Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
731/20.9T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: VENDA DE BENS ALHEIOS
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 286.º; 289.º; 892.º A 895.º E 897.º A 899.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 5.º, 3; 607.º, 4 E 5; 608.º, 2; 615.º, 1, D) E 665.º, DO CPC
Sumário: I - A obrigação a que se reporta o n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil não prevê a verificação de um facto ilícito, nem deve ser tratada como se de uma obrigação de indemnização se tratasse, e nem tão pouco se exige qualquer prova de um dano, mas encontra o seu fundamento último na reconstituição de um equilíbrio contratual entre as partes, que foi perturbado pela invalidade do contrato de compra e venda.

II - Uma vez que foi declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado e por se tratar de venda de bem alheio, o vendedor fica constituído na obrigação de pagar ao Autor (prejudicado com a venda do bem de que era proprietário) um valor correspondente ao preço do valor da coisa vendida.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra     

    Proc.º n.º 731/20.9T8MGR.C1

    1. Relatório

1.1.- AA, casado, NIF ...83, residente em Rua ... , ... ..., vem interpor contra BB, NIF. ...58, residente em R. ..., ..., ..., ... ...; e F..., S.A., NIPC. ...65, com sede na Rua ..., ... – Apartado ...7, ... ..., a presente ação de condenação, em processo comum de declaração.

Alega para tanto, e em apertada síntese que é dono e legítimo proprietário do prédio composto de pinhal e mato, sito em fonte ..., freguesia e concelho ..., com a área de 7.945 m2, a confrontar do norte com CC, do sul com DD, do nascente com EE e do poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...35.

Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09... freguesia ..., com registo de aquisição a favor do A., pela Ap. ...0, de 08/04/2002 e compunha-se de pinheiros-bravos e mato, tendo as árvores, na sua maioria, sido plantados muitos anos antes da aquisição levada a efeito pelo A., tendo muitos deles mais de 50 anos.

Durante os meses de Setembro e Outubro de 2016, a 2.ª R., “F..., S.A.”, procedeu ao corte de todos os pinheiros que se encontravam no prédio. Logo após o abate, aquela R. transformou os pinheiros em toros que transportou em veículos próprios para o efeito, em várias cargas, para local que se desconhece.

Desde a sua plantação, alega, nenhum daqueles pinheiros tinha sido cortado ou resinado anteriormente. Na sua maioria, tinham mais de 50 anos, e à data do corte, o prédio tinha cerca de 230 pinheiros, sendo que cerca de 103 pinheiros apresentavam diâmetros entre os 45 e 55 cm; cerca de 60 pinheiros apresentavam o diâmetro de 30 a 45 cm; e cerca de 97 pinheiros apresentavam o diâmetro de 15 a 20 cm.

Os pinheiros de maior diâmetro teriam uma altura média estimada de 15 metros; os pinheiros de diâmetro superior a 30 cm teriam um peso global de cerca de 225 toneladas.

Na altura do corte, o preço do pinheiro bravo, em pé, com aquelas características, era de € 40,00 a tonelada.

Os pinheiros de menor diâmetro pesariam um total de cerca de 18 toneladas, e era vendida, em pé, a € 20,00 a tonelada. Donde, o valor das árvores cortadas ascendia a € 9.360,00, sendo que, ao conseguiu apurar, a 2ª R. teria comprado os pinheiros ao 1º R., BB, que se terá arrogado proprietário do terreno ou, pelo menos, proprietário dos pinheiros.

Sustenta que o 1º R. bem sabia que os pinheiros não lhe pertenciam, nem possuía qualquer autorização do seu proprietário para proceder à sua venda.

Os factos descritos, praticados pelos RR., revelam um ato ilícito e culposo que causou prejuízos materiais e morais ao proprietário, ora A., pelos quais o deverão indemnizar com base na responsabilidade civil por atos ilícitos.

Caso assim não se entenda, certo é que os RR. sempre terão ficado enriquecidos no seu património com o valor dos pinheiros, que arrecadaram sem qualquer causa justificativa pelo que sempre deverão devolver ao proprietário aquilo com que, injustamente, se locupletaram ou, no caso dos autos, com o valor correspondente, já que a restituição em espécie se tornou impossível pelo que, a título subsidiário, i.e., apenas no caso de se entender não haver outro meio de o A. ser indemnizado (designadamente através da responsabilidade civil por actos ilícitos), deverão os RR. restituir-lhe tudo aquilo com que, à sua custa e sem qualquer causa justificativa, se locupletaram, ou com o valor correspondente, já que a restituição em espécie se tornou impossível.

Conclui deverem ser os RR condenados no pagamento de indemnização que cifra em 14.680,00, acrescida tal quantia de juros vencidos e nos, entretanto vencidos e vincendos.

Juntou documentos e arrolou testemunhas

                                                           ***

1.2. - Regularmente citados vieram os RR aos autos apresentar contestação.

A Ré F..., S.A, numa primeira linha de defesa, pugna pela prescrição do direito pretendido fazer valer, na justa medida em que a petição inicial deu entrada em juízo no dia 17 de dezembro de 2017 e apenas foi interpelada pelo Ilustre Mandatário do Autor em final de outubro de 2020, onde este lhe endereçou uma missiva, à qual prontamente respondeu no início de novembro de 2020.

No mais, refere que efetivamente a indicação de um “vedor” seu chegou ás falas com o 1.º R, BB que se arrogou proprietário do pinhal em apreço nos autos.

