Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
206/22.1T8PMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONFISSÃO FICTA
REQUISITOS DA SENTENÇA
REVELIA ABSOLUTA
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 20.º DA CRP
ARTIGOS 4.º, 1, B) E 9.º, C), DA LEI N.º 68/2019, DE 27/8
ARTIGOS 21.º; 567.º; 568.º E 607.º, DO CPC
Sumário: I - Mesmo nos casos de confissão ficta a sentença deve conter os fundamentos, de facto e de direito, que alicerçam a decisão - nº1 do artº 567º do CPC –; e apenas sendo admissível uma sua exposição aliviada/sumária/sintética, em casos de manifesta simplicidade – nº3 de tal preceito .
II –Quando o réu ausente, citado editalmente, não conteste nem tenha intervindo de qualquer forma no processo, e o MºPº, citado para suprir tal revelia – artº 21º do CPC - outrossim não conteste, estamos perante um caso de revelia absoluta, para o efeito do artº 568º al.b) in fine, do CPC, pelo que os factos alegados pelo autor não podem ser dados como provados nos termos do artº 567º, devendo pois proceder-se ao julgamento com apreciação da prova, e prolatando-se sentença com fundamentação de facto e de direito – artº 607º do CPC.
III – Se assim não acontecer e a sentença se limitar à parte dispositiva com remissão para os factos alegados pela autora, ocorre a sua nulidade – artº 615º nº1 al. b) do CPC.
Decisão Texto Integral: Relator:
Carlos Moreira
Adjuntos:
Fonte Ramos
Vítor Amaral

ACORDAM OS JUIZES O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Banco 1..., instaurou  contra AA,  ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

 Peticionou.

A condenação do réu a pagar-lhe  a quantia de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) acrescida de juros vencidos e nos entretanto vencidos e vincendo.

Alegou.

Celebrou com o Réu “contrato de mútuo” destinado a restruturação de dívidas que o Réu tinha perante si, Autora.

O Réu não procedeu ao pagamento das prestações que mensalmente se venciam com referência ao dia 13.10.2015.

Procedeu-se à citação edital do réu.

Foi citado o Digno MP para representar o ausente.

O MP não contestou.

2.

Seguidamente e após despacho saneador tabelar foi proferida decisão final com o seguinte teor:

«Fixo à ação o valor de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) – arts. 296 e 297.º, n.º 1 do CPC.

Assim, atenta a factualidade vertida na petição inicial, e a fundamentação de direito ali aduzida, atenta a simplicidade da causa julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data de citação até ao efetivo e integral pagamento da referida quantia.

Custas da acção a cargo do Réu [ art. 527.º do CPC ].»

3.

Inconformado recorreu a Digna Magistrada do MºPº.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d) do Código de Processo Civil, porquanto apenas consta do corpo desta que “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia e do valor. O processo não enferma de nulidade total. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, assistindo-lhes legitimidade e não se verificando irregularidades de representação. Não existem outras exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa. Fixo à ação o valor de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) – arts. 296 e 297.º, n.º 1 do CPC. Assim, atenta a factualidade vertida na petição inicial, e a fundamentação de direito ali aduzida, atenta a simplicidade da causa julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data 8 de 12 Página 8 de 11 de citação até ao efetivo e integral pagamento da referida quantia. Custas da acção a cargo do Réu [ art. 527.º do CPC ]. Notifique e registe”;

B. Assim, não consta da sentença (a) qualquer matéria de facto dada como provada ou não provada, (b) não consta qualquer mote de fundamentação quer de facto, quer de direito, não se debruçando o Tribunal a quo sequer sobre o tipo de contrato/negócio em causa nos autos, não o qualificando; (c) não fundamenta por qualquer modo, nem de facto nem de direito a sua decisão, tornando-a de todo impercetível, quanto aos fundamentos nos quais se apoia para dar vencimento à autora;

C. A Decisão deverá ser assim substituída por outra que se encontre devidamente fundamentada de modo claro e indubitável, de facto e de direito, e que elenque a factualidade dada como provada e como não provada, e de modo a que fiquem devidamente salvaguardados os direitos das partes de poderem recorrer da matéria de facto, circunstanciadamente, e nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;

