Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1827/21.5T8ACB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO BASEADA EM SENTENÇA JUDICIAL
CITAÇÃO DO EXECUTADO
EXECUTADO RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
FORMA DA CITAÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 85.º, 1; 191.º, 1 E 4; 228.º, 1; 233.º; 239.º, 3; 247.º, 1; 626.º; 724.º, 1, A) E 868.º, 2, DO CPC
Sumário: 1. - Embora a execução fundada em sentença seja tramitada (de forma autónoma) nos próprios autos da ação declarativa, seguindo-se, por isso, à sentença condenatória a ação executiva, a instância declarativa finda, extinguindo-se, com o julgamento (por o seu objeto se esgotar com o trânsito em julgado da sentença condenatória), iniciando-se uma nova instância – a executiva – com a apresentação do requerimento executivo.
2. - Todavia, por razões de simplicidade, nas execuções de sentença para pagamento de quantia certa e para entrega de coisa certa não há lugar à citação do executado, mas à sua notificação para cabal exercício do princípio do contraditório.
3. - Não assim, nas execuções de sentença para prestação de facto, onde é sempre necessária a citação do executado, como no caso dos autos, razão pela qual não pode colher aplicação o disposto no art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv. em termos de a citação dos executados ser substituída por uma notificação na pessoa do mandatário judicial (constituído na ação declarativa).
4. - A citação postal do executado pessoa singular deve ser intentada no domicílio indicado pelo exequente, para ali se endereçando a respetiva carta com aviso de receção, que pode ser entregue, nas condições legais, ao citando ou a qualquer outra pessoa que se encontre na residência e declare estar em condições de pronta entrega àquele.
5. - Assinado, nos moldes legais, pelo recetor – mesmo que terceiro – o respetivo aviso de receção, a citação considera-se efetuada na pessoa do citando, presumindo-se que ocorreu oportuna entrega ao destinatário, se tal citação houver sido dirigida para residência ou local de trabalho do citanto, como indicado no requerimento executivo, cabendo, então, a este último ilidir a presunção legal, demonstrando o contrário, isto é, que a carta não lhe foi entregue.
6. - Não assim quando, como no caso, foi indicada pelo exequente residência do executado no estrangeiro – âmbito em que devia ser observado o disposto no art.º 239.º, n.ºs 1 a 3, do NCPCiv. – e este foi, não obstante, citado por via postal para endereço em Portugal, com o aviso de receção a ser assinado por outrem, cuja identidade não foi transmitida ao citando/executado, vícios/irregularidades estes que, comprometendo o adequado exercício do princípio do contraditório, determinam a nulidade da citação, por inobservância de formalidades relevantes legalmente prescritas.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

executado na execução para prestação de facto, fundada em decisão judicial condenatória, movida contra si – e contra outro – por BB, também com os sinais dos autos,

arguiu a nulidade da sua citação, mediante requerimento de 13/06/2022, onde concluiu assim:

«Nestes termos e nos melhores de direito (…), invoca-se os termos do artigo 225.º/5 conjugado com o artigo 191 º do CPC, que a citação é nula, uma vez que a mandatária não tem poderes especiais para receber citações, pelo que deverá ser revogado e declarado nulo todo o processado, inclusive no que se possa ter verificado/ocorrido posterior à tentada citação.

Mais se requer que V. Ex.ª se digne mandar citar pessoalmente o executado, para a sua morada já bem identificada pela sua mandatária conforme requerimento junto aos autos.».

Defendeu, para tanto, que:

- o Agente de Execução (doravante, AE) enviou comunicação à mandatária do Executado para citação deste, sendo que dos autos apenas consta procuração forense com poderes gerais, razão pela qual o mesmo Executado não pode ser citado na pessoa da mandatária, com a decorrente nulidade da citação e do processado posterior;

- a arguição de tal nulidade é tempestiva, por ocorrer aquando da primeira intervenção daquele Executado nos autos;

- a mandatária, notificada, indicou a morada do Executado, para realização ali da citação.

