Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/17.6T9SEI. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: CRIME DE FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
IMPOSIÇÃO DE DEVERES À SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVER DE NATUREZA PATRIMONIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
SOLIDARIEDADE PASSIVA
JUROS DE MORA
RECOLHA DE AMOSTRAS DE ADN
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA - JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS
Legislação Nacional: ARTIGO 51.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 283.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
ARTIGOS 8.º, ALÍNEA F), E 36.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), DO DECRETO-LEI N.º 28/84, DE 20 DE JANEIRO
ARTIGO 8.º, N.º 2, DA LEI N.º 5/2005, DE 12 DE FEVEREIRO
ARTIGOS 483.º, N.º 1, 497.º, 559.º, 805.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEA B), E 3, E 806.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – O crime de fraude na obtenção de subsídio, dos artigos 2.º, 8.º, alínea f), e 36.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 2, n.º 4 e n.º 5, alínea a), do Decreto Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, não é um crime específico em que apenas o agente promotor pode constituir-se autor.

II – Os arguidos não são obrigados a confessar ou a assumir a responsabilidade dos factos, a demonstrar arrependimento, nem mesmo a prestar declarações, não podendo ser prejudicados por tal atitude processual.

III – Inexiste norma legal que imponha ao Ministério Público que especifique na acusação para qual dos factos ou para qual dos crimes os documentos são indicados.

IV – O dever imposto ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 51.º do Código Penal não traduz a condenação em indemnização, mas sim a imposição de um dever que, reforçando o sancionamento penal, visa levar o arguido a tomar a iniciativa de reparar o dano.

V – Este dever tem de limitar-se aos pressupostos do pedido, podendo ficar aquém dele, mas não ultrapassá-lo, não tendo sentido impô-lo quando, por exemplo, a obrigação civil de indemnização já prescreveu.

VI – Quando são várias as pessoas que provocaram os danos cria-se uma situação de solidariedade relativamente à obrigação da sua reparação, nos termos do artigo 497.º do Código Civil, norma que apenas exige que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos, independentemente da concreta configuração da ilicitude ou da culpa de cada uma delas.

VII – O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2005, de 12 de Fevereiro, no sentido de ser possível a recolha de amostras de ADN a arguidos condenados em pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que substituída, e do artigo 26.º, n.º 3, alínea a), quanto ao prazo de conservação do perfil de ADN.

VIII – A responsabilidade por facto ilícito não implica, ipso facto, que o devedor só se constitua em mora desde a citação, pois o artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil exclui desta regra geral o caso de já haver mora por se tratar de crédito líquido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        A – Relatório

1. … foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos

AA …

BB …

CC …

DD …

EE … e

FF …

2. O “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.”, veio deduzir pedido de indemnização contra os arguidos, peticionando a sua condenação no pagamento do montante de 207.700,95 euros …, acrescido de juros legais vincendos até efectivo pagamento.

Requereu ainda que, no caso de condenação dos arguidos em pena de prisão suspensa na sua execução, esta seja condicionada ao pagamento ao IFAP,I.P. das quantias em que venham a ser condenados.

3. … foi proferida sentença, a 20.2.2023, decidindo-se:

“a) Absolver as arguidas BB …, CC … e DD … da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, …

b) Condenar os arguidos AA …, EE … e FF … pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelos artigos 2º, 8º, alínea f), 36º, nº1, alíneas b) e c), nº2, nº4 e nº5, alínea a) do Decreto Lei 28/84 de 20 de Janeiro, respectivamente, nas penas principais de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, 3 (três) anos de prisão e 3 (três) anos de prisão.

c) Suspender a pena de 3 (três anos) e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido AA …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever:

- Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

d) Suspender a pena de 3 (três anos) de prisão aplicada ao arguido EE …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever:

- Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

e) Suspender a pena de 3 (três anos) de prisão aplicada ao arguido FF …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever:

- Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

f) Condenar os arguidos AA …, EE … e FF … nas penas acessórias de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos, respectivamente, pelos períodos de 3 (três) anos, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e na publicidade da decisão condenatória.

b) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pelo “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.” e, em consequência:

- Absolver as arguidas …

- Condenar os arguidos/demandados … a pagar ao Demandante a quantia de 187.375,75€ …, acrescida das quantias devidas a título de juros de mora calculados à taxa legal e contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil;

Proceda-se à recolha de amostras de ADN do arguido (cfr. artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro).

Oportunamente, proceda-se à publicidade da sentença condenatória nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 19º, n.º1 e 3, do Decreto-Lei 48/84, de 20 de Janeiro”.

4. Inconformados com a douta sentença, vieram os arguidos EE …e FF … interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

T. Ainda quanto ao facto 21 dado como provado, …

U. Este relatório foi feito já depois dos recorrentes terem sido constituídos arguidos, daí que o MP deveria tê-los notificado, em menagem ao disposto no art. 32.º, n.º 5 da CRP, já que esta norma constitucional obriga a que os actos instrutórios, em processo criminal, estejam subordinados ao princípio do contraditório e no caso sem prejuízo para a investigação, sendo certo que a impossibilidade de os recorrentes contribuírem para o objecto da apelidada perícia (que não é), impossibilitou que o relatório da mesma pudesse ser mais específico, designadamente o facto de a técnica poder avaliar toda a obra, não obstante a mesma ter tido o cuidado de evidenciar que o que lá estava contruído era bem mais amplo do que estava nos autos, como se alegou supra, daí que seja materialmente inconstitucional a norma ínsita no art. 164.º, n.º 1 do CPP, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “É admissível prova por documento, sem que se verifique a participação do arguido para a sua elaboração, quando a mesma é possível sem prejuízo da investigação”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 2.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, e 32.º, n.º 5, todos da CRP, a qual se argui com todas as legais consequências, devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado.

ZZZZ. Conjugando a tutela dos interesses da vítima por um lado, o reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, por outro, mas sem esquecer os referidos princípios de exigibilidade e proporcionalidade a que aludem o n.º 1 al. a) e n.º 2 do art. 51º do Cód. Penal, entende-se que as condições económicas actuais dos recorrentes não lhes permitem, efetivamente, cumprir a obrigação que lhe foi imposta na decisão recorrida, dentro do indicado prazo de suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que os elementos dos seus agregados familiares recebem um valor per capita bem inferior a um SMN, sendo certo que o estatuto de arguido não pode atentar contra este minimum de dignidade existencial, …

AAAAA. Assim, é inconstitucional a norma ínsita no art. 51.º, n.º 2, do CP, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “os deveres impostos podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento o faça incorrer em indignidade existencial, familiar, profissional e social, por afectar o mínimo remuneratório”, por violação das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 24.º e 58.º, todos da CRP (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado).

Da pena acessória:

HHHHH. Face à natureza, pressupostos, fundamentos e efeitos das penas acessórias enquanto verdadeiras penas criminais obriga ao íntimo respeito pelo princípio da proporcionalidade entre a aplicação da pena principal e da pena acessória, daí que face ao facto de os recorrentes serem primários, não terem actualmente e há mais de 10 anos quaisquer ligações empresariais que os possam levar à prática deste crime nem se encontram tão-pouco a residir em Portugal, não se encontra fundamento para a declaração da perigosidade do agente e em concomitância para o decretamento das penas acessórias de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgadas por entidades ou serviços públicos e na publicidade da decisão condenatória, motivo pelo qual não deverá ser aplicada aos recorrentes qualquer pena acessória.

NNNNN. Assim, a condenação dos recorrentes solidariamente na quantia de EUR. 187 375,75 corresponde a mais um erro notório de julgamento, devendo, a responsabilidade dos recorrentes circunscrever-se a valor não superior a EUR. 10 000,00 cada.

