Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
37/14.2IDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
FRAUDE FISCAL
JUÍZOS DE VALOR
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – J2)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS. 374º, N.º 2, 279º, N.º 1, AL. C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 56º, N.º 1, AL. A), E 43º, N.º 1, AL. C), DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. São de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio.
II. Em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não superior a 2 anos tem de ser ponderada e fundamentada a concessão ou denegação das penas de substituição, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia.
Decisão Texto Integral: *
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Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo Comum Singular nº 37/14.... do Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, foi declarado o incumprimento culposo e grosseiro da condição imposta à suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido AA e, em consequência, revogada tal suspensão da pena de prisão e determinado o cumprimento de dezoito meses de prisão efetiva.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

                                     

(…)

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso, por entender que o Tribunal fez uma correcta interpretação e aplicação dos artigos 55º, 56º e 57º do C.P., optando-se correctamente pela integração da situação no contexto do artigo 56º, nº 1, al. a).

1.2.3. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta foi de parecer que o condenado não desenvolveu o mínimo esforço para pagar qualquer quantia ao fisco, pelos prejuízos causados ao Estado, mantendo o seu estilo de vida, sem que dele tenha prescindido e sem o procurar readaptar em função do dever de cumprimento da sua obrigação penal e tributária, pelo que conclui que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena está devidamente fundamentado, isento de vícios e não viola normas legais ou princípios de Direito.

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., o recorrente manteve a posição explanada nas alegações de recurso, pugnando pela revogação da decisão da primeira instância.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões do recurso, temos que o objecto do presente recurso consiste em saber se deve ser mantido o ponto 13 dos factos provados e se deve ser revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente .

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que resulta da análise dos autos com interesse para a respectiva decisão:

1 – Em 7/9/2021 foi proferida sentença que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, 103º e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigação de pagar, durante o período da suspensão, a quantia de 20.000 euros à Fazenda Nacional, juntando o respectivo comprovativo aos autos

2 – A sentença em questão transitou em julgado em 10/9/2020, tendo resultado provada a seguinte factualidade relativa à situação pessoal do arguido :

«Atualmente o arguido AA encontra-se a residir na Suiça, trabalhando como motorista de transporte de crianças»

3 – Em 12/5/2023 foi o arguido notificado para vir aos autos juntar documento comprovativo do pagamento da quantia de 20.000 euros à Fazendo Nacional, conforme condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada e, caso não tenha procedido ao referido pagamento, vir informar o motivo pela qual não o fez, juntando prova do alegado, sob pena de poder ser-lhe revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento de 18 meses de prisão .

4 – Em 23/5/2023 o arguido junta um requerimento, no qual informa não ter procedido ao aludido pagamento, por não conseguir fazê-lo, alegando trabalhar como motorista de transporte de crianças com deficiência, auferindo em média 4035,64 euros; pagar 1270 euros de renda de casa, 90 euros do aluguer de uma garagem, 545,75 euros de um crédito pessoal, 259,45 euros de um seguro de saúde,  e 55,55 euros de um seguro complementar, 180 euros de telecomunicações, 270 euros de pensão de alimentos e 97 euros de electricidade. Mais alegou pagar anualmente 1800 euros no âmbito de um programa de previdência junto da A..., 538,40 de seguro da casa, 544,05 euros de selo do carro, 193,85 de serviços de contabilidade, 490 euros de ginásio e 1840,80 euros de seguro do carro .

Por fim, invoca só conseguir poupar mensalmente 97,94 euros chegado a Portugal e disponibilizou-se para comparecer naqueles serviços no dia 23/4/2021, às 10 horas, para entrevista.

5 – No dia 11/7/2023 procedeu-se à audição do arguido.

6 – Em 6/10/2023 foi proferido o despacho recorrido com o seguinte teor :

«O arguido AA foi condenado por sentença de 07.09.2021 transitada em julgado em 07.10.2021, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo artigo 103º e 104º n.º2 do RGIT, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à obrigação de pagar, durante o período da suspensão, a quantia de 20.000,00 € à Fazenda Nacional, juntando o respetivo comprovativo nos autos.

O fim do prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido teve lugar no dia 10.04.2023.

No decurso do prazo da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, o arguido não juntou o comprovativo de ter cumprido a obrigação a que foi subordinada a suspensão da execução da pena de prisão.

