Decisão Texto Integral: |
Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunto: Falcão Magalhães
2.ª Adjunta: Teresa Albuquerque
Apelações em processo comum e especial (2013)
Proc. n.° 2548/21.4T8ACB.C1
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
Os réus AA e cônjuge, BB, apelaram da sentença da Sra. Juíza de Direito do Juízo Local Cível da Comarca ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, que julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, que contra eles foi proposta por CC os condenou a pagar a este a importância de € 28.500,00, acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal dos juros civis sucessivamente em vigor, actualmente fixada em 4%, contados da data da citação até efectivo e integral pagamento, pedindo a sua revogação.
Os apelantes remataram a sua alegação com as conclusões, bem numerosas e latitudinárias, seguintes:
(…).
Conforme referido nestas alegações de recurso, a douta decisão de recurso efectuou uma errada interpretação dos factos, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto dada como provada e também uma errada aplicação do direito, nomeadamente dos artigos 445.° a 450.°, todos do Código de Processo Civil.
O autor, na resposta ao recurso, concluiu pela sua improcedência.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:
2.1. Factos provados.
1) Autor e réus mantiveram uma relação comercial, terminada por altura de inícios do ano de 2016, no desenvolvimento da qual o autor comprava aos réus suínos que estes criavam. (acordo)
2) Nesse período, nos meses de Novembro e Dezembro do ano de 2015, o autor entregou aos réus, a solicitação destes, as seguintes quantias monetárias, cuja soma ascende ao valor global de €28.500,00, através de 4 cheques: - €5.000,00, em 02/11/2015, através do cheque n.° ...11, sacado sobre o «Banco 1...», agência de ...; - €7.000,00, em 19/11/2015, através do cheque n.° ...99, sacado sobre o «Banco 1...», agência de ...; - €10.000,00, em 25/11/2015, através do cheque n.° ...93, sacado sobre o «Banco 1...», agência de ...; - €6.500,00, em 03/12/2015, através do cheque n.° ...90, sacado sobre o «Banco 1...», agência de ....
3) Os réus obrigaram-se a restituir ao autor as referidas quantias quando lhes fosse possível.
4) O teor objectivo do documento n.° 5 junto com a petição inicial, original a fls. 58 e 59, intitulado
«DECLARAÇÃO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA», datado de 30/10/2019, aqui dado por integralmente
5) Os réus foram citados para os termos da acção a 16/12/2021, data das assinaturas dos avisos de recepção juntos a fls. 16 e 17.
2.2. Factos não provados.
Os demais alegados na petição inicial e na contestação, os irrelevantes, os repetidos, os conclusivos, os que encerrem conceitos de Direito e os que se encontrem em contradição ou além dos dados como provados, designadamente:
- O autor interpelou os réus para restituição das quantias referidas nos factos provados no início de Abril de 2016.
- Os cheques mencionados nos factos provados destinaram-se a liquidar as contas entre autores e réus relativas aos fornecimentos de suínos.
- O réu facultou ao autor documentos em branco, nomeadamente guias de transporte e declarações, de forma a que este pudesse justificar transporte de animais sem que estivessem emitidas as guias ou facturas.
- O documento intitulado «DECLARAÇÃO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA», datado de 30/10/2019, trata-se de uma montagem sobre um papel onde poderia constar a assinatura do réu ou a utilização de outro documento para a respectiva montagem.
- A assinatura constante do documento intitulado «DECLARAÇÃO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA», datado de 30/10/2019, como sendo pertencente ao réu, não foi aí aposta pelo próprio punho deste, na data que nele figura e na presença da entidade que procedeu ao reconhecimento da assinatura.
2.3. Motivação da decisão da matéria de facto.
A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2., a motivação seguinte:
(…).
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1^ parte, 3 a 5, do CPC).
Maneira que, considerando o conteúdo da decisão impugnada e das alegações das partes, a questão concreta controversa colocada à atenção desta Relação é a de saber se aquela decisão deve ser revogada e logo substituída por outra que absolva os impugnantes da totalidade do pedido.
Como decorre da sentença impugnada e da alegação do recurso, a controvérsia gravita em torno da conclusão de quatro contratos que realizam um função de troca - e de troca de dinheiro por dinheiro: o contrato de mútuo gratuito, que é o contrato pelo qual o mutuante entrega, ou se obriga a entregar, ao mutuário, uma determinada quantia em dinheiro, obrigando-se o mutuário a restituir tanto do mesmo género e qualidade (art.°s 1142.° e 1145.°, n.° 1, do Código Civil)[1].