Da recolha de amostras de ADN:

PPPPP. O bem jurídico protegido que a tipificação do crime em causa visa tutelar e, por um lado, a confiança à vida económica, e, por outro lado, a correcta aplicação dos dinheiros públicos no domínio da economia, sendo que a realização de um exame e perícia coactiva de ADN coloca em causa os direitos à integridade física, à autodeterminação corporal e autodeterminação informativa genética e privacidade dos visados, aqui recorrentes. Perante isto, apesar de a Constituição não proibir, em absoluto, a possibilidade de restrição legal dos direitos, liberdades e garantias, submete-a a múltiplos e apertados pressupostos, formais e materiais, de validade.

QQQQQ. O próprio Tribunal de Justiça da União Europeia orienta-se no sentido de que o tratamento de dados sensíveis pelas autoridades competentes apenas é suscetível de ser autorizado se for estritamente necessário e deve ser enquadrado por garantias adequadas, bem como estar previsto no direito a União Europeia ou no direito nacional. …

RRRRR. A norma em causa apenas atrela a necessidade da sanção acessória em causa à moldura penal, o que se revela manifestamente insuficiente para assegurar os desígnios garantístico da norma do art. 30.º, n.º 4 da CRP, desde logo, em conjugação com as normas dos arts. 15.º, n.º 2, 17.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.º 6, 19.º, n.ºs 1 e 3 a 7 e 19.º-A a 22.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro …

SSSSS. Assim, é inconstitucional a norma ínsita no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença e independentemente das concretas circunstâncias e sem a previsão de uma cláusula de salvaguarda de manifesta desproporção”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, 25.º, n.os 1 e 2, 26.º, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, todos da CRP e art. 51.º, n.º 1 da CDFUE (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado), enquanto direito constitucional formalmente recepcionado.

TTTTT. É ainda é inconstitucional a norma ínsita no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro quando interpretação conjugadamente com as normas dos arts. 15.º, n.º 2, 17.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.º 6, 19.º, n.ºs 1 e 3 a 7 e 19.º-A a 22.º, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença sem se determinar com rigor quem pode aceder e quais as condições de acesso, permitindo que indiscriminadamente o MP, os OPC, nacionais e internacionais com controlo nulo depois de comunicados”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, 25.º, n.os 1 e 2, 26.º, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, todos da CRP e art. 51.º, n.º 1 da CDFUE (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado), enquanto direito constitucional formalmente recepcionado.

UUUUU.    Face ao exposto, é inconstitucional a norma ínsita no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro quando interpretação conjugadamente com as normas dos arts. 15.º, n.º 2, 17.º, n.os 1 e 3, 18.º, n.º 6, 19.º, n.os 1 e 3 a 7 e 19.º-A a 22.º, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença sem se garantir e estabelecer mecanismos de controlo da eliminação internacional dos perfil transmitido”, porviolação, entreoutras, dasnormasdos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, 25.º, n.os 1 e 2, 26.º, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, todos da CRP e art. 51.º, n.º 1 da CDFUE (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado), enquanto direito constitucional formalmente recepcionado.

VVVVV.    Destarte, é inconstitucional a norma ínsita no art. 26.º, n.º 3, alínea a) da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro por o prazo de conservação do perfil de ADN se revelar desproporcional e promover uma desigualdade formal e material com os abrangidos pela alínea b) do mesmo preceito legal, uma vez que o estabelece um período de tempo de desconexionado desproporcionalmente ao período de pena, permitindo que aquela conservação ocorra por período superior ao da condenação e tratando desigualmente os condenados abrangidos pela alínea a) face aos abrangidos pela alínea b), por violação, entre outras, das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, 25.º, n.os 1 e 2, 26.º, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, todos da CRP e art. 51.º, n.º 1 da CDFUE (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado), enquanto direito constitucional formalmente recepcionado.

5. Também o “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP”, inconformado com a douta sentença, veio interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 20/02/2023, que condenou os arguidos/demandados … a pagar ao Demandante IFAP IP a quantia de 187.375,75€ … acrescida das quantias, devidas a título de juros de mora calculados à taxa legal e contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil, …

C. Os arguidos apropriaram-se de forma ilícita de quantias a que sabiam não ter direito, no montante total de € 187.375,75, cometendo dessa forma o crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no Art° 36° do DL 28/84 da 20/1.

D. Provada a autoria da conduta e do crime por parte dos arguidos, fica igualmente apurada a ilicitude civil, prevista no artigo 481°, do Código Civil, pois esta acompanha a ilicitude criminal, recaindo sobre o arguido a responsabilidade pelos reflexos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelos factos, não sendo assim aplicável, à situação em apreço nos autos, o disposto no n° 3 do mencionado Art° 805º do Código Civil. (Neste sentido cita-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2013, proferido no âmbito do Proc. 3/00.5TELSB.C1.S2)

E. Pelos arguidos são desta forma devidos juros à taxa legal supletiva, nos termos do Art° 805°, nº 2, aI. b) e 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, contabilizados tendo em consideração os seguintes valores e períodos:

- € 187.375,75, a partir de 30 de setembro de 2014.

F. Ora, o arguido apropriou-se de forma ilícita de quantias a que sabia não ter direito, no montante total de € 187.375,75, cometendo dessa forma o crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no Artº 36º do Decreto-Lei nº 28/84 da 20/1, e, provada a autoria da conduta e do crime por parte do arguido, fica igualmente apurada a ilicitude civil, prevista no artigo 481°, do Código Civil, pois esta acompanha a ilicitude criminal, recaindo sobre o arguido a responsabilidade pelos reflexos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelos factos.

G. Tendo, no entendimento do Tribunal a quo, o arguido atuado culposamente, e que, por força da atuação, recebeu indevidamente do IFAP, I.P. subsídios no montante total de € 187.375,75, são dessa forma devidos juros, nos termos dos Artºs 805º, nº 2, aI. b), 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, calculados à taxa legal supletiva, desde a data do seu recebimento até efetivo e integral pagamento, sendo a taxa a considerar a definida por sucessivas portarias, no caso, de 4% (Portaria n° 292/2003).

6. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelos arguidos …

7. Também o “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP” veio responder …

                *

       

        B - Fundamentação

 

1. …

2. … face às conclusões da motivação apresentadas pelos recorrentes, as questões a decidir são as seguintes:

              Do recurso dos arguidos …

- se os arguidos deveriam ter sido notificados aquando da elaboração do relatório da técnica GG (cfr. fls. 1656), em obediência ao princípio do contraditório, face ao disposto no artigo 32º, nº 5, da CRP.

