Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
596/02.2PBVIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROCESSO PENAL
RECURSO
PRAZO
EXCESSO
TOLERÂNCIA DE PONTO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ARTº 405º CPP
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 107.º, N.º 5, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL;
ARTIGOS 138.º N.º 2 E 3 E 139.º, N.º 5, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
Se um dia de tolerância de ponto corresponder a um dos três dias úteis referidos no º 5 do artigo 139.º do CPC, tem o valor de dia não útil.
Decisão Texto Integral:
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Reclamação – artigo 405.º do Código de Processo Penal

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Reclamante/arguido/ ………………… AA

Reclamado……………………………...Ministério Público


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I. Relatório

a) A presente reclamação contra o não recebimento do recurso interposto pelo arguido AA insere-se num processo comum coletivo, com intervenção do Júri.

O tribunal não admitiu o recurso por ter considerado que foi apresentado um dia depois de terem decorrido os três dias concedidos no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, onde se dispõe que «Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (…)»

Considerou-se que o dia de Carnaval (13/02/2024) caiu no segundo dia desses três dias e contava como dia útil, muito embora tenha sido um dia de «tolerância de ponto», concedida pelo Despacho n.º 1358/2024, de 5 de fevereiro.

Isto porque a «tolerância de ponto» não é o mesmo que um dia de sábado, de domingo ou dia feriado, apenas implicando e só em relação aos trabalhadores da função pública dispensa do dever de assiduidade.

O legislador apenas deu relevância à «tolerância de ponto» quando coincide com o último dia do prazo, caso em que, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 138.º do Código de Processo Civil, o ato pode ser ainda praticado no primeiro dia útil seguinte.

Citou alguma jurisprudência neste sentido e o Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/96, de 2 de novembro, publicado no Diário da República, n.º 254/1996, I Série A, de 02/11/1996, uniformizador de jurisprudência no seguinte sentido:

«A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado. A tolerância de ponto não reúne, pois, os pressupostos para, por integração analógica, poder ser subsumida na previsão do artigo 144.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil.

Porém, se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do artigo 146.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato.»

b) O reclamante argumenta, em muito breve síntese, invocando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-01-2003 (proferido no processo identificado sob o n.º 02B3983 onde se decidiu que «O n.º 3 do art.º 144, do CPC, na redação dada pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, estabeleceu a regra da equiparação dos dias de tolerância de ponto ao encerramento dos tribunais»), que esses três dias úteis não são um prazo e que, por isso, o dia de tolerância de ponto quando integrado nesses três dias úteis não pode contar como dia útil e, por isso,  o recurso deve ser admitido.

II. Objeto da reclamação

A questão colocada na presente reclamação consiste em saber se tendo sido concedida pelo Governo tolerância de ponto num dia que corresponde ao segundo dia dos três dias úteis mencionados no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, esse dia de tolerância de ponto conta como um desses três dias, portanto, como dia útil, ou se não conta e deve ser considerado como um dia não útil. 

III. Fundamentação

(a) Matéria de facto processual

A matéria a considerar é a que consta do relatório que antecede.

b) Apreciação

Afigura-se que um dia de tolerância de ponto que caia num dos três dias úteis previstos no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, deve ser considerado como um dia não útil, divergindo-se, assim, da decisão recorrida, pelas seguintes razões:

1 – Previamente cumpre referir que a presente situação é diversa da situação sobre a qual incidiu o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 8/96, de 2 de novembro, acima mencionado, porquanto este acórdão teve como objeto um dia de tolerância de ponto ocorrido no decurso do prazo do recurso e não no âmbito dos três dias úteis mencionados no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, subsequentes ao termo desse prazo de recurso.

A questão aí analisada, transcrevendo-se parte do texto do acórdão, foi esta:

«Ambos esses acórdãos se pronunciaram sobre a mesma questão de direito: a relevância na contagem do prazo para a interposição do recurso em processo penal do dia 15 de Fevereiro de 1994, que foi dia de Carnaval e foi declarado dia de tolerância de ponto por despacho do Sr. Primeiro-Ministro de 8 de Fevereiro de 1994, publicado no Diário da República, 2.ª série, 1.º suplemento, de 10 de Fevereiro de 1994.