O mútuo tem sido considerado um contrato real quoad constitutionem, portanto, como um contrato cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objecto mediato[2]. Trata-se de uma concepção em clara regressão: de todo o modo, não haverá dificuldades em admitir, ao lado do mútuo típico real - que é aquele que surge regulado no Código Civil - mútuos meramente consensuais[3].
Assentando-se, todavia, na natureza real quoad constitutionem do contrato de mútuo, segue-se, como corolário que pode recusar-se, a exigência, para a sua verificação da traditio - e a acceptio - da coisa mutuada.
Relativamente à sua formação, o contrato de mútuo está sujeito às regras gerais (art.° 224.° e ss. do Código Civil). Se, porém, o contrato for real quoad constitutionem, é necessária a tradição da quantia mutuada para o mutuário para que se considere efectivamente constituído: ainda que as partes tenham acordado sobre todas as condições do contrato, antes da traditio, não há mútuo.
Como claro sintoma de alguma inércia legislativa, sem que nisso se veja algum interesse digno de tutela, o contrato de mútuo regulado no Código Civil continua a ser caracterizado, à semelhança de outras legislações europeias, seguindo a vetusta tradição romanista, como um negócio real quoad constitutionem, exigindo-se, para a sua conclusão, além do consenso das partes, a entrega duma coisa[4].
Isso não significa, todavia, que a entrega possa ser considerada um acto de forma do contrato de mútuo, até porque aquela ocorre posteriormente ao acordo das partes; a entrega é aqui parte integrante do próprio regulamento de interesses que integra o conteúdo do contrato de mútuo, constituindo uma mera antecipação do seu momento executivo, que assegura a concretização do negócio previamente acordado, da coisa não é um acto devido em execução do contrato, nem um elemento condicionador da sua eficácia, integra-se na facti species contratual, não constituindo uma condição da respectiva validade, devendo antes ser considerada como um elemento do mútuo legalmente típico, desencadeando, quando se verifique, a aplicação da regime correspondente[5].
Na generalidade dos casos, a tradição consiste na entrega ou colocação à disposição, por um dos contraentes - o mutuante - de uma coisa que é o objecto mediato do contrato, ou que a representa, e na correspondente recepção pelo outro contraente; essa tradição, embora seja requisito do contrato, tanto pode acrescer ao acordo contratual, formado nos termos gerais, como constituir acto significativo do próprio acordo. E não se julga mesmo necessário que a entrega da coisa objecto mediato do contrato seja feita ou mutuário, podendo sê-lo, a indicação do último, a terceiro. É que o ocorre, v.g., com o subtipo mais frequente de mútuo oneroso de dinheiro - o mútuo bancário, que é um mútuo de escopo - em que o mutuante não entrega a quantia mutuada ao mutuário, mas, por indicação deste, a terceiro - v.g., o vendedor da habitação adquirida com a quantia mutuada.
Exigindo-se para a conclusão do contrato de mútuo real, além do consenso das partes, a tradição duma coisa, se esta entrega não tiver lugar, então o contrato não se considera concluído. A não conclusão do contrato, por ausência de entrega da coisa mutuada pode dar lugar a consequências jurídicas várias - v.g., a uma responsabilidade in contraendo - mas devendo ter-se por certo que o contrato não foi concluído, não parece que o problema da sua invalidade se coloque seja qual for o vício que se invoque para a cominar: a discussão sobre a validade ou invalidade de um qualquer contrato, supõe, em boa lógica, que esse contrato se mostra perfeito, no sentido de concluído ou celebrado. Assim, bem pode duvidar-se que a falta de entrega da coisa mutuada tenha por consequência jurídica a nulidade do contrato de mútuo por falta de objecto, parecendo mais exacto que o caso é antes de não conclusão desse mesmo contrato.
Concluindo-se pela nulidade do contrato, a respectiva declaração, por força do seu carácter retroactivo, dá lugar a uma relação de liquidação: tudo o que tiver sido prestado em execução do negócio declarado nulo deve ser restituído, ou, se a restituição em espécie não for possível, o respectivo valor (art.° 289.° do Código Civil).
Efectivamente, a decisão impugnada vinculou os apelantes ao dever de realizar o apelado uma prestação pecuniária com fundamento na nulidade, por falta de forma, de quatro contratos de mútuo que, sendo de valor superior € 2 500,00 não foram concluídos por documento assinado pelo mutuário (art.°s 220°, 285.°, 286.°, 289.°. n.° 1, e 1143.° do Código Civil).