Celebrou o negocio, pagou o preço ajustado e fez sua efetivamente a madeira adquirida. No dia 6 de setembro transportou no seu veículo, madeira de pinho com casca, do prédio na fonte ..., com um peso líquido de 32640 Toneladas e no dia 8 de setembro a Ré transportou no seu veículo, madeira de pinho com casca, do prédio na fonte ..., com um peso líquido de 23220 toneladas.

A lenha que retirou do pinhal vendeu-a à sociedade M..., Lda., tendo a mesma um peso líquido de 22100 Toneladas. Refere que tinha a perspetiva de retirar daquele pinhal 100 toneladas de pinho, apenas conseguiu 88 480 Toneladas, tendo retirado ainda lenha com um peso de 22100 Toneladas.

Após o corte, procedeu ao pagamento a BB do valor acordado, tendo este emitido o recibo de quitação, conforme documento que se junta e se dá por integralmente reproduzido. Refere que Ré esteve no pinhal durante 3 dias a cortar a madeira e não foi abordada por ninguém, convicta que estava a realizar negócio com o legitimo proprietário.

Alega a sua boa-fé na celebração do negócio e impugna os valores indicados pelo Autor na petição inicial.

Juntou documentos e arrolou testemunhas.

O Réu BB reconhece que o A. seja o dono do prédio identificado na pi, impugnando, por mero desconhecimento a demais factualidade vertida naquela peça processual.

No mais refere que a venda do pinhal se deveu a um putativo acerto de contas com FF, sogra do A. concluindo pela improcedência, quanto a si da ação.

Juntou documentos e arrolou testemunhas.

                                                                       ***

1.3. - Foi prescindida a realização de audiência prévia, elaborada a definição do objeto do litígio, e definidos os temas de prova.

Foram admitidos os róis de testemunhas apresentados, os documentos juntos, admitidos o depoimento de parte o depoimento de parte do 1.º R. BB e do gerente da 2.ª R. GG a Temas de Prova B.) e C.), como requerido e admitidas as declarações de parte do gerente da 2.ª R. GG a Temas de Prova B.).

Foi remetido para conhecimento final a matéria de exceção aduzida pela 2.ª Ré.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após foi proferida sentença, onde se decidiu:

A)- Julga a acção procedente por provada e em consequência:

- declara nulo o contrato celebrado entre 1.º R e 2.ª R, condenando o 1.º R a devolver à 2.ª R a quantia de €2.500,00 recebida desta.

- condena o 1.º R a indemnizar o A. na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença atinente ao montante em que importavam os pinheiros existentes no prédio deste.

- custas pelo 1.º R – art. 527.º do CPC.

Notifique e registe.

                                                           ***

1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. - AA -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“A)- O recorrente interpôs acção contra os recorridos BB e F..., a fim de ser ressarcido dos prejuízos sofridos com o corte dos pinheiros existentes em terreno seu, que aquele vendeu a esta, sem que para tal tivesse qualquer autorização.

B)- O recorrente pede indemnização correspondente ao valor dos pinheiros de que se viu sonegado, bem como dos custos a ter com a reflorestação do terreno.

C)- A douta sentença pronuncia-se quanto ao valor dos pinheiros, mas é omissa quanto aos custos com a reflorestação.

D)- Assim, a sentença padece do vício de omissão de pronúncia, sendo fundamento de nulidade – artº 615º, nº 1 – al. d) CPC..

E)- Quanto ao apuramento do valor dos pinheiros, a sentença relegou-o para posterior liquidação de sentença, sendo que dos autos constam elementos suficientes para determinação de tal valor.

F)- De facto, foi realizada peritagem com o objectivo de determinar aqueles dois itens: valor dos pinheiros e custo da reflorestação.

G)- Da peritagem e depoimento prestado em audiência pela perita, resultou que os custos com a reflorestação foram calculados em € 1.134,55.

H)- Por outro lado, da peritagem resultou que o valor mínimo dos pinheiros era de € 5.500,00.

I)- Em face do exposto, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, alterando-se o teor dos nºs 10 e 11 de tal matéria, e aditando-se um novo número (o 33), os quais deverão ter a seguinte redacção:

10. À data do corte, o prédio tinha pelo menos 202 pinheiros, com os seguintes diâmetros: Diâmetro (cm)                                                Número

           15                                                                   26

            20                                                                   28

            25                                                                   40

           30                                                                    30

           35                                                                    28

           40                                                                    17

           45                                                                     20

           50                                                                       8

            55                                                                      2

         > 60                                                                       3

11. O valor das árvores cortadas ascendia, pelo menos, à quantia de € 5.550,00.

33. O custo com a replantação do pinhal com pinheiro-bravo, incluindo a aquisição das plantas, bem com todos os trabalhos necessários, nomeadamente limpeza e arroteamento do terreno, importará no valor de € 1.134,55.

J)-  Só deveria ser relegado para execução de sentença o apuramento do quantum da indemnização se, face ao juízo que, perante as circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade futura da determinação de tal valor.

K)- No caso, tendo havido peritagem, e atendendo à crescente deterioração dos vestígios, futuramente o apuramento do número de pinheiros e suas características será cada vez mais difícil, pelo que a execução de sentença não alcançará resultados mais objectivos e fiáveis do que os que já constam do processo.

L)- Deverá, pois, ser lançada mão da equidade, fixando-se o valor dos pinheiros tendo como referência o montante mínimo de € 5.500,00, devendo o valor definitivo ser determinado por esse Venerando Tribunal, no acórdão a proferir, nos termos do disposto na al. c) do nº 2 do artº 662º CPC.

            M- A sentença decidiu pela nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os RR., referindo ser o mesmo ineficaz perante o A., proprietário dos bens.

