Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
905/23.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO ADMINISTRATIVO
PRÁTICA DO ATO NOS 3 DIAS POSTERIORES AO TERMO DO PRAZO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA.
Legislação Nacional: ARTS. 59º, N.º 3, DO DEC.-LEI N.º 433/82, DE 27.10; 107º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 139º, N.ºS 5 E 6, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; AUJ N.º 2/94.
Sumário:
Não é aplicável à impugnação judicial prevista no art. 59º, n.º 3, do RGCC e no art. 181º, nº 2, alínea a), do CE o artigo 107.º-A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi aplicada ao arguido AA uma coima de 180€ (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contraordenação prevista no artigo 27º, nº 2, alínea a), 2º do Código da Estrada, sancionável com coima de 120,00€ a 600,00€ e com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força do disposto nos artigos 136º, 145º, nº 1, alínea c), e 147º do Código da Estrada (fls. 22 a 23 seu verso).

2 Inconformado, o arguido interpôs impugnação judicial da referida decisão administrativa, a qual deu entrada no Tribunal judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz ... e foi objecto de despacho de rejeição liminar por extemporaneidade.

*

3. AA, uma vez mais inconformado com o decidido, interpôs o presente recurso em que formula as seguintes conclusões (transcrição):

“1- O presente recurso tem por fundamento o despacho [de rejeição] proferido no âmbito do presente processo, datado de 13 de março de 2023 e com a referência 92625106,

2- No qual o Meritíssimo Juiz de Direito rejeitou o recurso interposto pelo arguido da decisão proferida pela ANSR, por alegadamente ter sido apresentado fora de prazo,

3- Especificamente, no dia seguinte ao último dia do prazo para o efeito.

4- Sucede que, ao recurso de impugnação judicial de processo contraordenacional se aplicam as normas do decreto-lei n.º 433/82; 

 5- Em caso de lacuna, aplicam-se as normas do Código de Processo Penal;

 6- E em caso de lacuna daquele, aplicam-se as normas do Código de Processo Civil.

 7- O n.º 2, alínea a), do artigo 182.º, do Código da Estrada, tem um comando específico quanto ao prazo de interposição de recurso, é certo, e que é de 15 dias, a dirigir ao tribunal competente mas a apresentar “junto da autoridade administrativa que aplicou a coima”, reproduzindo-se parte do conteúdo do n.º 3 do artigo 59.º, do RGCO.

 8- Em tudo o resto se aplicam, naturalmente, as normas de processo penal e civil, por ausência de normas específicas a regular o “acto das partes”.

9- Destarte, a apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é, necessariamente, um acto praticado em juízo,

10- Pois que se trata de um recurso de impugnação judicial (tal como é mencionado na lei) e que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido…

 11- E, nessa medida, são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal.

 12- Destarte, o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido deverá beneficiar dos regimes previstos nos preditos artigos,

 13- Sendo de admitir o mesmo, por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vs. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência:

a) Deve a o douto despacho ser revogado e substituído por outro que admita o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido,

FAZENDO-SE, ASSIM, A MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA.”

*

4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu:

“1) O prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, mas sim de natureza administrativa, sendo esta a posição da maioria da jurisprudência.

2) O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/94 (Processo nº 045325; Relator: Sousa Guedes; disponível em www.dgsi. fixou jurisprudência no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”, cuja jurisprudência não foi modificada pelo artigo 60º, nº 1 do RGCO, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.

3) Bem andou o tribunal a quo ao considerar que a natureza do prazo de impugnação não é judicial.

4) O recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi apresentado pelo arguido em 19 de agosto de 2022 (fls. 28 e 36), ou seja, no 1 dia útil seguinte (sexta feira).

5) Ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é aplicável o disposto no artigo 139º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, nem lhe é aplicável a disciplina do artigo 107º-A do Código de Processo Penal, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa.

6) Neste sentido já se pronunciou o douto Acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 18.03.2020 (Processo n.º239/19.5T8CVL.C1) da Relatora Maria José Nogueira; disponível em www.dgsi.pt), ao mencionar que: “(…) III – A disciplina do artigo 107.º - A do CPP, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa. (….