- se é materialmente inconstitucional a norma do 164º, nº 1, do CPP, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “É admissível prova por documento, sem que se verifique a participação do arguido para a sua elaboração, quando a mesma é possível sem prejuízo da investigação”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 2º, 16º, nº 1, 18º, 20º, e 32º, nº 5, todos da CRP;

- se é materialmente inconstitucional a norma do artigo 164º, nº 1, do CPP, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “Em processo onde se julga concurso real de crimes é admissível prova por documento não especificado individual e autonomamente pelo Ministério Público na sua acusação, sem que se verifique a discussão em audiência do seu teor”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 2º, 16º, nº 1, 18º, 20º, e 32º, nº 5, todos da CRP;

- se o artigo 51º, nº 2, do Código Penal é inconstitucional, tal como foi interpretado pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “os deveres impostos podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento o faça incorrer em indignidade existencial, familiar, profissional e social, por afectar o mínimo remuneratório”, por violação das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 18º, 24º e 58º, todos da CRP;

- se os arguidos não devem ser condenados nas penas acessórias ou, caso assim não se entenda, se a pena de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos deve ser reduzida ao mínimo legal;

……

- se não devem ser recolhidas as amostras de ADN dos arguidos, nos termos do artigo 8º da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro);

- se é inconstitucional a norma do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença e independentemente das concretas circunstâncias e sem a previsão de uma cláusula de salvaguarda de manifesta desproporção”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº 1, da CDFUE;

- se é inconstitucional a norma do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro quando interpretação conjugadamente com as normas dos artigos 15º, nº 2, 17º, nºs 1 e 3, 18º, nº 6, 19º, nºs 1 e 3 a 7 e 19º-A a 22º, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença sem se determinar com rigor quem pode aceder e quais as condições de acesso, permitindo que indiscriminadamente o MP, os OPC, nacionais e internacionais com controlo nulo depois de comunicados”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº 1, da CDFUE;

- se é inconstitucional a norma do artigo 8º, nº 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro quando interpretação conjugadamente com as normas dos artigos 15º, nº 2, 17º, nºs 1 e 3, 18º, nº 6, 19º, nºs 1 e 3 a 7 e 19º-A a 22º, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença sem se garantir e estabelecer mecanismos de controlo da eliminação internacional do perfil transmitido”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº 1 da CDFUE;

- se é inconstitucional a norma do artigo 26º, nº 3, alínea a), da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro por o prazo de conservação do perfil de ADN se revelar desproporcional e promover uma desigualdade formal e material com os abrangidos pela alínea b) do mesmo preceito legal, uma vez que o estabelece um período de tempo de desconexionado desproporcionalmente ao período de pena, permitindo que aquela conservação ocorra por período superior ao da condenação e tratando desigualmente os condenados abrangidos pela alínea a) face aos abrangidos pela alínea b), por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº1 da CDFUE.

Do recurso do “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP”

- se os juros de mora devidos pelos arguidos são contabilizados, nos termos dos artigos 805º, nº 2, alínea b), 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, devendo ser calculados a partir de 30.9.2014, data do recebimento da quantia de 187.375,75 euros, até efetivo e integral pagamento.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da sentença recorrida.

A) DOS FACTOS

Factos Provados

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. Os arguidos AA …e BB … foram sócios e gerentes da sociedade comercial … desde a sua constituição a 16.11.1997 até 25.11.2013, voltando a exercer os cargos de gerentes a partir de 30.11.2016 e até à sua dissolução, encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula ocorrido em 21.08.2018.

2. Entre 25.11.2013 e 30.11.2016 foram sócias e gerentes da mencionada sociedade comercial as arguidas CC … e DD …, filhas dos arguidos AA … e BB …

3. Entre 25.11.2013 e 30.11.2016, os arguidos … e BB … continuaram a exercer, …

4. Os arguidos EE … e FF … foram sócios e gerentes da sociedade comercial … desde a sua constituição a 10 de Dezembro de 1993 até à sua dissolução, encerramento da liquidação …

5. Em 14.12.2009, a sociedade comercial …, representada pelo arguido AA …, candidatou-se a um subsídio do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) no âmbito do projecto de desenvolvimento rural (PRODER), … ao abrigo da Portaria nº289-A782008, de 4 de Abril.

6. A criação da unidade de fabrico correspondia a um montante de investimento elegível de €2.525.900,50 correspondente a um subsídio de €1.008.745,20 por parte do IFAP, ou seja, de 40% do investimento global.

7. O arguido AA … sabia que a sociedade de que era gerente não tinha capacidade financeira para um investimento daquele montante, ainda que com comparticipação de dinheiros públicos.

9. Ficou previsto o pagamento prestacional do subsídio, pelo IFAP, em três (3) tranches, até ao final de cada ano de 2010, 2011 e 2012, sendo que a execução material da unidade de fabrico deveria ocorrer até 31.12.2011.

10. Para tanto, foi celebrado e assinado o contrato de financiamento em 21.09.2010, do qual resultava várias obrigações para …, nomeadamente:

- Aumento de capital próprio no valor de €705.279,00 até ao último pedido de pagamento;

- Aumento de capitais permanentes no valor de €729.327,00 até ao primeiro pedido de pagamento;

- Licenciamento industrial aprovado até ao último pedido de pagamento;

- Dar início e concluir a execução física da obra, no prazo máximo de 6 a 24 meses, respectivamente, contado a partir da assinatura do contrato de financiamento;

- Os pedidos de pagamento ao IFAP deveriam ser apresentados eletronicamente tendo por base as despesas efectivamente realizadas e pagas;

- Aplicar integralmente o apoio para os fins para que foi concedido, cumprindo pontualmente as obrigações previstas no contrato de financiamento;

- Comunicar à autoridade de gestão, por escrito, no prazo de 10 dias sobre a sua ocorrência, sobre todos os factos susceptíveis de interferir na normal execução da operação nos termos aprovados.

11. Para cumprimento das referidas obrigações, os arguidos AA … e BB … realizaram um aumento de capital, registado em 30.11.2010, …

12. De igual modo, em 16.5.2011, … voltaram a realizar um aumento do capital da empresa, …

13. O valor de €445.000,00 apenas foi registado em conta de caixa, não tendo entrado qualquer montante nas contas bancárias da empresa …

14. Os arguidos AA … e BB … contraíram, a título pessoal, um empréstimo bancário junto do banco Banco 1... no valor global de €200.000,00 destinado a financiar investimentos, …

15. Em 2 de Março de 2012, … contraíram novo empréstimo, a título pessoal, no valor de €70.000,00 junto da Banco 1... com vista ao financiamento de investimentos.

16. Sucede que, os empréstimos contraídos … não eram suficientes para o investimento global a que se propuseram, o que era do seu conhecimento.

17. Assim como a situação financeira … não permitia qualquer investimento daquela envergadura, o que era do conhecimento do arguido AA desde que apresentou, em representação da sociedade, a candidatura ao IFAP.

18. A sociedade A..., Lda., gerida pelos arguidos FF … e EE …, foi a empresa contratada pelo arguido AA …, para proceder à construção da referida unidade fabril, …

19. Sabendo da incapacidade da “B... … para realizar a obra, o arguido AA …, ao invés de desistir do projecto, decidiu, mesmo assim, iniciar a obra.

20. E, como sabia que só receberia o valor do subsídio se apresentasse ao IFAP os documentos comprovativos das despesas com as obras, o arguido AA … solicitou aos arguidos FF … e EE … para que a empresa que representavam emitissem facturas de trabalhos não realizados, por forma a que recebessem mais dinheiro do que aquele que efectivamente pagaram, plano a que os arguidos FF … e EE … aderiram.

21. Para tanto, os arguidos FF … e EE …, como representantes da sociedade …, na concretização do plano gizado com o arguido AA …, elaboraram autos de medição e emitiram facturas de trabalhos de construção que não realizaram, conforme infra se discriminará:

22. Em suma, a obra construída não corresponde aos autos de medição e facturação constantes dos autos 1 a 13 apresentados pela “B... … ao IFAP – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – tendo sido apenas efectivamente construídos, por referência ao orçamento de fls. 1665 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:

No valor global de €297.188,00.

23. Atendendo ao valor total facturado de €345.000,00, subsiste o montante de €48.812,00 que foi facturado, mas não executado em obra.

25. Por falta de dinheiro para continuar a obra, a edificação da unidade fabril de queijos parou definitivamente no ano 2011.