E é essa a ratio decidendi da sentença apelada, o fundamento conspícuo da condenação dos apelantes naquela prestação, e não a confissão de declaração de dívida referida no ponto 4 dos factos que julgou provados - e que segundo os apelantes foi julgado em erro, devendo, por um lado, tal enunciado julgar-se não provado e, por outro, aditar-se aos factos provados o seguinte: o documento intitulado «declaração de confissão de dívida», datado de 30/10/2019, apresentado pelo Autor e impugnado pelos RR., não foi objecto de produção de prova destinada a demonstrar a genuinidade e a força probatória do teor do mesmo.”
Sempre que alguém, por uma declaração unilateral, sem invocação da respectiva causa, reconheça uma dívida ou prometa pagá-la, a procedência da pretensão do respectivo credor não fica prejudicada pela falta de demonstração da sua causa, ficando o devedor onerado com o encargo de demonstrar o contrário, i.e., que a causa não existe, ou cessou ou é ilícita (art.° 458.°, n.° 1, do Código Civil).
O reconhecimento de dívida - enquanto negócio jurídico unilateral causal - implica a isenção ou a dispensa do credor de fazer a prova da relação fundamental - desde que não esteja legalmente sujeita a formalidades específicas - cuja existência, até prova em contrário, se presume. Nesta situação peculiar, que a doutrina designa como de causalidade substancial e abstracção processual[6], o credor que invoca o acto unilateral de reconhecimento, está dispensado de invocar e provar a relação fundamental, que se presume; o devedor, pode, porém, fazê-lo, para contrariar a pretensão do credor, devendo, então, alegar e provar a insubsistência do crédito, por cumprimento, ou por prescrição, ou por invalidade da relação fundamental ou por outra razão que, no caso, possa ter esse efeito[7].
De modo que, embora o acto de reconhecimento da dívida se não traduza numa relação jurídico- material, dotada da característica da abstracção - assentando, necessariamente na existência anterior de uma relação jurídica fundamental que suporta o acto de reconhecimento unilateral de um débito pré- existente - a presunção de existência de uma relação fundamental, traz implícita a desoneração do credor da demonstração da existência e validade dessa relação causal, subjacente ao negócio unilateral, recaindo, naturalmente, sobre o devedor o ónus ou encargo de ilidir essa presunção, no âmbito da oposição que formula contra a obrigação, v.g., nos embargos que deduza contra a execução em que tenha sido utilizado como título executivo o documento recognitivo correspondente. Quer dizer: a declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida importa a actuação da presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor demandado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor.
É exacto que a doutrina não é acorde quanto à exacta extensão do regime da apontada abstracção processual, dado que, não falta quem entenda - em termos mais restritivos - que aquela abstracção apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral - mas não também do ónus de alegar essa mesma relação[8].
Em qualquer caso, deve notar-se que, em bom rigor, existe aqui ainda um negócio jurídico unilateral - embora aparentemente apenas com eficácia meramente declarativa - e que, havendo promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida, a obrigação preexistente já não é a mesma, dado que o reconhecimento, sendo declarativo, tem também eficácia constitutiva: para além do decisivo aspecto da prova, a dívida reconhecida nunca é precisamente a mesma[9].
Como quer que seja, por ora importa pôr em relevo que o recurso tem por fundamento essencial o error in iudicando, por erro na avaliação das provas em que, segundo os apelantes, incorreu a Sra. Juíza de Direito, quer no tocante a alguns factos que declarou provados quer relativamente aos que julgou não provados. No ver dos impugnantes, numa sã e prudente avaliação das provas, os factos relativos ao reconhecimento de dívida e à conclusão dos contratos de mútuo gratuitos devem julgar-se não provados.
Dado que importa, evidentemente estabilizar a base de facto sobre a qual deve ser levado a cabo o controlo da correcção da solução da questão de direito, está indicado que a exposição subsequente se abra com a questão do erro de julgamento em matéria de provas.
3.2. Eror in iudicando em matéria de provas.
3.2.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes de controlo e correcção desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1.9 instância.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação e a correcção da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar - e substituir - a decisão da 1^ instância, nomeadamente, se a prova produzida - designadamente a prova pessoal produzida oralmente na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo - impuser decisão diversa (art.°s 640.°, n.° 1, b), in fine, e 662.°, n.° 1, do CPC).
Todavia, esse controlo é actuado na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão da questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral - mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições- e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há-de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse controlo orienta-se pelos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova - que visa a demonstração da realidade dos factos - apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (art.° 341.° do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção - i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (art.° 607.°, n° 5, do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos - e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária e, portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional;
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
f) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica - de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[10].
Note-se - de harmonia com a doutrina que se tem por preferível - que se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas - que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas - não há razão bastante - legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela instância (art.° 607.°, n° 5, ex-vi art.° 663.°, n° 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1^ instância exige, realmente, que a Relação construa - autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente[11].