7) Impunha-se que se considerasse apresentado o recurso fora do prazo, tal como o Ministério

Público já se havia pronunciado nesse sentido no requerimento de apresentação do recurso interposto (fls. 1 a 3).

8) Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida.”

*

5. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

“(…) 2. O requerimento de impugnação judicial foi considerado extemporâneo, porque apresentado quando já havia terminado o prazo legal para o efeito, pelo que foi proferido despacho de rejeição do recurso ao abrigo do disposto no art. 63º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

3. Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão, alegando, em suma, que são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 139.º, n.º 5 e n.º Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal, pelo que o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido deverá beneficiar dos regimes previstos nos referidos artigos, sendo de admitir o mesmo, por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

 4. O recurso foi admitido de acordo com as normas processuais aplicáveis e não se verificam circunstâncias que obstem ao seu conhecimento, mantendo-se o regime de subida e o efeito fixado.

5. O Ministério Público na 1ª instância apresentou fundamentada resposta, profusamente estribada na melhor doutrina e jurisprudência.

6. Sufragamos integralmente a esclarecida argumentação da Sra. Procuradora da República na 1ª instância, no sentido da improcedência do recurso, o que nos dispensa de considerações adicionais.

7. Pelo que se emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.”

*

6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

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7. Cumpre decidir.

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II – Fundamentação

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada e o que a esta Relação é permitido conhecer em sede contra-ordenacional, conforme estipulado pelo artigo 75.º, n.º 2 do RGCO, a questão a apreciar é a seguinte:

- Tempestividade da impugnação judicial interposta pelo arguido.

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2. 1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

“(…)

Vem o arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 181º, nº 2, alínea a) e 187º do Código da Estrada, e artigo 59º do RGCO aplicável ex vi artigo 132º do Código da Estrada, interpor recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que aplicou uma coima de 180€ (cento e oitenta euros) e determinou a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contraordenação prevista no artigo 27º, nº 2, alínea a), 2º do Código da Estrada, sancionável com coima de 120,00€ a 600,00€, e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força do disposto nos artigos 136º, 145º, nº 1, alínea c), e 147º do Código da Estrada (fls. 22 a 23 seu verso).

*

O Tribunal é competente (artigo 61º, nº 1 do RGCO; artigo 130º, nº 1 e 2, alínea d) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário).

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Chegado que é o processo contraordenacional à sua fase jurisdicional, estatui o artigo 63º, nº 1 do RGCO que “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma”.

Por seu turno, reza o artigo 59º, nº 2 e 3 do RGCO que “O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor” e que, de igual modo, deve ser “feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.

Ora, se nestes autos o recurso de impugnação judicial foi interposto pelo arguido e o requerimento de impugnação judicial observa os requisitos de forma acima aludidos, o mesmo não se poderá dizer da observância do prazo para a impugnação judicial.

Concretizando.

Dispõe o artigo 59º do RGCO que “1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial. 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor. 3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.

Prevê o artigo 60º do RGCO que “1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. 2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

Uma vez que o prazo mencionado no artigo 59º, nº 3 do RGCO não tem a natureza de um prazo judicial, pois trata-se de um prazo de natureza administrativa, naturalmente que ele não se suspende nas férias judiciais. Com efeito, sendo o recurso de impugnação judicial um acto praticado perante a entidade emissora da decisão (“O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa…”) não se aplica à autoridade administrativa o regime das férias judiciais.

Como sublinha Paulo Pinto de Albuquerque, “O prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º não tem natureza judicial, uma vez que o recurso de impugnação em processo contraordenacional ainda faz parte da fase administrativa. Assim, este prazo não se suspende nem interrompe durante as férias judiciais” (in Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, 2ª Edição actualizada, 2022, p. 301).

Já neste sentido pronunciou-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/94 (Processo nº 045325; Relator: Sousa Guedes; disponível em www.dgsi.pt), ao fixar jurisprudência no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”, cuja jurisprudência não foi modificada pelo artigo 60º, nº 1 do RGCO, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.

