do 401º, n.º 1 do Código do Trabalho, improcedendo o pedido a este respeito deduzido – o que se decidirá.

Improcedente será também o pedido de condenação formulado a respeito dos danos causados pela perda do negócio alegadamente provocada pela ausência do trabalhador. Na verdade, mostrando-se a ausência do trabalhador justificada (como se mostra), a mesma não o pode fazer incorrer em qualquer responsabilidade.

De qualquer forma, sempre se dirá que a autora não logrou fazer prova do dano alegado.

Ora, antes de mais, para obter vencimento na presente ação, a autora teria de provar a existência desse dano.

É o que decorre do funcionamento das regras do ónus da prova, uma vez que, de acordo com o critério geral do artigo 342º do Código Civil, a prova cabe àquele que dela carece para que o seu direito seja reconhecido, cabendo nos termos dos n.º s 2 e 3 do mesmo artigo, àquele que invoca um direito a prova dos factos constitutivos do direito alegado e competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado àquele contra quem a invocação é feita.      

Neste sentido, defendeu o acórdão do STJ de 06.05.1998 (in, CLJ, ano 98, tomo II, pág. 79) que “incumbe à parte o ónus da prova relativamente aos factos cuja subsunção a uma norma jurídica lhe propicia uma situação favorável”, para logo concluir que “cada uma das partes tem o ónus da alegação e da prova relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis, dos factos que constituem pressupostos das normas que lhes são favoráveis”.

Significa isto, em suma, que é à luz do direito substantivo aplicável que se há-de proceder à repartição do ónus da prova entre as partes, por ser esse direito que, afinal, em cada caso, nos permite determinar quais os factos constitutivos, impeditivos ou extintivos dos direitos alegados.

A repartição do ónus da prova entre as partes tem, assim, de processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas. 

Nesta ordem de ideias (e de acordo com a Teoria da Norma de Rosenberg) ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressupostos ao efeito jurídico por ele pretendido, incumbindo ao réu, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico pretendido pelo autor, por ele (réu) invocada – Cfr., neste sentido, Antunes Varela in, RLJ, ano 117, pág. 30.

Ou por outras palavras: “cada uma das partes terá de alegar e provar, sobre o terreno da situação concreta em exame, os pressupostos da norma que lhe é favorável” - Cfr., Antunes Varela, ob. cit., pág. 31.

Daqui resulta, em última instância que “é à luz das normas do direito civil em que o autor funda a sua pretensão que devem ser determinados os pressupostos de facto cuja verificação lhe incumbe, não só alegar, mas provar também, no caso concreto por ele trazido a juízo” - Cfr., Antunes Varela, ob. cit., pág. 31.

Ora, a verdade é que de acordo com a repartição do ónus da prova, o autor não provou, tal como lhe competia, os factos que alegou, no que respeita ao referido dano.

Na verdade, conforme supra referido, não logrou a autora provar que a ausência do trabalhador a tenha impedido de realizar qualquer negócio. Isto porque a autora podia simplesmente ter fechado o armazém ou contratado alguém para lá ficar, sendo certo que não resultou também provado que a autora conseguisse vender o material em causa, quando e por que valor.

E assim sendo, não resta senão concluir pela improcedência total da ação e pela absolvição do réu dos pedidos – o que se decidirá.         

Apreciando:

Lida a matéria de facto facilmente se conclui que não resulta da mesma o incumprimento do aviso prévio por parte do Réu, posto que, ao contrário do alegado pela recorrente, não se provou que o Réu denunciou verbalmente o contrato após o envio da carta de denúncia do mesmo com aviso prévio.

No entanto, por força da reapreciação da matéria de facto, foi aditado o ponto 31 à matéria de facto provada com o seguinte teor:

31. Em 14/08/2023, o Réu declarou o início de atividade como trabalhador independente no ramo da sucata e não mais trabalhou para a Autora.

E, como se extrai da mesma matéria, no dia 26/06/2023, o Réu enviou à Autora uma carta a denunciar o contrato de trabalho com aviso prévio de 60 dias, sendo o último dia de trabalho o dia 25/08/2023.

Acresce que, a incapacidade para o trabalho do Réu foi prorrogada até 12/08/2023.

Assim sendo, e sem mais, estes factos implicariam a conclusão no sentido de que, desde 14/08 até 25/08/2023, o Réu não compareceu injustificadamente ao serviço.

Acontece que, como também resultou provado, a Autora “retirou” o Réu da segurança social no dia 28/06/2023, ou seja, comunicou o fim do vínculo do trabalhador e como motivo a denúncia do contrato, demissão por iniciativa do trabalhado (Documento de fls. 44).

Desta forma, é nosso entendimento que não era exigível ao trabalhador que se apresentasse ao serviço no dia 14/08/2023, na medida em que a Autora já havia aceitado e comunicado o fim do vínculo do Réu.    

Assim sendo, impõe-se concluir que, ao contrário do alegado pela recorrente, o Réu não violou o disposto no n.º 1 do artigo 400.º do CT e, consequentemente, a Autora não tem direito a ser indemnizada nos termos previstos no n.º 1 do artigo 401.º do mesmo Código, tal como consta da sentença recorrida.

Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente.

4ª questão

Se o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente.