D. Sempre sem conceder, quanto aos factos ‘alegadamente’ dados como provados,

E. O Tribunal a quo não poderia ter dado como provado qualquer facto que constasse da petição inicial apresentada, por falta de prova, designadamente, nunca poderia ser dado como provado que, (a) não se demonstrou minimamente provada a interpelação do réu, nos termos em que a autora o invoca, nomeadamente, não se provou sequer que a carta a que é feita referência no ponto 10.º da petição inicial foi sequer remetida e muito menos que foi recebida – e que foi junta com a petição inicial, pois apenas foi junto um escrito e não qualquer comprovativo da remessa do mesmo, sendo que se trata de uma carta tipo e sem qualquer nota de entrega/remessa/recebimento por parte do réu, pelo que sempre se teria de dar como não provado este ponto; (b) também facilmente se constata que a carta junta com a petição inicial – sob a referência 8532606 – também não foi remetida para a morada que consta do contrato que a autora juntou, e que se impunha no ponto 19. do mesmo contrato, pelo que também se teria de dar como não provada a existência de qualquer interpelação por parte da autora ao réu; (c) não foi junto pela autora qualquer extrato bancário que comprovasse minimamente que o empréstimo foi de facto concedido e que foi depositado na conta do réu, conforme alegado nos pontos 3.º e 5.º da petição inicial, pelo que não poderiam estes factos serem dados como provados; (d) a autora não comprovou por qualquer modo o uso e gasto da quantia que anota nos pontos 5.º e 11.º da petição inicial, nem sequer a inexistência do pagamento alegado no ponto 9.º da petição inicial, pelo que também não se poderiam, também, tais factos serem dados como provados, nem sequer que a conta em causa não tinha fundos ou que a quantia foi usada na íntegra; (e) sempre teria de ser dado como não provado que o réu foi informado de todos os contornos do contrato, porquanto não há qualquer prova produzida que conduza à factualidade de que a informação constante do contrato foi entregue ou exibido ao réu, e que o mesmo tinha pleno conhecimento de todas as suas cláusulas, nomeadamente quanto ao pagamento dos juros contratuais, encargos diversos, e quaisquer outras;

F. É que estando perante um contrato regido nos termos do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02.06, a que se aplica, também, o regime das clausulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 466/85, de 25.10) e que por isso o consumidor não consegue nem pode fixar o conteúdo do contrato, por ser um contrato de adesão, sempre impedia sobre a autora demonstrar que diligentemente prestou todas as informações para a celebração do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, nºs. 1, 2, 3, 5 e 11 – sendo que este estabelece que “compete ao credor e, se for o caso, ao intermediário de crédito fazer prova do cumprimento das obrigações previstas neste artigo” e artigo 7.º do Decreto-Lei supracitado, e nada disso foi provado nos autos;

G. No mais, a autora também não provou a realização de qualquer diligência de integração do réu no PERSI, consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, aplicável atento o disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e) – não tendo demonstrado nem que enviou cartas de interpelação nem que encetou qualquer outro tipo de contacto com o réu;

H. Não tendo a autora demonstrado o cumprimento das normas legais imperativas consagradas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 – que fizeram as diligências legalmente impostas e que o PERSI se extinguiu nos termos legais, provando documental tais factos, nos termos dos artigos 13.º, 17.º, nºs.1, 3 e 4 do citado diploma, 364.º do Código Civil e 574.º, n.º 1, 713.º e 715.º do Código de Processo Civil -, verifica-se uma falta de verificação dessa condição objetiva de procedibilidade, a qual consubstancia uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 278.º, alínea e) e 578.º, do Código de Processo Civil, o que desde já se invoca e que importa a absolvição do pedido;

I. Sempre cabia à autora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, alegar e provar tal factualidade, o que não foi feito;

J. Pelo que se impugna a Sentença, na vertente de impugnação de facto e de direito, pois não foi efetuada qualquer prova dos factos alegados, nomeadamente,

K. Em momento algum a prova testemunhal foi no sentido de comprovar os termos do negócio, a interpelação, o uso do dinheiro, o incumprimento, ou qualquer outro facto, porquanto a testemunha nada sabia;

L. Não foi junto qualquer documento que comprovasse que o réu recebeu aquele montante na sua conta, que usou aquele montante, que o deixou de pagar na data invocada nada mais pagando até à presente data, que foi interpelado para esse cumprimento – e a prova cabia à autora e cumpria realizar por documentos.

M. Pelo que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de um erro notório na apreciação da prova, no sentido de um vício de apuramento da matéria de facto.

N. Ao considerar taxativamente todos os factos elencados na petição inicial provados, o Tribunal a quo violou as regras da experiência comum e o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil;

O. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na aliena c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, deverão os factos alegados serem dados como não provados, e assim a Decisão terá de comportar a absolvição do réu na sua totalidade.

Contra alegou a autora pugnando pala manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

A. O presente Recurso foi apresentado sobre Sentença que decidiu “condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de €19.683,16 € (dezanove mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data de citação até ao efetivo e integral pagamento da referida quantia.”

B. O Ministério Público, em representação do Réu, apresenta recurso da decisão pugnando pela nulidade da mesma.

C. Mas verdade é que a fundamentação que utiliza se baseia em matéria de defesa a ser utilizada em sede de Contestação e não em sede de Recurso.

D. E estranho é o Recurso realizado pelo Ministério Público quando, em sede de audiência final, onde se realizou a prova, apenas solicitou “que se faça a acostumada justiça” e quando se absteve de contestar a ação.