Notificado para o fazer, veio o arguido, em 23.05.2023 juntar aos autos o requerimento de fls. 2313 e seguintes, que se dá por integralmente reproduzido.

Foi designada data para audição do condenado, tendo o mesmo comparecido e prestado declarações, no âmbito das quais corroborou o conteúdo do requerimento apresentado, alegando incapacidade financeira para proceder a tal pagamento atento o seu rendimento e as suas despesas, muitas delas já assumidas em data anterior à condenação sofrida nestes autos. Mais esclareceu ser proprietário de um Mini e conseguir arrecadar mensalmente uma poupança que cifrou em não menos de 100,00Euros. Confrontado com o tipo e montantes das despesas elencadas nos pontos 7 (aluguer de garagem de 90,00 € e crédito pessoal), 8 (seguro de saúde e complemento de valor superior a 300,00 €), 9 (telecomunicações no valor de 180,00 €), 13 (serviços de contabilidade de 193,85 €) e 14 (490,00 € de anuidade de ginásio), do seu requerimento referiu que as despesas descritas nos pontos 7 e 8 são obrigatórias na Suíça. Ao longo da sua audição não revelou disponibilidade para proceder ao pagamento futuro de nenhuma quantia à Fazenda Nacional por conta dos referidos 20.000,00Euros fixados como condição de suspensão da execução da pena.


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O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão.

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Consideram-se provados os seguintes factos para a presente decisão:

1-         O Arguido durante o período da suspensão da pena de prisão viveu sozinho na Suíça, onde desempenhou funções de motorista, auferindo um ordenado líquido de 4035,64 €, circunstância que se mantém até, pelo menos, julho de 2023, quando foi ouvido pelo Tribunal.

2-         O arguido paga 1270,00 € de renda de casa; 90 € de aluguer de garagem;

3-         Em 1 de agosto de 2022 contraiu um crédito pessoal no Bank Now tendo uma prestação mensal de 545,75 €;

4-         Despende 259,45 € de seguro de saúde e 55,55 € de complemento de seguro;

5-         Despende o valor médio mensal de 180,00 € em telecomunicações;

6-         Paga 270,00 € por mês de pensão de alimentos, a que acrescem, nos termos acordados, 50% de outras despesas;

7-         Está adstrito a um programa de previdência junto da A..., pagando 1800,00 € por ano;

8-         Paga 538,40 € anuais de seguro da casa; 544,05 € de selo do carro; 64,15 € de taxa do lixo e 193,85 € de serviços de contabilidade;

9-         Paga 490,00 € por ano de anuidade do ginásio;

10-       Pagou 460,20 € trimestralmente em 2022 de seguro do carro;

11-       Despende aproximadamente 97,00 € mês de eletricidade;

12-       O Arguido não efetuou qualquer pagamento até à presente data por conta dos 20.000,00 €.

13-       O Arguido assumiu postura de total passividade e leviandade durante todo o período da suspensão da pena.

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica das declarações do arguido em sede de audição de condenado, juntamente com a documentação por si junta aos autos a fls. 2316 e seguintes.

Relativamente ao derradeiro facto resulta evidente da postura e declarações do arguido na sua última audição em que verbalizava a inevitabilidade de tais despesas na realidade social suíça (sendo certo que foi uma escolha sua residir nesse país); perante a solene advertência que lhe foi feita pelo tribunal, verbalizou que iria procurar outro trabalho, sem que contudo, o tivesse feito, oportunamente, durante o período de suspensão, para cumprir a obrigação de pagar os 20.000,00 € à Fazenda Nacional. O Arguido também admitiu ter uma capacidade de poupança mensal de 100 a 200,00 €, mas que entendia ser irrelevante para pagar ao Fisco, pelo que decidiu não o fazer. O dispêndio de 490,00 € por ano em ginásio é, aliás, bem elucidativo da total ausência de esforço por parte do arguido em adaptar a sua vida ao cumprimento desta pena suspensa.

Acresce que, nem no momento em que fora notificado para ser ouvido o arguido efetuou qualquer pagamento, nem até à presente data, o que é demonstrativo de passividade e também de total falta de seriedade no cumprimento da condição imposta à sua pena suspensa.


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Cumpre apreciar:

Preceitua o artigo 57.º do Código Penal:

“1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.

2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.”.

Por sua vez, o artigo 56.º do mesmo diploma legal estabelece as causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado”.


