Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4803/22.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
OBRAS EM RUA
FALTA DE SINALIZAÇÃO DA OBRA
DANOS CAUSADOS A UM PARTICULAR
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º, N.º 1, DA LOSJ, 64.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 1.º, N.º 1, E 4.º, N.º 2, DO ETAF
Sumário:
É da competência dos tribunais comuns – e não da jurisdição administrativa – uma ação em que a parte demandante (de natureza privada) pede indemnização por danos sofridos em consequência de a ré – uma sociedade por quotas, enquanto empreiteira de obra pública, sendo dono da obra um município –, ao executar obras numa rua, não as ter sinalizado adequadamente, o que originou o embate de um veículo automóvel numa tampa de saneamento.
Decisão Texto Integral:

Relator: Arlindo Oliveira
1.ª Adjunta: Helena Melo
2.º Adjunto: Paulo Correia

            Processo n.º 4803/22.7T8VIS-A.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Viseu, Juízo Local Cível

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Zurich Insurance PLC – Sucursal Portugal, SA e AA, instauraram a acção declarativa de condenação, com processo comum, contra I..., L.da, já todos identificados nos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhes, respectivamente, a quantia de 1.495,66 € e 246,00 €, acrescidas de juros vencidos desde 30 de Setembro de 2021 e vincendos desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Alegam para tal que a 1.ª autora contratou com o 2.º autor um seguro de responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel, de matrícula ..-TG-.., o qual veio a ter intervenção num acidente de viação, no dia 15 de Agosto de 2020, pelas 12h e 30m, ocorrido na Rua ..., em ... e que se deveu ao facto de a ré estar a proceder a obras, que não sinalizou, na dita rua, encontrando-se o piso rebaixado em 8 cm, o que fez com que o supra identificado veículo, ao sair do parque de estacionamento da Casa de Saúde ... e ao entrar na dita rua, tenha embatido com a protecção inferior numa tampa de saneamento, que estava elevada 8 cm em relação ao solo, o que provocou danos no veículo, que descreve e cuja reparação ascende às quantias pedidas.

A ré estava a realizar obras na referida rua, sem as sinalizar ou colocar alguém a controlar a passagem de veículos e sem que tivesse colocado qualquer sinal de piso rebaixado, obstáculo na via ou perigo de obras, o que originou o descrito acidente.

Contestando, a ré, no que a este recurso interessa, veio deduzir defesa por excepção, invocando a incompetência do presente Tribunal, em razão da matéria e a sua ilegitimidade.

Alegou, para o efeito, e em suma, que nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 2, do ETAF, a mesma está atribuída aos tribunais administrativos, com o fundamento em que estava a executar obras no âmbito de uma empreitada de obras públicas que lhe foi adjudicada por concurso público, visando o alargamento daquela via e sinalização da estrada em toda a sua largura, sendo dono da obra o Município ... e estava a ser fiscalizada pelos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal ....

Alega, ainda, a sua ilegitimidade para ser demandada, nos termos do disposto no artigo 7.º, da Lei n.º 67/2007, de 31/12.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 51 e v.º  (aqui recorrida), com o seguinte teor:

“2.1.Da competência material deste Tribunal

Considerando a causa de pedir e pedido desta ação, afigura-se manifesta a competência deste juízo cível.

Em causa não está o contrato celebrado entre a Ré e o Município, mas um sinistro em que interveio o 2º A. e cuja ilicitude e culpa vêm imputadas à primeira Ré, por falta de sinalização da obra. (art.º 483º do CC)

Estamos, por isso, perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual entre dois privados, em que as regras aplicáveis são regras civilísticas, sendo irrelevante, para este efeito, se a Ré executava a obra para uma entidade pública ou privada, já que é a causa de pedir da ação que define a competência do tribunal.

2.2) Da ilegitimidade passiva

Não são alegados factos que sustentem esta ilegitimidade passiva, limitando-se a invocar norma atinente `responsabilidade do Estado e demais entidades Públicas.

Contudo, como se referiu a propósito da competência, o que resulta da petição é que o sinistro ocorreu numa altura em que no local estavam a ser executadas obras pela Ré no pavimento e sem sinalização e foi isso a causa dos danos e não a conservação “ normal” a que uma entidade pública esteja sujeita de um bem público ou adstrito ao interesse público.

Improcede, por isso, a referida exceção, por ser evidente o interesse da Ré em contradizer.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, I..., L.da, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 53), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I- Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido em 10/10/2023, na parte em que apreciou a excepção dilatória de incompetência material do tribunal invocada pela recorrente e julgou-o materialmente competente, assim como, na parte em que apreciou a excepção de ilegitimidade passiva invocada pela recorrente e julgou-a improcedente.