Respondeu o Exequente, pugnando pela improcedência da arguição de nulidade, para o que argumentou que:

- a citação do Executado foi efetuada nos termos gerais e consta nos autos, resultando do art.º 230.º do NCPCiv. que a citação postal efetuada ao abrigo do art.º 228.º se considera feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o A/R haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário;

- o Executado foi também citado através de AE, tendo sido utilizadas as moradas conhecidas do mesmo, ao que acresce que, tratando-se de execução de sentença nos próprios autos, colhe aplicação o disposto no art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv., segundo o qual as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

O mencionado Executado veio ainda tomar posição, esgrimindo assim:

- a sua mandatária indicou a morada permanente daquele, situada na Noruega, em ... 11, ... ..., sendo que o Executado, por motivos de trabalho, tem de ausentar-se da sua residência por vários dias, uma vez que trabalha a bordo de um navio naquele país;

- não sendo possível, ou frustrando-se, a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo ou, não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória;

- o conhecimento efetivo da propositura da ação contra determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

- por isso, o Executado deverá ser citado por via do consulado mais próximo da sua residência permanente na Noruega.

Por subsequente despacho – o aqui recorrido –, proferido em 26/10/2022, foi assim decidido:

«Requerimento de 13-06-2022 - O executado AA veio invocar a nulidade da citação, uma vez que à respetiva Mandatária apenas foram conferidos poderes gerais, pelo que não pode receber a citação em nome do executado.

O exequente pugnou pela validade da citação efetuada.

Compulsados os autos, verifico que:

- a presente execução tem por fim a prestação de facto, sendo o título executivo sentença condenatória judicial;

- o executado foi citado por via postal registada em 11-03-2022 (conforme se retira da citação de 9-03-2022 e do aviso de receção junto em 23-05-2022, assinado por CC);

- notificado o executado para informar se mantém interesse na apreciação da nulidade da citação arguida, face aos documentos mencionados no parágrafo anterior, o mesmo respondeu afirmativamente, tendo impugnado tais documentos.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 228.º do CPC dispõe que:

"1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.

2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação."

Da factualidade indicada acima retira-se que foram observados todos os requisitos da citação recebida por terceiro, nomeadamente a identificação do mesmo.

Acrescenta o artigo 230.º, n.º 1, que "a citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário".

Assim, não tendo o executado invocado que nunca teve conhecimento da citação em apreço, presume-se, nos termos da referida disposição, que a carta de citação lhe foi tempestivamente entregue.

'Para além disso, de nada vale a impugnação genérica efetuada pelo executado aos documentos de citação, uma vez que tal não equivale a invocar a falsidade dos mesmos nem à impugnação específica da veracidade da sua letra ou assinatura.

Face ao exposto, indefiro a nulidade invocada pelo executado, por inadmissibilidade legal, e julgo o mesmo validamente citado para os termos da execução.

Notifique.».

É, pois, deste despacho que, inconformado, vem o Executado/Reclamante interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([1]):

«a) Nos presentes autos de execução a procuração junta tem apenas poderes gerais, pelo que não poderá a parte – AA – ser citado na pessoa da sua mandatária, uma vez que não está munida de uma procuração com poderes especiais para o efeito.

b) Assim, conclui-se pela nulidade da citação do executado AA efectuada na pessoa da sua mandatária nos termos do artigo 225º/5 do CPC que nos remete para o artigo 191º do CPC.

c) A representação fiscal é o elo de ligação entre contribuinte não residente e a AT, fazendo o representante fiscal nomeado pelo contribuinte, em termos práticos, o papel de um procurador local do contribuinte junto da AT, para questões de natureza tributária., artigo 18º. 3 da LGT.

d) O executado não reside em Portugal, e por esse facto teve que nomear um representante fiscal.

e) O representante fiscal, como determina a própria nomenclatura destina-se única e exclusivamente a fazer o elo de ligação entre a AT e o representado, não lhe cabendo quaisquer efeitos de representante legal.

f) O representante fiscal do executado, devolveu toda a documentação para o sr AE, facto do qual não foi informado o processo até hoje.

g) Conclui-se assim que, deve o Douto despacho ser revogado e, em consequência ser o executado citado na sua residência.

h) Ora, logo no seu nº1, este dispositivo é muito claro no que se refere: citação enviada para a residência ou local de trabalho do executado.

i) Ainda assim, é necessário que a pessoa que assina o A/R declare que está em condições de a entregar ao citando.

e) Não consta dos autos, qualquer prova desta menção ao assinante do A/R, apenas um A/R assinado a 23/05/2022.

f) Pelo que, e também com este fundamento deve ser revogado o Douto despacho e ordenada a citação para a residência do executado.

g) Ora, como se prova pelas consultas às várias bases de dados, a residência do executado é na Noruega, sendo para aí que a sua citação tem que ser efectuada, e em consequência ser revogado o Douto despacho de que ora se recorre, pela citação enfermar de nulidade.

