Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/18.9T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRAÇÃO AUTÓNOMA
MARQUISE EM VARANDA
DEMOLIÇÃO
USUCAPIÃO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1420.º, 1421.º, 1422.º, 1425.º E 298.º, N.º 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – As partes do prédio que forem consideradas como imperativamente comuns são insuscetíveis de serem adquiridas por usucapião.

II – Quando o condomínio requer a demolição de uma marquise que modifica a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício constituído em propriedade horizontal, autorização que é necessária em função das limitações impostas ao proprietário singular, para além das limitações previstas para o exercício do direito de propriedade e de compropriedade em geral, está a exercer um direito emergente do direito de propriedade que na propriedade horizontal é aglutinador do direito de propriedade singular e da compropriedade – o direito à preservação da unidade estética do edifício.

III – Trata-se de uma obrigação que lhe é imposta por lei. Ainda que a obra tivesse sido licenciada pela autarquia que não o foi, ainda assim o condomínio continuaria a poder requerer a sua demolição, por falta de aprovação da construção.

IV – Não se lhe aplicando o prazo de prescrição de 20 anos.

V – A supressio traduz-se no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido, conduzindo o exercício tardio a uma desvantagem injustificada para esta.

VI – Embora entre a construção da marquise e a instauração da ação tenham decorrido 24 anos, a A., ao longo dos anos, foi sempre manifestando a sua oposição à obra efetuada pela R., pelo que não poderia criar nesta a convicção de que não lhe instauraria qualquer ação, não agindo, consequentemente em abuso de direito.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: ARlindo Oliveira
2.ª Adjunta: Catarina Gonçalves


Processo 96/18.9T8FIG.C2

 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório.

O Condomínio do Prédio sito na Senhora ... – Lote ...,  representado pela sua legal Administração, a sociedade por quotas A..., Lda. - intentou a  presente ação declarativa sob a forma comum  contra AA, pedindo que esta seja condenada a demolir a marquise que construiu na varanda.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que a R. é proprietária da fração autónoma designada pela letra “BI”, correspondente ao terceiro andar do prédio constituído em propriedade horizontal e, sem autorização dos condóminos ou licença camarária, construiu uma marquise, fechando a varanda com uma estrutura metálica e vidro, o que implicou alteração da estética do prédio.

Mais, alegou, que a R. foi várias vezes interpelada, inclusivamente pela Câmara Municipal, mas sempre se recusou a remover a marquise.

A R. contestou e deduziu reconvenção.

Defendeu-se por exceção, invocando a ineptidão da PI e contrapondo que adquiriu o direito de manter a marquise por usucapião, uma vez que foi construída em 1994 e os condomínios sempre a viram instalada e acordaram na sua edificação.

Aduziu também, que tendo decorrido mais de 24 anos desde a sua construção, o direito está prescrito, ao que acresce verificar-se uma situação de abuso de direito, pois que a marquise sempre esteve no local à vista de todos os condóminos que nela anuíram.

Em sede de reconvenção pediu a condenação do A. a reconhecer que a R. adquiriu por usucapião o direito de manter a marquise na fachada da fração autónoma designada pelas letras BI do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...32, freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ...,  freguesia ...; que seja dispensada o consentimento do condomínio para pedir ao município a legalização da construção da marquise, devendo ainda a A. ser condenada  como litigante de má fé, em multa a favor do Estado, no pagamento das despesas que a R. tem, teve e terá com este processo e ainda no pagamento dos honorários do mandatário da R..

A A. deduziu réplica a fls. 46 e ss., exercendo o direito de contraditório, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas e pela improcedência do pedido reconvencional.

 

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, relegando-se o conhecimento das demais exceções para a decisão final, após produção de prova e se identificou o objeto do litigio e os temas de prova.

 

Foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença na qual se julgou a ação procedente e se condenou a R. a proceder à demolição de uma marquise que construiu, através do fecho da varanda com estrutura metálica e vidro que se situa na sua fração autónoma, correspondente ao 3.º andar e julgou-se improcedente a reconvenção.

Inconformada com a decisão, a R. interpôs recurso de apelação, tendo a  Relação de Coimbra, por acórdão datado de 03.03.2020, decidido anular o julgamento, por contradição entre os pontos 5 e 13 e 6 e 14 do elenco dos factos provados.

Foi novo realizado julgamento e após foi proferida sentença com o seguinte teor no dispositivo:

. Julgo procedente a presente ação intentada por Condomínio do Edifício sito na Senhora ... – Lote ... contra AA, e consequentemente, condeno a Ré a proceder à demolição de uma marquise que construiu, através do fecho da varanda com estrutura metálica e vidro, que se situa na sua fração autónoma, correspondente ao 3.º andar B.

. Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido por AA contra o A/reconvindo, absolvendo-se o condomínio do pedido.