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Ora, a única condição imposta ao Arguido para suspensão da sua pena de prisão foi o pagamento da quantia de 20.000,00 € à Fazenda Nacional durante o período da suspensão que seria de 18 meses.

O Arguido tinha, assim, 18 meses para se organizar e juntar a referida quantia para ressarcir (ainda que parcialmente) a Fazenda Nacional.

Decorrido esse prazo, não só não efetuou qualquer pagamento à Fazenda Nacional, como nunca expôs ao processo qualquer dificuldade de o fazer ou qualquer intenção de efetuar pagamentos parciais.

Quando notificado para fazer prova do pagamento devido, apresentou um requerimento em que alega ter rendimentos mensais de 4035,64 € e despesas mensais fixas no valor de 2648,70 € no ano de 2022 e de 2670,10, no ano de 2023. Cifra, ainda, as despesas anuais em 3630,45 €, perfazendo uma média mensal de 302,15 €. Considerando todas as despesas aludidas, sobrariam 910,14 € ao arguido para fazer face a despesas de alimentação. Foi o próprio arguido que admitiu nas suas declarações que poderia ter contribuído com 100 ou 200,00 € por mês para pagar à Fazenda Nacional.

No entanto, as despesas apresentadas pelo arguido não podem ser aceites acriticamente, na medida em que apenas deverão ser atendidas despesas essenciais para a satisfação das necessidades básicas do arguido, todas as outras não são relevantes para apurar a sua capacidade de pagamento ou de ganho. Nesta medida não poderemos considerar despesas como a anuidade do ginásio no valor de 490,00 €; serviços de contabilidade no valor de 193,85 €; programa de previdência da A... (1.800,00€ por ano); aluguer de garagem de 90,00 €; um crédito pessoal celebrado em agosto de 2022, ou seja, no decurso da pena suspensa, que consome mais de 545,75 € no orçamento mensal do Arguido.

Acresce que muitas outras despesas como 180,00 € em telecomunicações, poderiam assumir moldes mais reduzidos, na medida em que o arguido reside sozinho na Suíça, pelo que o sacrifício imposto não se alastraria a outras pessoas com necessidades de telefone e internet (como os filhos).

As despesas apresentadas pelo arguido para alguém que vive sozinho afiguram-se exorbitantes, injustificadas e demonstrativas da total ausência de vontade de cumprir o pagamento em causa e a total ausência de esforço nesse sentido.

A postura adotada pelo arguido durante as suas declarações não pode deixar de ser considerada como totalmente leviana e sem qualquer intenção real de cumprir a condição judicialmente imposta, não tendo conseguido apresentar ao Tribunal nenhuma proposta séria de pagamento de futuro, por conta dos 20.000,00 € devidos.

A sua atitude durante o período de suspensão da pena foi de total passividade, não tendo procurado alternativas de trabalho para aumentar os seus rendimentos, nem tendo reajustado as suas despesas à necessidade de reunir 20.000,00 € ou outra quantia que evidenciasse um sério esforço da sua parte em cumprir.

Resulta, assim, do exposto que o Arguido não cumpriu a obrigação a que estava subordinada a suspensão da pena de prisão, porque não quis, tendo organizado a sua vida como entendeu, sem integrar na sua lista de prioridades o cumprimento desta condição.

Afigura-se-nos, assim, inequívoco que se verifica uma infração da regra de conduta imposta ao arguido e que essa infração ocorreu de forma grosseira, não só não ter ocorrido qualquer pagamento (nem de 1,00 €); como por se ter provado que o arguido tinha condições de ter efetuado esse pagamento, ainda que não na sua totalidade; e que a ausência de pagamento se ficou a dever a uma atitude de total indiferença pela decisão judicial, na medida em que o arguido de nada se privou, durante os 18 meses em causa, para cumprir com a obrigação imposta.

O incumprimento foi total, injustificado e leviano, razão pela qual se entende que ocorreu infração grosseira, nos termos previstos no artigo 56º n.º 1 alínea a) do Código Penal.


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Impõe-se, assim, averiguar se há algum fundamento que conduza à revogação da suspensão da pena de prisão.

Da análise do certificado do registo criminal, pesquisas de processos, informação prestada pelo processo 165/20.... verifica-se não consta do certificado criminal do arguido quaisquer condenações por factos praticados no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão.