26. Ainda assim, em Agosto de 2014, o arguido AA …, não obstante saber que não possuía dinheiro para continuar com a obra da unidade fabril, … decidiu apresentar ao IFAP todas as facturas que tinham na sua posse respeitantes à obra, incluindo as que previam trabalhos não realizados ou repetidos, com o objectivo de receber a comparticipação que aquele Instituto lhes concederia para o projecto a que se sociedade se candidatou.

27. Na concretização desse desígnio, o arguido … enviou as referidas facturas bem como os autos de medição elaborados pela empresa representada pelos arguidos FF … e EE …, no valor global de €488.586,50, conseguindo dessa forma que o IFAP, a 30 de Setembro de 2014, transferisse o montante da quantia global de €195.434,60, …

             *

Factos Não Provados

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Motivação

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

              Do recurso dos arguidos …

A primeira questão a apreciar é a de saber se os factos provados dos pontos 20 a 24, 26 a 29 e 31 a 35, com a redacção que lhes foi conferida pelo tribunal a quo, foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados.

Assim, também neste ponto não assiste razão aos recorrentes, indeferindo-se esta sua pretensão.

              *

Entendem os arguidos que deveriam ter sido notificados aquando da elaboração do relatório da técnica … (cfr. fls. 1656), em obediência ao princípio do contraditório, face ao disposto no artigo 32º, nº 5, da CRP.

Dispõe o artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (nº 1) e tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório (nº 5).

Ora, mesmo que se considerasse ter havido omissão do contraditório, a situação configuraria mera irregularidade e não qualquer nulidade.

  Como dispõe o artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.

De acordo com o nº 2 da mesma norma legal, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.

Consagra-se, assim, um apertado princípio da taxatividade ou de “numerus clausus” das nulidades.

Todos os demais vícios que não sejam expressamente atingidos pela nulidade, são irregularidades, ficando estas sujeitas ao regime do artigo 123º, nº1, do Código de Processo Penal.

No caso concreto, segundo os recorrentes, como se disse, foi violado o princípio do contraditório por não terem sido notificados da realização do dito relatório e, por isso, não terem contribuído para o seu conteúdo.

Situação que não se enquadra em nenhuma das normas dos artigos 119º ou 120º, ou qualquer outra, do Código de Processo Penal. Caso existisse violação do contraditório, a situação configuraria mera irregularidade. No caso sub judice não estamos perante nenhuma situação cominada com nulidade.

Irregularidade que não foi arguida tempestivamente.

 Improcede, por isso, esta pretensão dos recorrentes.

Face ao exposto, fica prejudicada a questão relativa à invocada inconstitucionalidade do artigo 164º, nº 1, do Código de Processo Penal.

              *

Passa-se agora a apreciar se o referido relatório técnico e autos de medição não podiam ser usados e valorados para a condenação, por não terem sido exibidos em audiência, nem os recorrentes confrontados com os mesmos.

Compulsados os autos constata-se que o dito relatório deu entrada nos autos na fase de inquérito e foi um dos documentos indicados na acusação que foi devidamente notificada aos arguidos.

Ora, há muito que a jurisprudência se vem pronunciando sobre esta questão no sentido da desnecessidade da leitura/exibição das provas documentais em sede de audiência de julgamento. O relevante é que as mesmas sejam sujeitas ao princípio do contraditório.

Como se lê no Ac. do STJ de 15.11.1995, in www.dgsi.pt, “o exame das provas documentais não impõe a necessidade da leitura em audiência”.

Também segundo o Ac. do STJ de 31.5.2006, in www.dgsi.pt, “os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida”.

A Relação de Coimbra, no seu Ac. de 12.9.2018, in www.dgsi.pt, afirmou que “…

Constitui jurisprudência sedimentada que as provas pré-constituídas não têm que ser lidas ou reproduzidas, enquanto tal, na audiência, naturalmente desde que submetidos á discussão e exercício do contraditório”.

Também no Ac. da RL de 6.6.2017, in www.dgsi, pt., lê-se que “o juízo emitido pelo Tribunal Constitucional sobre a desnecessidade de leitura em audiência dos documentos, face ao princípio do contraditório e ao direito de defesa do arguido, reporta-se a prova documental junta aos autos e referenciada na indicação das provas feita na acusação”.

Jurisprudência que se acompanha.

O que fica dito revela-se suficiente para se concluir que também neste ponto não assiste razão aos recorrentes. Os documentos em causa podiam ter sido valorados pelo julgador, como foram, uma vez ter sido cumprido o princípio do contraditório.

Improcede, igualmente, esta questão suscitada pelos arguidos.

Alegam os arguidos que, relativamente aos documentos, a indicação do MP na acusação é genérica, quando este acusou por dois crimes, em concurso real, não especificando para qual deles dispunha cada documento, pelo que cai no mesmo registo de nada ter sido indicado adrede.

Vejamos.

Se é certo que a indicação das provas é elemento essencial da acusação, devendo o Ministério Público indicar todos os meios de prova que reputar determinantes para a prova dos factos, quer sejam a produzir em audiência, quer constem dos autos (documentos, relatórios, etc), a verdade é que inexiste norma legal que imponha ao Ministério Público que especifique para qual dos factos ou para qual dos crimes os documentos são indicados.

Pelo exposto, não assiste a mínima razão aos arguidos quando defendem que é materialmente inconstitucional a norma do artigo 164º, nº 1, do CPP, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “Em processo onde se julga concurso real de crimes é admissível prova por documento não especificado individual e autonomamente pelo Ministério Público na sua acusação, sem que se verifique a discussão em audiência do seu teor”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 2º, 16º, nº 1, 18º, 20º, e 32º, nº 5, todos da CRP.

Também neste particular não procede a pretensão dos recorrentes.

               *

              *

Passa-se agora a apreciar se se verifica a nulidade do artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal, em virtude do tribunal a quo não ter diligenciado no sentido de obter o orçamento inicial relativo à construção do edifício da “B..., Lda”.

Como dispõe o artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

É a consagração do princípio da investigação ou da verdade material, significando que, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio do acusatório (artigo 32°, nº 5, da Constituição), o tribunal de julgamento tem o poder-­dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria instrução sobre o facto em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material – cfr. Ac. da RG de 27.4.2009, in www.dgsi.pt.

Ressalta, sem dúvida, da referida norma que os meios de prova a ordenar têm que se afigurar necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

No presente caso, pela análise da sentença recorrida, o julgador bastou-se, e bem, com a prova produzida, revelando-se esta suficiente para a boa decisão da causa.

Assim, não se vê porque razão teria o tribunal que ordenar a realização ou junção aos autos de qualquer outra prova, mormente o alegado orçamento inicial.

Mesmo que esse documento existisse e fosse junto aos autos, não iria infirmar a restante prova produzida e a conclusão a que se chegou da desconformidade entre os autos de medição, facturação e obra realizada.

Acresce que os arguidos, face à defesa que apresentaram e à alegada impossibilidade de junção aos autos do dito documento, sempre poderiam ter requerido que o tribunal diligenciasse pela sua obtenção, o que não fizeram.

               

             

Pelo exposto, improcede a pretensão dos recorrentes, devendo manter-se como provados os factos impugnados com a redacção que lhe foi conferida pelo julgador.

                *

 

Estipula o artigo 36º, nº 1, alíneas b) e c), do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro que, quem obtiver subsídio ou subvenção:

b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão;

c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas;

será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.

Nos termos dos nº 2, 4 e 5, alínea a), da mesma norma legal:

2 - Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos.

4 - A sentença será publicada.

5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente:

a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos.

Com a epígrafe Penas acessórias, dispõe o artigo 8º, alínea f), do mesmo diploma legal que, relativamente aos crimes previstos no presente diploma podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

f) Privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos.