A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

1.ª - A sentença recorrida analisou e aplicou mal a matéria de facto, que tem, por isso de ser alterada.

a) O ponto 5 da matéria de facto dada como assente tem que ser alterado, porquanto nos pontos 13 e 15 dá-se como provada a data desde a qual a marquise está instalada, e que é em 1994. Deve ser dado por assente no ponto 5 que desde 1994 que a marquise está instalada.

b) O ponto 6 dos factos dados por assentes, deve ser alterado, no sentido em que o companheiro da R. pediu autorização para a construção da marquise e que esta foi concedida.

A este ponto depôs a testemunha BB, casada, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático H@bilus Media Studio, com início, às 16:18 e fim às 16:52, com as passagens de minutos 06:00 a 09.00, sendo que a testemunha diz que houve reunião com o dono de obra e o dono de obra disse que podia fazer, sendo que toda a gente concordou e a este ponto depôs a testemunha CC, divorciado, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático H@bilus Media Studio, com início, às 16:54 e fim às 17:18 horas, com as passagens de minutos 05: a 06.45 onde explica que não podia pedir ao condomínio porque não havia condomínio constituído, mas que pediu ao dono da obra.

c) O ponto 10 dos factos dados por assentes está em contradição com o ponto 13 na medida em que se a marquise está construída desde 1994 os condóminos na data da primeira reunião de condóminos, em 1994, não se opuseram e muito menos ficou a constar da ata, vd. ponto 13 dos factos assentes, pois nessa reunião de condomínio, a primeira, ninguém contestou nem se opôs à construção da marquise. Ora, isto demonstra que os condóminos não se opuseram sempre à construção da marquise. A matéria de facto dada por assente briga entre si nos factos dados por assentes e como tal tem de ser anulado o julgamento para suprir tal falta.

d) Deve ser ainda ser dado por assente que:

A R., por intermédio do seu companheiro, pediu autorização ao empreiteiro se podia fechar a varanda com a marquise o que foi por este autorizado.

A este ponto depôs a testemunha BB, casada, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático H@bilus Media Studio, com início, às 16:18 e fim às 16:52, com as passagens de minutos 06:00 a 09.00, sendo que a testemunha diz que houve reunião com o dono de obra e o dono de obra disse que podia fazer, sendo que toda a gente concordou e a este ponto depôs a testemunha CC, divorciado, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático H@bilus Media Studio, com início, às 16:54 e fim às 17:18 horas, com as passagens de minutos 05: a 06.45 onde explica que não podia pedir ao condomínio porque não havia condomínio constituído, mas que pediu ao dono da obra.

2.ª - O ponto 10 dos factos dados por assentes está em contradição com o ponto 13 na medida em que a marquise está construída desde 1994. Os condóminos na data da primeira reunião de condóminos, em 1994, não se opuseram e muito menos ficou a constar da ata tal oposição, vd. ponto 13 dos factos assentes. Nessa reunião de condomínio, a primeira, ninguém contestou nem se opôs à construção da marquise.

Ora, isto demonstra que os condóminos não se opuseram sempre à construção da marquise.

A matéria de facto dada por assente briga entre si nos factos dados por assentes e como tal tem de ser anulado o julgamento para suprir tal falta.

3.ª - No ano de 1994 foi construída a marquise e no ano de 2013 – 19 anos depois, foi levantado um processo de contraordenação que foi arquivado por prescrição, isto é, o construtor detentor de uma percentagem grande no condomínio, autorizou o companheiro da R. a construir a marquise. Todas as pessoas sabiam e só interpuseram a ação em 2018. Este hiato temporal é esmagante e demolidor.

4.ª - A recorrente desde 1994 com total exclusividade e independência, guardando, limpando na convicção de estar a exercer um direito próprio, sempre manteve a marquise, dela retirando todo o proveito, guardando as suas coisas, tudo isso contínua e ininterruptamente, de boa fé, o que foi dado por assente nos pontos 16.º e 17.º. Assim, a posse da R. é, desde o momento da sua aquisição – finais de Julho do ano de 1994 – de boa fé – art.º 1260.º n.º 1 do Cód. Civil, pacífica, art.º 1261.º do Cód. Civil; e, pública, art.º 1262.º do Cód. Civil, tendo estes artigos sido violados na decisão recorrida.

5.ª - A recorrente ainda que sem o consentimento escrito dos condóminos, obteve o consentimento para fazer e manter a marquise na fachada da fração autónoma designada pelas letras BI do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...32, freguesia ..., ficha da Conservatória do Registo Predial ... da dita freguesia ..., que corresponde ao terceiro andar sul nascente, se doutra forma não for, por usucapião, que por este meio expressamente invoca e deve ser declarado para e com os devidos efeitos legais.

6.ª - Como ensina o Prof. ORLANDO CARVALHO7, “Passíveis de posse são todos os bens passíveis de domínio, ou seja genericamente todas as coisas”. Se a propriedade singular é o modelo dos poderes do condómino em relação à sua fração para as partes comuns adota o legislador o da compropriedade (artigo 1.420.º n.º 2 do Cód. Civil). Assim sendo e não sendo definido pela lei a impossibilidade de aquisição das partes comuns da propriedade por usucapião

ela será admissível em casos precisamente como este dos autos, sendo usucapião é uma forma de aquisição originária, independente do direito de qualquer antecessor.