(…)

Nestes Termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Douto despacho proferido no tribunal a quo, assim se fazendo serena, sã e objectiva.

Justiça».

Não se mostra junta contra-alegação de recurso.

Após reclamação contra a não admissão do recurso, este veio a ser admitido pela Relação, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos ao Tribunal ad quem.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento da matéria recursória, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito recursório ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, o thema decidendum consiste em saber, apenas, se está demonstrada a pretendida nulidade da citação em ação executiva para prestação de facto fundada em decisão judicial condenatória.


***

III – Fundamentação fáctico-jurídica

A) Da materialidade fáctica relevante e dinâmica processual a considerar

A factualidade e dinâmica processual a atender são as constantes do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se adita, apenas, o seguinte ([3]):

1. - De um dos diversos expedientes para citação do Executado/Recorrente – emitidos para diversas moradas – consta (com data de 14/10/2021):

«Exmo(a) Senhor(a)

AA

... 11

Noruega ... ...».

2. - Do processo executivo consta aviso de receção (A/R) – o aludido no despacho recorrido –, junto ao autos em 23/05/2022 ([4]), o qual, destinado à citação daquele Executado/Recorrente, foi assinado por CC, em 11/03/2022, em ..., por ter sido expedido para:

«AA

DD 1 ...

...95 ...».

3. - Dos mesmos autos consta também o seguinte (datado de 21/03/2022):

a) «Exmo(a) Senhor(a)

AA

DD 1 ...

...95 ...

Data: 09-03-2022 (…)

FUNDAMENTO DA CITAÇÃO

Fica V. Exa citado, nos termos do artigo 868º do Código Processo Civil (CPC), para, no prazo de 20 (vinte) dias deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio

COMINAÇÕES

Não sendo deduzido embargos e não havendo fundamento de suspensão, decorrido que seja o prazo de oposição, caso o exequente pretenda a prestação do facto por outrem, proceder-se-á à avaliação do custo da prestação nos termos do 870º do CPC havendo lugar à conversão da execução penhorando os bens necessários para o pagamento da quantia apurada.

MEIOS DE OPOSIÇÃO/EMBARGOS

Nos termos do disposto no artigo 58º do CPC, para deduzir oposição/embargos, é obrigatória a constituição de Advogado quando o valor da execução seja superior à alçada do tribunal de primeira instância (5.000,00 euros).

A oposição/embargos é apresentada diretamente ao tribunal e implica o pagamento de taxa de justiça, salvo se tiver requerido apoio judiciário, sendo neste caso necessário juntar aos presentes autos, no prazo para se opor (através de embargos de executado), documento comprovativo da apresentação do referido documento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação do apoio judiciário.

PRAZOS E DILAÇÕES

1 - A citação/notificação por via postal considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção (nº 1 do artigo 230º do CPC) ou entregue a nota de citação, e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando mesmo quando entregue a terceira pessoa.

2 - A citação/notificação por contato pessoal considera-se feita na data da entrega da nota de citação (ou da sua afixação) tem-se por efetuada na própria pessoa do citando mesmo quando entregue a terceira pessoa.

(…)

DOCUMENTOS ANEXOS

Requerimento executivo e documentos que acompanham.

(…)

DATA E ASSINATURA

09-03-2022

(…)».

b) «Exmo(a) Senhor(a)

AA

DD 1 ...

...95 ...

Data: 21-03-2022 (…)

OBJETO E FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO

Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa.

Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V.Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa de AA, B.I. / C.CIDADÃO nº ...53 que recebeu a citação e duplicados legais.

A citação considera-se feita em 11-03-2022, sendo de 20 dias o prazo para pagar ao exequente, deduzir oposição à execução, sob pena de penhora em bens da sua pertença.