N)- No entanto, não retira daí as devidas ilações, determinando dever o vendedor reembolsar o comprador do valor por este despendido (€ 2.500,00), que tem como consequência que a compradora fique com a madeira e ainda recebe o preço que pagou (!).

O)- À compradora (F...) competiria restabelecer a situação anterior à aquisição, o que é impossível.

P)- Não o podendo fazer, não pode ela simplesmente não ser responsável pelo valor de que resulta o seu enriquecimento, pois que adquiriu por € 2.500,00 aquilo que vale, no mínimo, € 5.500,00, sob pena de enriquecimento sem causa.

Q)- Consequentemente, devem os RR. ser condenados solidariamente a pagar ao A. a quantia que se vier a determinar quanto ao valor dos pinheiros, no mínimo de € 5.500,00.

R)- Mais deve o R. BB ser condenado a pagar ao A. a quantia de € 1.134,55, relativo às despesas de replantação do terreno.

S)- Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, entre outras, as disposições contidas no artº 615º, nº 1 – al. d) CPC; e artºs 566º, nº 3; 473; 894º e 483º, todos do C. Civil.

TERMOS em que, sem prescindir do douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser a douta sentença substituída por acórdão que decida:

- a) que a replantação do pinhal tem o custo de € 1.134,55, condenando-se o R. BB a pagar tal valor ao A.;

- b) fixar-se o valor dos pinheiros por critérios de equidade, a determinar por esse Venerando Tribunal [al. c) do nº 2 do artº 662º CPC], tendo como referência o montante mínimo de € 5.500,00, condenando-se os RR. solidariamente a pagarem ao A. a importância que vier a ser determinada, a este título.

Assim se fará a costumada

JUSTIÇA!”

                                                                       ***

1.5. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., não houve resposta.

                                                                       ***

1.6. – Em 5/11/2023, foi proferido a tomar posição sobre a nulidade invocada do seguinte teor:

“ Invocação de nulidade: Regista-se apenas a divergência [ saudável ] de opiniões em torno da sentença prolatada. O Tribunal limitou-se a julgar dentro dos limites que a prova oferecida o foi.

No mais, trata-se apenas de divergência de tratamento e abordagem jurídica do funda da causa a ser dirimido em sede de instância recursiva.

Lateralmente sempre se dirá que estando o Autor a milhares de quilómetros dos pinheiros cortados, não logrou minimamente provar qualquer angústia ou desespero ou qualquer outro líquido estado de alma, que não apenas isso. Em causa apenas e só na ação o corte dos pinheiros, que seriam sempre para cortar, posto que ninguém planta um pinhal para o observar, julgamos…

Notifique.

                                                                       ***

1.7. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Por não se conformar com a Sentença proferida nos autos, dela veio o Autor interpor recurso, invocando, inter alia, a sua nulidade por omissão de pronúncia, de acordo com o disposto no art.º 615.º, n.º1, al. d), do Código de Processo Civil.

A apreciação da nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 617.º, n.º1, e 641.º, n.º1, do Código de Processo Civil, encontra-se vertida no despacho que antecede sob Referência Citius 104781622.

*

Porque tempestivo, tendo sido paga a respectiva taxa de justiça, e interposto de decisão impugnável, por quem tem interesse e legitimidade em recorrer, admite-se o presente recurso, o qual é de apelação, sobe nos próprios autos, e tem efeito meramente devolutivo [art.os 627.º, n.º1, 629º, n.º1, 631.º, n.º1, 637.º, n.os 1 e 2, 638.º, n.os 1 e 7, 639.º, n.os 1 e 2, 644.º, n.º1, al. a), 645º, n.º1, al. a), 647.º, n.º1, do Código de Processo Civil].

Notifique.

                                                                       ***

1.9. – Em 3/1/2024, foi proferido despacho do seguinte teor:

“ Atendendo que se nos afigura poder vir a ser declarada nula a sentença recorrida, por violação da al.ª d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C., omissão de pronúncia, e dado o principio da substituição do Tribunal recorrido, notifique as partes nos termos e efeitos do n.º 3, do art.º 665.º, do C.P.C.”

                                                                       ***

1.10. Feitas as notificações a que alude o despacho referido em 1.9., apenas a R. F..., SA, respondeu referindo, que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, por omissão de pronúncia e que, tendo em conta a matéria dada como provada em sede de primeira instância, jamais poderá ser condenada, pelo que, o pedido efetuado pela Autora na sua petição inicial, em relação à ora Ré, não poderá proceder.

1.11.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                                       ***

2. Fundamentação.

Após a prova a que se produziu, considerando o thema decidendum, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

1. O A. é proprietário do seguinte prédio: Pinhal e mato, sito em fonte ..., freguesia e concelho ..., com a área de 7.945 m2, a confrontar do norte com CC, do sul com DD, do nascente com EE e do poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...35.

2. Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09... freguesia ..., com registo de aquisição a favor do A., pela Ap. ...0, de 08/04/2002.

3. Desde a aquisição do prédio, ocorrida em 06/03/2002, que o A. vinha cuidando do mesmo, desbastando-o, limpando-o, nomeadamente cortando o mato, e replantando alguns pinheiros.

4. O que sempre fez de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem qualquer contestação, e na convicção do exercício de um direito próprio, não lesando quaisquer direitos de terceiros, o mesmo ocorrendo com os sucessivos antepossuidores, durante 20, 30 ou mais anos.

5. O identificado prédio compunha-se de pinheiros-bravos e mato, tendo as árvores, na sua maioria, sido plantados muitos anos antes da aquisição levada a efeito pelo A., tendo muitos deles mais de 50 anos.