Bem assim pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-06-2007 (Processo nº 4485/2007-3; Relator: Rui Gonçalves; disponível em www.dgsi.pt), ao mencionar que “I – Não há dilação em processo penal. II – O prazo de impugnação judicial de decisão administrativa que aplica uma coima é de natureza administrativa. III – As alterações introduzidas aos artigos 59.º e 60.º, do RGCO, pelo DL 244/95 de 14/9 não modificaram a natureza do aludido prazo, mantendo-se válida a jurisprudência fixada pelo Ac. 2/94, do STJ. IV – Aquele prazo deve contar-se nos termos do art. 279.º, al. b), do CC, por remissão do seu art. 296.º. É, pois, um prazo contínuo, que não se interrompe durante as férias judiciais”.

De igual modo, colhe-se do aresto do Tribunal da Relação de Évora de 12-01-2021 (Processo nº 615/20.0T89LAG.E1; Relatora: Beatriz Marques Borges; disponível em www.dgsi.pt) que “Independentemente da discussão à volta da natureza do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3 do DL 433/82 de 27.10, a redação do atual artigo 60.º apresenta uma disciplina própria sobre a forma como o prazo para a apresentação da impugnação judicial deve ser contado, correndo sempre durante o período de férias judiciais”.

Ainda a este propósito, decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 395/02 (Processo nº 321/2002; Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma; disponível em www.tribunalconstitucional.pt) “Não julgar inconstitucional, designadamente por violação do disposto nos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 10, da Constituição, os artigos 59º, nº 3, e 60º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso neles previsto não se suspende durante as férias judiciais”.

Acrescente-se que ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é aplicável o disposto no artigo 139º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, nem lhe é aplicável a disciplina do artigo 107º-A do Código de Processo Penal, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa.

Na redacção anterior do Código de Processo Civil e referindo-se ao então vigente artigo 145º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 293/06 (Processo nº 1051/05; Relator: Conselheiro Gil Galvão; disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que “há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva”.

De igual modo, sustenta o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-06-2006 (Processo nº 802/06-1; Relator: Alberto Borges; disponível em www.dgsi.pt) que “Ao prazo de recurso de uma decisão administrativa que aplicou uma coima não é aplicável o regime estabelecido no artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil”.

A propósito da inaplicabilidade do previsto no artigo 107º-A do Código de Processo Penal ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020 (Processo nº 239/19.5T8CVL.C1; Relatora: Maria José Nogueira; disponível em www.dgsi.pt) que “(…) III – A disciplina do artigo 107.º - A do CPP, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa. (…)”.

O prazo para a impugnação da decisão administrativa conta-se nos termos do artigo 60º do RGCO, com suspensão aos sábados, domingos e feriados, “sejam eles feriados nacionais ou de município onde se situa a entidade à qual tenha de ser entregue o recurso” (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, in op. cit., p. 301).

Sendo o último dia do prazo um dia não útil, o mesmo transfere-se para o dia útil seguinte, atento o previsto no artigo 60º, nº 2 do RGCO.

Terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas, não havendo, por conseguinte, lugar à aplicação do disposto no artigo 279º, alínea e) do Código Civil, pois, conforme referido, as autoridades administrativas não beneficiam das férias judiciais.

Neste sentido pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 473/01 (Processo nº 371/01; Relator: Conselheiro Sousa e Brito; disponível em www.tribunalconstitucional.pt): “não considerar inconstitucional, designadamente por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas; (…)”.

Acrescente-se, por último, que na contagem do prazo não se inclui o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a correr (artigo 279º, alínea b) conjugado com o artigo 296º, ambos do Código Civil, e artigo 87º, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo).

Analisado o Código da Estrada verifica-se que este contém específica regulamentação, estabelecendo as formalidades das notificações.

O artigo 176º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Notificações”, dispõe o seguinte:

“1 - As notificações efetuam-se:

a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;

b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;

c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;

d) Por via eletrónica, para a morada única digital, através do serviço público de notificações eletrónicas.

2 - A notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar.

3 - Na notificação pessoal o arguido pode assinar através de assinatura autógrafa em suporte de papel ou digital, bem como através da leitura de dados biométricos.

4 - A notificação por via eletrónica é efetuada para a morada única digital das pessoas singulares e coletivas que tenham aderido ao serviço público de notificações eletrónicas, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto.

5 - Se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2 ou se estiver em causa qualquer outro ato, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.

6 - Se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples.