E chegaram a soluções opostas. Assim, enquanto o acórdão recorrido decidiu que esse dia, embora não sendo o último dia do prazo, não é de considerar dia útil para efeito da contagem do tempo de interposição do recurso da sentença final, no acórdão fundamento diz-se, ao contrário, que, não tendo o dia 15 de Fevereiro de 1994 sido o último dia do prazo para a interposição do recurso, o prazo não se suspendeu nesse dia.

Daí que, enquanto o primeiro julgou improcedente a questão da extemporaneidade do recurso, o segundo julgou idêntica questão procedente.

E isto no domínio da mesma legislação, o Decreto-Lei 333/77, de 13 de Agosto

A presente situação afigura-se ser diversa porque respeita aos mencionados três dias úteis e estes três dias úteis não são um prazo, isto é, um lapso de tempo que marca a distância entre os atos do processo (Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2, pág. 57).

A própria lei trata estes três dias como algo que não faz parte do prazo, pois diz que são dias úteis «subsequentes ao termo do prazo».

Trata-se tão só de conferir uma vantagem ao sujeito processual que pode ser obtida nesses três dias úteis mediante o pagamento de uma multa.

Estamos, por isso, face a uma situação diversa daquela que foi tratada no mencionado acórdão.

Acresce que à data do acórdão não existia a norma constante do atual n.º 3 do artigo 138.º do CPC, onde se dispõe que «Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.», norma esta introduzida pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de dezembro, a qual se afigura relevante para a presente decisão.

2 – O n.º 5 do artigo 139.º do CPC dispõe que «Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: …»

E os n.º 2 e 3 do artigo 138.º do CPC determinam que «2. Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.»

Face ao disposto neste n.º 3, o dia de tolerância de ponto é equiparado a um dia não útil, porquanto é tratado como um dia em que os tribunais estão encerrados.

É certo que a norma diz «Para efeitos do número anterior…», mas tal referência não invalida a qualificação valorativa que aí é feita e que pode ser exportada para a interpretação das restantes normas relativas às «Disposições Comuns», dos «Atos em Geral» do capítulo relativo as «Actos em Geral» (artigos 137.º a 149.º do CPC), sempre que essa mesma questão se coloque, isto é, como devemos qualificar um dia de tolerância de ponto? Como dia útil ou como um dia não útil para efeitos de prática de atos processuais.

Ora, se se colocar essa questão quando o dia de tolerância de ponto corresponde a um desses três dias mencionados no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, o critério adequado será o seguido no referido n.º 3 do artigo 138.º, ou seja, considerar esse dia como dia em que o tribunal está encerrado, portanto, como dia não útil.

Porquê?

Porque efetivamente é altamente provável que o tribunal esteja encerrado. Não é de todo certo que um tribunal esteja encerrado em dia de tolerância de ponto, pois pode ocorrer que algum dos funcionários compareça, mas não é aceitável que os sujeitos processuais tenham de fazer uma pesquisa no próprio dia para saber se o tribunal está encerrado ou não está e até pode ocorrer que  fiquem na incerteza sobre se certo tribunal está ou não está aberto, o que poderá suceder quando comparece apenas um ou dois funcionários e os sujeitos processuais têm dificuldade em os contatar ou não conseguem mesmo contatá-los para saber se o tribunal está aberto ou encerrado.

Por conseguinte, para evitar cair num sistema de múltiplos casuísmos, a solução mais adequada é considerar todos os tribunais encerrados nesses dias, como se estabelece no n.º 3 do artigo 138.º do CPC, ainda que alguns possam estar abertos.

Daí que se afigure ser esta a correta interpretação no caso de um dia de tolerância de ponto corresponder a um dos três dias úteis referidos no º 5 do artigo 139.º do CPC, isto é, tem o valor de dia não útil.

3 – Concluindo-se como acabou de se concluir, então o dia 13 de fevereiro de 2024 foi um dia não útil para efeitos do disposto no º 5 do artigo 139.º do CPC, pelo que o recurso deu entrada no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo, devendo, por isso, ser recebido.

4 – Por fim, havendo dúvidas sobre a melhor interpretação das normas é de seguir aquela interpretação que cause, digamos, «menor dano», e, neste caso, a interpretação mais benigna é a que permite admitir o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se a reclamação procedente e admite-se o recurso.

Sobe imediatamente; nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Sem custas.


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Alberto Augusto Vicente Ruço

(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022)