Por último, o artigo 2º, nº 1, do mesmo diploma legal estipula que, quem agir voluntariamente, como órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituídas, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime ou de contra-ordenação exijam:

a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado;

b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.

“Sobre o bem jurídico que se visa proteger com a incriminação, têm-se pronunciado os autores de forma que se pode dizer consensual enquanto evidenciam, «por um lado, a confiança necessária à vida económica, e por outro, a correcta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - [cf.. Tolda Pinto e Reis Bravo, em «Colectânea de Legislação Penal Extravagante, Direito Penal Económico e Afim», Coimbra Editora, pág. 110], a «economia e a intervenção do Estado nesta área efectuada mediante a utilização de dinheiros públicos», protegendo-se num «segundo plano … a boa gestão do património público» - [cf. Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, em «Comentário das Leis Penais Extravagantes», Volume 2, Universidade Católica Editora, pág. 115], «a confiança necessária à vida económica e por outro lado a correcta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - [cf. Carlos Codeço, em “Delitos Económicos”, Almedina, 1986, págs. 176/177], em consonância, aliás, com o «preâmbulo» do diploma em causa, enquanto ali se consigna: «Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos de outras legislações, como a República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação dos dinheiros públicos nas actividades produtivas, não poderiam continuar a ser ignorados pela nossa ordem jurídica» - cfr. Ac. da RC de 10.7.2013, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler neste aresto, “o tipo do artigo 36.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, configura-se como um crime comum, susceptível de ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de ser ou não a promotora ou beneficiária do subsídio ou subvenção.

Quanto à sua natureza, trata-se de um crime de execução vinculada; na forma negligente [cfr. n.º 6 do artigo 36.º], apenas pode ser cometido pelas formas típicas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 da referida norma.

O segmento “sobre si ou terceiros” descrito na dita alínea, repetido na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo 36.º, reporta-se a informações relativas ao sujeito activo ou a terceiro, incidentes sobre factos essenciais e determinantes da concessão do subsídio ou subvenção, tais como a simulação de factos importantes, a designação de pessoas de grande representação social como interessados no empreendimento, a mentira sobre o tipo de empreendimento, as afirmações inexactas sobre o destino da verba e as informações falsas sobre os recursos técnicos de produção”.

É, assim, de afastar a ideia do crime sub judice ser um crime específico em que apenas o agente promotor possa constituir-se autor.

Também no Ac. da RL de 20.3.2019, in www.dgsi.pt, se lê que “o bem jurídico protegido por esta incriminação, como crime contra a economia, é a tutela de bens jurídicos correspondentes a valores, metas, funções ou instituições essenciais à subsistência, funcionamento e desenvolvimento do sistema económico, com correta aplicação de dinheiros públicos nas atividades produtivas”.

Segundo este aresto “Decorre da jurisprudência do AFJ 2/2006 que comete o crime de fraude na obtenção de subsídio previsto no art. 36º do Decreto-Lei 28/84 de 20.1 quem utiliza os artifícios fraudulentos previstos nas diversas alíneas do seu nº 1 não só na concessão formal e prévia do subsídio como também para a posterior disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas.

Mesmo que as despesas tenham sido efectuadas e os montantes sacados tenham sido posteriormente reembolsados o prejuízo decorre do desembolso das quantias que não teriam sido entregues ao arguido se não fosse o artifício (facturas falsas) utilizado”.

Relembrando, o Ac. do STJ nº 2/2006, publicado no DR de 4.1.2006, fixou jurisprudência nos seguintes termos:

“O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente”.

Voltando ao caso concreto, perante a factualidade que resultou provada, mormente a vertida nos pontos 20 a 35, entende-se que estão preenchidos todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos do crime por que foram condenados os arguidos.

    No que respeita à cumplicidade, estipula o artigo 27º, nº 1, do Código Penal que “é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.

O nº 2 da mesma norma legal dispõe que é aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.

Por sua vez, relativamente à co-autoria, estipula o artigo 26º do Código Penal que “é punível como autor quem executa o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrém, ou toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (...)”.

             Na co-autoria o agente toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Assim, na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.

              Porém, para que se verifique o primeiro requisito, de natureza subjectiva, é necessário que se prove que os dois ou mais comparticipantes quiseram a execução do mesmo crime, que fosse conseguido ou atingido um determinado resultado, qualquer que seja o meio para tanto ser conseguido. Já relativamente à execução propriamente dita, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado e pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado - Ac. do STJ, de 18.7.84, BMJ, 339-276 e Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal de 1982, 190, 193 e 195.

                No mesmo sentido refere o Ac. da RC de 11.5.2011, in www.dgsi.pt, “Na comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, são essenciais uma decisão e uma execução conjuntas. Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes. A decisão conjunta, pressupondo um acordo que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.

             Já no que diz respeito à execução, não é indispensável que cada um deles intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes ao resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado”.

               …

Claramente que a actuação dos recorrentes enquadra-se na co-autoria e não na cumplicidade. Os recorrentes tomaram parte directa nos factos, por acordo com o arguido AA. Estamos perante uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta. Relembra-se que não é necessário que todos os agentes tenham intervenção em todos os actos ou tarefas, bastando que a actuação, mesmo que parcial, seja parte do todo e conduza à produção do resultado.

O que aconteceu no caso concreto. Sem a actuação dos recorrentes, nunca teria sido pago pelo IFAP o montante em causa nos autos.

Improcede, assim, a pretensão dos recorrentes de serem punidos como cúmplices.

              *

A próxima questão é a de saber se a pena principal aplicada aos arguidos é excessiva e desproporcionada, incluindo o montante a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão.

O crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto pelos artigos 2º, 8º, alínea f), 36º, nº 1, alíneas b) e c), nº 2, nº 4 e nº 5, alínea a), do Decreto Lei 28/84 de 20 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos (e não com prisão até 5 anos como defendem os arguidos).

Os recorrentes foram condenados, cada um deles, numa pena de 3 anos de prisão.

 

              *

Na apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, consta da sentença recorrida que:

Concorda-se, genericamente, com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.

Discorda-se, porém, que a circunstância dos arguidos não terem assumido a responsabilidade dos factos possa pesar contra eles.

Relembra-se que os arguidos não são obrigados a confessar ou a assumir a responsabilidade dos factos, a demonstrar arrependimento, nem mesmo a prestar declarações, não podendo ser prejudicados por tal atitude processual.

Atendendo aos montantes que estão em causa nos autos, estamos perante um elevado grau de ilicitude.

A culpa é igualmente elevada, face a um dolo directo e, por isso, intenso.

Ponderando todos os factores, entende-se que as penas aplicadas de 3 anos de prisão, bem próximas do limite mínimo de 2 anos, são penas que não ultrapassam o limite da culpa dos arguidos, revelando-se justas, adequadas e necessárias. Penas inferiores às aplicadas, como pretendido pelos recorrentes, revelar-se-iam manifestamente insuficientes face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

              *

O tribunal a quo suspendeu as referidas penas de prisão, por 3 anos, subordinadas ao cumprimento do seguinte dever:

- Entregar ao Demandante (IFAP) a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

Por sua vez, entendem os recorrentes que se a Mm.ª Juiz a quo concluiu que a ilicitude dos arguidos não é a mesma, então não podia subordinar a suspensão da execução da pena de prisão dos recorrentes a um valor, consideravelmente mais elevado, relativamente ao co-arguido AA, mais concretamente uma diferença de EUR. 10 000,00, uma vez que cada um dos recorrentes foi condenado no pagamento de EUR. 15 000,00.

Acresce que este valor, atento o rendimento dos recorrentes e as respectivas despesas é patente a onerosidade do valor atribuído a cada um.