*

A questão que se coloca é se a violação da condição imposta à suspensão da pena de prisão foi grosseira ou reiterada, determinando a sua revogação, ou se, ao invés, não atinge esse nível de gravidade e deve motivar a aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal.

O Ministério Público entendeu que existir fundamento para a revogação da suspensão da pena de prisão.

Afigura-se-nos inequívoco que se verificou uma infração grosseira da regra de conduta imposta ao arguido, não só não ter ocorrido qualquer pagamento (nem de 1,00 €); como por se ter provado que o arguido tinha condições de ter efetuado esse pagamento; e que a ausência de pagamento se ficou a dever a uma atitude de total indiferença pela decisão judicial, na medida em que o arguido de nada se privou, durante os 18 meses em causa, para cumprir com a obrigação imposta.

Acresce que o Arguido não se encontrava doente, não procurou outros trabalhos para poder cumprir esta obrigação, nem entregou qualquer quantia à Fazenda Nacional, por mais pequena que fosse.

Questionado sobre estas possibilidades, não apresentou qualquer justificação plausível para o efeito, nem qualquer sentido crítico sobre o seu comportamento, manifestando que de futuro o iria fazer, ainda que sem qualquer assertividade.

Note-se que poderia ter vindo juntar aos autos, já depois da audição de condenado, o comprovativo do pagamento de parte do valor em dívida, dando, assim, um sinal ao Tribunal que havia invertido a sua posição e que, apesar de ultrapassado o prazo, manifestava um esforço no sentido do cumprimento.

A total passividade e impunidade da conduta do Arguido e o incumprimento total, absoluto e injustificado não pode deixar de se considerar como grosseiro, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 56º do Código Penal.


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Em face do exposto, declaro o incumprimento culposo e grosseiro da condição imposta à suspensão da pena de prisão e, em consequência, revogo tal suspensão da pena de prisão, condenando o Arguido no cumprimento de dezoito meses de prisão efetiva.

Notifique.

Após trânsito, emita mandados de detenção.»

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O presente recurso versa sobre o despacho proferido em 6/10/2023, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA e, consequentemente, determinou o cumprimento da pena de 18 meses de prisão em que fora condenado nos autos.

Com interesse para a decisão a proferir temos as seguintes normas do Código Penal :

Artigo 55º - Falta de cumprimento das condições da suspensão
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal :

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º



Artigo 56º - Revogação da suspensão
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Artigo 57º - Extinção da pena
1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.

2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.

Da análise destas normas pode extrair-se que a declaração de extinção da pena ocorrerá no final do período de suspensão, ou da sua prorrogação efectuada ao abrigo da alínea d) do artigo 55º, caso não haja motivos para a sua revogação.

 Pondo de parte a hipótese – que não está em causa no caso concreto – de cometimento de outro crime, a violação dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social pode conduzir às seguintes situações :

- aplicação de uma solene advertência

- prestação de garantias de cumprimento das obrigações

- imposição de novos deveres ou regras de conduta ou de acrescidas exigências ao plano de reinserção

- prorrogação do prazo de suspensão

- revogação da suspensão

Mais, para que seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão, é necessário que a violação dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social seja «grosseira» ou «repetida», o que não é exigível para aplicação das consequências previstas no artigo 55º.

Para Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição, p. 316), a infração grosseira dos deveres impostos é a que, mesmo não sendo dolosa, resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade; a infração repetida dos mesmos deveres é a que resulta de uma atitude de descuido ou leviandade prolongada no tempo, que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas traduz menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.

A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido que «A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.» - cfr. o Acórdão a Relação de Coimbra de 9/9/2015, processo 83/10.5pavno.E1.C1, relatado por Orlando Gonçalves. No mesmo sentido ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 4/11/2013, processo 157/03.9idbrg.G1, relatado por Maria Luísa Arantes, ambos disponíveis in www.dgsi.pt

Em qualquer das hipóteses, a conduta do condenado deve ser culposa, pelo que o incumprimento pode ser doloso ou negligente . Particularmente no que toca à violação grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social, a conduta do condenado pode não ser dolosa, desde que o descuido ou leviandade que revele seja particularmente censurável -  ver, a propósito, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2012, processo 91/09.3idcbr.C1, relatado por Correia Pinto, in www.dgsi.pt..