A conclusão da correcção ou da incorrecção da decisão da questão de facto do tribunal da 1^ instância exige um juízo de relação ou comparação entre a convicção que o decisor de facto daquela instância extrai dos elementos de prova que apreciou e a convicção que a Relação adquire da reapreciação dessas mesmas provas. Se a convicção do juiz da 1.9 instância e da Relação forem coincidentes, a decisão da matéria de facto daquele tribunal deve ter-se por correcta, com a consequente improcedência da impugnação deduzida contra ela; se a convicção do decisor da 1.9 instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da 19 instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção[12].
A Relação deve, pois, formar uma convicção verdadeira - e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.9 instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se limitando a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício da prova - salvo casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo[13].
3.2.2. Reponderação das provas.
A discordância dos apelantes relativamente à decisão da quaestio facti dirige-se, desde logo, ao ponto de facto julgado provada com o algarismo 4, que reproduz um documento intitulado declaração de confissão de dívida e que, do seu ponto de vista deve julgar-se não provado.
Um tal documento é um documento particular que se mostra assinado (art.°s 362.° e 363.°, n.°s 1 e 2, in fine, do Código Civil).
Relativamente aos documentos particulares assinados pelo seu autor, a lei estabelece um sistema gradativo de ilações.
- Primeira ilação: genuinidade da assinatura e, portanto, da autoria do documento; invocado um documento assinado, fica objecto de prova bastante que a assinatura é genuína: se a parte não impugnar a veracidade da assinatura, tem-se ela por demonstrada (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil); se a parte impugnar a veracidade da assinatura ou então, não sendo a assinatura da própria parte, declarar que não sabe se é genuína (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil), a genuinidade da assinatura terá de ser objecto de prova, recaindo o ónus da prova sobre o apresentante do documento (devendo o tribunal, na dúvida, tomar a assinatura como não genuína) (art. 374.°, n.° 2, do Código Civil).
- Segunda ilação: da genuinidade da assinatura, conclui-se a genuinidade do texto do documento; o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos descritos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (art. 376.°, n.° 1, do Código Civil);
- Terceira ilação: a demonstração da genuinidade do texto transforma o documento em confessório, isto é, os factos nele relatados consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art.° 376.°, n.° 2, do Código Civil); isto não impede, no entanto, que o autor do documento possa demonstrar a inveracidade daqueles. O valor probatório do documento assinado pode ser ilidido através da prova de uma das seguintes circunstâncias: a demonstração da falsidade material do documento (art. 376.°,n.° 1, in fine, do Código Civil), i.e., a prova da alteração do seu conteúdo, antes ou depois da subscrição pelo signatário; se o documento tiver sido assinado em branco, a demonstração de que foi violado um pacto de preenchimento ou de que o documento foi subtraído ao signatário (art. 378.° do Código Civil); se o documento tiver sido subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler ou a rogo, a demonstração de que a subscrição não foi confirmada perante notário (art. 373.°, n.°s 3 e 4, do Código Civil).
O procedimento probatório relativo às provas pré-constituídas, como é o caso da prova documental, pode dar lugar a um incidente probatório, destinado a averiguar a genuinidade, a autenticidade ou o preenchimento indevido de um documento (art.°s 444.° a 450.° do CPC). Em concreto, a impugnação da genuinidade do documento ou de reprodução mecânica e a ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento devem ser efectuados no prazo de 10 dias a contar da sua apresentação, se a parte estiver presente, ou da notificação da junção do documento, no caso contrário (art.° 444.°. n.° 1, e 446,° n.° 1, do CPC). Para além destes aspectos comuns, há procedimentos diferenciados para a impugnação da genuinidade do documento e para a impugnação da autenticidade ou da força probatória do documento (art.°s 444.° e 445.° e 446.° a 450.°, respectivamente, do CPC).
Assim, com a impugnação da genuinidade do documento, i.e., da letra ou da assinatura do documento particular ou da reprodução mecânica, ou com a declaração de que não sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira, o impugnante pode requerer a produção de prova; a parte que produziu o documento pode requerer também a produção de prova destinada a convencer da genuinidade do documento (art.°s 444.° n.° 1, e 445.°, n.°s 1 e 2, do CPC). Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a sua genuinidade - a veracidade da letra e da assinatura - incumbe à parte que o apresentou a prova da sua veracidade (art.° 374.°, n.° 2, do CPC).