6. Durante os meses de Setembro e Outubro de 2016, a 2ª R., “F..., S.A.”, procedeu ao corte de pinheiros que se encontravam no prédio.

7. Logo após o abate, a R. “F..., S.A.”, transformou os pinheiros em toros que transportou em veículos próprios para o efeito, em várias cargas, para local que se desconhece.

8. Desde a sua plantação, nenhum daqueles pinheiros tinha sido cortado ou resinado anteriormente.

9. Na sua maioria, tinham mais de 50 anos.

10. À data do corte, o prédio tinha pinheiros em quantidade, diâmetros e alturas não concretamente determinadas. (redação dada pela 1.ª instância).

- À data do corte, o prédio tinha pelo menos 202 pinheiros, com os seguintes diâmetros: Diâmetro (cm)                                                Número

           15                                                                   26

            20                                                                   28

            25                                                                   40

           30                                                                    30

           35                                                                    28

           40                                                                    17

           45                                                                     20

           50                                                                       8

            55                                                                      2

         > 60                                                                       3

 Redação dada por este Tribunal.

11. O valor das árvores cortadas ascendia a quantia não concretamente apurada (redação dada em 1.ª instância)

As árvores cortadas ascendeu a 84.480 toneladas de madeira e 22.100 toneladas de lenha.

Redação dada por este Tribunal

12. A R. “F..., S.A.”, adquiriu os pinheiros ao 1º R., BB, que se arrogou proprietário do terreno ou, pelo menos, proprietário dos pinheiros.

13. O 1º R. bem sabia que os pinheiros não lhe pertenciam, nem possuía qualquer autorização do seu proprietário para proceder à sua venda.

14. No local, toda a gente sabe que o pinhal pertence ao A.

15. O A. nada pôde fazer para evitar o corte dos pinheiros, dado o facto de ser emigrante em ..., pelo que só veio a saber do corte no verão do ano seguinte, ou seja, em Agosto de 2017, quando voltou a Portugal, de férias.

16. O 1º R. tinha perfeito conhecimento de que o A. é emigrante em ..., tendo aproveitado a sua ausência para perpetrar o “negócio”.

17. Nenhum dos RR. realizou qualquer negócio com o A. que lhes permitisse proceder ao corte das árvores.

18. Nem tinham qualquer autorização do mesmo para o fazer.

19. Quando o A. veio a Portugal em Agosto de 2017, apresentou denúncia por tais factos, por estar em causa a eventual prática de crime, tendo dado origem ao Processo de Inquérito nº 614/17...., que correu termos nos Serviços do M. P. da ....

20. Em tal processo, o 1º R. foi constituído arguido.

21. Foi o processo arquivado, por despacho de 25/06/2020, notificado ao A. em 07/07.

22. A 2.ª Ré permanentemente adquire madeira para o exercício da sua atividade comercial.

23. Ao longo dos anos a Ré tem pessoas que a vão contactar para a venda de madeira, entre eles o senhor HH.

24. HH informou a Ré que BB tinha um pinhal para vender na freguesia ... – ... – ....

25. BB deslocou-se ao prédio com HH, e identificou o mesmo, bem como as extremas do prédio em causa.

26. Posteriormente um funcionário da Ré deslocou-se ao prédio, na companhia de HH, para avaliar o pinhal e propor um preço para aquisição do mesmo, caso lhe interessasse.

27. A Ré fez uma estimativa no local de retirar dali previsivelmente cerca 130 pinheiros, e nessa mesma estimativa previu que poderia vir a retirar cerca de 100 toneladas de pinho.

28. Nessa sequência, e tendo por base a estimativa realizada, e o valor de € 30,00/tonelada, a Ré propôs a HH adquirir o pinhal, pelo valor de € 2 500,00, pois seria o valor justo para aquele negócio.

29. Tendo entregue essa estimativa e proposta a HH para depois este abordar novamente o referido BB.

30. Após falar com BB, HH informou a Ré que aquele tinha aceite a proposta.

31. Nessa sequência a Ré elaborou, em 29 de agosto de 2016 um documento denominado “Acordo Prévio para Emissão de Fatura n.º 2” entre ela e BB, com os termos do negócio

32. Que posteriormente entregou a HH para recolher a assinatura de BB, o que fez.

                33. O custo com a replantação do pinhal com pinheiro-bravo, incluindo a aquisição das plantas, bem com todos os trabalhos necessários, nomeadamente limpeza e arroteamento do terreno, importará em valor não apurado mas não superior a € 1.134,55.

            Matéria aditada por este Tribunal.

            34. O valor da tonelada da madeira era no mínimo de 30,00€ tonelada, sendo o valor da tonelada de lenha de 12,00€ tonelada.

            Matéria aditada por este Tribunal.

2.2. Factos não provados

Todos os demais constantes dos articulados não mencionados na resposta dada supra.

                                                           ***

3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia, violando, assim, a alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

B)- Saber se a matéria de facto fixada na sentença recorrida deve ser alterada.

C)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida:

- a) que a replantação do pinhal tem o custo de € 1.134,55, condenando-se o R. BB a pagar tal valor ao A.;

- b) fixar-se o valor dos pinheiros por critérios de equidade, a determinar por esse Venerando Tribunal [al. c) do nº 2 do artº 662º CPC], tendo como referência o montante mínimo de € 5.500,00, condenando-se os RR. solidariamente a pagarem ao A. a importância que vier a ser determinada, a este título.

Tendo presente que são três as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

Assim,

A)- Saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia, violando, assim, a alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Segundo o recorrente a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia, desde logo, por não se ter pronunciado sobre a questão da indemnização correspondente ao valor dos pinheiros de que se viu sonegado, bem como dos custos a ter com a reflorestação do terreno.

O Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a nulidade referindo não se verificar a mesma, pelas razões aludidas no ponto 1.6.

Apreciando.

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:

1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz, que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, que no caso em apreço não é invocada pela recorrente.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, questão não invocada pela recorrente.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia.

Nulidade invocada pelo recorrente.

Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Operando à leitura da decisão temos para nós, verificar-se tal nulidade, no tocante à falta de pronuncia, quanto ao pedido dos custos a ter com a reflorestação do terreno, e apenas quanto a este, já não quanto à não pronuncia da indemnização correspondente ao valor dos pinheiros de que se viu sonegado, na medida em que, quanto a este pedido relegou para execução de sentença, onde refere “condeno o 1.º R a indemnizar o A. na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença atinente ao montante em que importavam os pinheiros existentes no prédio deste”.

Assim, pelo exposto há omissão de pronúncia, apenas e tão só, quanto ao pedido formulado pelo A., aqui recorrente, referente à reflorestação do terreno.

                                                            

5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, questão não levantada pelo recorrente.

                                                           *

Este Tribunal, face à verificação da nulidade da sentença, por omissão de pronuncia, como supra referido, e, tendo presente ao principio da substituição do tribunal recorrido, irá proferir acórdão, face ao preceituado no art.º 665.º, do C.P.C.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           **

B)- Saber se a matéria de facto fixada na sentença recorrida deve ser alterada.

Segundo o recorrente tendo por base o referido tendo por base o relatório pericial, e o referido, em audiência de discussão e julgamento, pela perita II, os ponto 10 e 11 da matéria prova devem ser alterados.

O ponto 10 deve passar a ter a seguinte redação:

10. À data do corte, o prédio tinha pelo menos 202 pinheiros, com os seguintes diâmetros:

Diâmetro (cm)                                                Número

15                                                                          26

20                                                                           28

25                                                                           40

30                                                                           30

35                                                                           28

40                                                                            17

45                                                                            20

50                                                                               8

55                                                                              2

> 60                                                                            3

Por sua vez, o ponto 11, deve passar a ter a seguinte redação:

11. O valor das árvores cortadas ascendia, pelo menos, à quantia de € 5.550,00.

Refere ainda o recorrente que deve ser aditado um facto provado com o n.º 33, com a seguinte redação:

33. O custo com a replantação do pinhal com pinheiro-bravo, incluindo a aquisição das plantas, bem com todos os trabalhos necessários, nomeadamente limpeza e arroteamento do terreno, importará no valor de € 1.134,55.

                                                           *

Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                           *

Sobre esta matéria escreve-se na sentença recorrida:

2.3.1. Factos provados

No que concerne a estes concerne, teve-se em conta os seguintes elementos:

Pontos 1 a 11 – fatualidade não colocada em causa pelas partes.

Pontos 12 e 13 – decorrente da provada nos pontos 1 a 5, destes sendo o reverso.

Ponto 14 a 18 – reverso do provado nos pontos 1 a 5.

Pontos 19 a 21 – documentos juntos a fls. 38 a 40.

Pontos 22 a 32 - admitido o negócio celebrado entre 1.º e 2.ª Ré, admitido o corte e a intervenção no negócio do vedor/angariador da 2.º Ré, corroborado pelo depoimento da testemunha HH que referiu que foi sempre com o 1.º Réu, BB que acordou em benefício da 2.ª Ré o corte das árvores.

Referiu esta testemunha que BB se arrogou proprietário do prédio e, por conseguinte do arvoredo nele existente. Referiu que este identificou as estremas do prédio e as árvores que seriam objeto de corte. Referiu também que não lhe foi exibido pelo referido BB qualquer documento que titulasse o direito de propriedade sobre o prédio.

2.3.2. Factos não provados

Quanto a estes assim resultaram à mingua de elementos que afirmassem a sua veracidade e consequentemente que outra fosse a resposta dada.

                                                           *

Da audição da prova resulta.

AA, A. nos presentes autos.

Refere viver em ... e que ao ir ao terreno, quando veio de férias, verificou que lhe tinham levado a lenha, referindo-se aos pinheiros. Estes eram grandes até ao meio do terreno, depois eram mais pequenos. A sogra referiu-lhe, antes de corte dos pinheiros, para ter cuidado com o BB, referindo-lhe que este lhe ia roubar os pinheiros. Não recebeu nada do negócio dos pinheiros. O terreno tinha 7.945 m 2

BB, R. nos presentes autos.

Refere que os pinheiros foram vendidos com ordem da FF, sogra do A., com quem vivia maritalmente. Esta referiu-lhe que os pinheiros eram dela. Mas nunca lhe foi mostrado qualquer documento do terreno. Vivei com ela (referindo-se à FF) e sempre lhe disse que os pinheiros eram dela, e que o dinheiro da venda dos pinheiros foi para pagar uma obra. Por a FF lhe referir que os pinheiros eram seus, foi à serração referir que vendia os pinheiros. Só agora soube que o terreno não era da FF. O HH foi ver os pinheiros, tendo-lhe dito que apenas vendia os pinheiros velhos, cujo número seria 16 ou 26.

Mais uma vez referiu que quem mandou cortar os pinheiros foi a FF, dizendo que já não vive com ela há 6 anos. Vendeu os pinheiros por 2.500,00€.

Afirma que esteve sempre com o HH antes do corte.

GG, legal representante da R.