7.ª - Sendo certo que nem todos os direitos reais, mas só os direitos reais de gozo são suscetíveis de serem adquiridos por usucapião, a verdade é que nem todos os direitos reais de gozo são usucapíveis, nomeadamente, o direito de uso e habitação e as servidões prediais não aparentes.

A usucapião tem a extensão da posse exercida apenas permitindo a aquisição do direito a que ela se refere, a sua eficácia ocorre nos precisos termos da posse.

O direito português estabelece três requisitos para a usucapião:

- uma posse boa para usucapião;

- o decurso do prazo legal de posse (duração da posse)

- a invocação da posse pelo possuidor.

7 Direito das Coisas, Coimbra Editora, Lda., pág. 272.

8.ª - As partes comuns do edifício podem ser usucapidas por um dos condóminos porque ele possui em nome próprio e não é um possuidor precário.

“Essa posse em nome próprio é a continuação da composse de toda a coisa comum que não se pode dividir proporcionalmente ao direito de cada compossuidor, mas que pode ser gozada no seu todo, por cada um deles. É uma posse que concorre com as dos demais compossuidores pelo que todas essas posses não se excluem, antes se harmonizam. A mudança da composse para a posse exclusiva constitui inversão do título possessório. Para tanto não é essencialmente necessária uma oposição, como ato de contradição levado ao conhecimento da contraparte (a coletividade) bastando um comportamento unívoco e sério do qual resulta que o condómino não se dispõe mais a deter a coisa comum juntamente com os demais condóminos, mas em seu gozo

exclusivo. Tal comportamento, todavia, não deve limitar-se ao querer interior, isto é, à mera intenção do interessado, devendo exteriorizar-se em relação aos demais condóminos, afirmando um domínio que exclua o dos outros; em suma, afirmando um domínio de propriedade e não um domínio de compropriedade”,

L. P. MOITINHO DE ALMEIDA8.

9.ª - Sem prescindir, atendendo a que a marquise se encontra no local desde 1994 e que desde essa altura se mantem no local, tendo decorrido até ao momento da interposição desta ação 24 anos, prescreveu qualquer direito que o condomínio ou condóminos tivessem, prescrição esta que se invoca para os devidos efeitos legais e que deve ser declarada com as devidas consequências legais.

10.ª - Sem prescindir, sempre se dirá que se não proceder a primeira exceção então estaremos aqui claramente perante abuso de direito porque exercido de modo clamorosamente ofensivo dos princípios da boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito. Há abuso de direito sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico e social desse direito.

8 Propriedade Horizontal, Almedina, pág. 47.

11.ª - "De resto, é uma característica do abuso de direito que este último na aparência até existe. Quem age em abuso do direito invoca um poder que formal ou aparentemente lhe pertence, embora não tenha fundamento material.

Esta situação dificulta a defesa contra o abuso pois à primeira vista as aparências falam contra o lesado, de maneira que este, em certas circunstâncias, necessita de alguma coragem civil para invocar os seus direitos.

Daí que na sua conceção do abuso de direito, o art. 334.º parta, em cada uma das suas três hipóteses, de uma conceção objetiva. Significa isto, em primeiro lugar, que o excesso cometido no exercício do direito tem de ser manifesto. Quer dizer, o julgador do caso está perante um abuso de direito quando constata que este foi exercido em termos objetivos, inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trate de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça (MANUEL ANDRADE) ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante (A. VAZ SERRA).

12.ª - Se a conceção do abuso atendesse preferentemente a critérios subjetivos, resultaria daí uma proteção daqueles que não conhecessem escrúpulos. Por isso não é necessária a consciência do abuso, é suficiente o excesso objetivo. Por outro lado, o art. 334.º, violado na decisão recorrida, não ignora nem podia ignorar, considerações de ordem subjetiva. Estas considerações têm relevância nos casos em que se excedem os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes, mas não no caso em que se vai para além do "fim social ou económico" do direito, caso esse que representa a consagração de um critério puramente objetivo", HEINRICH EWALD HÖRSTER9.

9 A Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, pág. 282/3.

13.ª - O venire contra factum proprium consiste no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta anteriormente assumida pelo agente, que suscitou, justificadamente, a confiança da outra parte. A mudança de atitude do sujeito viola a confiança gerada, na contraparte, pelo comportamento anterior, quando não tem nenhum fator que a justifique Cf. MENEZES CORDEIRO10.

 E ao autorizar verbalmente ou pelo menos quando constituíram o condomínio a marquise já estava instalada, pelo que se nada disseram na altura e nada ficou a constar da ata, não podem mais de 20 anos depois lançar mão desta ação.

14.ª - Verifica-se pois, sem prescindir, pelo menos o abuso de direito de forma clamorosamente ofensiva do princípio da boa fé e dos bons costumes, existe, pois que a marquise sempre esteve no local, há mais de 24 anos, tendo todos anuído a tal e o regulamento do condomínio só foi aprovado após a marquise já estar implantada pelo que não se pode esperar mais de 20 anos para

pedir judicialmente para que a mesma seja retirada.

