Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3106/20.6T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
CUSTO DO ALUGUER DE UM VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 623.º E 662.º, DO CPC
ARTIGOS 350.º, 2; 503.º, 3 E 566.º, 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Para que o dano da privação do uso seja indemnizado é bastante a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada e de cujo gozo está privado por efeito do sinistro.
II – O custo do aluguer de um veículo além de cobrir a margem de lucro a que qualquer atividade económica aspira, tem que necessariamente cobrir os custos inerentes ao desenvolvimento de tal atividade, sob pena de insolvência a breve trecho da entidade que a desenvolve.

III – E porque assim é, o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado.

IV – Assim, concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, nº 3, do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)

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     Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

A...”, pessoa coletiva n.º ...58, com sede no Largo ..., em ..., instaurou a presente ação com processo comum contra a sociedade “B..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, pessoa coletiva n.º ...09, com sede na Rua ..., ... ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais quantia de 14.817,75€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde da citação e até integral pagamento, nos termos no artigo 805º nº 3 do Código Civil, em razão do acidente de viação ocorrido no dia 6 de setembro de 2015, cerca das 17 horas e 30 minutos, na Estrada Nacional n.º...31, em ..., no sentido ..., em que foram intervenientes as viaturas com as matrículas ..-..-ZJ (propriedade da autora) e ..-..-NU (segurado pela ré), com fundamento no facto de esta última ter sido a única culpada na produção do acidente.

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Contestando, opôs-se a ré, enjeitando qualquer responsabilidade, alegando, por um lado, que o reclamado crédito se encontra prescrito e, por outro lado, que o responsável pela eclosão do acidente foi o condutor da viatura da autora e não o condutor da viatura por si segurada.

Requereu ainda a intervenção acessória de AA (condutor da viatura segurada) BB (pai do condutor e proprietário da viatura segurada) e mulher CC, a qual foi deferida.

Citados, os intervenientes não deduziram contestação, nem intervieram nos autos.

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Foi proferido despacho a declarar verificada a exceção perentória de prescrição.

Tal despacho foi revogado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

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Nesse seguimento, foi proferido despacho saneador, com dispensa de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

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Instruída a causa, procedeu-se à realização de audiência e discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais (como se alcança da respectiva Ata), com discussão nela da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que a responsabilidade decorrente do acidente não podia deixar de ser imputada ao condutor do veículo segurado na ré e, consequentemente, ser esta obrigada a suportar todos os danos que a autora sofreu, sendo do montante apurado de € 4.617,35 a reparação do veículo, do montante de € 3.090,00 a indemnização por privação de uso do veículo (= 103 dias x € 30,00) e de € 1.000,00 a compensação pela desvalorização do veículo, assim se vindo a concluir pelo seguinte concreto “Dispositivo”:

«DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a ré B..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à autora A... a quantia de 8.707,35€ (oito mil setecentos e sete euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

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Valor - 14.817,75€ (catorze mil oitocentos e dezassete euros e setenta e cinco cêntimos)4.

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Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.

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Registe e notifique.»

                                                           *

Inconformada, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizou com as seguintes conclusões:

«1ª/ A recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto: nºs 7., 8., 9., 10., 17., 18., e 19 dos factos provados e n.os. 6., 7., 8., 9., 10., e 13., dos factos não provados.

2ª/ Assim, os factos provados nºs. 7., 8., 9., 10., 17., 18., e 19., devem ser julgados não provados.

3ª/ Já os factos não provados 6), 7), 8), 9),10) e 13) devem ser julgados provados, assim:

a) - 6) O condutor do veículo ..-..-NU conduzia este veículo na metade direita da via.

b) - 9) O veículo da Autora pretendia ultrapassar o veículo seguro (..-..-NU) e o seu condutor imprimiu ao mesmo (veículo da Autora) uma velocidade muito superiora 50km/hora.

c) - 10) Foi então, quando já iniciava a respectiva manobra que avistou em sentido contrário uma outra viatura, obrigando o veículo da Autora a regressar à metade direita.

d) - 7) O condutor do veículo ..-..-ZG não controlou a velocidade que imprimia a este e, por essa razão, foi embates na traseira do ..-..-NU.

e) - 8) Este (veículo seguro) circulava a velocidade reduzida na metade direita da faixa de rodagem.

f) - 13) O embate entre as duas viaturas ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido de ambos os veículos.

4ª/ Os concretos meios de prova que impõe uma decisão diversa, quando aos factos provados 7., 8., 9., e 10., e não provados 6), 7), 8), 9), 10) e 13) são o auto de participação de acidente de viação elaborado pela autoridade policial, que colheu logo as declarações dos condutores dos veículos intervenientes e a sua descrição do acidente, bem como o croqui que também elaboraram.

5ª/ Deste resulta que o embate entre as viaturas é na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido de ambos os veículos e está descrito um rasto de travagem feito pela ambulância com 35 metros de extensão, a começar na metade esquerda da via e terminar na metade direita, quando embateu contra a traseira do ..-..-NU.

6º/ No processo penal (nº 169/15....) o tribunal fundou a decisão sobre a matéria de facto apenas na confissão do arguido; na douta sentença também se diz que teve em conta a participação de acidente (os outros documentos não tinham qualquer interesse quanto à dinâmica do acidente), mas não diz em que medida contribuíram (e isso era essencial) para a decisão.

7ª/ Esta participação não permitia, se tivesse sido analisada criteriosamente, aceitar a confissão sem reservas do arguido, porque a descrição feita na acusação ( e transposta para a douta sentença) omite uma circunstância essencial que é o facto de em sentido contrário ter surgido um veiculo.

8ª/ Quanto à mais prova produzida a este propósito (dinâmica do acidente) como resulta de todos os depoimento transcritos que se juntam, não houve nenhuma.

9ª/ Assim, a responsabilidade pela ocorrência do acidente deve ser atribuída em exclusivo ao condutor do veículo da A.

10ª/ Aliás, vai invocada no art. 36º da contestação a presunção de culpa estabelecida pelo art. 503, nº 3 (1ª parte) do C. Civil contra a Autora (v. Assento nº 1/83, de 28 de Junho), pois o veiculo da A. era conduzido por conta desta, no exercício das suas funções.

11ª/ Quanto aos restantes factos provados (nºs 17., 18., e 19.) os concretos meios de prova que impõem decisão diversa são os depoimentos das testemunhas DD (passagem 00:00 a 04:46; 6:19 a 10:11; 14:45 a 15:20; 16:50 a 17:09 e 22:03 até ao fim), EE (passagem com inicio a 05:00 a 08:37; 10:09 a 27:11 e 29:49 até ao fim ) e FF (passagem 07:00 até ao fim), entre muitas outras, como resultam dos seus depoimentos, cuja transcrição se fez.