II- Com o devido respeito e por dever de patrocínio, a recorrente não partilha deste entendimento aposto no referido despacho, quanto a essas concretas decisões ali proferidas, limitando as mesmas o objeto do recurso aqui em causa.

III- Em primeiro lugar, a recorrente invocou, em sede de contestação, a incompetência material do tribunal a quo, invocando, em síntese, que no local descrito nos autos a recorrente levava a cabo obras no âmbito de uma empreitada de obra pública que lhe foi adjudicada por concurso público, denominada “... entre a ... junto à Rua ... e o limite do ICNF – ...”, pelo Município ..., visando obras de alargamento daquela via e sinalização na estrada em toda a sua largura e que, pretendendo os autores serem indemnizados por danos patrimoniais decorrentes do alegado sinistro que alegam na petição inicial, tal questão compete à jurisdição administrativa e não à jurisdição civil.

IV- Assenta o presente recurso na premissa de que o tribunal a quo, certamente por lapso, procedeu a uma errónea qualificação jurídica da matéria alegada nos autos pela recorrente, no que concerne à excepção de incompetência material invocada.

V- Sendo certo, saliente-se, que foi junta nos autos documentação probatória, que comprova a matéria alegada pela recorrente e aqui em causa e de onde necessariamente se extrai a conclusão aventada pela recorrente, nomeadamente, os documentos juntos aos autos pela recorrente em 20/03/2023 (contratos de empreitada, adendas e anúncio de procedimento).

VI- Ora, a competência material dos tribunais para as causas de natureza cível resulta de normas de atribuição direta ou indireta, sendo que, os casos de atribuição indireta resultam da afetação das causas que não estejam afetas a outros tribunais (conforme dispõe o artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

VII- Atendendo ao pedido formulado pelos autores nestes autos, dúvidas não restam que este assenta na responsabilidade civil extracontratual, na medida em que pedem a condenação da recorrente no pagamento de indemnização pelos danos decorrentes de um sinistro alegadamente resultante de obras realizadas ao abrigo de um contrato de empreitada de obra pública. Acresce que, igualmente não restam dúvidas de que a obra mencionada nos autos é uma empreitada de obra pública adjudicada à recorrente por concurso público – vejam-se os documentos juntos aos autos pela recorrente em 20/03/2023 (contratos de empreitada, adendas e anúncio de procedimento).

VIII- Por conseguinte e salvo o devido respeito, compete efetivamente aos Tribunais Administrativos a competência para dirimir este tipo litígios, como os que estão em causa nos autos, nomeadamente ao abrigo do disposto no artigo 4.º, nº 1, alínea h), e n.º 2, do ETAF (neste sentido, veja-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição revista, 2007, Almedina, p. 214, ponto 8; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017, proferido no âmbito do processo n.º 4055/16.8T8 VIS.C1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21-10-2008, proferido no âmbito do processo n.º 163/05.9TBFCR.C1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26-10-2021, proferido no âmbito do processo n.º 4798/20.1TBVIS.C1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 27-01-2015, proferido no âmbito do processo n.º 571/12.9TBMMV.C1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 21-05-2002, proferido no âmbito do processo n.º 02A1045, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

IX- Em face do exposto e salvo o devido respeito, o tribunal a quo andou mal ao considerar-se materialmente competente para dirimir o conflito dos autos.

X- Nesta medida, deve julgar-se a excepção de incompetência material do tribunal a quo procedente, declarando-se o tribunal a quo materialmente incompetente para decidir a pretensão formulada pelos autores, absolvendo-se a recorrente da instância, tudo com as legais consequências.

XI- Por outro lado, a recorrente invocou, em sede de contestação, que é parte ilegítima para ser demandada nos autos sub judice, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, peticionando pela sua absolvição, sendo que o tribunal a quo julgou-a improcedente, julgando a aqui recorrente parte legitima.

XII- Salvo o devido respeito, não pode também aqui a recorrente conformar-se com o entendimento do tribunal a quo no que concerne a esta excepção invocada.