Se a parte impugnar a autenticidade ou a força probatória do documento - v.g., a falta de autenticidade do documento presumido pela lei como autêntico ou a sua falsidade - a parte contrária, salvo se a arguição for feita em articulado que não seja o último, é notificada para responder, podendo ser requeridas com a arguição e com a resposta a produção de prova, sendo a matéria do incidente considerada nos temas da prova, enunciados ou a enunciar, tendo a produção da prova, bem como a decisão, lugar conjuntamente com a da causa (art.°s 446.°, n.° 1, e 449.°, n°s 1 a 3, do CPC).
Quanto a distribuição do ónus da prova, valem, aqui, as regras gerais, sendo certo que o nosso direito probatório material se orienta pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas - de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si - e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Assim, se uma parte arguiu a falta de autenticidade do documento ou a sua falsidade, cabe a arguente a prova de uma coisa ou de outra. Se o arguente não demonstrar aquela falta de autenticidade ou esta falsidade, o tribunal profere uma decisão contra essa parte, visto que é ela quem está onerada com o ónus da prova do facto correspondente (art.°s 414.° do CPC, e 346.°, 2^ parte, do Código Civil).
O referido documento é um documento particular - mas não se trata de documento particular simples - que é aquele que é escrito ou assinado por qualquer pessoa, sem intervenção alguma de funcionário público, notário ou equiparado - mas de um documento com reconhecimento equiparado a notarial, dado que a assinatura se mostra reconhecida por advogado, reconhecimento que foi feito presencialmente (art.°s 51., n.° 4, e 153.°, n.°s 5 e 6, do Código do Notariado, e 38.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29 de Março, na sua redacção actual).
Ora, dado que assinatura aposta no documento foi reconhecida presencialmente, esse acto de subscrição tem-se por verdadeiro, pelo que se a parte contra quem o documento for apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da assinatura, compete-lhe fazer a prova dessa falsidade (art.° 375.°, n°s 1 e 2, do Código Civil, e 38.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29 de Março). De um modo geral pode dizer-se que o documento e falso quando o que exprime não corresponde à realidade, i.e., quando o que o documento inculca ter-se passado não se passou realmente, costumando distinguir-se entre a falsidade material e a falsidade ideológica ou intelectual: a primeira refere-se á parte extrínseca do documento; a segunda à parte intrínseca, sendo certo que a falsidade do conteúdo do documento tanto pode ser material como ideológica, conforme se traduza na fabricação ou forja do documento ou numa viciação do conteúdo - o documento exprimia realmente o que se passou, mas foi alterado posteriormente - ou na divergência entre o que o documento relata e o que de facto se passou (mentira).
Os apelantes, confrontados com a junção, com a petição inicial, do documento produziram - como salientam na alegação do recurso - as afirmações seguintes: bem assim o documento chamado como declaração de divida, que igualmente se impugna, e que constitui uma surpresa para o R., a capacidade do A. em alegar aquele documento, que não pode ignorar, nunca ter existido, sendo falso; nunca assinou aquela declaração, que viu agora pela primeira vez; declaração, que nem sequer tem qualquer justificação, pois o Réu nunca assinou qualquer documento com os dizeres nela constantes; nem foi do punho do Réu que a mesma foi escrita; sendo pois falso que alguma vez tenha subscrito a declaração junta aos autos como documento n° 5; aliás, de uma vista sumária, nota-se que se trata de uma montagem sobre um papei onde poderia constar a assinatura do contestante, ou a utilização de outro documento para a respetiva montagem. Este conjunto de afirmações outra coisa não é que a arguição da falsidade do documento - tanto da assinatura, como da letra - na sua modalidade mais grave: a da sua falsidade material, dado que se sustenta abertamente, sem rebuço, que o documento foi forjado, fabricado.
Tendo alegado a falsidade, tanto da letra como da assinatura do documento, competia aos apelantes a provada da falsidade que arguiram (art.°s 375.° e 376.°, in fine, do Código Civil). Pergunta-se: os apelantes provaram a falsidade arguida? A resposta exacta é só esta: não. Em face disso, a dúvida sobre a realidade do facto da falsidade da assinatura e da letra do documento, alegada pelos apelantes, deve ser resolvida contra estes, parte onerada com a respectiva prova, ou passando desta formulação subjectiva, para uma formulação objectiva, pode dizer-se que, perante a dúvida, sobre a realidade do facto - a falsidade do documento - o tribunal ficciona o facto contrário ao facto que a parte pretendia provar: a veracidade ou autenticidade, tanto material como intelectual ou ideológica, desse mesmo documento (art.° 414.° do CPC). Maneira que da genuinidade da assinatura, conclui-se a genuinidade do texto do documento e a demonstração da genuinidade do texto transforma o documento em confessório, isto é, os factos nele relatados consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, no caso, que o apelante deve ao apelado € 27 550,00, e os respectivos juros, declaração unilateral de reconhecimento da dívida que - como se salientou já - importa a actuação da presunção de existência da relação causal, apelantes afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor[14].