12ª/ Não ficou provado que a A. tivesse qualquer prejuízo, sendo certo que é uma pessoa colectiva sem fins lucrativos e dispunha de mais duas ambulâncias igualmente equipadas para fazer o mesmo serviço.

13ª/ Por isso, não faz sentido, quando é certo que resultou provado que a A. recebia, em média, € 30,00 por serviço e por dia, e que aquele montante incluía combustível, oxigénio, revisões, pneus, amortização/desvalorização da viatura, que, se calhar mal pagava as despesas, que o Tribunal vá atribuir, a titulo de indemnização pela paralisação da ambulância, € 30,00 por dia, não com fundamento nos factos alegados, mas não provados, mas com base em factos que nem sequer foram alegados, favorecendo injustificadamente a Autora.

14ª/ Quer dizer: a causa de pedir invocada pela A. para fundar o pedido de indemnização pela paralisação não ficou provada, ou seja, não se provou quanto é que a A. deixou de receber, sendo certo que alegou que o INEM pagava € 76,67 por dia, mas que se provou ser para as três ambulância, ou seja, € 25,56 para cada uma.

15ª/ O Tribunal, perante a falta de prova que considerou existir, foi premiar a A. com um montante superior ao montante bruto que o INEM pagava e considerou como adequado € 30,00 por dia.

16ª/ É caso para dizer que valeu a pena não ter feito a prova do que alegou, por que o Tribunal foi compreensivo e bom , dando mais com base noutros factos não alegados e, portanto, não provados.

17ª/ Finalmente, embora o Tribunal tenha dado como não provada (v. facto não provado 5) a desvalorização da ambulância em quantia nunca inferior a € 1 000,00, decidiu contraditoriamente que a ambulância teve uma desvalorização de € 1 000,00.

18º/ Assim, apenas o montante correspondente à reparação se justifica, ou seja, € 4.617,35, o mesmo já não acontecendo em relação ao montante de € 3 090,00 referente à paralisação (um verdadeiro prémio para a falta de prova dos danos concretamente alegados pela A) e de € 1000,00 referente à desvalorização da viatura.

19ª/ Deve, assim, o montante da indemnização ser reduzido para a quantia de € 4.617,35 correspondente ao que foi gasto com a reparação, mas ainda assim ser absolvida a recorrente do seu pagamento, por a responsabilidade do acidente pertencer ao condutor da ambulância da A.

20º/ A douta sentença é nula nos termos do art. 615º, nº 1 - c) do C.P.Civil, na medida em que tendo dado como não provado o facto não provado 5), condenou a recorrente num montante ao que considerou não provado.

21ª/ Por outro lado, para efeitos do disposto no nº 2, alínea c) do art. 639º do C.P.Civil indica como normas violadas entre outras :

- art. 503º, nº 3 do C. Civil que estabelece uma presunção de culpa do condutor do veiculo da A. (relação comitente/comissário)

- art. 24º do C. Estrada que obriga o condutor do veiculo da A. a regular a velocidade de um modo especial por forma a fazer parar este no espaço livre e visível à sua frente.

- art. 564º , nº 1 do C. Civil na medida em que o cálculo da indemnização não está em conformidade com o valor dos danos.

22ª/ Deve, assim, a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade e a Ré absolvida do pedido.»

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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações a este recurso.

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

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            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- incorreto julgamento da matéria de facto, que se traduziu na incorreção de considerar “provados” os pontos de facto “7.”, “8.”, “9.”, “10.”, “17.”, “18.” e “19.” [relativamente aos quais pugna por que passem a figurar no elenco dos “não provados”] e em não considerar “provados” os pontos de facto “6.”, “7.”, “8.”, “9.”, “10.” e “13.” do elenco dos factos “não provados” [relativamente aos quais reclama que sejam dados como “provados”, com a concreta redação que propõe, e com inserção no elenco atinente];

- incorreto julgamento da matéria de direito [a começar pelo aspeto da responsabilidade pela ocorrência do acidente, mais concretamente porque se entende que a mesma coube inteiramente ao condutor da ambulância da Autora (também em função da presunção de culpa estabelecida na primeira parte do nº 3 do art. 503º do C. Civil), bem assim no particular do valor indemnizatório relativo à privação do uso do veículo, determinado pelo tribunal a quo segundo critérios de equidade, no montante de € 3.090,00, e quanto à compensação pela desvalorização do veículo, também segundo critérios de equidade, em € 1.000,00].

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que um dos recursos tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

«1) A autora é dona e legítima possuidora do veículo especial, ambulância, Mercedes Benz 313CDI, com a matrícula ..-..-ZJ.

2) No dia 6 de setembro de 2015, cerca das 17 horas e 30 minutos, o veículo da autora era conduzido pelo bombeiro GG na Estrada Nacional n.º ...31, no sentido ....

3) Fazia-o em marcha de urgência devidamente assinalada, uma vez que transportava um utente em maca com destino ao hospital.

4) Na zona de ..., à frente do veículo da autora circulava o veículo ligeiro de mercadorias de marca Mercedes Benz, “Sprinter”, com a matrícula ..-..-NU, conduzido por AA.

5) O qual se encostou à direita da faixa de rodagem, indicando assim ao condutor da ambulância que lhe estava a facilitar a ultrapassagem.

6) E assim o condutor da ambulância iniciou a ultrapassagem.

7) Acontece que, nesse mesmo momento, o condutor do veículo com a matrícula ..-..-NU, sem que alguma coisa o fizesse prever, guinou repentinamente para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem do lado contrário,

8) Só não embatendo na ambulância, por o condutor desta ter travado e se desviado para a direita.

9) Ato contínuo, o veículo NU guinou para a direita, e acabou por provocar o embate com a ambulância.

10) Dadas as descritas manobras do veículo NU, o condutor da ambulância não conseguiu travar, verificando-se o embate entre a parte dianteira da ambulância na traseira do Mercedes “Sprinter” NU.

11) Os factos referidos nos pontos 2 a 10 foram dados como provados no Processo Comum Singular que correram termos pelo Juízo Local Criminal deste Tribunal sob o n.º169/15.....

12) No local do embate, a faixa de rodagem tem cerca de 7,10 metros de largura, com piso em asfalto, a visibilidade é boa e o embate deu-se em pleno dia.