XIII- Com efeito, como supra vimos, no local descrito nos autos a recorrente levava a cabo obras no âmbito de uma empreitada de obra pública, que lhe foi adjudicada por concurso público, cujo dono de obra é o Município ... e sendo tal obra fiscalizada pelos próprios Serviços Municipalizados da Câmara Municipal .... Nessa medida, o Municipio ... é o dono de obra, cabendo-lhe a responsabilidade pela sinalização de obstáculos e obras em locais públicos e por aferir da segurança da circulação nas vias públicas sob a sua administração, assim como é o responsável por responder pelos danos provocados por alegados sinistros ocorridos em tal local, devendo a ação fundada em responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos ilícitos de gestão pública recair sobre este e não sobre a empreiteira a quem foi adjudicada tal obra pública, tudo ao abrigo do disposto no dito artigo 7.º da Lei 67/2007, de 31/12 (neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 03-02-2011, proferido no âmbito do processo n.º 01046/09 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 13-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 00450/17.3BEVIS, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

XIV- Por conseguinte, a recorrente é parte ilegítima na presente ação, uma vez que o dono de obra é que deveria ter sido demandado nos autos – em sede de jurisdição administrativa, em face do que supra se alegou em face da incompetência material do tribunal a quo para dirimir o conflito dos autos.

No limite, a recorrente, enquanto empreiteira, pode ser chamada a intervir naqueles autos em sede de intervenção acessória.

XV- Em face do exposto, deve julgar-se a excepção de ilegitimidade passiva da recorrente procedente, absolvendo-se a mesma, tudo com as legais consequências.

XVI- Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação das disposições conjugadas, pelo menos, do artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 4.º, n.º 1, al. h) e n.º 2 do ETAF, do artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, dos artigos 30.º, 96.º, al. a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) e e), todos do CPC.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, ser, nesta parte, o despacho recorrido revogado e alterado em conformidade com o exposto nas conclusões, julgando-se a excepção de incompetência material do tribunal a quo procedente, declarando-se o tribunal a quo materialmente incompetente para decidir a pretensão formulada pelos autores, absolvendo-se a recorrente da instância e, bem assim, julgando-se procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da recorrente, tudo com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a competência em razão da matéria, para a apreciação e decisão da presente acção, está atribuída aos tribunais comuns ou aos administrativos e;

B. Se a ré é parte ilegítima.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

A. Se a competência em razão da matéria, para a apreciação e decisão da presente acção, está atribuída aos tribunais comuns ou aos administrativos.

Como resulta do exposto, incumbe averiguar qual a jurisdição materialmente competente para a tramitação e decisão da presente providência cautelar.

A decisão em análise, como já referido, considerou que a competência material para a decisão dos presentes autos, está atribuída aos tribunais comuns, nos termos acima transcritos e em suma, por considerar que se trata de uma acção de responsabilidade civil extracontratual entre dois privados, a que se aplicam as regras do direito civil, sendo irrelevante tratar-se de uma obra pública, por ser a causa de pedir que define a competência do tribunal.

Desde já, adiantando a solução, somos de opinião que é de manter a decisão recorrida, porque estamos no âmbito de uma relação estrita de direito privado e, por isso, a competência material é de atribuir aos tribunais comuns e, por consequência ao Tribunal recorrido – Juízo Local Cível ....

Efectivamente, cf. disposto nos artigos 211.º, 1, da CRP; 40.º, 1, da LOSJ e 64.º do CPC, os tribunais comuns têm uma competência residual, no sentido de que serão materialmente competentes, sempre que a causa não estiver atribuída a outra jurisdição.

Conforme artigos 212.º, 3 da CRP e 1.º, 1 do ETAF, à jurisdição administrativa, está atribuída a competência para o julgamento das acções e recursos emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Assim, aos tribunais administrativos está atribuída a competência material, quando o litígio a dirimir for de natureza administrativa.

E a natureza da relação jurídica, determinante da atribuição da competência material tem, necessariamente, de ser aferida em consonância com o que autor/requerente alega, atendendo aos objectivos/pretensões tidas em vista, em conjugação com os respectivos fundamentos – neste sentido, v.g. o Acórdão do STJ, de 04 de Fevereiro de 2020, Processo n.º 6593/18...., disponível no respectivo sítio do Itij.

Ora, o pedido formulado pelos autores consiste em serem indemnizados pelos danos que sofreram em consequência de a ré, ao executar as ditas obras, não as ter devidamente sinalizado, o que originou o embate da viatura numa tampa de saneamento.

Consequentemente, não está em causa a apreciação de qualquer acto/relação de índole administrativa, designadamente a conformidade/desconformidade das obras realizadas por reporte com as contratadas, nem é alegada a violação de quaisquer regras do âmbito da jurisdição administrativa.