15.ª - “Havemos de convir que seguramente esta situação enquadra-se nas que o instituto do abuso de direito, como válvula de segurança, procura evitar, porquanto e tal como já mencionamos, a não oposição dos AA e seus antepassados, nada dizendo após tantos anos, criaram na Ré a legítima expetativa que estes aceitaram as alterações, não exercendo o direito, apenas se tendo oposto na presente ação, pelo que o exercício daquele direito dos AA e ainda que constitua reação contra uma situação ilícita, é manifestamente abusivo, atenta a sua postura de não oposição desde a realização das obras.

Neste particular, importa aludir à chamada figura da « neutralização do direito», a qual, nas elucidativas palavras de Baptista Machado, não apresenta absoluta autonomia, antes deve ser reconduzida ao princípio do venire contra factum proprium ( cfr. « Obra Dispersa, pág. 241 ), dado estar, também, em causa a tutela da confiança. A sua única particularidade reside no relevo

atribuído ao fator tempo e na circunstância do comportamento do titular do direito consistir, precisamente, em não agir.

10 Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 275.

Com efeito, em relação ao longo período de tempo em que por exemplo o agente se mantém passivo, pode falar-se da figura conhecida na doutrina por supressio.

O exercício do direito em tais condições ( decorrido tão longo lapso de tempo) contraria a boa fé.

Sinteticamente, dir-se-á que a « neutralização » é configurada quando o titular do direito deixa passar um longo período de tempo sem o exercer, o que, aliado a uma particular conduta desse titular ou a outras circunstâncias, cria na contraparte a expectativa ou convicção fundada e justificada de que o direito já não será exercido, em termos tais que a leva a adotar medidas ou «programas de ação que, doutro modo, não adotaria ».

Em tal caso, impõe-se que se impeça o exercício do direito, porquanto o seu exercício tardio e inesperado causaria desvantagem considerável, representando simultaneamente consequência ofensiva da boa fé ( cfr. Menezes Cordeiro, op. cit,, pág. 819, Baptista Machado, RLJ, 118°, págs. 11 e 228, Rita Amaral Cabral, RDES, XXXV, págs. 322 e 323, e o Ac. do STJ de 03/05/90, BMJ, 397, 454)”, Ac. RG de 2-12-2021, em que é Relatora Anizabel Sousa Pereira, processo n.º 336/18.4T8VPA.G2..

Pelo exposto e pelo muito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo procedente por provado como é  de inteira JUSTIÇA!

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se deve ser alterado o ponto 5 dos factos provados, passando a constar que a estrutura envidraçada foi construída em 1994;

. se deve ser alterado o ponto 6 dos factos provados e aditados à matéria de facto os seguintes factos: A R., por intermédio do seu companheiro, pediu autorização ao empreiteiro se podia fechar a varanda com a marquise o que foi por este autorizado.

. se o dado como provado no ponto 10 está em contradição com o dado como provado no ponto 13.

. se a apelante adquiriu o direito por usucapião a manter a marquise;

. se o direito de requerer a demolição prescreveu; e,

. se a apelada age em abuso de direito.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

1. O prédio urbano designado por Condomínio do Prédio sito na Senhora ... – Lote ..., com o NIPC n.º ..., está constituído em propriedade horizontal através de escritura lavrada no ... cartório notarial da  no dia 4 de outubro de 1993 ( art.º1 da PI).

2. Representado pela sua legal Administradora, a sociedade por quotas A..., Lda., eleita a primeira vez em 01/07/2005 e reeleita nos ulteriores meses até à presente data (art.º2 da PI).

3. O prédio referido em 1. é composto por sub-cave para garagens e arrumos, cave para comércio, rés-do- chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo andares, este recuado, para habituação, com a superfície coberta de 1035 m2 e encontra-se descrito na Conservatória do registo predial ..., sob a ficha n.º ...42, da freguesia ... e inscrito na matriz sob o art.º n.º ...32 da mesma freguesia (art.º 3.º da PI).

4. Encontra-se inscrita a favor da Ré a aquisição da fração autónoma designada pela letra "BI", a que corresponde ao terceiro andar sul nascente, destinado exclusivamente a habitação, tendo a permilagem de 24,363 (art.º 4.º da PI).

5. A R. fechou a sua varanda com uma estrutura envidraçada, vulgo marquise, de cor castanha, diversa da do prédio, nos moldes constantes dos documentos fotográficos inseridos na PI e que se dão por reproduzidos ( parte do art.º 5.º da PI).

6. Para realização desta obra a R., para além de não ter pedido autorização aos restantes condóminos, não obteve a pertinente licença camarária para o efeito ( art.º 7.º da PI).

7. Facto que gerou o levantamento de um processo de contraordenação n.º ...13, o qual foi arquivado por prescrição, por as obras terem sido construídas há mais de 5 anos (art.º 8.º da PI).

8. A R. foi inúmeras vezes interpelada para remover a aludida marquise, nunca o tendo feito (art.º 10.º da PI).

9. Recusando reiteradamente a reposição da varanda nos seus moldes originais, bem como o cumprimento das deliberações tomadas em assembleias de condomínio (art.º 12.º da PI).