Àquele prazo acresce uma dilação de:

(…)

N/REF INTERNA: 11666».

4. - Do aviso de receção (A/R) aludido em 2.- supra consta ainda a assinatura/rúbrica do funcionário dos CTT e a identificação da pessoa que recebeu a citação, com menção de que o aviso foi assinado por «pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário», com preenchimento numérico do espaço destinado ao «BI ou outro documento oficial».

5. - No requerimento executivo, o Executado AA foi identificado como residente na Noruega, com indicação de morada em ... 11 ... ..., Noruega.

B) Da demonstração da nulidade da citação

Sendo a matéria factual a que vem aludida no antecedente relatório e despacho cujo teor se transcreveu, vejamos, pois, se deve ter-se por demonstrada a pretendida invalidade da citação.

1. - De notar, desde logo, que o Exequente veio defender, neste âmbito, que nem sequer era caso de citação da parte executada, ao argumentar que, tratando-se de execução de sentença nos próprios autos, se aplica o disposto no art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv., segundo o qual as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

Quer dizer, o processo (da ação declarativa, onde ocorreu a condenação) continuaria pendente, razão pela qual a instauração da execução e o respetivo contraditório se bastariam com uma notificação à parte demandada (agora executada), na pessoa do respetivo mandatário judicial, para deduzir, querendo, oposição à execução.

Esta linha de argumentação, embora tempestivamente suscitada, não foi expressamente apreciada nos autos, não lhe fazendo referência clara, neste âmbito, a decisão recorrida.

Todavia, tratando-se de questão pertinente para a decisão quanto à invocada nulidade da citação, deverá agora ser apreciada, pela Relação, com vista à boa decisão do recurso interposto, não obstante não ter sido apresentada contra-alegação recursiva.

Assim:

Dispõe, quanto ao que aqui importa, o art.º 85.º, n.º 1, do NCPCiv. que, na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma.

Por sua vez, quanto à citação do devedor em execução para prestação de facto, preceitua o n.º 2 do art.º 868.º do mesmo Cód. que o devedor é citado para, em 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.

Da conjugação destes dois preceitos legais, logo poderá retirar-se que, fundando-se a execução em sentença, desde que esteja em causa prestação coerciva de facto, a instância executiva, uma vez finda a ação/instância declarativa, tem tramitação autónoma, embora correndo nos próprios/mesmos autos, o que não obsta a que o devedor seja citado para a ação executiva que se inicia, determinando a lei, expressamente, que o devedor haja de ser citado, assim se dando observância às exigências do indeclinável princípio do contraditório.

Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, o n.º 1 do art.º 85.º do NCPCiv. reporta-se, «à determinação, já não do tribunal, mas sim do processo no qual a execução é tramitada, estabelecendo a regra de que o é nos autos da ação em que a decisão (na 1.º instância) foi proferida» ([5]).

E complementam Abrantes Geraldes e outros ([6]), enfatizando que a execução fundada em sentença «é tramitada, se bem que de forma autónoma, nos autos da ação declarativa», com a indicação de se tratar de um «pormenor de natureza formal, pouco relevante para a eficácia da ação executiva», significando que «à sentença condenatória se segue, sem hiatos, a execução coerciva», mas sem colidir, no campo adjetivo, com «o facto de a instância declarativa se extinguir com o julgamento, iniciando-se uma nova instância – a executiva – com a apresentação do requerimento executivo (…)».

Assim sendo, extinta a ação/instância declarativa, cujo objeto se esgotou com o trânsito em julgado da sentença condenatória, inicia-se, embora nos mesmos autos, a ação/instância executiva, ou seja, uma instância diversa, na medida em que uma ação declarativa difere, pela sua natureza e finalidade, de uma ação executiva.

Todavia, importa não esquecer que foi intenção do legislador – no quadro normativo do art.º 626.º do NCPCiv. – permitir que a execução de sentença judicial condenatória ocorra, desde logo quanto ao requerimento inicial, de «modo simplificado», não estando a manifestação de vontade do exequente «sujeita às formalidades próprias dos requerimentos que dão início a uma instância com autonomia de procedimento», bastando que o requerimento executivo obedeça às formalidades «mínimas e indispensáveis à satisfação do princípio dispositivo» ([7]).