Quem comprou os pinheiros para a R. foi foi o HH, colaborador da R. Afirma que até ao dia de hoje (dia da audiência de discussão e julgamento, nunca lhe tinha acontecido nada disto). O BB vivia ali perto e confiou nele. O preço do pinhal (todo o pinhal) foi 2.500,00€, tendo sido entregue ao BB 1.000,00€, como sinal e após o corte pagaram mais 1.500,00€. O pinhal deu cerca de 100 toneladas de madeira e lenha, a tonelada da madeira era de 30/35 euros e da lenha 12 euros a tonelada A madeira em causa não era de boa qualidade. A empresa deve ter ganho cerca de 1.000,00€. O pinhal deu 22 toneladas de lenha e cerca de 78 toneladas de madeira. Comprou o pinhal que estava dentro dos limites do terreno.

II. Perita.

Refere que o m3 de madeira não é a mesma coisa que uma tonelada. Na ordem de grandeza m3 é menos que uma tonelada. Para fazer um m3 de madeira são necessárias 2 toneladas e tal. A replantação do pinho deve ser feita sem movimentar a terra, para aproveitar os restos como fertilizantes.

Confirma relatório, admitindo erro na área, de pinhal cortado, corrigido por regra de três simples.

No relatório escreve-se: O valor comercial dos pinheiros em pé, à data de setembro/outubro de 2016?

Resposta: Com a dimensão dos pinheiros, nomeadamente o seu diâmetro à altura do peito (DAP), é estimado o volume de madeira a considerar para efeitos do seu valor comercial.

O volume de madeira das arvores cortadas, tendo em conta as suas dimensões é de 178 m3. O Valor comercial destes pinheiros em pé, à data de setembro/outubro de 2016, é de 5550 € (cinco mil quinhentos e cinquenta euros).

3 – Qual o custo de replantação do pinhal com pinheiro bravo, no que se inclui a aquisição das plantas, bem como os trabalhos necessários, nomeadamente o arranque dos cepos, limpeza do terreno e arroteamento do mesmo?

Resposta: O prédio objeto da perícia é um pinhal e mato, sito em fonte ..., freguesia e concelho ..., com área de 7945 m2, a confrontar de norte com CC, do sul com DD, do nascente com EE e do poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ....

Grande sob o artigo ...35, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09/freguesia ....

Da consulta aos ortofotomapas disponíveis para o local, identifica-se a ocupação do solo de pinhal, no ano de 2015 e em 2018 a área já se encontra limpa. A área  correspondente ao pinhal cortado é de cerca de 5000 m2, conforme extrato de ortofotomapa, que se anexa.

Os valores de referência para custos médios de destruição dos cepos incluindo controlo de vegetação espontânea arbustiva densa, com altura média superior a 0,5 m, com vala e combro ou rego de plantação é de 650€/ha.

Os valores de referência para custos médios de plantação, inclui a própria plantação, adubação, retancha e respetivos materiais, com base numa densidade de referência para o pinheiro bravo de 1300 plantas/ha, é de 778€/ha.

Assim, para a preparação do terreno e reposição do potencial produtivo com plantação de pinhal bravo, na área de aproximadamente de 0,5 ha, é necessário despender o valor de 714 € (setecentos e catorze euros)”.

Testemunha JJ.

Refere conhecer o terreno, o mesmo não estava abandonado, o mato era cortado de vez enquanto, e tiravam a resina. Os pinheiros desapareceram, mas não foram vendidos pelo AA que tinha estima pelos pinheiros.

Testemunha KK, colaborador da R.

 Retirou a madeira do pinhal com um camião. A madeira era pesada, tiraram 3 carradas, num total de coisa mais coisa menos 70 toneladas, e tiraram um carregamento de lenha, na ordem das 20/25 toneladas. Sabia as extremas do terreno, por lhe serem referidas.

Testemunha HH, refere prestar serviços para a R.

O BB abordou-o e referiu-lhe se queria comprar o pinhal. Foi vê-lo, fez os cálculos e propôs a compra de todo o pinhal por 2.500,00€. O BB nessa altura não aceitou e passados uns dias disse-lhe que aceitava o preço.

Andaram lá três dias a cortar pinho, por dia cortam coisa mais coisa menos 30 toneladas. Ele vendeu o pinhal todo. Os vizinhos nunca levantaram problemas no corte do pinhal. Estava convencido que o pinhal era do BB. Após o corte ele e a senhora com quem estava apareceu na fábrica e foi-lhe pado o pinhal. O pinhal tinha umas 80 toneladas.

Refere ainda que acompanhou o corte do pinhal, bem como o BB.

Da conjugação do teor dos depoimentos dos declarantes e das testemunhas ouvidas este Tribunal altera a matéria no seguinte sentido.

O facto 10 da matéria provada, tendo por base o referido pela perita e ao teor do relatório pericial junto aos autos, tendo a forma como a mesma explicou a elaboração do mesmo, não resta dúvidas a este Tribunal quer o número de pinheiros, no mínimo cortados, quer a respetiva dimensão, pois a mesma referiu quer a contagem quer o seu diâmetro, como aliás resulta do relatório, explicado pela sr.ª perita.

Redação coloca a negrito e a etálico no respetivo lugar.

O facto 11 da matéria provada, tendo por base o referido pelo legal represente, GG, que de forma muito clara refere que toda a madeira foi pesada, o que foi corroborado, desde logo, pela testemunha KK, o que é espelhado nos documentos com a contestação n.ºs 5, 6 e 7 para a madeira e doc. 8 (talão de pesagem), para a lenha.

Assim, este tribunal altera a redação ao mesmo, colocada a negrito no respetivo lugar. 