Pois bem.

Estipula o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O nº 2 da mesma norma dispõe que “o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.

O nº 3 estipula que “os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente” e nos termos do nº 4 “a decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições”.

             O artigo 51º do Código Penal, no seu nº 1, dispõe que “a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:

           a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;

           b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;

           c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.

São deveres que, como ensina o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 348, podem destinar-se não apenas a reparar o mal do crime, mas também a facilitar a readaptação social do agente, o que faz englobar no conceito de deveres verdadeiras regras de conduta.

São de vária ordem os deveres que podem ser impostos, como resulta do nº 1 do artigo 51º supra referido.

Porém, o da alínea a), que fundamentou a decisão recorrida, é, sem dúvida, um dever patrimonial; em concreto, o de pagamento ao lesado da indemnização, total ou parcial.

Como refere Figueiredo Dias, na obra supra citada, pág. 352-353, “Dúvidas podem suscitar-se no que toca à correlacionação entre este dever e o pedido de indemnização civil, seja ele deduzido no processo penal, seja no processo civil. Parece ser, em geral, de sufragar a ideia de que aquele dever terá de limitar-se, em toda a medida possível (quer no seu “se”, quer no seu “como”, quer no seu “quanto”), aos pressupostos do pedido, podendo ficar aquém dele – sem por isso pôr em causa a validade jurídica da indemnização que venha a ser fixada -, mas não ultrapassá-lo; por isso se não vê que possa ter sentido a imposição de um tal dever quando, por exemplo, a obrigação (civil) de indemnização já prescreveu. Do que se trata em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade da punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime …”.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ª ed. actualizada, pág. 308, “a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à satisfação de certos deveres visa dar uma oportunidade ao condenado para reparar o mal do crime. Os deveres de reparação do mal do crime são, em regra, deveres de natureza económica, que visam repor a situação da vítima antes do cometimento do crime, mas também reforçar a censura do facto e a ameaça da prisão … Assim, nada obsta a que o tribunal determine a suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao pagamento da indemnização devida. … Caso o arguido seja condenado no pagamento de indemnização, seja no processo penal, seja em processo civil, a suspensão da execução da pena de prisão, pode e deve ser subordinada ao pagamento dessa mesma quantia, ou de parte dessa quantia, mas não de quantia que exceda o montante fixado na condenação para o pagamento da indemnização e muito menos de valor superior ao peticionado pelo lesado. Por isso, quando a suspensão da execução da pena de prisão é condicionada ao pagamento de uma quantia, sendo esta satisfeita, ela é dedutível no montante da indemnização arbitrada ao ofendido, na procedência do pedido cível por ele formulado. Contudo, não é requisito da imposição deste dever que já tenha sido deduzido pedido de indemnização, como resulta expressamente da alternativa prevista pelo legislador (nº 1, alínea a), in fine): garantia de indemnização por caução; e, nem mesmo é requisito a prévia procedência do pedido de indemnização deduzido”.

Assim, o dever imposto ao abrigo da alínea a), do nº 1, do artigo 51º do Código Penal, não traduz a condenação em indemnização, mas sim a imposição de um dever que, reforçando o sancionamento penal, visa levar o arguido a tomar a iniciativa de reparar o dano.

Do que fica dito, resulta que tal dever encontra-se intimamente relacionado com o dano provocado, com o mal do crime e com a indemnização devida ao lesado.

Como se refere no Ac. da RP de 28.10.2021, in www.dgsi.pt “o dever enunciado tem, em primeira linha, uma finalidade reparadora (reparar o mal do crime) mas, por via dela, fortalece a finalidade da pena enquanto visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Com efeito, limitando-se a suspensão da execução da pena de prisão ao pronunciamento da culpa e da pena, deve encontrar-se, por razões de justiça e equidade, outra maneira de fazer sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação.

Do que se trata, em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade da punição.

O pagamento da indemnização, na medida em que representa um esforço ou implica até um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade.

A obrigação deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são conceitos básicos do Estado de Direito”.

Ora, atendendo aos rendimentos e despesas fixas que resultaram provados (sem esquecer naturalmente todas as demais despesas necessárias com alimentação, vestuário, transportes, água, luz, gás, que são do conhecimento geral), ao período concedido para o pagamento do dever imposto (3 anos) e ainda que a imposição de deveres tem que implicar um esforço, um sacrifício para o condenado, no sentido de reparar ou minorar as consequências danosas do crime praticado mas também de ajudar a atingir as finalidades da punição, entende-se adequado, necessário e proporcional o montante fixado de 15.000,00 euros, em relação a ambos os recorrentes.

É esta uma quantia que se revela adequada à realização das finalidades da punição e que irá funcionar como um reforço de conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, e também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime.

Não está em causa a comparação com o montante fixado ao arguido AA já que os factos relativos a este arguido são diversos e também ele não é recorrente.

Entendem os arguidos que a sentença recorrida enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal, no que respeita às despesas dos arguidos/recorrentes.

Nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

A letra da lei revela, desde logo, que tais vícios têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem que resultar do texto da decisão recorrida, não sendo admissível o recurso a elementos externos à decisão como declarações, depoimentos ou documentos constantes do processo – cfr. neste sentido o Ac. da RG de 12.7.2006, in www.jusnet.pt.

Ora, em sede de julgamento, o tribunal a quo apurou junto dos arguidos a sua situação económica, como resulta da motivação da decisão de facto, ordenando ainda outras pesquisas.

Como disse, quanto à situação pessoal e económica dos arguidos (factos enunciados em 39 a 44), relevaram as declarações dos arguidos que porque feitas de forma espontânea e coerente quanto a esta matéria se afiguraram credíveis, conjugadas com os resultados das pesquisas nas bases de dados disponíveis realizadas na sequência de determinação do Tribunal juntos aos autos com as referências n.ºs 2130821, 2130818, 2130819, 2130820, 2130787 e 2130817.

Assim, quando prestaram declarações em sede de julgamento, os arguidos poderiam ter informado o julgador de todas as suas despesas.

Acresce que os arguidos encontravam-se representados por advogado que os poderia ter questionado sobre eventuais despesas que eles porventura não tivessem referido.

Assim, não se pode afirmar que o tribunal recorrido não tivesse investigado a matéria relevante para a solução de direito, sendo certo que a matéria que resultou provada neste particular revela-se suficiente para tal decisão.

Não resulta do texto da sentença recorrida o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Improcede, igualmente, esta pretensão dos recorrentes.

               *

Aqui chegados e face ao supra exposto, fica prejudicada a questão de saber se o artigo 51º, nº 2, do Código Penal é inconstitucional, tal como foi interpretado pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “os deveres impostos podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento o faça incorrer em indignidade existencial, familiar, profissional e social, por afectar o mínimo remuneratório”, por violação das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 18º, 24º e 58º, todos da CRP, já que não foi essa a interpretação da norma feita pelo tribunal recorrido.

              *

Defendem ainda os arguidos que a sentença recorrida é nula por não ter indicado os critérios que presidiram à determinação das penas aplicadas aos recorrentes.

A alegada nulidade verificar-se-ia por falta de fundamentação na fixação das penas, por falta de fundamentos da medida das penas.

Ora, resulta do que já ficou dito supra que tal não corresponde à verdade.

              *

Passa-se agora a apreciar se os arguidos não devem ser condenados nas penas acessórias ou, caso assim não se entenda, se a pena de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos deve ser reduzida ao mínimo legal.

Relembrando, os recorrentes foram condenados nas penas acessórias de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos, pelo período 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e na publicidade da decisão condenatória.