13) A responsabilidade do veículo com a matrícula ..-..-NU por danos causados a terceiros encontrava-se, à data do acidente, transferida para a ré, através da apólice nº ...70.

14) Em consequência do embate o veículo da autora sofreu danos materiais com a reparação da viatura no montante de 4.617,35€ (quatro mil seiscentos e dezassete euros e trinta e cinco cêntimos).

15) Além dos referidos danos, a viatura da autora esteve imobilizada entre o dia 6 de setembro de 2015 e o dia 18 de dezembro de 2015.

16) Durante esse período a autora esteve privada de utilizar o referido veículo no exercício da respetiva atividade.

17) O veículo em causa, ambulância, fazia, até à data do acidente serviços para o INEM, que lhe pagou relativamente ao mês de agosto de 2015, a quantia de 2.316,47€ e nos restantes meses valores não concretamente apurado.

18) Durante o período de imobilização, a autora não pôde utilizar aquela viatura e prestar os mesmos serviços que habitualmente prestava, causando-lhe prejuízo não concretamente apurado.

19) Em razão do descrito acidente, a viatura desvalorizou com os estragos sofridos com o acidente a nível de chaparia, pintura, mecânica e parte elétrica foi necessário pintar, soldar, cortar, por ter importado ao veículo uma estrutura diferente da original, em quantia não concretamente apurada.

20) O acidente em causa nos autos determinou que o condutor do veículo NU fosse acusado e condenado da prática de um crime de ofensa à integridade física e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em processo comum singular que correu termos pelo Juízo Local Criminal deste Tribunal sob o n.º 169/15...., por sentença que transitou em julgado no dia 26.03.2019.

21) Nessa sentença, deram-se como provados, além do mais que se dá por integralmente reproduzido, os seguintes factos:

“1. No dia 6 de setembro de 2015, pelas 17h30, o arguido AA, que à data tinha 16 anos de idade, conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca Mercedes Bens, modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-..-NU, na Estrada Nacional ...31, em ..., ..., em área desta cidade e comarca ..., no sentido ....

2. Fazia-o a uma velocidade não concretamente apurada.

3. O arguido AA verificou que, atrás do veículo que conduzia, seguia no mesmo sentido, uma ambulância dos Bombeiros Voluntários ..., que circulava em marcha de urgência, devidamente assinalada, pelo que se encostou à direita da faixa de rodagem indicando desse modo ao condutor da ambulância que lhe estava a facilitar a ultrapassagem.

4. Quando o condutor da ambulância já tinha iniciado a ultrapassagem do veículo conduzido pelo arguido AA, este, sem que nada o fizesse esperar, guinou repentinamente para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, invadindo a faixa de rodagem do lado contrário, pelo que só não embateu na ambulância, por o condutor desta ter travado e se desviado para a direita.

5. Ato continuo, o arguido AA guinou para a sua direita, tentando retomar a sua posição na sua faixa de rodagem, porém ao fazer tal manobra provocou o embate da parte dianteira da ambulância, na traseira do Mercedes que conduzia, uma vez que o condutor da ambulância não conseguiu travar de modo a evitar o embate.

6. O local do embate configurava uma reta com boa visibilidade, formada por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, com uma extensão de cerca de 500 metros, tendo o embate ocorrido depois dos veículos terem percorrido cerca de 200 metros.

7. O piso estava seco e limpo e encontrava-se em regular estado de conservação.

8. Em consequência do embate, HH, que na altura seguia na ambulância na célula sanitária, deitado na maca, sofreu dores traumatismo cervical e ferimentos ao nível da coluna.

9. O arguido AA podia e devia ter previsto que com a sua condução, nomeadamente com a manobra que realizou, poderia vir a provocar lesões nas pessoas que seguiam na ambulância, tal como provocou, e ter adotado uma condução adequada, a fim de evitar o acidente, evitando assim lesões corporais que causou a HH.

10. O embate ficou a dever-se a exclusiva e manifesta falta de perícia do arguido AA, que na data tinha 16 anos de idade e não era titular de carta de condução, e que na altura, conduzia com total desatenção e inconsideração alheio aos demais veículos existentes na via.

11. Tanto assim, que não adequou a sua condução às condições do trânsito que se fazia sentir naquele momento, desrespeitando e violando as regras estradais elementares, dando causa ao acidente. (…)”

22) Na motivação da identificada sentença, foi registado, além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte:

“O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido que confessou, integralmente e sem reservas, os factos pelos quais vem acusado – confissão que, atenta a sua sinceridade, não suscitou qualquer reserva.

Foi, além disso, tido em conta o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente, o auto de notícia de fls. 3 e 4, a participação de acidente de fls. 41 a 45 e 48, a reportagem fotográfica de fls. 79 a 86, 179 a 180 e 211 a 222, a documentação clínica de fls. 140 a 146 e 293 a 297, e o auto de reconhecimento de fls. 208 a 209. O Tribunal ainda valorou o relatório da perícia de avaliação corporal em direito penal de fls. 58 e 59 e 103 a 104. (…)”

23) Na fundamentação de direito, registou-se igualmente naquela sentença, além do mais, o seguinte:

“(…) o arguido violou o dever objetivo de cuidado no exercício da condução, conduzindo sem habilitação legal e com desatenção, mudando de direção sem atentar na circulação da ambulância e não sinalizando as manobras de mudança de direção”.

24) O condutor do veículo da A. fez uma derrapagem marcada no asfalto de 35 metros.

25) A Autora participou o acidente à companhia de seguros Fidelidade, que segurava a sua responsabilidade civil perante terceiros.

26) Esta procedeu à avaliação dos danos da viatura segura na Ré, ora contestante, e deu ordem de reparação da mesma.

27) À data dos factos, o condutor do veículo segurado pela ré era menor de idade, o qual é filho de BB e CC.»

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Sendo consignado o seguinte em termos de factos “não provados” pelo tribunal a quo:

«1) A ré tivesse pago a autora a quantia de 4.617,35€ (quatro mil seiscentos e dezassete euros e trinta e cinco cêntimos), referida no ponto 14 dos factos provados.

2) Anteriormente ao acidente, o INEM pagasse à autora, por conta dos serviços prestados com a ambulância sinistrada, cerca de 2.300,00€ mensais.

3) A viatura tenha estado imobilizada até ao dia 7 de janeiro de 2016.

4) A imobilização da ambulância inviabilizou a realização de serviços na ordem de 9.200,40€ (120 dias de imobilização à razão de 76,67€/dia).

5) A desvalorização da ambulância foi em quantia nunca inferior a € 1.000,00 (mil euros).