7 - Nas infrações relativas ao exercício da condução ou às disposições que condicionem a admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, considera-se domicílio do notificando, para efeitos do disposto nos n.os 4 e 5:

a) O que consta na base de dados da AT como domicílio fiscal;

b) [Revogada.]

c) O que conste dos autos de contraordenação, nos casos em que o arguido não seja residente no território nacional;

d) Subsidiariamente, o que conste do auto de contraordenação, nos casos em que este tenha sido indicado pelo arguido aquando da notificação pessoal do auto.

8 - Para as restantes infrações e para os mesmos efeitos, considera-se domicílio do notificando:

a) O que conste no registo organizado pela entidade competente para concessão de autorização, alvará, licença de atividade ou credencial; ou

b) O correspondente ao seu local de trabalho.

9 - As notificações consideram-se efetuadas:

a) Em caso de notificação por carta registada, na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso for assinado por pessoa diversa do arguido;

b) Em caso de notificação por carta simples, no quinto dia posterior à data da expedição, cominação que deve constar do ato de notificação, devendo ser junta ao processo cópia do ofício da notificação com a indicação da data de expedição e do domicílio para o qual foi enviada;

c) Em caso de notificação por via eletrónica, no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquela no sistema informático de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, conforme disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto.

10 - Quando a infração for da responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo, a notificação, no ato de autuação, pode fazer-se na pessoa do condutor.

11 - Sempre que o notificando se recusar a receber ou a assinar a notificação, o agente certifica a recusa, considerando-se efetuada a notificação”.

Consagra o artigo 175º, nº 2 do Código da Estrada que “O arguido pode, no prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação: a) Proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172.º; b) Apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova; c) Requerer atenuação especial ou suspensão da sanção acessória e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova; d) Requerer o pagamento da coima em prestações, desde que o valor mínimo da coima aplicável seja igual ou superior a 2 UC”.

Mais se prevê no artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada que “Da decisão deve ainda constar que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima; (…)”.

Assim, analisado o Código da Estrada verifica-se que este contém específica regulamentação, pelo que é aplicável ao caso dos presentes autos o prazo de 15 dias úteis para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada, não sendo, deste modo, aplicável o prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, nº 3 do RGCO, isto é, a norma do Código da Estrada constitui norma especial face à norma do RGCO.

Como bem salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2015 (Processo nº 62/15.6T8EVR.E1; Relator: João Gomes de Sousa; disponível www.dgsi.pt), “1- A apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo. 2 – Trata-se de um recurso “de impugnação judicial” (e não de impugnação administrativa) que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P.. 3 - Como tal é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil: «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo». 4 - Ao direito estradal é aplicável o regime quadro das contra-ordenações em tudo o que não esteja especificamente previsto no Código da Estrada. E este diploma é claro na definição de todo um regime notificativo próprio, incluindo um diverso prazo de impugnação judicial. 5 - O prazo de impugnação judicial no direito estradal, o previsto no nº 2 do artigo 175º do CE, é de 15 dias úteis. 6 - Em rigor e mesmo a considerar que o artigo 60º, n. 1 do RGCO, como norma especial, é claro na afirmação de que o prazo “só” se suspende “aos sábados, domingos e feriados” (e, portanto, exclui a suspensão em período de férias judiciais), o recorrente poderia ter praticado o acto no primeiro útil pós férias judiciais, por apelo à aplicabilidade indubitável do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil”.

Como se colhe da decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (fls. 22 a 23 seu verso) foi dado cumprimento ao disposto no artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada, pelo que, conforme já referido, o prazo de que dispunha o arguido para impugnar a decisão proferida pela mencionada autoridade administrativa era de 15 dias úteis.

No caso que nos ocupa o arguido foi notificado da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária por via postal registada com aviso de recepção, tendo sido o respectivo aviso de recepção assinado por pessoa diversa do arguido na data de 22 de Julho de 2022 (consulta efectuada no site dos CTT com base no código de barras indicado no AR (identificado como Doc. 1) e aviso de recepção de fls. 27).

Ante o exposto e tomando em consideração o disposto no artigo 176º, nº 1, alínea b) e nº 9, alínea a) do Código da Estrada, o arguido considera-se notificado da decisão da Autoridade Nacional de Recurso (Contraordenação)

Assim, por força do disposto no artigo 279º, alínea b), conjugado com o artigo 296º, ambos do Código Civil e artigo 87º, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo, o primeiro dia do prazo de 15 dias úteis de que o arguido dispunha para impugnar judicialmente a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária corresponde ao dia 28 de Julho de 2022.