É este propósito de simplificação que permite, nas execuções de sentença para pagamento de quantia certa, tal como para entrega de coisa certa, a solução da lei no sentido da notificação do executado, em vez da sua citação, de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 626.º do NCPCiv. ([8]).

Tratando-se, embora, de uma nova ação/instância, que se iniciou após a extinção da instância declarativa – a qual, uma vez extinta/finda, já não pode considerar-se pendente/subsistente –, pretendeu, pois, o legislador que, nestes dois tipos de execução de sentença, não houvesse citação do executado, mas apenas a sua notificação da pendência da execução e, nessa senda, para observância do contraditório, mormente dedução de oposição à execução.

Não assim, porém, quando se trate de execução de sentença para prestação de facto – como in casu –, como logo resulta do disposto nos art.ºs 626.º, n.º 4, e 868.º, n.º 2, ambos do NCPCiv., caso em que terá necessariamente de haver citação do executado, a não poder ser substituída por mera notificação para atuação do princípio do contraditório ([9]).

Daí que não colha aplicação, contrariamente ao pretendido pelo Exequente, salvo o respeito devido, o disposto no art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv., em termos de a notificação à parte/executados em processo pendente ser efetuada na pessoa do mandatário judicial constituído, o que tornaria dispensável a citação para dedução de oposição à execução de sentença para prestação de facto.

Este, aliás, o subjacente entendimento sufragado, nos autos executivos, pelo Tribunal de 1.ª instância, ao considerar – sem impugnação nesta parte – que «a presente execução tem por fim a prestação de facto, sendo o título executivo sentença condenatória judicial», âmbito em que «o executado foi citado por via postal registada em 11-03-2022» (destaques aditados). Isto é, não se prescindiu da citação (em vez de mera notificação).

Em suma, no caso era indispensável a citação da parte executada para, querendo, exercer o seu direito de defesa perante a execução interposta, termos em que improcede a argumentação do Exequente em contrário.

2. - Defende o Recorrente que estão preenchidos os pressupostos legais da nulidade da sua citação.

Afirma, assim, por um lado, que a procuração forense por si outorgada – conferindo poderes forenses gerais, somente – não consente uma citação na pessoa da mandatária judicial do Executado/Apelante, por faltarem os necessários poderes especiais para o efeito, e, bem assim, que também não poderia efetuar-se a citação na pessoa do representante fiscal nomeado por tal Executado, uma vez que não cabem ao representante fiscal poderes de representação legal, mas apenas perante a Administração Tributária.

E, por outro lado, acrescenta que a citação deve ser enviada para a residência ou local de trabalho do citando, sendo necessário que a pessoa que assina o A/R declare estar em condições de entregar todos os elementos recebidos da citação ao dito citando, não constando, porém, dos autos qualquer prova desta menção ao assinante do A/R.

Apreciando.

Deve começar por dizer-se que, salvo o devido respeito, o argumento suportado na falta de poderes de representação – seja quanto à mandatária judicial (por falta de poderes forenses especiais para receber citações), seja, do mesmo modo, quanto ao invocado representante fiscal – não pode proceder.

É que o despacho recorrido não versa sobre tal matéria. Diversamente, ali a citação foi considerada realizada, por via postal (registada em 11/03/2022), quanto ao próprio citando/Executado, como se depreende do respetivo expediente, dirigido a «AA» (e não a outrem), com referência à residência «DD 1 ..., ...95 ...» [cfr., supra, ponto 3-, a) e b) do materialismo apurado], embora o A/R tenha sido assinado por outrem, que recebeu a correspondência (ponto 2, supra), certamente por se encontrar em tal residência.

Assim, por a decisão recorrida não fundar o juízo positivo de citação numa eventual citação na pessoa da mandatária judicial ou de um representante fiscal, mas do próprio Executado/citando, quedam-se totalmente insubsistentes os argumentos no sentido da invalidade da citação enquanto operada na pessoa de tais mandatária e/ou representante fiscal.