6) O condutor do veículo ..-..-NU conduzia este veículo rigorosamente na metade direita da via, em nada tendo contribuído para a ocorrência do acidente.

7) O condutor do veículo ..-..-ZJ não controlou a velocidade que imprimia a este e, por essa razão, foi embater na traseira do ..-..-NU.

8) O veículo seguro circulava a velocidade reduzida pela metade direita da faixa de rodagem.

9) O veículo da Autora pretendia ultrapassar o veículo seguro e o seu condutor imprimiu ao mesmo uma velocidade muito superior a 50/km/hora.

10) Foi então, quando já iniciava a respetiva manobra, que avistou em sentido contrário uma outra viatura, obrigando o veiculo da Autora a regressar à metade direita.

11) O condutor do veículo seguro, mesmo assim e alertado pela sinalização do veículo da autora, tentou desviar-se para a direita, a velocidade moderada, menos de 50/km/hora.

12) Tal não foi suficiente para o veículo da Autora evitar o embate na traseira do veículo seguro, dada a diferença de velocidade entre eles.

13) O embate entre as duas viaturas ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido de ambos os veículos.».

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3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz no alegado incorreto julgamento da matéria de facto, que se traduziu na incorreção de considerar “provados” os pontos de facto “7.”, “8.”, “9.”, “10.”, “17.”, “18.” e “19.” [relativamente aos quais pugna por que passem a figurar no elenco dos “não provados”] e em não considerar “provados” os pontos de facto “6.”, “7.”, “8.”, “9.”, “10.” e “13.” do elenco dos factos “não provados” [relativamente aos quais reclama que sejam dados como “provados”, com a concreta redação que propõe, e com inserção no elenco atinente].

Apreciemos com o necessário pormenor e detalhe cada um dos pontos de facto questionados.

Sem prejuízo de esta apreciação ser feita conjuntamente, quando justificada in casu.

Começaremos então pela apreciação relativamente aos pontos “7.”, “8.”, “9.” e “10.” do elenco dos pontos de facto “provados”, e quanto aos pontos “6.”, “7.”, “8.”, “9.”, “10.” e “13.” do elenco dos factos “não provados”, conjuntamente, na medida em que todos eles têm a ver com a dinâmica do acidente, sendo que os “provados” traduzem a versão de que foi a circulação imprevidente, ziguezagueante entre as duas faixas de rodagem e imprevista por parte do condutor do veículo seguro que originou o acidente ajuizado, enquanto os não “provados” correspondem à versão contrária, a saber, de que foi o condutor do veículo ambulância da A. que por circular a velocidade excessiva e ter revelado falta de destreza/perícia, embateu no veículo seguro, o qual fazia uma circulação normal na sua faixa de rodagem (metade direita da via).

A Ré/recorrente, para fundamentar a sua pretensão quanto a este particular, invoca, em síntese, que os concretos meios de prova que impõem uma decisão diversa, «(…)  são o auto de participação de acidente de viação elaborado pela autoridade policial, que colheu logo as declarações dos condutores dos veículos intervenientes e a sua descrição do acidente, bem como o croqui que também elaboraram», mais concretamente, que do “croquis” resultaria que o embate entre as duas viaturas é na metade direita da faixa de rodagem (considerando o sentido de ambas as viaturas), importando considerar que está descrito um rasto de travagem feito pela ambulância com 35 metros de extensão, a começar na metade esquerda da via e a terminar na metade direita, quando embateu contra a traseira do outro veículo.

Mais aduz a Ré/recorrente que se a “participação de acidente de viação” foi tida em consideração pelo Tribunal a quo (como está grafado na “motivação” da sentença), não parece, pois que esta «(…) participação não permitia, se tivesse sido analisada criteriosamente, aceitar a confissão sem reservas do arguido, porque a descrição feita na acusação (e transposta para a douta sentença) omite uma circunstância essencial que é o facto de em sentido contrário ter surgido um veiculo».

Finalmente, importa ainda atentar que a Ré/recorrente invoca também prova testemunhal feita na audiência, desde logo adiantando que foi a «única testemunha que se referiu à dinâmica do acidente», concretizando que se trata de “II”, relativamente ao qual transcreve um pequeno segmento da gravação áudio respetiva e sustenta que «O seu depoimento não confirma a dinâmica que vem descrita nos factos provados 7., 8., 9. e 10.»

Salvo o devido respeito, não podemos de todo concordar com a linha de argumentação da Ré/recorrente.

Senão vejamos.

O Tribunal a quo para formar a sua convicção quanto à versão do acidente louvou-se decisivamente na circunstância de que havia corrido um processo crime contra AA, o condutor do veículo seguro (processo n.º169/15....), cuja sentença, já transitada em julgado, julgara provados um conjunto de factos precisamente correspondente a essa versão[2], e pelos quais esse arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente e de um crime de condução sem habilitação legal.

Sucedendo que, de acordo com o disposto no artigo 623º do n.C.P.Civil, «a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração».

Ademais, sustentou o Exmo. Juiz a quo, se é certo que os factos dados como provados numa sentença penal com esta natureza (condenatória) podiam ser ilididos por terceiros – contanto que prove o contrário nos termos do disposto no artigo 350º, nº 2 do Código Civil! – tal não se podia considerar feito pela Ré na situação ajuizada, donde, porque «(…) não foi feita prova do contrário dos factos dados como provados na identificada sentença penal», aí residia a fundamentação para a versão que foi dada como positivamente “provada” e, a contrario, para a versão que foi dada como “não provada”.

Ora, também em nosso entender se pode e deve concluir que a Ré/recorrente não ilidiu a presunção da verificação dos factos – verificação dos factos em que se baseou a decisão condenatória penal, transitada em julgado.

Na verdade, o art. 623º do n.C.P.Civil regula a eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado e dele resulta que a condenação definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros presunção ilidível no que concerne à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, as formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.

Tal como já foi doutamente sublinhado a este propósito[3], «A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer acção de natureza cível, em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção.(…) A presunção é invocável perante terceiros relativamente ao processo penal (por exemplo, perante a seguradora da pessoa penalmente condenada por acidente de viação: ac. do STJ de 23.05.2000, Tomé de Carvalho www.dgsi.pt, proc.00A397) que a poderão ilidir. Entre as partes, a presunção é inilidível (ac. stj de 13.01.2010, Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt, proc. 1164/07) Com efeito enquanto o arguido condenado teve oportunidade de exercer o direito de defesa, os terceiros foram alheios ao contraditório no processo penal.»