10. Os Condóminos sempre se opuseram aquela construção, o que comunicaram à Ré por contacto pessoal e através de deliberações em ata ( art.ºs 10.º, 11.º e 12.º da resposta) .

11. Fizeram reiteradas denúncias à Camara Municipal ..., requerendo o levantamento do processo bem como a imposição da demolição da marquise (art.º 16.º da resposta).

12. O regulamento de condomínio do prédio referido em 1.foi aprovado em 8-07-1995( art.º1.º da contestação/reconvenção).

13. Ainda no ano de 1993, a R. encomendou ao Senhor DD a Marquise, que veio a ser instalada na sua fração autónoma no ano de 1994, ainda antes da reunião de condomínio correspondente à ata de assembleia de condóminos, datada de 10 de julho de 1994- cfr fls. 41( art.º 2 e 34.ºda contestação/reconvenção).

14. A marquise foi instalada num alçado que tem uma porta para a Rua e portanto visível para todas as pessoas que naquele local e prédio são proprietários de frações autónomas, viram a marquise instalada (parte dos art.º3.º e 35.º da contestação/reconvenção).

15. Desde março de 1994, que na varanda da fração autónoma sita no prédio cujo condomínio é A. foi aplicada e construída a marquise, e se manteve a marquise no mesmo local, à vista de toda a gente, até aos dias de hoje, onde ainda se mantém (art.º 4.º e 36.º da contestação/reconvenção).

16. A R. desde março de 1994, com total exclusividade e independência, guarda e limpa, sempre manteve a marquise, dela retirando todo o proveito, guardando as suas coisas, tudo isso contínua e ininterruptamente (parte dos art.ºs 5.ºe 37.º da contestação/reconvenção).

17. Com o conhecimento de todas as pessoas daquele local, inclusive de todos os condóminos (art.º 6 e 38.º da contestação/ reconvenção).

18. A ação foi intentada em 9 de janeiro de 2018.

 

Factos não provados (com interesse para a decisão da causa):

Não se provaram os seguintes factos:

- A resposta dada pela R. tem sido invariavelmente dada por um alegado procurador, que através de comunicações manuscritas, (…) injuria e difama os condóminos a quem gere o condomínio (parte do art.º 11.º da PI).

- A A. foi nomeada administradora de condomínio em 4 de Agosto de 2002( art.º28.º da Contestação/reconvenção).

- Que a R. utiliza a marquise nos termos do n.º 16 dos factos provados, com a convicção que não lesava direito de outrem ( parte dos art.ºs 5.ºe 37.º da contestação/reconvenção).

- Quando a obra foi realizada a maioria qualificadíssima dos condóminos consentiu (art.º 30.º da Contestação/reconvenção).

- Que apesar de não vertida na reunião da assembleia de condóminos, estes acordaram na instalação da marquise (parte dos art.º3.º e 35.º da contestação/reconvenção).

- Os condóminos acordaram na instalação da marquise, apesar desse acordo não estar vertido na ata de reunião da assembleia de condóminos datada de 10 de julho de 1994 ( parte dos art.ºs 4.º e 36.º da contestação/reconvenção).

*

A demais matéria alegada é inócua, conclusiva ou contém conceitos de direito, razão pela qual à mesma não se responde.

Da alteração da matéria de facto

            (…).

Do Direito

Segundo interpretamos a posição da apelante, esta considera que a varanda é parte comum, mas que pode converter-se em parte exclusiva do proprietário da fração, ocorrendo a mudança da composse para a posse exclusiva mediante inversão do título possessório.

Na propriedade horizontal, qualquer que seja a sua natureza jurídica, cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (art.1420 do CC ).

Em virtude desta particular natureza da propriedade horizontal  que constitui uma simbiose entre a propriedade sobre a fração autónoma e a compropriedade forçada sobre as partes comuns do edifício (artº 1420º, nº 2 do CC), os  condóminos sofrem, no exercício deste novo direito, tanto relativamente às frações autónomas que exclusivamente lhes pertencem, como, enquanto comproprietários, relativamente às coisas comuns, limitações impostas pela necessidade de conciliar os interesses de todos, considerando as especiais relações de interdependência e de vizinhança ( art. 1422 nº1 e 2 do CC ).

Consequentemente, os condóminos, quanto às suas frações, estão sujeitos não só às restrições e limitações ao exercício do direito de propriedade, legalmente impostas em termos gerais, mas também às que decorrem da relação de proximidade ou comunhão em que vivem os condóminos, procurando-se salvaguardar interesses de ordem pública, ou seja, interesses públicos e coletivos, relacionados com condições de salubridade  e segurança dos edifícios, assim como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais (cfr. se defende  no Ac. do STJ de 29.11.2022, proferido no proc. 9/17.5T8VRM.G1.S1 que temos vindo a seguir de perto).

O artº 1421º do CC enuncia quais são as partes comuns do edifício. Neste preceito  distinguem-se as partes de um edifício que são consideradas imperativamente comuns (nº 1) daquelas que apenas se presumem comuns (nº 2), presunção iuris tantum que poderá ser afastada, mediante prova do contrário (artº 350º, nº 2 do CC).  No que concerne às primeiras, se o título constitutivo lhes conferir uma natureza própria, atribuindo-as a alguma das frações, estará ferido de nulidade (artº 294º do CC).