Resta a questão da invalidade daquela citação – a que se reporta a decisão recorrida – dirigida ao Executado/citando, recebida/assinada por outrem, com A/R junto aos autos, dizendo o Apelante que não foi dirigida para a sua morada/residência, uma vez que reside na Noruega, e não em Portugal (designadamente, em ...).

Ora, deve começar por dizer-se que no requerimento executivo o Executado AA é identificado – pelo Exequente – como residente na Noruega, com indicação de morada em ... 11 ... ..., Noruega (ponto fáctico 5).

Donde que devesse a citação ser intentada para essa morada no estrangeiro [cfr. art.ºs 228.º, n.º 1, e 239.º, ambos do NCPCiv. e conclusões d) e g) do Apelante], como foi, embora sem resultado positivo visível (cfr. ponto fáctico 1).

Com efeito, a citação por via postal, através de carta registada com aviso de receção, deve ser dirigida, nos termos legais, ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, no caso de pessoa singular, contendo, para além do mais, a “advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé” (art.º 228.º, n.º 1, citado, tal como o anterior art.º 236.º, n.º 1, do CPCiv. revogado).

Importa, pois, a residência do citando tal como indicada pela contraparte, a quem incumbe identificar o demandado/executado, incluindo a especificação sobre o local/residência onde deverá ser citado [cfr. art.º 724.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv., tal como, no pretérito, o anterior art.º 810.º, n.º 1, al.ª a), do CPCiv. revogado], cabendo ao demandante/exequente o impulso processual (inicial ou subsequente) tendente à realização da citação, mormente quanto ao local onde deve ser conseguida.

Porém, in casu, a citação considerou-se efetuada, por via postal, em Portugal (...), em percurso não convergente com o disposto no n.º 3 daquele art.º 239.º do NCPCiv..

Onde o Recorrente não mostra ter razão é no que respeita ao argumento, também exposto, no sentido de não se ter advertido a pessoa que recebeu a citação em Portugal – o dito CC – da necessidade de entrega dos elementos da citação ao citado e/ou de não existir qualquer prova dessa menção ao assinante do A/R [conclusões i) a f)].

Na verdade, vindo provado (ponto 4) que do A/R (aludido em 2) consta ainda a assinatura/rúbrica do funcionário dos CTT e a identificação da pessoa que recebeu a citação, com menção de que o aviso foi assinado por «pessoa a quem foi entregue a carta» e que se comprometeu, após a devida advertência, a entregá-la prontamente ao destinatário, dúvidas não podem restar de ter ficado devidamente clarificada a necessidade de entrega dos elementos da citação ao citado/Executado, com menção ao assinante do A/R, como consta do próprio texto deste documento.

Mas, não obstante este aspeto, o certo é que, para além de a citação ter sido considerada efetuada, em Portugal, em morada diversa daquela que consta do requerimento executivo – a morada da Noruega, indicada expressamente no requerimento executivo e para onde foi intentada inicialmente a citação –, outra desconformidade/irregularidade deve ser perspetivada.

É que, na carta enviada, para o dito endereço de Portugal (...), para os efeitos previstos no art.º 233.º do NCPCiv., dirigida a «AA», contendo «Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa», refere-se que «fica V.Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa de AA, (…) que recebeu a citação e duplicados legais».

Ou seja, comunicou-se ao citando «AA», para morada diversa da residência indicada no requerimento executivo, e mediante «Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa» (a sua pessoa), nos «termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil», que ficava «notificado de que se considera citado na pessoa de AA (…), que recebeu a citação e duplicados legais.».

Quer dizer, declarava-se ao citando, por não citado na sua própria pessoa, que, afinal, foi citado numa pessoa cujo nome é o seu, pessoa essa que recebeu o expediente notificatório, quando quem recebeu esse expediente foi, comprovadamente, CC, pessoa cuja relação com o Executado se desconhece.

Como resulta óbvio, o citando não acedeu a esse A/R, assinado por outrem, desse modo não lhe tendo sido veiculado o nome/identidade de quem o tenha assinado e recebido o respetivo expediente de citação ([10]).

Haverá, pois, irregularidade na citação, à luz das imposições do preceito do art.º 233.º do NCPCiv., visto o que consta das suas diversas alíneas, mormente a al.ª d), que impõe a comunicação ao citando da identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.