Sucede que, salvo o devido respeito, essa “prova do contrário” pela aqui Ré/recorrente tinha que ser uma prova positiva e bem assim consistente e concludente.

Isto é, não bastava uma mera “contraprova”.[4]

Não obstante é isso que, no limite, se admite ter sido feito pela Ré/recorrente, ao apelar à mera extensão e inscrição na faixa de rodagem dum rasto de travagem atribuído ao veículo ambulância da A. que resultariam do “croquis” do acidente ajuizado.

Com efeito, compulsando a argumentação da Ré/recorrente apenas se divisa uma argumentação de cariz racional e lógico, assente em pressupostos de facto que nem sequer se podem considerar como insofismavelmente demonstrados.

Atente-se que não resulta terem sido analisados em audiência contraditória  esses meios de prova, nomeadamente através da inquirição de quem elaborou o dito “croquis”…

Nem sequer que o subscritor da “participação de acidente de viação” tenha confirmado em audiência o que desse documento consta…

Ocorre, s.m.j., que só uma prova “direta” sobre o acidente ajuizado, mormente por testemunhas presenciais do mesmo, seria decisiva na circunstância (sem prejuízo do seu necessário confronto e concatenação com os demais meios de prova).

Testemunhas presencias que não temos na situação vertente!

Atente-se que a testemunha invocada pela Ré/recorrente (“II”), na medida em que viajava na ambulância na parte de trás junto do doente, e com visibilidade apenas por um “postigo” para o condutor da ambulância, embora estando no local, não se pode considerar que tenha tido uma perceção direta e presencial do acidente.

Aliás, a própria Ré/recorrente admite na parte final das suas alegações recursivas respeitantes a este particular que essa testemunha «nada de relevante adiantou»!

Dito de outra forma: é plausível e igualmente possível uma distinta senão contraposta argumentação à da Ré/recorrente em sede recursiva, qual seja, a correspondente à versão do acidente que foi dada como “provada” na sentença recorrida (em transposição do apurado na sentença condenatória proferida no processo crime que anteriormente havia corrido termos, fruto da “confissão” do aí arguido).

Ora é precisamente por assim ser, que compulsada a “motivação” constante da sentença recorrida, se conclui que não existiu qualquer erro de julgamento neste particular, posto que os meios de prova produzidos em audiência não “impunham” uma decisão diversa [cf. art. 662º, nº1 do n.C.P.Civil], termo verbal este que obviamente tem um sentido e significado muito estrito, naturalmente muito restritivo do deferimento das alterações das decisões proferidas sobre a matéria de facto, donde ficarem de fora as situações em que os meios de prova “permitiam” uma decisão diversa…

                                                           ¨¨

Pontos de facto “17.”, “18.” e “19.”.

Estes pontos de facto, têm, respetivamente, o seguinte teor literal:

«17) O veículo em causa, ambulância, fazia, até à data do acidente serviços para o INEM, que lhe pagou relativamente ao mês de agosto de 2015, a quantia de 2.316,47€ e nos restantes meses valores não concretamente apurado.»;

«18) Durante o período de imobilização, a autora não pôde utilizar aquela viatura e prestar os mesmos serviços que habitualmente prestava, causando-lhe prejuízo não concretamente apurado.»;

«19) Em razão do descrito acidente, a viatura desvalorizou com os estragos sofridos com o acidente a nível de chaparia, pintura, mecânica e parte elétrica foi necessário pintar, soldar, cortar, por ter importado ao veículo uma estrutura diferente da original, em quantia não concretamente apurada.»

Muito em síntese, quanto ao primeiro ponto de facto, argumenta a Ré/recorrente que a fatura invocada para fundamentar a resposta não pode ser valorada decisivamente para esse efeito, na medida em que «(…) a A. dispunha, na época de três ambulâncias. Portanto, aquele montante não se refere apenas à viatura em causa, mas a todos os serviços prestados pelas três ambulâncias», o que foi devidamente confirmado pelas testemunhas inquiridas relativamente a esse particular, donde dever ser a redação dada ao ponto de facto “17.” complementada com essa situação [isto é, que o valor pago era relativo a «tal ambulância e mais duas de que a A. dispunha»], e, quanto ao dois restantes pontos de facto, que não foi feita qualquer prova (cf. «rigorosamente nenhuma» – nem testemunhal, nem documental, nem pericial).

Será assim?

Salvo o devido respeito, apenas assiste razão à Ré/recorrente quanto ao primeiro desses pontos de facto, isto pela determinante razão de que a concreta redação literal dos outros dois pontos de facto, ab limine e só por si, lhe retira sustentação.

Começando então pelo ponto de facto “17.”: quanto a este, temos que é certo e incontornável que a prova feita foi no sentido de que o montante constante da fatura em causa se reportava ao conjunto das três ambulâncias que a A. tinha e utilizava na sua prestação de serviços ao INEM, sucedendo que a redação dada a tal ponto de facto, ainda que algo equívoca, aponta mais seguramente para a interpretação de que se tratou do pagamento pela ambulância em causa, quando afinal se reportava ao conjunto das três detidas pela A..

Assim sendo, operando a reapreciação dos meios de prova produzidos quanto a este particular, impõe-se alterar a redação de tal ponto de facto no segmento em que é equívoco e menos claro, pelo que se determina que o mesmo passe a figurar doravante com a seguinte concreta redação:

«17) O veículo em causa, ambulância, fazia, até à data do acidente serviços para o INEM, que pagou relativamente ao mês de agosto de 2015, por todos os serviços prestados com tal ambulância e mais duas de que a A. dispunha, a quantia de 2.316,47€ e nos restantes meses valores não concretamente apurado.»

                                                           ¨

Já quanto aos pontos de facto “18.” e “19.”, entendemos que face à redação literal com que em concreto os mesmos figuram, não existe qualquer conflito com a argumentação expendida pela Ré/recorrente.

Na verdade, foi precisamente por a prova ser considerada pouco concludente e consistente que nas redações figura a expressão «(…) causando-lhe prejuízo não concretamente apurado» e «(…) em quantia não concretamente apurada», respetivamente.

De referir que quanto ao aspeto do ter existido “prejuízo” para a A. fruto do período de imobilização, somos de entendimento que a devida interpretação da prova feita, mesmo a testemunhal invocada pela Ré/recorrente, não contraria essa conclusão, desde logo porque nada indica que a atividade da prestação de serviço com as ambulâncias seja economicamente negativa.

O que idem se diga, mutatis mutandis, relativamente a ter existido “desvalorização” para a viatura da A. em consequência dos “estragos” do acidente e reparação de que a mesma foi alvo, o que se nos afigura quase como facto notório, até pelo confronto da discriminação constante da fatura correspondente, no valor de € 4.617,35, aludida no ponto de facto “provado” sob “14)”.

Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a impugnação relativamente a estes dois últimos pontos de facto a cuja análise se procedia.

                                                            *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Questão do incorreto julgamento da matéria de direito [a começar pelo aspeto da responsabilidade pela ocorrência do acidente, mais concretamente porque se entende que a mesma coube inteiramente ao condutor da ambulância da Autora (também em função da presunção de culpa estabelecida na primeira parte do nº 3 do art. 503º do C. Civil), bem assim no particular do valor indemnizatório relativo à privação do uso do veículo, determinado pelo tribunal a quo segundo critérios de equidade, no montante de € 3.090,00, e quanto à compensação pela desvalorização do veículo, também segundo critérios de equidade, em € 1.000,00].

Começando pelo aspeto da responsabilidade pela ocorrência do acidente.

Será que a matéria apurada permite sustentar que a responsabilidade pelo acidente ajuizado cabe inteiramente ao condutor da ambulância da Autora (também em função da presunção de culpa estabelecida na primeira parte do nº 3 do art. 503º do C. Civil)?

A nossa resposta é inequivocamente de sentido negativo.

Na verdade, a factualidade respeitante à dinâmica do acidente subsistiu nos precisos termos que constava na sentença recorrida, sendo que, face a ela não vislumbramos como minimamente questionar a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro pela Ré na ocorrência do acidente.

Relativamente a tal, expôs-se o seguinte na sentença recorrida:

«(…)

Não subsistem dúvidas que a autora é dona e legítima possuidora do veículo especial, ambulância, Mercedes Benz 313CDI, com a matrícula ..-..-ZJ e que, no dia 6 de setembro de 2015, o veículo da autora era conduzido pelo bombeiro GG na Estrada Nacional n.º ...31, no sentido ....

Além disso, mais se apurou que o fazia em marcha de urgência devidamente assinalada, uma vez que transportava um utente em maca com destino ao hospital e que, na zona de ..., à frente do veículo da autora circulava o veículo ligeiro de mercadorias de marca Mercedes Benz, “Sprinter”, com a matrícula ..-..-NU, conduzido por AA, o qual se encostou à direita da faixa de rodagem, indicando assim ao condutor da ambulância que lhe estava a facilitar a ultrapassagem.

Na sequência disso, o condutor da ambulância iniciou a ultrapassagem, porém, nesse mesmo momento, o condutor do veículo com a matrícula ..-..-NU, sem que nada o fizesse prever, guinou repentinamente para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem do lado contrário, só não embatendo na ambulância, por o condutor desta ter travado e se desviado para a direita.

Ato contínuo, o veículo NU guinou para a direita, e acabou por provocar o embate com a ambulância.

Além disso, mais se provou que, dadas as descritas manobras do veículo NU, o condutor da ambulância não conseguiu travar, verificando-se o embate entre a parte dianteira da ambulância na traseira do Mercedes “Sprinter” NU.

Face à descrita dinâmica dos factos, está bom de ver o que sucedeu, não subsistindo, pois, qualquer dúvida que a culpa no acidente se ficou a dever ao condutor do veículo segurado pela ré que, apercebendo-se da presença da ambulância, violou o dever objetivo de cuidado no exercício da condução, mudando repentinamente de direção sem atentar e/ou sequer ponderar as consequências que essa sua conduta aportaria para a circulação da ambulância.

Ora, o condutor do veículo segurado pela ré ao ter atuado como atuou violou o disposto nos artigos 38º, 39º, 65º e 121.º, n.º1 do Código da Estrada, sobretudo o artigo 65.º, ao estipular que “qualquer condutor deve ceder a passagem aos condutores dos veículos referidos no artigo anterior” (condutores de veículos em missão de prestação de socorro), acrescentando o n.º2 do referido inciso legal que “sempre que as vias em que tais veículos circulem, de que vão sair ou em que vão entrar se encontrem congestionadas, devem os demais condutores encostar-se o mais possível à direita, ocupando, se necessário, a berma” e bem assim o artigo 121.º, n.º1 ao impor que “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”.

De modo que, em razão do que antecede, o condutor do veículo segurado na ré incumpriu os referidos preceitos legais.

Importa apenas notar (e porque tal questão foi suscitada pela ré) que embora o condutor da viatura da autora conduzisse por conta e no interesse desta e, nessa medida, fosse equacionável a presunção do artigo 500.º, n.º1 do Código Civil (segundo o qual “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. 2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada”), a realidade que evola dos factos provados é que aquele não teve qualquer culpa na eclosão do acidente que, como se viu, se ficou a dever, única e exclusivamente, ao condutor da viatura segura pela ré.

Motivo qual não se mostra aplicável o artigo 500.º do Código Civil, nem tão-pouco o disposto no artigo 570.º, n.º1 do mesmo diploma legal.

(…)»

Subscrevemos inteiramente esta linha de raciocínio, com a ressalva de que, no aspeto da presunção de culpa do condutor da ambulância da A., nem sequer se podia dar como assente e adquirido que esse condutor da ambulância na circunstância conduzisse por conta e no interesse da A..

Neste particular, a Ré/recorrente alude mais concretamente ao Assento nº 1/83, de 28 de Junho[5], isto é, que para esse efeito, «A ambulância era conduzida pelo motorista em causa, por conta da A.»

Temos presente que o dito Assento fixou jurisprudência no sentido de que «A primeira parte do n.º 3 do artigo 503.º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização.»

S.m.j., não se podia considerar o condutor da ambulância da A. como presumível culpado do acidente de viação ocorrido nos termos do art. 503º, nº 3 (1ª parte) do C.Civil.

É que não é pelo simples facto de o condutor do veículo não ser o seu proprietário, que é de se presumir a culpa daquele [porque se trataria de um condutor por conta e à ordem de outrem].

Salvo o devido respeito pela opinião contrária, a interpretação que se julga ser a mais correcta do art. 503º, nº 3 (1ª parte) do C.Civil, é a de que, neste âmbito, o legislador exige que se prove a existência de uma efetiva e real relação de  comissão entre o condutor do veículo e o seu proprietário, não se podendo, de forma alguma, aceitar a interpretação, aqui defendida pela Ré/recorrente, de que o simples facto de a qualidade de condutor não coincidir com a qualidade de proprietário do veículo presume a culpa do Interveniente.