Está apenas e tão só em causa, a alegada violação do dever de a ré, ao executar as obras em causa, as sinalizar devidamente, de forma que os utentes da via se pudessem aperceber que o piso estava rebaixado e por consequência, que as tampas de saneamento estavam elevadas em relação ao solo, o que, normalmente, não se deve verificar.

Pelo que nos movemos no âmbito de uma relação de natureza privada, actuando a ré, ao executar as obras, na veste de um privado, desprovida de autoridade pública.

Todas as normas invocadas pelos autores são de direito privado e o litígio é, igualmente, de natureza privada.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 17/12/2020, Processo n.º 3072/20...., disponível no respectivo sítio do Itij (embora a propósito de um embargo de obra nova e que atenta a natureza da causa de pedir e da própria acção ora em apreço, aqui mais se reforça) “A circunstância de se tratar de uma obra pública surge, na causa de pedir, como uma questão conexa, meramente secundária ou lateral relativamente ao pedido de ratificação judicial do embargo de obra nova …”.

Estamos, pois, em face de uma acção que não versa sobre a obra em si mesma considerada, do ponto de vista jurídico-administrativo, mas sobre a alegada violação do dever da ré em a sinalizar de molde a não colocar em perigo a circulação rodoviária dos utentes da via em que se desenrolavam as obras, pelo que a competência para a sua apreciação, nos termos expostos, cabe aos tribunais comuns.

A que se pode acrescentar que o facto de a ré estar a executar obras no âmbito de uma empreitada de obras públicas que lhe foi adjudicada por concurso público, visando o alargamento daquela via e sinalização da estrada em toda a sua largura, sendo dono da obra o Município ... e estava a ser fiscalizada pelos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal ... não determina, nos termos e para os efeitos do art. 4.º, n.º 1, alín. h) do ETAF, a aplicabilidade à Ré do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.

Como refere Carlos Cadilha (O novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, revista do CEJ, n.º 11, pág. 245 a 263) “as pessoas colectivas de direito privado, criadas pelo Estado ou por outras entidades públicas para realizarem tarefas de interesse público, bem como os particulares que sejam chamados a colaborar com entidades públicas para o exercício dessas tarefas (v. g., os concessionários), regem-se, em regra, pelo direito privado, e apenas estão vinculadas ao direito administrativo, por determinação expressa da lei, na medida em que, para a execução de tarefas públicas de que sejam incumbidas, lhe sejam outorgadas prerrogativas de autoridade ou imposta a observância de deveres especiais. O direito administrativo é, assim, o direito excepcional das entidades privadas que integram a Administração Pública, e só no estrito âmbito em que actuem de acordo com essa disciplina é que poderão encontrar-se abrangidas pelo regime de responsabilidade administrativa da presente lei”.

Ou seja, na inexistência de lei específica (como v.g. sucede com os concessionários de serviços públicos), a mera existência de um contrato entre a Câmara Municipal ... e a Ré com vista à realização de obras numa via pública, não transfere para esta prerrogativas de autoridade, ou qualquer poder público.

Assim, importa concluir que a competência para a tramitação e decisão da presente acção, está atribuída aos tribunais comuns.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Se a ré é parte ilegítima.

No que a esta questão respeita, a recorrente limita-se a invocar o disposto no artigo 7.º, da Lei n.º 67/2007, de 31/12.

Como resulta do disposto no artigo 1.º, n.os 1 e 2, da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, o disposto na mesma apenas se aplica a acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Ora, como já se disse, no caso em apreço, a ré, actua na veste de um particular, em pé de igualdade com os autores, despida de ius imperii tratando-se não de aferir da legalidade ou conformidade da obra, mas sim da alegada violação do dever de sinalização, causadora dos invocados danos, daí resultando, como acima decidido, que a competência para a tramitação da presente providência está atribuída aos tribunais comuns e do que decorre, igualmente, que a ré tem todo o interesse em contradizer, do que resulta a sua legitimidade passiva – cf. artigo 30.º, n.º 1, in fine, do CPC.

E sem esquecer que, cf. seu n.º 3, a legitimidade se afere em função da relação controvertida, tal como configurada pelo autor.

De resto, na presente acção, reitera-se, não se discute uma relação de índole administrativa, nem é demandado o Estado nem qualquer outra pessoa colectiva de direito público, o que, desde logo, afasta a aplicabilidade da citada Lei 67/2007.

Pelo que, se tem de concluir que a ré é parte legítima para contradizer a pretensão deduzida pelos autores.

Assim, também, quanto a esta questão, o presente recurso tem de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas, do presente recurso, a suportar pela apelante.

Coimbra, 05 de Março de 2024.