As partes do prédio que forem consideradas como imperativamente comuns são insuscetíveis de serem adquiridas por usucapião (cfr. se defende em Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, anotação ao artº 1421º do CC por Ana Taveira da Fonseca, Edição da Universidade Católica de Lisboa, 2021, pág. 448).

De difícil caraterização são as varandas, abertas nas paredes perimetrais (paredes exteriores que delimitam o edifício) e que se encontram afetadas a uma única fração autónoma. É que, partindo do pressuposto de que as fachadas são partes comuns (artº1421º, nº 1, alínea a) CC), mesmo que não constituam paredes mestras (cfr. defende Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, 3ª reimpressão da 2ª edição, 2002, pág. 33), é de questionar se as varandas que nelas implantadas, não serão também comuns quando afetas ao uso exclusivo de um condómino.

Para Sandra Passinhas, as  varandas abertas nas referidas paredes perimetrais e afetas ao uso exclusivo de um só condómino, estão excluídas  da presunção de comunhão e não devem ser também consideradas partes obrigatóriamente comuns (cfr. defende na obra e página citada), constituindo projeções acessórias da fração autónoma.

Também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, páginas 416 a 417, defendem que as varandas estão excluídas da comunhão:

“Não só o espaço geométrico, porém, constitui objeto do direito de propriedade. Tudo o que se contenha neste espaço e não seja considerado comum (pela lei ou pelo título constitutivo), pertence ao titular da fração: paredes divisórias que não sejam paredes mestras, revestimento interior destas, revestimento das placas correspondentes ao chão (ladrilhos, tacos de madeira, etc.) e ao teto de cada fração autónoma, portas interiores, louças, banheiras e outros materiais dos quartos de banho, bancas de cozinha, etc.

Deverão considerar-se também propriedade do respetivo condómino a porta ou portas de acesso à fração autónoma, as varandas (sublinhado e bold nosso) ou sacadas nestas existentes e as janelas, com tudo o que integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois tratam-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fração respeitam. Em sentido contrário, poderá dizer-se que, encontrando-se estes elementos implantados em paredes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica. Esta consideração, porém, conforme sublinham alguns autores (cfr., por exemplo, F. Aeby) peca por excesso de lógica, não ponderando devidamente a realidade. Com efeito, os elementos em questão, alguns de natureza muito frágil, estão sujeitos ao uso contínuo por parte dos utentes da fração em que se integram, dependendo o seu estado, essencialmente, do modo como cada um se sirva dele e os conserve. Há toda a conveniência, por isso, em atribuir-lhes natureza privativa”.

No sentido de que todo o revestimento do edifício é comum, tal como as varandas, Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, Principia Editora, Lda., 2ª edição, Fevereiro de 2007,  página 110 (apud .Ac. do TRL de   de 27.10.2020, proferido no processo 12847/18.7T8SNT.L1-7)[1].

Na anotação ao artº 1421º do CC no Comentário ao Código Civil, já mencionado,  a autora da anotação defende a natureza própria das varandas  porque embora unidas às paredes perimetrais, constituem também uma extensão da fração autónoma e não são suscetíveis de serem utilizadas pelos demais condóminos.

No acórdão do TRL de 27.10.2020, proferido no processo 12847/18.7T8SNT.L1-7, entendeu-se que o chão da varanda porque utilizado exclusivamente pelo condómino que tem o seu uso exclusivo não constitui parte comum, mas já o gradeamento que a delimita e serve de proteção reveste essa qualidade. Defendeu-se no citado acórdão que “o gradeamento metálico (corrimão) que a circunda, pertencente à parte exterior da mesma varanda, delimitando-a e destinando-se exclusivamente a prevenir a segurança dos respetivos utentes, revela, nessa mesma medida, objetiva e direta correspondência física com a fachada do edifício constituído no regime de propriedade horizontal, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular”.

Afigura-se-nos que na sentença recorrida não se chegou a tomar expressamente posição sobre a natureza da varanda, mas negou-se a possibilidade de usucapião, fundamentando-se no decidido no Ac. do TRP de 07.06.2021, proc. 3106/20.6T8PRT.P1, onde se nega a possibilidade de aquisição por usucapião de uma marquise construída  num terraço comum, porque situado na topo do prédio e exercendo a função de cobertura “porque a estrutura construída nunca poderia  ser desgarrada do lastro que a incorpora, ou seja, do terraço, por a tal se opor a natureza incidível da propriedade horizontal, constituída por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada de um prédio urbano e de comproriedade sobre outras partes deste que são essenciais tanto à estrutura daquele como à sua utilização funcional, quer dizer, ao exercício do domínio pleno”.