Nos termos do art.º 662.º, do C.P.C. este Tribunal adita, a solicitação da recorrente o facto 33, tendo por base o referido no relatório pericial e a sr.ª perita após perguntada, se era possível fazer uma regra de três simples para calcular o valor respondeu afirmativamente, tendo por base o lapso do relatório, facto colocado a negrito e etálico, no respetivo lugar.

Este Tribunal nos termos do mesmo preceito (art.º 662.º, do C.P.C.), por os autos conterem tais elementos, o facto 34 colocado a negrito e a etálico no respetivo lugar, pois o legal representante da R., GG, foi muito claro e convincente sobre o preço da tonelada da madeira e da lenha, convencendo este Tribunal, referindo tonelada de madeira 30/35 euros, não sendo a madeira em causa de muito boa qualidade e tonelada da lenha 12 € tonelada.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           *

C)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida:

- a) que a replantação do pinhal tem o custo de € 1.134,55, condenando-se o R. BB a pagar tal valor ao A.;

- b) fixar-se o valor dos pinheiros por critérios de equidade, a determinar por esse Venerando Tribunal [al. c) do nº 2 do artº 662º CPC], tendo como referência o montante mínimo de € 5.500,00, condenando-se os RR. solidariamente a pagarem ao A. a importância que vier a ser determinada, a este título.

            Apreciando.

            Por uma questão de método apreciaremos em primeiro lugar o ponto b) e após o ponto a).

            Assim, quanto ao ponto b).

Do disposto no artigo 892.º resulta que é nula a venda de bens alheios (venda de coisa alheia como própria) sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa-fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa-fé o comprador doloso.

A venda de bens alheios fica, porém, sujeita ao regime da venda de bens futuros, se as partes os considerarem nesta qualidade (artigo 893.º do Código Civil).

Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa-fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer outra causa (artigo 894.º do Código Civil).

Por sua vez, logo que o vendedor adquira por algum modo a propriedade da coisa ou o direito vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o comprador - convalidação do contrato (artigo 895.º do Código Civil).

Mais, nos casos de boa-fé do comprador, o vendedor é mesmo obrigado a sanar a nulidade da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido - obrigação de convalidação (artigo 897.º n.º 1 do Código Civil).

Acresce que a venda de bens alheios confere a possibilidade de atribuição de uma indemnização pelos danos eventualmente sofridos.

Neste ponto, o nosso legislador estabelece três fundamentos de indemnização, no âmbito dos quais se estabelece um concurso de pretensões, a saber:

i)indemnização por qualquer das partes em caso de dolo;

ii)indemnização pelo vendedor ao comprador de boa fé, com fundamento na garantia da sua legitimidade;

iii)indemnização pelo vendedor ao comprador de boa fé por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato.

Assim, o artigo 898.º do Código Civil fixa o regime para a indemnização em caso de dolo (do comprador ou do vendedor). Se um dos contraentes houver procedido de boa-fé e outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo (indemnização pelo interesse contratual positivo), ou não houvesse sido celebrado (indemnização pelo interesse contratual negativo), conforme venha ou não a ser sanada a nulidade.

O artigo 899.º prescreve o regime legal para a indemnização não havendo dolo nem culpa.

Refere o mencionado preceito legal que o vendedor é obrigado a indemnizar o comprador de boa-fé, ainda que tenha agido sem dolo nem culpa (responsabilidade objectiva do vendedor pelos danos causados ao comprador de boa fé); mas, neste caso, a indemnização compreende apenas os danos emergentes que não resultem das despesas voluptuárias (e já não pelos lucros cessantes).

O nosso legislador consagrou a solução da nulidade da venda de bens alheios.

Esta solução tem como fundamento o considerando lógico de que, sendo a venda um contrato translativo da propriedade, a sua celebração por um não proprietário deveria acarretar a nulidade do negócio.

No entanto, tem sido entendimento da generalidade da doutrina e da jurisprudência que a nulidade da venda de bens alheios tem muito pouco em comum com o regime da nulidade consagrado na parte geral do Código Civil.

Efectivamente, na venda de bens alheios instituiu-se uma categoria de nulidade sujeita a um regime especial, que se afasta das regras gerais, não apenas quanto á legitimidade para a sua arguição (artigo 286.º do Código Civil), mas também quanto ao regime da obrigação de restituição (artigo 289.º do Código Civil).

Quanto à legitimidade para arguir a nulidade da venda de bens alheios, ela é profundamente restringida, uma vez que é proibida a sua invocação pela parte que estiver de má-fé contra a outra de boa-fé, sendo mesmo vedada em qualquer caso ao vendedor a sua invocação sempre que o comprador esteja de boa-fé (artigo 892.º in fine).

Também não parece que esta nulidade possa ser oficiosamente declarada pelo tribunal, uma vez que tal redundaria numa forma de elidir as proibições da sua invocação (neste sentido, vide Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Almedina, p. 102, assim como Pedro Romano Martinez, Obrigações, p. 115).

Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

 Da factualidade provada extrai-se que o R. – BB -, não era, efectivamente, à data do negócio jurídico em causa, proprietário dos pinheiros que vendeu à R., pelo que não tinha legitimidade os mesmos, desde logo, (por não ter poder de disposição sobre a coisa).

Tal nulidade foi invocada pelo Autor.

Deste modo, a alienação efectuada constitui-se, em termos estritamente civis, como uma venda de bem alheio (a non domino), para os termos do artigo 892.º do Código Civil.

Neste sentido, a venda dos pinheiros por parte do R, - BB -, à R, foi declarada nula, pela sentença recorrida e bem.

Vista a questão da venda dos pinheiros entre o R.- BB e a R, passemos a ver a questão relativamente ao A.

Tratando-se de um contrato de contrato de compra e venda nulo, naturalmente que o R. BB, estaria desde logo obrigado a restituir os pinheiros ao A.