Como já referimos, a Autora recorrente alega que:

- A sentença deveria ter julgado a ação totalmente procedente e a Reconvenção deduzida pelo Réu/Reconvinte totalmente improcedente.

Pois bem, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

iii) do vencimento, férias, subsidio de férias e proporcionais dos subsídios de férias e natal reclamados: 

Na reconvenção que deduziu, pediu o réu reconvinte a condenação da autora no pagamento das seguintes quantias:

a. Vencimento de junho de 2023, acrescido de subsidio de alimentação, proporcionais de subsidio de férias e de natal;

b. Férias não gozadas;

c. subsídio de férias (parte);

c. Proporcionais subsídios de férias

d. Proporcionais Subsídio de Natal

e. proporcionais férias ano da cessação

f. formação profissional em falta;

Vejamos:

De acordo com o disposto no artigo 127.º, n.º 1/b) do Código do Trabalho, a primeira e elementar obrigação da entidade empregadora é o pagamento pontual da retribuição devida ao trabalhador e o artigo 277.º do mesmo código dispõe que a retribuição deve ser satisfeita no lugar onde o trabalhador presta a sua atividade, salvo se outro for o acordado.

Note-se que, numa ação, como esta, em que se pretende ver reconhecidos créditos salariais, cabe ao trabalhador alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), ou seja, a celebração e vigência do contrato de trabalho e a prestação de trabalho em determinado período (ou a sua suspensão sem perda de retribuição) relativamente ao qual formula o seu pedido de pagamento destes créditos. Já o cumprimento da obrigação (pagamento das retribuições, subsídios, etc.) como facto extintivo dos direitos que o trabalhador pretende fazer valer, compete ao empregador (cfr. os artigos 762º e seguintes do Código Civil).

E os artigos 237.º e 238º do Código do Trabalho estabelecem que o trabalhador tem direito a um período de férias retribuídas em cada ano civil e que o direito a férias se adquire com a celebração do contrato de trabalho e vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano civil e no ano da contratação civil, o trabalhador tem direito, após seis meses completos de execução do contrato, a gozar dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até ao máximo de 20 dias úteis.

Já quanto ao subsidio de Natal, o artigo 270.º do Código do Trabalho dispõe que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano e que o valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil no ano da admissão do trabalhador, no ano da cessação do contrato de trabalho e, em caso de suspensão do contrato de trabalho, salvo se por facto respeitante ao empregador.

Por seu turno, o artigo 264.º do Código do Trabalho, estabelece que a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo e, para além desta, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.

Por fim, e quanto ao crédito de formação, prevê o artigo 127.º do Código do Trabalho, como dever do empregador, que este deve “contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação”.

Já o artigo 131º, n.º 2 do mesmo Código prescreve que “o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano”.

Mais prevê o artigo 132º, sob a epigrafe, “crédito de horas e subsídio para formação contínua”, nos seus n.º 1 e 2, que:

“1 - As horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.

2 - O crédito de horas para formação é referido ao período normal de trabalho, confere direito a retribuição e conta como tempo de serviço efectivo.(…)”

Por fim, dispõe o artigo 134º do Código do trabalho que “cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”. 

Assim sendo, e considerando a matéria de fato considerada provada, terá o réu reconvinte direito às seguintes quantias:

a. Vencimento de junho de 2023: €760, acrescido de 104€ de subsidio de alimentação, de 63,33€ de proporcionais do subsidio de férias e de 63,33€ de proporcionais do subsidio de natal, o que tudo perfaz a quantia de 927,32€;

b. férias não gozadas do ano de 2023 760€;

c. subsídio de férias vencido em 01.01.2023, ainda não pago, no valor de 379,98€ (63,33€ x 5);

c. Proporcionais subsídios de férias do ano da cessação 316,65€ (63,33€ x 5);

d. Proporcionais Subsídio de Natal do ano da cessação 316,65€ (63,33€ x 5);

e. proporcionais férias ano da cessação 379,98€ (63€,33 x 6);

f. formação profissional em falta 306,60€ (4,38€ x 70 horas);

O que tudo perfaz a quantia global de 3.387,18€.

Consequentemente, impõe-se, na procedência parcial do pedido reconvencional deduzido, condenar a autora reconvinda ré no pagamento da referida quantia de 3.387,18€ – o que se decidirá.”

Ora, como já ficou dito, a Autora recorrente apenas alega que a reconvenção devia ter sido julgada improcedente, no entanto, não invoca qualquer fundamento para tal pretensão.

Assim sendo, mostrando-se a decisão desta questão conforme com a matéria de facto provada e com as normas jurídicas aplicáveis, nada mais cumpre dizer, impondo-se a manutenção da sentença decorrida também quanto ao pedido reconvencional deduzido pelo Réu.

*

Improcedem, assim, as conclusões formuladas pela Autora recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.

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*                                                       

IV – Sumário[2]

(…).

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                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                                                             *

                                                             *

Custas, a cargo da Autora recorrente.

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                                                                                            Coimbra, 2024/04/19

                                                                                                                                                           ______________________

                                                                                             (Paula Maria Roberto)

                                                                                       _____________________

                                                                                       (Mário Rodrigues da Silva)

              ____________________                                                                                                                                           

                     (Felizardo Paiva)

                                                                                                                                                                                                                                                                 

 





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
   Felizardo Paiva

[2] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.