Reconhece-se uma natureza algo complexa à varanda, quando a mesma está afeta ao uso exclusivo de um condómino, acedendo-se à mesma  apenas através da sua fração, atento que a mesma faz simultaneamente parte da fachada do prédio, estando ligada a uma parte comum e  como tal tem de obedecer a uma uniformidade estética pretendida pela lei. A  questão da natureza própria ou comum da varanda tem, designadamente, reflexo nas despesas com a sua conservação. Se parte comum, as despesas serão a cargo do condomínio (artº 1424º, nºs 1 e 3 do CC) e se parte própria, as despesas serão suportadas pelo condómino. 

A dificuldade e complexidade desta caraterização resulta da particular natureza da propriedade horizontal, não se podendo desmembrar o prédio, constituído em propriedade horizontal, em duas realidades distintas, a de propriedade singular e a de compropriedade.

Na situação em análise no título de constituição da propriedade horizontal a fração propriedade da R. surge assim descrita: BI – terceiro andar sul/nascente, destinado a habitação com a área de 130 m2, o valor de três milhões seiscentos e cinquenta quatro mil escudos e a permilagem de 24,36, sendo omissa a referência quanto a qualquer varanda, desconhecendo-se se a área que nele consta engloba (ou não) a área da varanda.

            O título constitutivo é  omisso relativamente  às varandas.

A questão que se coloca não é de usucapião, mas sim se era permitido à R., sem autorização, fazer a obra que fez.

Ora, independentemente da natureza da varanda (própria ou comum), sempre a construção da marquise careceria de autorização da assembleia de condóminos.

            Uma coisa é a propriedade exclusiva ou comum de determinada parte que integra o direito de propriedade horizontal de cada condómino, outra a necessidade de autorização, sendo  que em determinadas situações é exigida uma autorização qualificada da assembleia de condóminos.

            É que as obras nas partes comuns estão sujeitas à disciplina do artº 1425º do CC, que subordina à aprovação da maioria dos condóminos (cfr. se defende no Ac. do TRC de 26.04.2006, proc.405/06), devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio, mas também as  obras que modifiquem a linha arquitetónica do prédio ou o seu arranjo estético, realizadas nas partes exclusivas, não são permitidas, exceto se o condómino obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada também por uma maioria representativa de  2/3 do total do prédio.

            Assim, independentemente da natureza da varanda – própria ou comum -  sempre a R. careceria de autorização ou, pelo menos,  de ratificação da obra pela Assembleia de Condóminos que não obteve.

            A consequência para a edificação destas obras ilegais é a da sua  reconstituição natural que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro -  o art. 566, nº1, in fine, e 829, nº2, do C.C. -, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio ( cfr. se defende no Ac. do STJ de 19.02.2008, proc. 07A4756, onde são citados nesse sentido, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed, pág. 143; Ac. STJ de 25-5-00, Col. Ac. S.T.J., VIII, 2º, 80, Ac. STJ de 4-10-95, Bol. 450-492 e Ac. STJ de 17-3-94, Bol. 435-816, entre outros).

            Invoca a apelante que o direito de requerer a demolição da marquise prescreveu.

            Será assim?

            A prescrição é  um dos efeitos do decurso do tempo na vigência dos direitos e obrigações disponíveis, concedendo a quem a invoca a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação considerada prescrita ou opor-se ao exercício do direito reputadamente prescrito (n.º 1 do art.º 298.º, art.º 301.º, art.º 303.º e n.º 1 do art.º 304.º, todos do CC), pretendendo-se, por esta via, sancionar a inação ou a negligência do titular do direito no seu exercício e assegurar a estabilidade e a segurança das relações jurídicas (cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7ª reimpressão, Almedina, pp. 445).        

            Na resposta às exceções, a apelada veio defender que a salvaguarda do direito em causa, pode e deve ser invocável a todo o tempo pelos condóminos que não se conformaram com a alteração da linha arquitetónica do prédio, uma vez que não lhes pode ser coartado a defesa do bem estético que lhe assiste e a prescrição, foi por diversas vezes interrompida, nomeadamente, através da denúncia junto do órgão administrativo competente nesta matéria, a Câmara Municipal .....

            Só tem efeito interruptivo da prescrição a citação ou a notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito (artº 323º, nº 1 do CC), considerando-se, porém, interrompida a prescrição, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o  respetivo titular por quele contra quem o direito pode ser exercido (artº 325º, nº 1 do CC).

            No caso não se provaram quaisquer factos que permitam concluir pela verificação de um efeito interruptivo.

            Dispõe o artº 298º do CC que estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (artº 298º, nº 1 do CC). São direitos indisponíveis os direitos de personalidade, como o direito ao nome e de maneira geral, todos os direitos relativos ao estado da pessoa.

            O nº 3 do artº 298º do CC exclui, no entanto, da prescrição, os direitos reais de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão, podendo, no entanto, extinguir-se pelo não uso. A imprescritibilidade do direito de propriedade resulta da imprescritibilidade da ação de reivindicação (artº 1313º do CC). Todos os direitos não mencionados estão sujeitos à prescrição.

            A propriedade horizontal, como referimos é um direito real que congrega o direito de propriedade singular sobre a fração de que o titular é proprietário exclusivo e um  direito de compropriedade sobre as partes comuns.