Sendo isto indiscutivelmente assim, é clara a improcedência da impugnação da correcção do julgamento deduzida pelos apelantes quanto ao ponto de facto julgado provado com o n.° 4 e quanto aos enunciados contrários declarados não provados.
A decisora de facto da 1.9 instância julgou provados os factos integrantes dos mútuos gratuitos e não provado que os cheques mencionados nos factos provados destinaram-se a liquidar as contas entre autores e réus relativas aos fornecimentos de suínos. Segundo os apelantes uma tal decisão é incorrecta dado que se encontra ferida com um erro na avaliação ou aferição da prova testemunhal.
Assim, os apelantes indicam, na sua alegação, como prova a este propósito avaliada em erro, o depoimento da testemunha DD, profissional de suinicultura. Simplesmente, nas conclusões com que remataram aquela alegação omitem, por inteiro, a afirmação de que uma tal prova pessoal foi erroneamente avaliada, nem se referindo sequer àquela testemunha.
O recorrente que impugna a decisão da matéria de facto deve especificar, sob a pena grave de rejeição, nesse segmento, do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos e a decisão que, no seu ver, deve ser encontrada para os pontos factos impugnados (art.° 640.°, n.° 1, a) a c), do CPC). Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente proceder à indicação das passagens do registo fonográfico em que funda a impugnação, sem prejuízo da faculdade de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art.° 640.°, n.° 2, a) do CPC).
De harmonia com a jurisprudência constante - mas discutível - do Supremo Tribunal de Justiça, há que operar um distinguo, no ónus da impugnação da matéria de facto que vincula o apelante, entre um ónus primário ou fundamental - referido à indicação dos pontos que o recorrente reputa de mal julgados, aos meios de prova que impõem decisão diversa e à decisão que deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas - e um ónus secundário - que tem por objecto a indicação exacta das passagens do registo sonoro da prova. Distinção que, relacionada com o ónus de formular conclusões, determina esta solução: a falta nas conclusões, da referência à impugnação da matéria de facto, à menção dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e os meios de prova susceptíveis de inculcar decisão diversa daquela que foi encontrada, para aqueles pontos de facto, pela decisão da 1,9 instância, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser proferida, é fundamento de rejeição, total ou parcial, do recurso no tocante à impugnação da decisão da questão de facto (art.°s 635.°, n.°s 2 e 4, 639.° e 641.°, n.° 2, b), do CPC); para que se tenham satisfeitas as restantes exigências dessa impugnação - designadamente a indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda - é suficiente que sejam levadas ao corpo da alegação (art.° 640.°, n.° 1, b) e c), do CPC)[15].
Ora, no caso é patente que os apelantes não cumpriram o apontado ónus primário, relativamente ao meio de prova representado pelo depoimento da testemunha DD, dado que, nas conclusões com que remataram a sua alegação, nunca seque se lhe referiram. O incumprimento desse ónus obstacula à consideração, no recurso, daquele depoimento. É mais que tempo de as partes levarem a sério o cumprimento pontual do ónus de impugnação da matéria de facto, e que justifica, no tocante à prova produzida oralmente, objecto de registo fonográfico, a concessão de um maior prazo para a impugnação.
De resto, um tal depoimento sempre se deveria ter, de todo, por inconclusivo. É que - como a Sra. Juíza fez notar na motivação da sua decisão da matéria de facto - esta testemunha asseverou nunca ter tido negócios com o réu, nem saber como é que autor e réu faziam negócio. Esta ignorância relativamente à realidade dos factos controversos impede, evidentemente, se ligue a um tal depoimento qualquer força persuasiva.
Os apelantes reputam também de avaliado ou apreciado em erro o depoimento de uma testemunha que, comprovadamente, exerceu no espírito ou no ânimo da Sra. Juíza de Direito uma influência considerável, senão mesmo determinante - a testemunha EE, que prestou ao apelado serviços de contabilidade até ao de 2016, data em que aquele cessou a actividade de suinicultor. Julga-se, porém, que as declarações desta testemunha estão bem longe de confortar o ponto de vista dos apelantes, antes inculcando a correcção do julgamento da Sra. Juíza de Direito. Realmente, aquela testemunha asseverou que o apelado adiantava dinheiro ao réu, que nenhuma das facturas emitidas por este ficou por pagar e que o saldo da conta corrente a favor do apelado era - embora não tenha a certeza - de perto de € 30 000,00. Mais garantiu que uma vez ligamos lá do escritório só para ver se ele - o apelante - pagava, ele disse que ia pagar, acrescentando, enfim, que o réu nunca negou a dívida. Por força da razão de ciência que anima este depoimento e do distanciamento da testemunha relativamente aos interesses das partes e ao desfecho da causa - que lhe permitem fazer um depoimento objectivo, imparcial e desinteressado - é correcto atribuir-lhe uma especial força persuasiva relativamente à realidade dos factos discutidos.