Por aplicação do disposto no artigo 60º, nº 1do RGCO, o último dia do aludido prazo de 15 dias úteis ocorreu em 18 de Agosto de 2022.

Todavia, o recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi apresentado pelo arguido em 19 de Agosto de 2022 (fls. 28 e 36).

Nestes termos e pelas razões acima enunciadas, por apresentado fora de prazo, rejeita-se o recurso interposto pelo arguido AA da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

(…)”

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2.2. Confirma-se que o arguido foi notificado da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária por via postal registada com aviso de recepção, tendo sido o respectivo aviso de recepção assinado por pessoa diversa do arguido na data de 22 de Julho de 2022 (consulta efectuada no site dos CTT com base no código de barras indicado no AR (identificado como Doc. 1) e aviso de recepção de fls. 27).

*

2.3. O arguido interpôs o recurso de impugnação judicial da referida decisão administrativa em 19 de agosto de 2022 (fls. 28 e 36).

*

3. Apreciando.

3.1. O recorrente não poe em causa as datas em que foi notificado e em que terminou o prazo de 15 dias para interpor o recurso de impugnação judicial.

Defende apenas que são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal, sendo de admitir o seu recurso por ter por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

Vejamos.

No processo de contra-ordenação - como são os presentes autos - o recurso de impugnação judicial “… é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.” - conforme o disposto no artigo 59.º, n.º 3 do RGCO.

O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma – [cf. n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma].

No caso presente, o recurso de impugnação judicial é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 15 dias úteis conforme dispõe o artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada - norma especial que derroga a referida norma do 59.º do RGCC, - após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

Está em causa no recurso a natureza - judicial ou administrativa - deste prazo.

Os Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral, na sua obra “ Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas” entendem que tal prazo não é um prazo judicial “ pois que se reporta a um momento em que não existe fase judicial.”

E argumentam que tal fase pode nem sequer iniciar-se caso a entidade administrativa revogue a decisão até ao momento em que deveria enviar o processo para tribunal.

Ora, se considerarmos que o prazo não é judicial, então não se suspende nem interrompe durante as férias. E não lhe é aplicável o regime previsto nos artigos 139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal.

Em idêntico sentido - os citados na decisão recorrida - Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, Lisboa: UCE, 2012, pp. 246-247) e António Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 12.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018, pp. 178-179, que considera plenamente válida a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94 de 14 de Setembro que decidiu pela natureza não judicial do prazo em juízo. No mesmo sentido Ac Rel Coimbra de 18 de Outubro de 2017, relatora Des Helena Bolieiro e Ac RC de 24 de maio de 2017, relator Des Brízida Martins.

Em sentido contrário o Ac da Relação de Évora, de 06 de Dezembro de 2016, relator Des João Gomes de Sousa, que desde logo parte da premissa de que “um processo contra-ordenacional não é um processo administrativo.” E prossegue, após fundamentar “ o direito administrativo só serve para definir qual é a entidade administrativa com competência decisória e qual a sua forma de decisão.

(…)

Hoje a melhor doutrina reconhece ao direito contra-ordenacional um carácter autónomo, distinto quer do direito penal, quer do direito administrativo, apenas se encontrando nos tribunais judiciais – incluindo os de segunda instância – uma forte corrente no sentido da “administrativização” do processo contra-ordenacional, ao arrepio da lei (por interpretação contra-legem do Dec-Lei n. 433/82, designadamente do seu artigo 41º, n. 1 quando estabelece, sem fazer distinção entre fases processuais, que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”). Assim, ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4º do C.P.P.). Simples.”

E adiante explicita a tese que sufraga:

“A apresentação à entidade decisora justifica-se por duas razões: possibilidade de revogação da decisão – artigo 62º, n. 2, do RGCO; a possibilidade de o Ministério Público tomar posição sobre ela, retirando a “acusação” (na prática revogando a decisão administrativa) - artigos 62º, n. 1 e 65º-A do diploma.

Assim, a apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo? É indubitável que sim na medida em que se trata de um recurso “de impugnação judicial” que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P..