Seja como for, são exclusivamente exigências de prevenção especial que estão na base do juízo da escolha das condições adicionais ou da revogação da suspensão, tal como sucede com a determinação da suspensão da execução da prisão . Ou seja, o tribunal deve avaliar se as finalidades preventivas que estiveram na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão ainda podem ser atingidas com a sua manutenção, ou se estão irremediavelmente prejudicadas. 

Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição actualizada, UCE, p. 354 «O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado.».

Neste mesmo sentido ver Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas Editorial Notícias, 1993, p. 355-356.

Mais, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as providências previstas no artigo 55º do C.P..

Após este enquadramento, analisemos o ponto 13 dos factos provados, que tem a seguinte redacção : «O Arguido assumiu postura de total passividade e leviandade durante todo o período da suspensão da pena.».

 É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que no elenco da matéria de facto provada e não provada não devem constar juízos de valor, nem conclusões jurídicas.

É certo que actualmente inexiste norma paralela ao artigo 646º, nº 4, 1ª parte, do anterior C.P.C. (aprovado pelo DL. 329-A/95 de 12/12), que dispunha: «Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito (…)», a qual era aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do C.P.P..

Contudo, o nº 2 do artigo 374º do C.P.P. alude aos «factos provados e não provados», o que leva a excluir destes os juízos de valor e as questões de direito .

A distinção entre matéria de facto ou questão de facto e matéria de direito ou questão de direito «é temática de melindrosa caracterização, que não tem logrado consenso sólido quer na Doutrina quer na Jurisprudência» (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 9ª edição, Lisboa, 2020, p. 144 e ss, que contêm as noções de vários doutrinadores).

Conforme ensina Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, volume III, p. 268-269, «a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto, num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes» . No mesmo sentido, ver Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Volume  I, Coimbra, 1997, p.179.

Como se afirmou lapidarmente no Acórdão da Relação de Guimarães de 30/11/2015, processo 1856/08.4tabrg.G1, relatado por Fernando Monterroso, in www.dgsi.pt, « … sempre se dirá que há uma «questão de facto» quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real e há uma «questão de direito» quando se submete a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída. Isto implica que o «facto» não pode incluir elementos que a priori contenham implicitamente a resolução da questão concreta de direito que há a decidir.».

Ou, como sustentado no Acórdão do S.T.J. de 12/3/2014, processo 590/12.5ttlra.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Mário Belo Morgado, também disponível in www.dgsi.pt),  são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio.

Neste quadro, a expressão «assumiu postura de total passividade e leviandade» reveste uma natureza jurídico-conclusiva, pois inclui a questão a decidir – saber se a violação do dever de pagamento imposto foi culposa, grosseira ou repetida.

Assim sendo, assiste razão ao recorrente quando pretende que o ponto 13 dos factos provados seja eliminado.

O recorrente foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigação de pagar, no mesmo prazo, a quantia de 20.000 euros à Fazenda Nacional, juntando o comprovativo ao processo.

O arguido, em Setembro de 2021, quando foi proferida a sentença condenatória,  residia na Suíça e trabalhava como motorista de transporte de crianças.

Em Outubro de 2023, quando foi proferido o despacho recorrido, o arguido mantinha-se a viver na Suíça auferia um salário líquido de 4.035,64 euros, continuava a viver sozinho e a trabalhar como motorista.

Decorridos os 18 meses fixados na sentença para o arguido pagar aquela quantia, verifica-se que o arguido nada pagou, o mesmo sucedendo nos seis meses seguintes, até ser proferido o despacho sob recurso.

Tendo em atenção os rendimentos por ele auferidos, concluímos que o recorrente, ao contrário do que defende, tinha condições económico-financeiras para cumprir aquela condição da suspensão da execução da pena de prisão !

Vejamos :

Durante dezoito meses, o recorrente auferiu 72.641,52 euros . Se desta quantia retirarmos os 20.000 euros que deveria ter pago à Fazendo Nacional restariam 52.641,52 euros, os quais dariam um rendimento mensal, nesse período, de 2.924,52 euros.

Analisemos então as despesas mensais do recorrente :

Algumas das que resultaram provadas são obrigatórias, como sucede com os 1.270 euros de renda de casa, os 270 euros de pensão de alimentos, os 44,86 euros de seguro da casa, os 5,34 euros de taxa do lixo e os 97 euros de electricidade.

Abatendo estas despesas, no valor mensal de 1.687,20 euros, àquele rendimento de 2.924,52 euros, ficaria o recorrente com 1.237,32 euros.