Os apelantes acusam também de mal avaliado o depoimento da testemunha FF, filha dos recorrentes e que elabora facturas e outros documentos conforme indicação do apelado. A Sra. Juíza de Direito - como os apelantes fazem notar - desvalorizou ou depreciou este depoimento. Cremos que fez bem. Realmente, a testemunha a propósito dos empréstimos limitou-se a afirmar que não teve conhecimento que o Sr. CC emprestava dinheiro ao seu pai - i.e., nem sequer afirmou a veracidade do facto contrário, limitando-se a afirmar o seu desconhecimento - e que não fazia a conferência entre os cheques entrados e a facturação, que só lhes fazia as facturas e os recibos. Portanto – mesmo abstraindo da relação de parentesco que liga a testemunha e os apelantes que, determina, numa avaliação prudente da prova, a apreciação do seu depoimento com alguma cautela e circunspecção - tal depoimento é anódino ou asséptico para convencer do erro de julgamento acusado pelos apelantes.
Considera-se, portanto, correcta a convicção argumentativa exposta na sentença apelada. E sendo isto assim, há que concluir que não há realmente razão para considerar que a Senhora Juíza de Direito tenha incorrido, no julgamento dos pontos de facto objecto da impugnação - num error in iudicando, por erro na aferição da prova testemunhal indicada pelos apelantes e, portanto, que a convicção que extraiu das provas não foi alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta[16].
Não há, pois, há fundamento para alterar a decisão da matéria do Tribunal de que provém o recurso.
3.3. Concretização.
Os factos definitivamente adquiridos para o processo mostra a conclusão de quatro contratos de mútuo gratuito, nulos por falta de forma (art.°s 220.° e 1143.° do Código Civil).
Face à nulidade destes contratos é meramente consequencial a constituição dos apelantes na obrigação de restituição do que lhe foi prestado pela apelante que, inelutavelmente decorre, dessa invalidade (art.° 289.° do Código Civil).
A obrigação de restituição que decorre da declaração de nulidade do negócio simulado é, no caso, indubitavelmente, uma obrigação pecuniária dado que tem por objecto uma prestação em dinheiro, através da qual se assegura um determinado valor patrimonial abstracto expresso num montante monetário nominal. A indemnização moratória consiste, portanto, dada a natureza pecuniária da obrigação, aos juros contados desde a constituição do devedor em mora que ocorre, designadamente, com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprir (art.°s 805.°, n.° 1, e 806.°, n° 1, Código Civil). Esses juros são os legais, salvo se antes da mora for devido juro mais elevado ou se se houver estipulado um juro moratório diferente do legal (art.° 806.°, n° 2 do Código Civil).
A decisão impugnada é, pois correcta. O recurso deve, assim, julgar-se improcedente.
Da argumentação expendida extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, a seguintes:
(…).
Os apelantes sucumbem no recurso. Essa sucumbência torna-os objectivamente responsáveis pela satisfação das respectivas custas (art.° 527.°, n.° 1, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos apelantes.
2023.10.24
[1] João Redinha, Contrato de Mútuo, Direito das Obrigações, 3° volume, sob a coordenação de Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, págs. 187 a 190.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4^ edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 762.
[3] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 527, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, Conteúdo. Contratos de Troca, Almeida Coimbra, pág. 156, Vaz Serra, RLJ, Ano 93, pág. 65 e José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 497 e 498. A figura dos contratos reais é um efeito da inércia, um resquício da tradição romanista que parece não desempenhar hoje, designadamente quanto ao mútuo, qualquer função útil, i.e., não corresponde a qualquer interesse relevante, específico daquele tipo negocial. Neste sentido, Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, pág. 11 a 13. Note-se, por último, que nada impede que o mútuo seja efectuado em moeda escritural, e não em moeda legal - notas, moedas. É o que, em regra, ocorre, por exemplo, com o mútuo (mercantil) bancário em que, como é da experiência comum, o banco só raramente entrega dinheiro ao cliente - entrega material - limitando-se a creditar-lhe a soma mutuada na respectiva conta bancária - entrega electrónica ou simbólica.