 Porém, face à matéria factual apurada, tal restituição já não se afigura possível, pelo que, o mesmo está legalmente obrigado, à luz do disposto no artigo 289.º n.º 1 do Código Civil, e seguindo a jurisprudência fixada no Assento n.º 4/95, de 28.03.1995, a restituir o Autor "o valor correspondente".

Por critérios de justiça material o R. BB, está obrigado a restituir o "valor correspondente", que no caso em apreço será 2.799,60€, desde logo, face à matéria aludida nos factos 11 e 34, de onde resulta a quantidade de madeira 84,480 toneladas a 30,00€ tonelada = 2.534.40€ e 22,100 toneladas de lenha a 12,00€ tonelada = 265,20€

Esta solução é aquela que mais protege o Autor, que se viu prejudicado com a venda do R. – BB à R., de um bem de que não era proprietário.

Tal solução é aquela que, do ponto de vista da justiça material, se afigura mais equitativa e adequada, impedindo que o Autor fique desprotegido.

Aliás, se não fosse assim, o R.  BB, poderia ter vendido coisa que não era sua (obtendo consequentemente o proveito económico dessa venda) e não vir a ter de pagar nada por ela, o que contrariaria o princípio da proibição do enriquecimento sem causa.
Com efeito, a doutrina que se tem pronunciado (de forma directa ou indirecta) sobre a obrigação de restituição prevista no artigo 289 n.º 1 do Código Civil não defende a necessidade da verificação de um facto ilícito, nem o cálculo do valor correspondente como se fosse o objecto de uma obrigação de indemnização.

Aliás, o princípio que tem sido invocado é o da proibição do enriquecimento sem causa, embora sem aplicação das precisas regras do regime do enriquecimento sem causa (vejam-se, apenas por exemplo, Paulo Mota Pinto, "Interesse contratual negativo e Interesse contratual positivo", Coimbra Editora, Dez. 2008, págs. 969 a 1003; Menezes Leitão, "O enriquecimento sem causa no direito civil, Estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto, face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa"; Catarina Monteiro Pires, "A prestação restituitória em valor na resolução do contrato por incumprimento", Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. II Almedina, Out. 2012, págs. 703 a 722; e veja-se ainda os Acórdãos do STJ de 15/12/2011 e do TRL de 07/02/2013, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Em suma, a obrigação a que se reporta o n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil não prevê a verificação de um facto ilícito, nem deve ser tratada como se de uma obrigação de indemnização se tratasse, e nem tão pouco se exige qualquer prova de um dano, mas encontra o seu fundamento último na reconstituição de um equilíbrio contratual entre as partes, que foi perturbado pela invalidade do contrato de compra e venda (neste sentido, veja ainda os Acórdãos do TRP de 10/07/2013, e do TRC de 28/09/2004, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Face ao exposto, uma vez que foi declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o R. – BB -, e a R., por se trata de venda de bem alheio, a então o vendedor (o aqui a R. BB) fica constituído na obrigação de pagar ao Autor (prejudicado com a venda do bem de que era proprietário) um valor correspondente ao preço do valor da coisa vendida (pinheiros), valor de 2.799,60€.

            Assim, face ao exposto, nesta vertente assiste, razão parcial ao recorrente. Não tem direito ao valor de 5.500,00€, pretendidos, mas sim ao valor de 2.799,60€, pelas razões expostas, acrescidos de juros, desde a citação até efetivo pagamento, à taxa legal. Pelas mesmas razões, advogamos o entendimento que a R., não deve ser condenada solidariamente com o R. BB ao A. qualquer indemnização, pois a venda foi feita pelo R. BB.

            Visto o ponto b), passemos ao ponto a).

            Pretende o recorrente que haja condenação no valor 1.234,55€ pela replantação do pinhal.

            Temos para nós nesta vertente não assistir razão ao recorrente, sob pena de enriquecimento sem justa causa.

            Na verdade, o A. viu-se indemnizado pelo valor dos pinheiros, o que no fundo corresponde ao valor da venda dos mesmos, se feita por si. Ora, se a venda fosse feita por si, não iria receber qualquer valor pela replantação. É precisamente o que no caso sucede, já que foi indemnizado pelo valor dos pinheiros, como referido, na análise do ponto b).

            Assim, sem mais delongas, improcede esta pretensão do recorrente.

            Por tudo o exposto a sentença recorrida é alterada nos termos referidos, mantendo-se, no mais, com exceção à condenação em custas, que nos termos do art.º 527.º, do C.P.C., serão fixadas nos termos do decaimento, supra referido.

                                                                       **

                                                                4. Decisão

Nos termos expostos decide-se, por acórdão, revogar a sentença recorrida e decidir:

i)- Julgar procedente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Proferir acórdão, por força do principio da substituição do tribunal recorrido (art.º 665.º, do C.P.C.);

ii)- julgar procedente a alteração da matéria como supra referido;

iii) – julgar parcialmente a pretensão do recorrente no que concerne ao corte e venda dos pinheiros, e, por consequência condenar o R. BB a pagar ao A. a quantia de 2.799,60€, acrescida de juros de mora, desde a citação, à taxa legal até efetivo pagamento;

iv)- Julgar improcedente a pretensão do recorrente no que concerne à condenação do R. no montante de 1.234,55€ pela replantação do pinhal;

v)- No mais manter a sentença recorrida.

vi)- Custas a cargo de A. e R. BB na proporção do decaimento.

 Coimbra, 5/3/2024

Pires Robalo (relator)

Luís Manuel Ricardo (adjunto)

Cristina Neves (adjunta)