            O direito de requerer a retirada de uma obra que modifica o arranjo estético de um prédio ou a sua linha arquitetónica é imprescritível?

Quando o condomínio requer a demolição de uma marquise que modifica a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício constituído em propriedade horizontal, autorização que é necessária em função das limitações impostas ao proprietário singular, para além das limitações previstas para o exercício do direito de propriedade e de compropriedade em geral (artº 1422º, nº 1) está a exercer um direito emergente do direito de propriedade que na propriedade horizontal é aglutinador do direito de propriedade singular e da compropriedade – o direito à preservação da unidade estética do edifício. Trata-se de uma obrigação que lhe é imposta por lei. Ainda que a obra tivesse sido licenciada pela autarquia que não o foi, ainda assim o condomínio continuaria a poder requerer a sua demolição, por falta de aprovação da construção. E bem se compreende que assim seja. A fração de que a A. é proprietária singular, faz parte de um todo que é o edifício composto por várias frações com vários proprietários e como tal está subordinada a uma linha arquitetónica estética e geral comum a todos,  dizendo respeito a todos.

            Por fim, há que decidir se a A. ao instaurar a presente ação em 2018, decorridos 24 anos sobre a construção da marquise. Defende a apelante que se trata de venire contra factum proprium.

             O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium constitui uma das modalidades de abuso de direito, assente na boa-fé, tuteladora da confiança das pessoas, nas suas relações jurídicas. “Baseia-se, essencialmente, nos comportamentos contraditórios das pessoas. Estas, depois de tomarem uma determinada atitude, perante os outros, devem ser coerentes, mantendo o mesmo comportamento para o futuro, evitando a lesão das expectativas geradas à volta do seu comportamento anterior.

O que é importante, para o caso desta modalidade de abuso de direito, é saber quando é que um comportamento é relevante, isto é, gera a confiança no outro, de molde a que acredite que não terá um comportamento contrário. E, em face desta crença, organiza a sua vida económico-social, esperando que o outro não altere o seu comportamento. O comportamento, gerador da confiança nos outros, tem de ser expresso e inequívoco, de molde a que seja vinculativo para a parte. Só nestas circunstâncias é que o outro acredita ou tem razões fortes para acreditar que vai honrar, no futuro, o seu compromisso. Não basta uma mera aparência para que se gere a confiança, para que se acredite que a atuação futura irá ser sempre nesse sentido. É necessária uma atitude concludente, inequívoca, assumida, expressamente, perante o outro, com uma força tal, que não deixe dúvidas, que no futuro não irá ser surpreendido com um comportamento contrário.” (extrato retirado do Ac. do TRG de 23.04.2015, proferido no proc. 495/08. 4TBMNC.G1).

Na sua estrutura, o venire pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o factum proprium) é contraditada pela segunda (o venire), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso de direito.

Já a modalidade de supressio se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo prolongado, de modo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido, conduzindo o exercício tardio a uma desvantagem injustificada para esta. Como se refere no Ac. do TRP de 15.12.2005 (proc. nº 0535984) “Pretendeu-se, durante algum tempo, equiparar a supressio ao venire contra factum proprium.

O venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Há, pois, similitudes entre as duas figuras porque a realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na ruptura das expectativas de continuidade de auto-apresentação praticada pela pessoa que, tendo criado no espaço jurídico uma imagem de não-exercício, rompa, de súbito, o estado gerado. Tal também acontece no venire contra factum proprium porque entre os dois comportamentos contraditórios decorre sempre um lapso de tempo. A diferença é que na supressio o tempo tem uma projecção de maior relevo: é pela sua continuidade que o não exercício suscita as expectativas sociais de que essa auto-representação se mantém (sublinhado nosso). O decurso do tempo é a expressão da inactividade, traduzindo, como tal, o factum proprium.

Podemos assim dizer, sinteticamente, que a supressio se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido, conduzindo o exercício tardio a uma desvantagem injustificada para esta.”

Ora, no caso não se apuraram quaisquer factos para concluir por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, desde logo porque não se provaram quaisquer comportamentos contraditórios da A.

Mas também não se verifica abuso de direito na modalidade de supressio. Embora entre a construção da marquise e a instauração da ação tenham decorrido 24 anos, a  A., ao longo dos anos, foi sempre manifestando a sua oposição à obra efetuada pela R., pelo que não poderia criar nesta a convicção de que não lhe instauraria qualquer ação. Não obstante o decurso de um longo período até à instauração da presente ação, a A. não teve  um comportamento suscetível de criar na apelante a convicção de que nunca iria instaurar ação judicial requerendo a retirada da marquise (cfr. se defende no Ac. do TRP de 07.06.2021, proc. 3106/20.6T8PRT.P1).

            A apelação deve, pois, improceder.

           

            Sumário:

(…).

           

            IV - Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.

            Notifique.

            Coimbra, 24 de outubro de 2023



[1] Na terceira edição revista e aumentada, 2013, o autor questiona a natureza das varandas afetadas ao uso exclusivo de frações autónomas, mas não se nos afigura que dê resposta à questão (página 116).