Por sua vez, o julgador fundamentou a aplicação das referidas penas acessórias …

Estipula o artigo 8º, alíneas f) e l), do Decreto-Lei nº 28/84, de 20.1. que, relativamente aos crimes previstos no presente diploma podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

f) Privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos;

l) Publicidade da decisão condenatória.

Nos termos do artigo 14º do mesmo diploma legal, a privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos é aplicável a agente que exerça ou não profissão ou actividade subsidiada ou subvencionada (nº 1) e terá uma duração fixada entre 1 e 5 anos (nº 2).

Por sua vez, dispõe o artigo 19º do mesmo Decreto-Lei que:

1 - Sempre que o tribunal aplicar a pena de publicidade da decisão, será esta efectivada, a expensas do condenado, em publicação periódica editada na área da comarca da prática da infracção ou, na sua falta, em publicação periódica da comarca mais próxima, bem como através da afixação de edital, por período não inferior a 30 dias, no próprio estabelecimento comercial ou industrial ou no local de exercício da actividade, por forma bem visível ao público.

2 - Em casos particularmente graves, nomeadamente quando a infracção importe lesão ou perigo de lesão de interesses não circunscritos a determinada área do território, o tribunal ordenará, também a expensas do condenado, que a publicidade da decisão seja feita no Diário da República, 2.ª série, ou através de qualquer outro meio de comunicação social.

3 - A publicidade da decisão condenatória será feita por extracto, de que constem os elementos da infracção e as sanções aplicadas, bem como a identificação dos agentes.

Por último, frisa-se o disposto no artigo 36º, nº 4, do mesmo diploma legal, nos termos do qual “a sentença será publicada”.

                Os critérios legais previstos para as penas principais, acima mencionados, são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

A finalidade da pena acessória (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal). Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos – cfr. Ac. da RG de 2.11.2015, in www.dgsi.pt.

Relativamente à pena acessória de publicidade da decisão condenatória, pode ler-se no Ac. da RC de 12.5.2004, in www.dgsi.pt, que “a pena acessória de publicidade de sentença condenatória visa, em primeira linha, dar a conhecer às pessoas (à comunidade) o crime ou crimes praticados, prevenindo as mesmas do perigo de lesão de bens ou interesses, concretamente do perigo de lesão dos bens ou interesses que a norma que prevê o crime perpetrado pretende tutelar.

É o que resulta do senso comum, bem como da hermenêutica do artigo 19º, n.º 2, do DL 28/84, de 30 de Janeiro.

Com efeito, ali se estabelece que, em casos particularmente graves, nomeadamente quando a infracção importe lesão ou perigo de lesão de interesses não circunscritos a determinada área do território, o tribunal ordenará, também a expensas do condenado, que a publicação seja feita no Diário da República, 2ª série, ou através de qualquer outro meio de comunicação social.

Por outro lado, esta pena acessória, dando publicidade a um facto negativo para a imagem e bom-nome da pessoa condenada, sendo por isso susceptível de lhe causar prejuízos, nalguns casos significativos, também serve outras finalidades de prevenção (- Como defende Figueiredo Dias – Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 165 e ss. – a pena acessória é uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, revestindo a natureza de uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente.).

É evidente que a concretização das finalidades a que vimos de aludir depende, obviamente, do modo e da forma como a publicidade é feita, em especial da sua visibilidade.

Por isso, de acordo com a parte final do art.19º, n.º 1, do DL n.º 28/84, a publicação da decisão condenatória deve ser feita por forma bem visível ao público”.

Jurisprudência que se acompanha.

Revertendo ao caso concreto, atendendo às normas legais supra citadas, com especial destaque para o nº 4 do artigo 36º onde se refere que a sentença será publicada, bem como às finalidades preventivas, gerais e especiais, das penas acessórias, bem andou o tribunal a quo ao condenar os recorrentes na pena acessória de publicidade da decisão condenatória.

Neste ponto, não merece qualquer censura a sentença recorrida.

Relativamente à pena acessória de privação de subsídios ou subvenções, atendendo à natureza e gravidade dos factos praticados pelos arguidos, que o arguido FF continua a trabalhar na construção civil, o que atira a perigosidade que se pretende acautelar para um patamar considerável,  bem como as elevadas necessidades de prevenção geral, nenhuma censura merece igualmente a sentença recorrida ao aplicar aos recorrentes tal pena acessória.

No entanto, a perigosidade em relação ao arguido EE revela-se menos acentuada face à profissão que actualmente exerce (mecânico de camiões), razão pela qual, relativamente a este arguido, deve ser reduzido para 1 ano e 6 meses o período da pena acessória de privação do direito a subsídios e subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos.

              *

Passa-se agora a conhecer se os recorrentes devem ser absolvidos do pedido cível contra si deduzido, ou, caso assim não se entenda, se a responsabilidade dos recorrentes deverá circunscrever-se a valor não superior a 10.000,00 euros cada um.

                Nos termos do artigo 71º do Código de Processo Penal, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.

É a consagração do princípio da adesão. …

Assim, com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos, não necessitando os interessados de dispender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime – cfr. Ac. do STJ de 10.12.2008, in www.dgsi.pt.

Por sua vez, com a epígrafe Responsabilidade civil emergente de crime, estipula o artigo 129º do Código Penal, que a “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Cumprindo, então, apelar ao disposto nos artigos 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil.

Dispõe o artigo 483º, nº 1, deste diploma legal, que “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade civil aquiliana: a) o facto, a ilicitude; b) a culpa ou imputação subjectiva do facto ao agente; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Verificados que estejam estes pressupostos determinativos da responsabilidade civil, nasce a obrigação de indemnização a cargo do lesante.

Como se refere na sentença recorrida, e bem, face à factualidade provada, encontram-se preenchidos todos os referidos pressupostos.

Assim, devem os arguidos ser condenados a indemnizar o lesado.

Com a epígrafe Responsabilidade solidária, estipula o artigo 497º do Código Civil que:

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

Assim, quando várias pessoas são responsáveis pelos danos, cria-se uma situação de solidariedade.

No caso sub judice, o facto danoso indemnizável é o mesmo e todos os arguidos são responsáveis pelos danos.

O artigo 497º do CC, ao estabelecer a regra da solidariedade na responsabilidade civil exige apenas que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos (independentemente da concreta configuração da ilicitude ou da culpa de cada uma delas) – neste sentido cfr. o Ac. do STJ de 30.4.2019, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler no Ac. da RP de 14.7.2020, in www.dgsi.pt, “o regime de solidariedade consagrado no artigo 497.º CC destina-se a tutelar o interesse do lesado, que pode exigir a totalidade da indemnização de qualquer dos obrigados, em vez de exigir a cada um a sua quota (cfr. artigos 512.º e 519.º, CC).

Isto não altera a medida da responsabilidade de cada um dos lesantes. Significa apenas que, num primeiro momento, pode um dos lesantes ter de responder pela totalidade da obrigação, mas goza de direito de regresso relativamente aos outros obrigados, por forma a obter deles, em sede de direito de regresso, aquilo que pagou a mais (artigos 497.º, n.º 2, e 524.º, CC). …

Assim, aquele a quem for exigido a totalidade da indemnização garante o adiantamento da parte relativa aos outros lesantes, de quem poderá exigir o que pagou a mais.

A fixação de culpa não releva na relação com o lesado (credor), mas apenas nas relações internas (direito de regresso entre lesantes)”.

Jurisprudência que se acompanha.

Pelo exposto, bem andou o julgador ao condenar os arguidos a pagar, solidariamente, o montante indemnizatório, sem prejuízo, naturalmente, do disposto no artigo 497º, nº 2, do CC.