  Outras despesas são absolutamente supérfluas, como ocorre com o valor mensal de 40,83 euros que despende no ginásio !

Na verdade, se, como alega o recorrente, quer prevenir a sua saúde com exercício físico, poderia, obviamente, fazê-lo de forma gratuita, por exemplo, com caminhadas.

O mesmo se diga da despesa mensal de 545,75 euros relativa ao crédito pessoal que contraiu depois de ter sofrido a condenação destes autos, e que não serviu para cumprir a obrigação a que estava adstrito.

  Também o pagamento de 90 euros mensais de renda de uma garagem seria dispensável, tanto mais que não ficou minimamente demonstrado que o Estado suíço obrigue os proprietários de veículos a guardá-los numa garagem !

De igual modo, o pagamento anual de 193,85 euros para serviços de contabilidade, serviços estes de que o recorrente, pura e simplesmente, não quer abdicar .

Por último, temos os 150 euros mensais relativos ao programa de previdência da A..., cuja obrigatoriedade, afirmada pelo recorrente nas suas alegações de recurso, não ficou minimamente demonstrada.

No caso de o recorrente ter eliminado estas despesas, ainda teria possibilidades de garantir o pagamento com os seus seguros de saúde, com as telecomunicações, com o selo e o seguro do carro, pois ficaria ainda com um rendimento mensal disponível de 543,59 euros por mês para alimentação e outras despesas pessoais.

Em suma, o recorrente demitiu-se claramente do cumprimento do dever imposto na sentença .

Na realidade, o recorrente tinha condições objectivas para cumprir voluntariamente o dever que lhe foi imposto, só não o tendo feito por razões que apenas ao próprio são imputáveis. Acresce que verdadeiramente nunca tentou sequer cumprir, ainda que parcialmente, o pagamento a que estava obrigado para que a pena de prisão que lhe foi aplicada não fosse executada, pois não se retira da análise das peças processuais que instruem o presente recurso que tenha procurado, de forma diligente, ainda que eventualmente sem sucesso, concretizar o pagamento a que estava obrigado, mesmo em parte.

Em conclusão, pelas razões acabadas de expor, o arguido infringiu grosseiramente o dever de pagamento a que foi sujeita a suspensão da execução da pena de prisão.

Analisando o comportamento global do arguido após a condenação sofrida, é nítido que o mesmo verdadeiramente não interiorizou o desvalor da sua conduta e frustrou as expectativas que o tribunal nele depositou, ao ignorar a solene advertência expressa na suspensão da execução da pena de prisão.

Na verdade, o recorrente desprezou a oportunidade concedida com a pena de substituição aplicada, infringindo de forma grosseira o dever de pagamento a que estava sujeito.

Não vislumbramos no recorrente uma genuína interiorização do desvalor da conduta praticada, antes demonstrou total indiferença pela pena aplicada, pois adoptou uma conduta de ostensiva afronta à decisão judicial.

Depois, as providências previstas no artigo 55º do C.P., ou não são eficazes, ou são inadequadas ou insuficientes, pois o arguido não é sensível, como já demonstrou, a solenes advertências, nada cumpriu do que lhe foi inicialmente imposto, sendo que já decorreram mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, pelo que não merece uma nova oportunidade, pois o seu incumprimento da condição da suspensão da execução da pena prolonga-se no tempo, sendo que tal incumprimento não deve ser tolerado.

Em suma, resulta claramente infirmado o juízo de prognose favorável que presidiu à suspensão da execução da pena de prisão que foi aplicada ao arguido, já que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não foram suficientes para acautelar as finalidades da punição, uma vez que incumpriu grosseira, voluntária e de forma indesculpável, a condição que lhe foi imposta na decisão condenatória.
Assim sendo, transigir com tal comportamento significaria descredibilizar a suspensão da execução da pena, enquanto verdadeira pena, de substituição, susceptível de, por si, realizar as finalidades da punição.

Pelo exposto, está preenchida a cláusula estipulada na alínea a) do nº 1 do artigo 56º do C.P., pelo que bem andou o tribunal recorrido quando determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Aqui chegados, importa ponderar o que dispõe o artigo 43º, nº 1, al. c), do C.P., na redacção da Lei nº 94/2017, de 23/8 que passou a dispor que «Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: (…) a pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º».Este regime encontra-se estabelecido para penas de duração não superior a dois anos, como ocorre no caso concreto, como forma alternativa de cumprimento da pena de prisão, sendo a sua aplicação, não uma faculdade, mas sim um poder-dever que se impõe ao juiz, desde que preenchidos os pressupostos de natureza formal e material da sua aplicação.