E. Na presente ação o Réu foi citado editalmente por se desconhecer por completo o seu paradeiro, tendo o Ministério Público sido citado para a sua representação.

F. Não foi oferecida qualquer Contestação da ação por parte do ora Recorrente.

G. Não foi impugnado qualquer documento ou elemento de prova fornecido pela Autora.

H. Os factos elencados na petição inicial pela Autora, estão devidamente suportados por prova documental e prova testemunhal.

I. Salvo melhor opinião, o momento certo para o Recorrente vir impugnar ou questionar o referido contrato seria na Contestação, que não o fez.

J. Assim, tendo em conta que teve oportunidade de contestar e não o fez, o Recorrente perdeu o direito de defesa quanto ao alegado na petição inicial, conforme dita o disposto no artigo 573.º n.º 1 e 2 do CPC.

 K. A Recorrente faz uma série de alegações que devem ser desconsideradas, uma vez que, volta a frisar-se, seriam alegações de defesa a apresentar em sede de Contestação!!

L. Ora, além de ser matéria que poderia ter sido trazida à causa pelo Recorrente em sede de Contestação, que livremente não o fez, também é matéria que está distorcida pela Recorrente, onde a sede própria para a sua discussão foi na ação, após a contestação e sem sede de Julgamento.

M. E que só não aconteceu porque o Recorrente se absteve de apresentar defesa.

N. Assim, na opinião da aqui Recorrida, todos as alegações realizadas em sede de Recurso têm e devem ser desconsideradas pois é defesa que podia e devia ter sido apresentada e sede de Contestação, não o tendo feito, esgotou-se a possibilidade de o fazer, muito menos em sede de Recurso.

O. Aliás, dita o Recorrente que “a prova de tais factos sempre teria de ocorrer por meio de documentos e não por mero testemunho de pessoa que nunca contactou com o réu.”

P. Não só demonstra que não verificou corretamente os documentos juntos na petição inicial, como tenta desacreditar completamente a testemunha oferecida pela Autora, tratando-se tal testemunha de funcionário bancário que atestou a existência do contrato, de utilização do valor emprestado e do momento em que se iniciou o incumprimento.

Q. Pela simplicidade e claridade da petição inicial, da prova oferecida e pela falta de contestação e impugnação, o Douto Tribunal a quo decidiu conferir a procedência da ação, baseando a sua decisão “atenta a factualidade vertida na petição inicial, e a fundamentação de direito ali aduzida, atenta a simplicidade da causa (…)”.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões  essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª –Nulidade da sentença, por infundamentada.

2ª – Ilegalidade da sentença, por não prova dos factos essenciais alegados pela autora e não submissão do réu ao PERSI.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

O recorrente taxa a sentença de nula por infundamentada, de facto e de direito.

Alega, para tanto, que

«…não consta da sentença (a) qualquer matéria de facto dada como provada ou não provada, (b) não consta qualquer mote de fundamentação quer de facto, quer de direito, não se debruçando o Tribunal a quo sequer sobre o tipo de contrato/negócio em causa nos autos, não o qualificando; (c) não fundamenta por qualquer modo, nem de facto nem de direito a sua decisão, tornando-a de todo impercetível, quanto aos fundamentos nos quais se apoia para dar vencimento à autora».

A sentença é a peça processual mais importante e com maior eminência.

Assim, nela deve estar refletida, formal e substantivamente, de facto e de direito, toda a tramitação relevante dos autos.

Destarte, ela deve valer por si própria, sem necessidade de perscrutar o demais dos autos para aquilatar do bem ou do mal decidido quanto ao objeto do processo.

É o que dimana, vg., do artº 607º do CPC, o qual, designadamente, estatui:

«2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.

3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;»

Sendo esta a regra, a lei estabelece exceções, como a do artº 567º, o qual estipula:

«Efeitos da revelia

1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

2 - É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.

3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.»

Perante o nº1 é consensualmente aceite que o efeito cominatório semi pleno, decorrente da confissão ficta, não permite ao juiz prescindir de plasmar na sentença os factos relevantes dados como provados e operar a sua subsunção jurídica, com a decorrente exegese das normas legais pertinentes/atinentes.

Isto em função do que supra se expendeu quanto ao jaez da sentença.

Na  verdade,  urge ter presente  que o réu, apesar de revel, continua a ser afinal o destinatário da decisão e deve saber quais os factos e os argumentos jurídicos  tidos por relevantes e que estiveram na base da sua condenação  - cfr., vg., o Ac. RG de 03.07.2014, p. 4215/13.3TBBRG .G1, in dgsi.pt.

Não obstante, o nº 3 estabelece uma  atenuação/mitigação e até, no limite em certos casos de impressiva simplicidade da causa, exceção, a esta regra.