[4] Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, cit. pág. 11, nota (1); art.°s 1142.° do Código Civil, 1892.° do Código Civil Francês, 607 do BGB, 1753.° do Código Civil Espanhol, 1813.° do Código Civil Italiano; o art.° 312.° do Código Civil Suíço considera o mútuo concluído com o simples acordo das partes; assinalando ao contrato de mútuo natureza real quoad constitutionem, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 275, António Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL, vol. II, pág. 60, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 206, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6° ed., pág. 73, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4° ed., pág. 190, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3° ed., pág. 680, e João Redinha, Contrato de Mútuo, pág. 194, Direito das Obrigações, vol. III, coordenado por Meneses Cordeiro, cit.; contra Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, 1979, nota (14).
Emílio Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico, vol. II, pág. 147 e João Redinha, cit., págs. 200 e 201.
[6] F. Pereira Coelho, Causa Objectiva e Motivos Individuais no Negócio Jurídico, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume II (A Parte Geral do Código Civil e a Teoria Geral do Direito Civil), 423-457. 2006, Portugal, 2006. pág. 431.
[7] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, 5^ edição, pág. 506, e Ac. do STJ de 07.05.2013, www.dgsi.pt. O reconhecimento de uma dívida é uma declaração de ciência (confissão) e, aí, a causa que se presume não é a causa do acto, mas a da obrigação, se esta for de natureza negocial, envolvendo uma causa (que se presume conjuntamente com outros elementos do negócio): João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 1995, pág. 277, nota 468. Cfr., Vaz Serra, Direito das Obrigações, BMJ n.° 101, 1960, pág. 59.
[8] Assim, por exemplo, José Lebre de Freitas - A confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 390: sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação, e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder, um documento em que o devedor reconhece a dívida ou promete cumpri-la, sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito - o que é confirmado pela exigência de forma do art.° 458.° n.° 2 do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental - e daí que a prova da inexistência da relação causa válida, a cargo do devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecida pelo devedor; cfr. Ac. do STJ de 07.07.2010, www.dgsi.pt.
[9] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Contratos, Negócios Unilaterais, Almedina, 2018, pág. 693, e Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, cit. pág. 447. Objecto de controvérsia é, no entanto, a questão saber se o art.° 458.° do Código Civil prevê negócios de acertamento. Em sentido afirmativo, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, ops. locs. cit. e Ac. do STJ de 07.07.2010 (337/08.7TBOAZ.AP1.S1), contra João de Oliveira Geraldes, Sobre os negócios de acertamento e o artigo 458.° do Código Civil, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXII, 2021, n.° 2, págs. 277 e ss.
[10] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[11] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, pág.
237, e João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3^ edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
[12] Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia - Ac. do STJ de 24.9.2013, Proc. 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, n° 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 333 e 334.
[14] Note-se que ainda que o reconhecimento não importasse o funcionamento da presunção, sempre seria de lhe atribuir o valor de prova prima facie, caso em que a produção e a valoração da prova são facilitadas, dado que corresponde a uma categoria de prova que, por assentar numa relação típica entre o facto probatório e o facto probando é em si mesma, suficiente para excluir qualquer alternativa e, por isso, dispensa qualquer valoração do caso concreto. É, por isso, não uma aparência de prova - mas antes uma prova que é susceptível de demonstrar a veracidade ou a verosimilhança do facto probando. A tipicidade da inferência probatória é de tal modo forte que esta inferência apenas cede perante dúvidas fundadas, i.e., perante uma contraprova prima facie e não perante a mera contraprova, ou perante a prova do contrário. A contraprova prima facie é realizada através da prova de que o facto probando pode não se ter verificado, apesar da verificação do facto probatório, o que requer a prova - que em processo civil onera a parte a quem o facto probando desfavorece - de uma relação atípica entre o facto probatório e o facto probando ou a prova de uma relação típica do facto probatório com um facto diferente do facto probando. Se uma pessoa declara, formalmente, dever a outra certa quantia, deve admitir-se ou inferir-se a existência de uma causa constitutiva do débito objecto do reconhecimento, dado que a existência dessa causa é típica, porque é confirmada por regras de experiência decorrentes da normalidade das coisas, do id plerumque accidit, do que normalmente sucede.
[15] Assim, entre muitos, os Acs. de 16.12.2020 (8640/18.5YPRT.C1.S1), 09.06.21 (10300/18.8/8SNT.L1.S1), 25.03.2021 (756/14-3TBPTM.L1.S1), 07.07.2021 (682/19.OT8GMR.G1.S1) e de 02.02.2022 (1786/17.9T8VZ.P1.S1).
[16] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág.
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