Neste sentido, ver, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 23/11/2021, processo 2338/18.1pslsb.L1-5, relatado por Fernando Ventura, e o Acórdão da Relação do Porto de 26/5/2021, processo 1398/18.0pbavr.P1, relatado por José Carreto, in www.dgsi.pt.

Deste modo, dado que a aplicação das penas de substituição traduz-se num poder vinculado, terá o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão, quer a denegação, sob pena de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, de conhecimento oficioso .

E esta ponderação exige-se também quando é revogada a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 2 anos, ou seja, o trânsito em julgado da decisão condenatória não impede a execução da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação .

Isto mesmo resulta claramente da exposição de motivos da proposta de Lei nº 90/XIII, que deu origem à Lei nº 94/2017, quando se afirma que se alarga a possibilidade da aplicação da permanência na habitação «aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto … ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade…».

No sentido exposto cfr. os Acórdãos da Relação de Évora de 24/9/2019, processo 37/16.8glbja.E1, relatado por Ana Barata Brito, in ECLI – Jurisprudência Portuguesa e da Relação de Lisboa de 5/3/2024, processo 264/19.6gdalm-A.L1-5, relatado por Carla Francisco, in www.dgsi.pt; e também Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2022- 2ª edição, Almedina, p. 114.

Consequentemente, sendo determinada uma pena de prisão não superior a dois anos, importará ponderar de forma autónoma e fundamentada a aplicação daquele regime, incluindo o consentimento do condenado, e decidir no sentido positivo ou negativo, sob pena de, não o fazendo, o tribunal incorrer em omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º, nº 1, al. c) do C.P.P..

Analisando a decisão recorrida, importa reconhecer que o tribunal de primeira instância não se pronunciou sobre a possibilidade de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, detendo-se na mera determinação do cumprimento da pena de prisão substituída em consequência da revogação da suspensão, pelo que cometeu a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.

Por esse motivo o processo deve baixar à 1.ª instância (tribunal recorrido) para que este venha suprir a omissão detectada, ponderando, de forma fundamentada, se a referida pena de prisão de 18 meses deverá, ou não, ser cumprida em regime de permanência na habitação .

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em :

a) Alterar a matéria de facto, eliminando o ponto 13 dos factos provados;

b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA no que toca à revogação da suspensão da pena de prisão, que mantemos;

c) Declarar nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia relativamente à não ponderação do cumprimento da pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação, determinando que o tribunal recorrido supra essa omissão.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

Coimbra, 24 de Abril de 2024


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(Helena Lamas - relatora)

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(João Abrunhosa)



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(Teresa Coimbra)


Voto de vencida.

Discordo da posição que fez vencimento. Entendo que a decisão de 1ª instância deveria ser revogada e prorrogado o prazo de suspensão da pena aplicada, por considerar que da conjugação dos art. 55º e 56º do Código Penal resulta que o simples incumprimento, ainda que com culpa, do dever imposto como condição de suspensão, não tem de determinar, de imediato, a revogação.

Nos termos da al. a) do nº 1 do art. 56º do CP para que ocorra revogação da suspensão é necessário que o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres e, cumulativamente – porque, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, o conteúdo da parte final da al. b) estabelece uma condição comum às alíneas a) e b) do art. 56º -, revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas, sendo que a principal finalidade é sempre o afastamento do arguido da prática de crimes. (Neste sentido entre outros cf. Ac. RL de 25.05.2017 e de 23.04.2013 in www.dgsi.pt).

Assim, não obstante o comportamento financeiramente irresponsável do condenado, considerando que não praticou qualquer outro crime, que trabalha, que está corretamente inserido na sociedade e que dispõe de rendimentos que, geridos de outro modo, poderiam levar ao cumprimento da obrigação imposta, entendo que não se mostra infirmado definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da pena e que, nessa medida, lhe deveria ser feita uma solene advertência ( art. 55 a) do CP) e prorrogado por um ano o prazo de suspensão (art. 55º d) do CP), findo o qual seria avaliado definitivamente o seu comportamento.

Não confirmaria, portanto, a decisão de 1ª instância, no que concerne à revogação da suspensão da pena.

Maria Teresa Coimbra