Improcede, assim, esta questão suscitada pelos recorrentes.

                  *

A próxima questão é a de saber se não devem ser recolhidas as amostras de ADN dos arguidos, nos termos do artigo 8º da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro.

Relembrado, no final da sentença recorrida, o tribunal a quo ordenou a recolha de amostras de ADN do arguido (cfr. artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro).

Entende-se que pretendia dizer dos arguidos, já que não identifica, em concreto, qualquer arguido.

Nos termos do artigo 8º, nº 1, da Lei nº 5/2008, de 12.2, a recolha de amostra em arguido em processo criminal pendente, com vista à interconexão a que se refere o n.º 2 do artigo 19.º-A, é realizada a pedido ou com consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento escrito, por despacho do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.

Nos termos do nº 2 da mesma norma legal, “a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença”.

Ora, o que ressalta desde logo da análise destas normas é a obrigatoriedade da recolha de amostra de ADN em arguido condenado por crime doloso em pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, sem necessidade da ponderação a que se refere o nº 1 do preceito.

Aliás, as Relações já se pronunciaram sobre a questão neste sentido.

Cita-se apenas a título de exemplo o Ac. da RL de 8.9.2020, in www.dgsi.pt, onde se faz referência a vária jurisprudência. …

Do que fica dito resulta que, face à aludida obrigatoriedade, bem andou o tribunal a quo ao determinar a recolha aos arguidos do perfil de ADN nos termos em que o fez, não merecendo qualquer censura.

Também neste ponto não assiste razão aos recorrentes, improcedendo esta sua pretensão.

Entendem os arguidos que é inconstitucional a norma do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro, tal como foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença e independentemente das concretas circunstâncias e sem a previsão de uma cláusula de salvaguarda de manifesta desproporção”, por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº 1, da CDFUE.

O TC já se pronunciou sobre a questão, no sentido de não ser inconstitucional a interpretação do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2005, nos termos da qual é possível a recolha de amostras de ADN a arguidos condenados em pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que substituída.

A título de exemplo, no Ac. do TC nº 333/2018 (consultável in tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180333.html), decidiu-se:

“Não julgar inconstitucional a norma que determina que a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com finalidades de investigação criminal e inserção na base de dados respetiva, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, após trânsito em julgado, quando a mesma não foi já realizada, interpretativamente retirada pela decisão do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, na redação original”.

No mesmo sentido decidiu o recente Ac. do TC nº 240/2023 (consultável in https: //www. tribunalconstitucional.pt/ tc/acordaos/20230240.html).

Jurisprudência que se acompanha integralmente.

Aqui chegados, facilmente se conclui que também neste ponto não assiste razão aos recorrentes, por não ser inconstitucional a norma do artigo 8º, nº2, da Lei nº 5/2008, de 12.2.

Em concreto, não se vislumbra nenhuma das inconstitucionalidades invocadas a este respeito na peça recursória, nem mesmo o tribunal a quo extravasou a simples aplicação da norma em causa, não tecendo quaisquer considerações de molde a poder concluir-se que defende as interpretações que lhe são imputadas.

  

Afirmam ainda os recorrentes que é inconstitucional a norma do artigo 26º, nº 3, alínea a), da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro por o prazo de conservação do perfil de ADN se revelar desproporcional e promover uma desigualdade formal e material com os abrangidos pela alínea b) do mesmo preceito legal, uma vez que o estabelece um período de tempo de desconexionado desproporcionalmente ao período de pena, permitindo que aquela conservação ocorra por período superior ao da condenação e tratando desigualmente os condenados abrangidos pela alínea a) face aos abrangidos pela alínea b), por violação, entre outras, das normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16º, nº 1, 18º, 20º, 25º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, todos da CRP e artigo 51º, nº1 da CDFUE”.

Sobre esta questão o TC também já se pronunciou, mormente no já referido nº 333/2018, afirmando que “além da natureza relativamente pouco acentuada da ingerência nos direitos fundamentais afetados, será de considerar ainda o período temporal limitado de conservação dos dados, após o qual os dados são eliminados”.

Também neste caso não se vislumbra a invocada inconstitucionalidade, pelo que também neste ponto não assiste razão aos recorrentes.

              *

Procedendo, assim, uma das questões suscitadas pelos arguidos, deve ser concedido parcial provimento ao recurso.

                              *

Do recurso do “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP”

A questão que cumpre apreciar é a de saber se os juros de mora devidos pelos arguidos são contabilizados, nos termos dos artigos 805º, nº 2, alínea b), 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil, devendo ser calculados a partir de 30.9.2014, data do recebimento da quantia de 187.375,75 euros, até efetivo e integral pagamento.

Relembra-se que o ora recorrente, no pedido cível que formulou, peticionou juros de mora contados desde o dia .../.../2015 (30º dia após a Decisão Final de recuperação dos montantes indevidamente recebidos).

Segundo o recorrente são devidos juros à taxa legal supletiva, nos termos do artigo 805°, nº 2, alínea b) e 806º, nºs 1 e 2, e 559°, todos do Código Civil.

Estipula o artigo 805º, nº 1, do CC que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”.

Nos termos do nº 2 da mesma norma legal, há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito”.

Dispõe o artigo 806º, nº 1, do mesmo diploma legal que “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.

Por sua vez, o artigo 559º do mesmo diploma dispõe sobre a taxa de juro.

Ora, no caso concreto, não houve interpelação para o cumprimento, também não estamos perante uma obrigação de prazo certo, mas sim perante uma obrigação que provem de facto ilícito. Existe, sem dúvida, mora do devedor.

Nos termos do artigo 805º, nº 3, do CC, “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.

Isto é, o facto de se tratar de responsabilidade por facto ilícito não implica, ipso facto, que o devedor só se constitua em mora desde a citação, pois que a lei exclui desta regra geral o caso de, então, já haver mora, por se tratar de crédito líquido (cf. segunda parte do n.º 3 do art. 805.º) – cfr. Ac. do STJ de 6.2.2014, in www.dgsi.pt.

No caso concreto, estamos perante um crédito líquido, não havendo motivo para a mora se constituir apenas com a citação.

Aliás, o STJ no Ac. de 21.1.2016, in www.dgsi.pt,  já se pronunciou sobre esta questão especificamente em relação ao crime de fraude na obtenção de subsídio.

Do exposto, resulta, sem dúvida, assistir razão ao recorrente quando defende que os juros não devem ser contados a partir da notificação do pedido de indemnização civil. Porém, devem ser contabilizados como peticionado, desde 25.12.2015, e não como agora pretende na peça recursória desde 30.9.2014.

Uma vez que estamos perante uma obrigação solidária, a decisão deve abranger os três arguidos que foram condenados.

             

             *

                       C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos arguidos FF e EE e, em consequência, decidem reduzir para 1 ano e 6 meses o período da pena acessória de privação do direito a subsídios e subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos, aplicada ao arguido EE;

b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP, IP) e, em consequência, decidem:

▪ revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os arguidos a pagar juros de mora contados desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil;

▪ condenar os arguidos a pagar juros de mora contados desde 25.12.2015.

                             

                No mais, mantém-se a sentença recorrida.

*

              Recurso dos arguidos - Sem custas face ao provimento parcial e ao disposto no artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, a contrario sensu.

                              *

            Recurso do IFAP – custas pelos demandados na proporção do decaimento (artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º do CPC).

                              *

             

    Notifique.

                              *

                   

                             Coimbra, 25 de Outubro de 2023.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

              Rosa Pinto – Relatora

              Cândida Martinho – 1ª Adjunta

              Teresa Coimbra – 2ª Adjunta