Trata-se de interpretação que, aliás, já foi plenamente acolhida no acórdão do STJ (do pleno das secções cíveis) de 30.4.1996[6],  onde se uniformizou a Jurisprudência nos seguintes termos:

«O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500º, nº 1 do Código Civil, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo»

Na respetiva fundamentação, esclareceu-se o seguinte:

«O nº 3, 1ª parte, do artigo 503º atribui uma responsabilidade por culpa presumida pelos danos causados pelo veículo conduzido por conta de outrem.

Só a existência de uma relação de comissão faz presumir a culpa do condutor, sendo certo que essa relação de comissão tem de ser encontrada fora do campo de aplicação do artigo 503º, nº 1 pois, conforme se sublinhou, as expressões aí referidas (direcção efectiva e interesse próprio) são tão-somente elementos balizadores dessa norma, ou seja, "só dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem para determinar esta e não a responsabilidade por culpa, ainda que presumida (acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1991 - Boletim do Ministério da Justiça n. 403, página 393).

A relação de comissão tem de ser encontrada na definição dada no artigo 500º, nº 1 do Código Civil; o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reside nos artigos 266 e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc. (P. Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4. edição, página 507).

A relação de comissão, assim caracterizada, depende da alegação e prova dos factos que a tipifiquem.

A alegação e prova dos factos que tipifique a relação de comissão que está na base da responsabilidade por culpa presumida estabelecida no nº 3, 1ª parte, do artigo 503º, incumbirá ao lesado, na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação.

Verificado a mesma, surge uma presunção de culpa do condutor, o que implica uma inversão do ónus da prova (artigo 350º, nº 1), uma vez que é ao lesado, de harmonia com os princípios válidos no capítulo do ónus da prova (artigo 342º, nº 1), que incumbe provar a culpa do autor da lesão»

Assim sendo, parece-nos não subsistirem dúvidas de que no caso concreto, não tendo a Ré logrado provar (nem sequer alegado) a existência de uma concreta e efetiva relação de comissão que se verificasse existir entre o condutor do veículo e a sua proprietária, não estava onerada a A. com qualquer presunção de culpa do seu condutor.  

Sem embargo do vindo de dizer, a A. logrou provar a culpa efetiva do condutor do veículo seguro na Ré.

Improcede assim esta questão recursiva.

                                                           ¨¨

Passando de seguida a apreciar a problemática da ressarcibilidade do dano de privação do uso, in casu, de uma ambulância.

De referir que não está em causa propriamente a ressarcibilidade em si no caso ajuizado, mas apenas o quantum da mesma.

Na verdade, o recurso foi interposto pela Ré não questionando que a privação do uso dava direito a que a Autora fosse por tal indemnizada, mas mais concretamente sustentando que o montante conferido na sentença recorrida é totalmente desadequado, na medida em que «(…) a causa de pedir invocada pela A. para fundar o pedido de indemnização pela paralisação não ficou provada, ou seja, não se provou quanto é que a A. deixou de receber, sendo certo que alegou que o INEM pagava € 76,67 por dia, mas que se provou ser para as três ambulância, ou seja, € 25,56 para cada uma», e, não obstante, premiou a A. «(…) com um montante superior ao montante bruto que o INEM pagava e considerou como adequado € 30,00 por dia».

Que dizer?

Desde logo importa referir que a questão da ressarcibilidade do dano de privação do uso nunca se colocaria nos autos, independentemente de ter sido escassa a prova, pelo que vamos explicitar.

Consabidamente essa questão tem sido discutida quer na doutrina quer, sobretudo, na jurisprudência, perfilando-se, essencialmente, três posicionamentos.

Vejamos então, tendo aqui presente o alinhamento constante de douto aresto[7]:

«(…) para uns[5], o dano da mera privação do uso não é indemnizável, já que para que a privação seja ressarcível, terá de fazer-se prova do dano concreto e efetivo, isto é, da existência de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem; para outros[6], a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável, mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou destino que seria dado ao bem; outros[7] ainda advogam que se, por um lado, não basta a simples privação do uso do bem, por outro, também não se exige a prova de danos concretos e efectivos, sendo, contudo, essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização.

 [5] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 5.07.2007 (processo nº 07B2111) e de 30.10.2008 (processo nº 07B2131), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[6] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ 5.07.2007 (processo nº 07B1849), de 12.01.2010 (processo nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16.03. 2011 (processo 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e de 10.01.2012 (processo nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), acórdãos da Relação de Lisboa de 04.10.2007 (processo nº 3077/2007-6) e de 18.09.2007 (processo nº 6066/ 2007-1) e acórdãos da Relação de Coimbra de 20.03.2007 (processo nº 226/04.8 TBFN D.C1), de 25.01.2005 (processo nº 3498/04) e de 6.06.2006 (processo nº 1605/06), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[7] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 26.05.2009 (processo nº 09A0531) e acórdão desta Relação de 27.01.2020 (processo nº 944/18.3T8PFR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt

Das enunciadas teses, na sentença recorrida perfilhou-se a segunda delas – a que concede o direito a indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem! – aduzindo-se que era a corrente à qual a jurisprudência mais recente tem aderido, e sublinhando-se que «(…) tal indemnização deve ser atribuída mesmo nos casos em que falte a demonstração de prejuízos concretos e quantificados ou inexista prova de qualquer utilização lucrativa, como, aliás, sucede no presente caso.»

Nesta querela também alinhamos com este entendimento maioritário.

E é por assim ser que para uma situação como a do caso vertente se nos afigura como inquestionável o direito da A. aqui lesada a receber uma indemnização, donde estarmos restringidos e reconduzidos a apurar e definir o valor ajustado e adequado à consequência da perda de rendimento que o veículo propiciava.

Sucede que neste particular importa reconhecer alguma razão à Ré/recorrente.

Com efeito, por via do deferimento da impugnação à decisão sobre a matéria de facto atinente a este particular, como supra explicitado, temos agora como adquirido/provado que:

«17) O veículo em causa, ambulância, fazia, até à data do acidente serviços para o INEM, que pagou relativamente ao mês de agosto de 2015, por todos os serviços prestados com tal ambulância e mais duas de que a A. dispunha, a quantia de 2.316,47€ e nos restantes meses valores não concretamente apurado.»

Ora se assim é, não nos parece de sufragar o entendimento da sentença recorrida no sentido de que «(…) afigura-se-nos que o valor de 30,00€ diários se apresenta como justo e adequado por cada dia de privação», antes a equidade do caso aponta para um valor algo inferior.