Aqui apresenta um acréscimo de utilidade ao permitir à entidade administrativa a revogação da sua decisão e a passagem para a fase “acusatória” do processo contra-ordenacional contida no artigo 62º, n. 2, do RGCO.

Mas não deixa de ser um recurso de “impugnação judicial” (e não de “impugnação administrativa”) e, portanto, deve ser considerado um acto “praticado em juízo” para todos os efeitos.

Como tal – um dos efeitos - é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil: «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo. Mas acresce que o artigo 296.º do mesmo diploma, que rege sobre a contagem dos prazos, determina que as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

Não há disposição especial em contrário! E trata-se de termo fixado por lei, independentemente de saber se as entidades administrativas estão ou não de férias. Ou seja, o acto podia ser praticado no primeiro dia útil seguinte como foi.

E em jeito de conclusão afasta a jurisprudência fixada no Acórdão n. 2/94, de 10-03-1994: “Note-se que não afirmamos que o prazo se suspende em férias judiciais, só afirmamos que o acto a praticar, quando o respectivo prazo termine em período de férias judiciais pode ser praticado no primeiro dia útil fora destas. Trata-se, pois, do termo do prazo, que não da suspensão do mesmo.

De qualquer forma este entendimento não contraria o decidido no Acórdão n. 2/94, de 10-03-1994 (Proc. nº 45325) pois que aí apenas se discutia – e se decidiu - sobre a suspensão do prazo de recurso através da aplicação do artigo 144º, n. 3, do Código de Processo Civil, algo que aqui não está directamente em causa na medida em que este artigo afirmava que o prazo judicial se suspendia, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados.”

Em suma, o referido acórdão da Relação de Évora considera caduca a jurisprudência fixada pelo STJ.

Embora compreendamos a lógica do pensamento exposto no Acórdão da Relação de Évora, entendemos ser de respeitar a Fixação de Jurisprudência nº 2/94, pois como claramente se explicita no Ac do STJ de 3 de Novembro de 2010 (relator Cons Maia Costa) este Acórdão ( nº 2/94) não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º do RGCO não é um prazo judicial.  O que é aplicável ao prazo fixado no art artigo 181º, nº 2, alínea a), do CE.

Com efeito, sinaliza-se neste aresto: 

“O DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa. Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.

É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).”

Ora, só existe caducidade da jurisprudência fixada quando lei posterior vem consagrar solução contrária ou incompatível com a doutrina fixada.

Assim sendo, não se mostrando ultrapassada nem contrária à Constituição a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, cumpre observá-la nos termos do disposto no art 445º, nº 3, do CPP, mantendo-se em vigor que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º, do RGCO não é um prazo judicial. Regime aplicável ao art 181º, nº 2, alínea a),  do CE.

Logo, conjugando-se com o disposto no artigo 60.º, n.º 2 do RGCO, o prazo em questão não se suspende durante o período de férias judiciais, nem lhe é aplicável o disposto no art. 107º, nº 5 , do CPP, por força do qual lhe seria aplicável o regime pretendido pelo recorrente.

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o arguido ao apresentar a impugnação judicial em 19 de agosto de 2022, fê-lo extemporaneamente, pelo que decidiu bem o tribunal a quo quando a rejeitou com base em tal fundamento.

Aliás e como se refere no Ac Rel Coimbra de 18-03-2020, relatora Des Maria José Nogueira, como tem vindo a afirmar de forma pacífica a jurisprudência, não é aplicável nesta sede o disposto no artigo 107.º A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.02.2012, no processo n.º 1757/11.9TALRA.C1, que também se pode consultar no referido site, e em que, entre outros aspetos, é abordada esta questão).

Em suma, a disciplina do artigo 107.º - A do CPP, quanto à possibilidade da prática extemporânea do ato mediante o pagamento de multa processual, sendo privativa dos prazos judiciais também não colhe aplicação no caso do art 181º, nº 2, alínea a),  do CE.

 Impõe-se pois concluir pela improcedência da pretensão do recorrente.

*

            III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Coimbra, 06-03-2024

(elaborado e revisto pela relatora, que utiliza a ortografia antiga)

Isabel Valongo

Alexandra Guiné

Eduardo Martins