Irregularidade esta que acresce à desconformidade resultante de a citação ser dada como consumada em Portugal, em vez de na residência, na Noruega, indicada no requerimento inicial (cfr. art.º 228.º, n.º 1, do NCPCiv.), e para onde também foi intentada a citação, sem que se houvesse seguido, todavia, o percurso normativo a que alude o art.º 239.º, n.º 3, do NCPCiv..

Irregularidades determinantes, assim – vista a dimensão/relevância da(s) falta(s) cometida(s) –, da nulidade do ato da citação, por força do disposto no art.º 191.º, n.ºs 1 e 4, do NCPCiv., por o vício/falta cometido poder prejudicar a defesa do citado, já que não se lhe indicou a identidade da pessoa em quem, em seu lugar, foi realizado o ato, aquela pessoa que recebera a citação e duplicados legais e que lhos devia entregar (desconhecendo-se se o fez, pelo que não está afastada a hipótese de o não ter feito), para além da desconformidade do local de realização do ato da citação.

Não se mostrando que tenham sido observadas as exigências legais aludidas quanto ao essencial ato processual da citação, e visto o mencionado equívoco/erro de identidade no âmbito notificatório a que alude o referido art.º 233.º, deve a citação ter-se por inválida, havendo, por isso, de ser repetida.

Em suma, salvo sempre o devido respeito, deve ter-se como demonstrado tal vício de invalidade da citação, acarretando a nulidade desta, com as legais consequências – nulidade de todo o processado dependente subsequente –, por ocorrido atropelo ao princípio do contraditório.

Donde, pois, sem necessidade de outras considerações, a procedência do recurso.

Havendo a instância recursiva de ser objeto de tributação e tendo o Recorrente obtido vencimento no recurso, deverão as custas da apelação recair sobre a contraparte, o Recorrido, o qual, embora não contra-alegando no recurso, ficou vencido nesta parte, por ter defendido posição contrária à nulidade da citação na 1.ª instância.

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e declarando, em consequência, a nulidade da citação do Executado/Recorrente, com as legais consequências – nulidade de todo o processado dependente subsequente.

Custas da apelação pelo Recorrido, uma vez que o Recorrente obteve vencimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Coimbra, 07/11/2023

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Alberto Ruço

Fernando Monteiro


([1]) Que se deixam transcritas.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Com base nos documentos referentes à citação, tal como disponíveis no processo principal, na sua versão eletrónica, consultada neste TRC.
([4]) Que pode ser consultado na versão eletrónica dos autos da ação executiva.
([5]) Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 193.
([6]) V. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 111 e seg..
([7]) Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p. 617. Veja-se ainda, sobre a matéria, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, ps. 768 e seg..
([8]) Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, op. cit., p. 620. No mesmo sentido, cfr. o Ac. TRL de 15/09/2022, Proc. 1718/02.9JDLSB.6.L1-2 (Rel. Jorge Leal), em www.dgsi.pt., explicitando assim: «Está em causa uma execução de dívida cível emergente de condenação judicial, que teve o seu início na sequência de requerimento deduzido no próprio processo onde foi proferida a sentença exequenda. Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 626.º do CPC o formalismo executório a empregar é o correspondente à forma sumária, “havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora”. Com efeito, considerando-se que o objeto da instância executiva é meramente sucedâneo do que caracteriza a precedente ação declarativa da dívida, mantendo-se inalterados os seus elementos subjetivos, a citação é substituída por uma simples notificação (…)».
([9]) Como bem referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, op. cit., p. 621, na execução de sentença para prestação de facto «há sempre lugar à citação do executado», como impõem os n.ºs 4 do art.º 626.º e 2 do art.º 868.º, esclarecendo tais autores quais os motivos da diferença de regime perante as execuções para pagamento de quantia certa e para entrega de coisa certa.
([10]) Mesmo considerando que o ónus da prova cabe, nesta matéria, ao citando/executado – cfr. o Ac. TRL de 09/02/2023, Proc. 3818/21.7T8LSB.L1-2 (Rel. Paulo Fernandes da Silva), em www.dgsi.pt, concluindo que «No incidente de falta de citação o réu tem o ónus de alegar e provar que não tomou conhecimento da citação sem que para tal tivesse culpa».