É que, como bem argumentou a Ré/recorrente nas suas alegações recursivas,  se «(…) resultou provado que a A. recebia, em média, € 30,00 por serviço e por dia, e que aquele montante incluía combustível, oxigénio, revisões, pneus, amortização/desvalorização da viatura, que , se calhar mal pagava as despesas (…)», não se compreende «(…) que o Tribunal vá atribuir, a titulo de indemnização pela paralisação da ambulância, € 30,00 por dia»…

In casu, pode-se falar de um prejuízo efetivamente apurado de € 25,73/dia para a ambulância ajuizada – valor que o INEM pagava relativamente a ela [= € 2.316,47 por mês : 3 ambulâncias : 30 dias]

Mas esse valor não reflete o “lucro”/dia auferido, na medida em que não reflete nem as despesas de funcionamento, nem a amortização do próprio veículo.

Que fatores e critérios são então de ponderar à luz e para efeitos do juízo de equidade?

 Desde logo, poderia ser atendido e ponderado o preço médio de aluguer de um veículo automóvel afeto ao serviço de urgências, com as características do sinistrado, mas essa não foi a via seguida nos autos, ademais desconhecendo-se – por tal não ter sido alegado, nem constar dos autos! – qual seja esse concreto valor.

Ademais, não tendo a A. ora recorrente feito uma tal despesa, o valor locativo do veículo não se nos afigura que pudesse ou deva figurar como critério adequado para este efeito, posto que, insofismavelmente, «basta pensar que neste custo [de aluguer] entram as mais diversas componentes, incluindo as despesas de exploração da empresa de aluguer e o seu lucro que a partir do momento em que o autor de facto não procedeu ao aluguer não têm de ser suportadas pela ré, cuja responsabilidade vai apenas até onde for o dano provocado»[8]

Poder-se-ia também intentar calcular o valor de uso do veículo para uso próprio, a que se chegaria através  da soma do preço de aquisição e das despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo[9], mas, s.m.j., sucede que estamos liminarmente impedidos de prosseguir esta via porque, para os cálculos a tanto necessários e uso dos mecanismos a essa luz propostos, as partes teriam de fornecer factos para que o tribunal pudesse chegar a alguma conclusão, o que não foi o caso.

O que idem se diga relativamente aos critérios doutamente propostos pela melhor doutrina, a saber, «Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” do lucro do locador, dos custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)».[10]

Neste quadro, isto é, porque a indemnização pela indisponibilidade do veículo nunca se poderia pautar em termos exatos, entendemos ser perfeitamente justificada a opção perfilhada pelo Exmo. Juiz de 1ª instância de recorrer à equidade para fixar a respectiva indemnização, já que, como emerge do nº3 do art. 566º do C.Civil, a avaliação desse dano, se outro critério não puder ser adotado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado.

 De referir que no caso vertente, apelando precisamente ao disposto no nº 3 do citado art. 566º do C.Civil, o Exmo. Juiz a quo entendeu adequado fixar o montante de € 3.090,00 a título de indemnização por privação de uso do veículo, [= 103 dias x € 30,00], valor esse que não se nos se revela ajustado, por excessivo, mormente tendo em conta os valores que, em análogas situações, vêm sendo fixados na jurisprudência.

Na verdade, como para este efeito foi evidenciado na própria decisão recorrida, encontra-se amiúde a quantia reparatória diária de €10,00.[11]

Consequentemente, entende-se que sendo de majorar a circunstância de se tratar de um veículo “especial” (“ambulância”), se nos afigura justo e equitativo o valor diário de € 20,00, donde, aplicando tal ao período de privação efetiva de uso (de harmonia com o provado), perfaz um total, relativo a este dano em concreto, de € 2.060,00 (= € 20,00 x 103 dias).

                                                            ¨¨

Vejamos, para finalizar, o aspeto da compensação pela desvalorização do veículo.

Na sentença recorrida tal foi fixado, segundo critérios de equidade, em € 1.000,00.

Insurge-se a Ré/recorrente, com a alegação de que tal é excessivo, até porque foi dado expressamente como “não provado” que «A desvalorização da ambulância foi em quantia nunca inferior a € 1.000,00 (mil euros)» [cf. ponto “5)” do elenco dos factos “não provados”].

Quanto a nós, efetivamente tal encerra alguma contradição!

Assim sendo, à luz da equidade também invocada quanto a este particular, e sem necessidade de maiores considerações, entendemos reduzir tal montante para o valor de € 750,00.

Donde, considerando o remanescente montante indemnizatório conferido e não objeto do recurso, a saber, o correspondente à reparação da viatura [de € 4.617,35], temos agora um total indemnizatório de € 7.427,35 [= € 4.617,35 + € 2.060,00 + € 750,00].

A esse montante acrescerão os juros de mora, nos termos decididos na sentença.

Nestes termos e medida procedendo as alegações recursivas e o recurso.

                                                                       *

(…)

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, acordam a final em dar apenas parcial procedência à apelação da Ré e, em consequência, em reduzir o montante total indemnizatório para € 7.427,35 (sete mil quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e cinco cêntimos), mantendo-se, no demais, a sentença recorrida.

Custas da ação e do recurso, a cargo de Recorrente e Recorrida na exata proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.

                                                                       *

                                            Coimbra, 5 de Março de 2024

   Luís Filipe Cravo

 João Moreira do Carmo

      Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] São os factos elencados no ponto “21.” dos factos “provados” da presente sentença.
[3] Trata-se de LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, em anotação ao artigo 623º do “Código do Processo Civil anotado”, Volume 2.º, 3ª edição, Livª Almedina, 2017, a págs. 763.
[4] «A contraprova não é a prova do contrário, pois com ela apenas se cria a dúvida ou incerteza acerca da verdade dos factos» – assim PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, a págs. 310.   
[5] Especificando “hoje com valor de Acórdão de fixação de Jurisprudência”.
[6] Cf. proc. nº 087236, publicado no DR 144/96 SÉRIE II, de 1996-06-24, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Trata-se do acórdão do TRP de 10.01.2022, proferido no proc. nº 8064/18.4T8SNT.P2, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Neste sentido vide o acórdão do STJ de 5.03.2002, proferido no proc. nº 3968/01, acessível em www.dgsi.pt/jstj
[9] Assim se fez, inter alia, no acórdão do TRC de 6.03.2012, proferido no proc. nº 86/10.0T2SVV.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[10] Cf. PAULO DA MOTA PINTO, in “Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo”, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, a págs. 592.
[11] Cf. «(…) no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.09.2017 e no acórdão daquela mesma Relação de 27.10.2016 – proc. 224/14 (onde são citados no mesmo sentido, designadamente, o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 e no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.15 – Proc. 1222/07)»