Posto é que esteja presente o seu requisito: revestir a causa manifesta simplicidade.

Neste caso a sentença pode limitar-se à parte decisória com fundamentação sumária do julgado.

Porém, bem vistas as coisas, mesmo este segmento normativo não permite ao juiz abster-se de fundamentar, de todo em todo, o decidido, pois que exige fundamentação, de facto e de direito, posto que aliviada, sumária/sintética.

Como assim,  mesmo neste caso, preferível é que na sentença constem, ainda que resumidamente, as razões de facto e de direito que alicerçam a decisão.

Acresce que o artº Artigo 568.º consagra uma exceção à exceção do artº 567º, ao estatuir:

«Exceções

Não se aplica o disposto no artigo anterior:

a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar;

b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta;

c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter;

d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.»

No caso vertente o réu foi citado editalmente estando ausente.

Não tendo o réu apresentando  contestação, foi citado o Ministério Público, ao qual estatutariamente incumbe a defesa dos ausentes – cfr art  4º/1 al b) da   Lei 68/2019 de 27/8-,  a quem deve representar – art 9º/al c) da mesma Lei - tendo intervenção principal nos autos e «correndo novamente o prazo para a contestação».

A representação de ausentes pelo Ministério Público configura-se como último recurso para proteger as garantias dos mesmos, de modo a que não fiquem desprotegidos em juízo sem terem quem os patrocine, assumindo-se essa representação como sustentáculo do direito ao contraditório  e ao inerente direito de defesa processual, sem o qual, consabidamente, não há processo equitativo, em violação do imposto pelo art 20º da CRP.

Tendo o réu sido citado editalmente urge apurar, para o efeito de se concluir, ou não, de emergência, in casu, da previsão da parte final da al. b) do artº 568,  se ele se encontra em revelia absoluta.

 Ora a revelia do réu é absoluta, quando, no prazo da contestação,  o réu não conteste, não dedução de qualquer oposição, nem proceda à constituição de mandatário, ou não intervenha por qualquer forma no processo.

E este conceito/definição, estende-se também aos casos em que o réu ausente, citado editalmente, é representado pelo Mº Pº nos termos do artº 21º do CPC.

A mera falta de contestação do réu citado editalmente que permaneça em revelia absoluta não implica, sem mais, a aplicação da 2º parte da al b) do art 568º.

É que, verificada a falta de contestação, há que começar por cumprir o disposto no nº 1 do art 21º do CPC.

Porém, citando-se o Ministério Público para defender o réu, e correndo até um  novo prazo para a contestação, se também o Ministério Público não apresentar contestação, então sim, assume-se que o réu fica submetido ao regime da revelia inoperante prevista na 2º parte da al b) do art 568º.   – cfr. Ac. RC 26.09.2023, p. 289/20.9T8CLD.C1, in dgsi.pt.

No caso sub judice estão preenchidos os pressupostos da aplicação de tal segmento normativo.

Na verdade, o réu foi citado editalmente, e não contestou.

 O Mº Pº foi chamado a intervir no processo nos termos do artº 21º e também não contestou.

Destarte o efeito cominatório semi pleno com prova dos factos via confissão ficta não opera aqui.

Tal significa que a causa tem de seguir a tramitação legal geral, ou seja, tem de ser submetida a julgamento, ser apreciada a prova e, após, em função dela, devendo emitir-se pronúncia sobre os factos dados como provados e não provados, subsumi-los nas disposições legais pertinentes, e decidir-se em conformidade.

O que, aliás, in casu foi efetivado, pois que se procedeu à audiência de julgamento, com produção de prova, rectius, audição da testemunha arrolada pela autora.

A assim ser, quer por decorrência do nº1 do artº 567º, quer até do nº3, quer, acima de tudo, porque o efeito cominatório semi pleno aqui não funciona, ex vi da parte final da al. b) do artº 568º, a sentença não podia resumir-se à forma final lapidar que lhe foi atribuída.

Antes nela devendo constar os factos dados como provados e não provados, com apreciação crítica das provas, e, bem assim, à aludida subsunção, exegese e, seguidamente, a final decisão.

Ao assim não ter atuado concluiu-se, na esteira do defendido pelo Mº Pº, que a sentença é nula por infundamentada.

O facto da a Digna Magistrada do Mº Pª se ter limitado a pedir justiça em sede de julgamento, não altera os dados da questão pois que tal não permite ao juiz emitir uma sentença infundamentada.

 Procede, desde logo, esta questão.

A procedência  desta questão acarreta, na economia do que se disse e do próprio recurso, que o conhecimento da segunda fique prejudicada.

Procede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, declarar a nulidade da sentença, por infundamentada, e ordenar a prolação de outra com cumprimento dos requisitos legais.

Custas recursivas pela autora.

Coimbra, 2023.12.13.