Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
104/20.3T9TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ESCOLHA DA PENA DE MULTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 03/01/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ARTS. 70º DO CÓDIGO PENAL; 69º, N.º 1, 401º, N.º 1, AL. B), E N.º 2
Sumário:
               O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, da operação de escolha da pena de multa aplicada ao arguido pelo crime por ele cometido, punido em alternativa com pena de prisão e pena de multa, defendendo que o tribunal deveria ter optado pela pena prisão.
Decisão Texto Integral:
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            Recurso

            Proc. 104/20.3T9TND.C1

            Juízo de Competência Genérica de ... 

            Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

            Decisão Sumária

            I- Relatório

               1. No Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 104/20.3T9TND, por sentença proferida em 30.06.2023, depositada na mesma data, decidiu-se a condenação dos nele arguidos, da seguinte forma, que se transcreve:

            “- A arguida A..., Unipessoal, Lda. pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1, alínea d) do Código Penal, numa pena de multa de 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de 100€ (cem euros), o que perfaz um total de 10.000,00€ (dez mil euros), a qual se substitui por uma caução de boa conduta nos termos do disposto nos artigos 90.º-A, n.º3, alínea b) e 90.º-D do Código Penal, que se fixa em 2.000,00€ (dois mil euros), pelo período de um ano e seis meses, a prestar por uma das formas previstas no referido no n.º3, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de revogação nos termos do disposto no n.º4 da aludida norma.

                    2) O arguido AA numa pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o montante global de 700,00€ (setecentos euros), pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1, alínea d) do Código Penal. “   

Mais se julgando o pedido de indemnização civil deduzido nos autos parcialmente procedente e, em consequência, decidindo-se a condenação dos demandados nos seguintes termos, que igualmente, se transcrevem:

“ 3) Os arguidos A..., Unipessoal, Lda. e AA a pagar, solidariamente, à assistente C..., Unipessoal, Lda. a quantia de 5.224,67€ (mil e quinhentos euros), a que acrescerão juros moratórios à taxa legal, sendo que sobre a quanta de 4.972,67€ (quatro mil novecentos e setenta e dois euros e sessenta e sete cêntimos) a contar das datas de vencimento apostas nos cheques e sobre as restantes quantias arbitradas a contar da presente decisão até efetivo e integral pagamento.

4) No mais, absolve-se os arguidos do peticionado pela assistente/demandante.”


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               2. Inconformada com o decidido veio a assistente e demandante C..., Unipessoal, Lda. interpor recurso, extraindo da motivação do mesmo as seguintes conclusões, que se transcrevem:

                    “i. Vem o presente recurso interposto quanto à medida concreta da pena de multa aplicada ao Arguido AA numa pena de multa, pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1, alínea d) do Código Penal.

                    ii. A pena de multa aplicada não tem a virtualidade de poder ser vista pela comunidade como uma séria advertência contra a prática deste crime, mostrando-se desajustada face à gravidade dos factos e à personalidade do Arguido.

                    iii. A pena aplicada não espelha, ainda, a culpa do arguido, nem teve em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal.

                    iv. Tendo em conta a natureza e gravidade dos factos praticados pelo Arguido, bem como a personalidade deste, demonstrados na matéria de facto dada como provada, bem como todos os factores e circunstâncias previstos nos artigos 40º e 71º ambos do Código Penal, que influem na medida concreta da pena, entendemos que o tribunal a quo, ao punir o Arguido com uma mera pena de multa, violou o disposto nas supras referidas normas legais, não dando satisfação ao que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta.

                    v. Quer as razões de prevenção geral quer as razões de prevenção especial são elevadas.

                    vi. O Arguido tem já antecedentes criminais.

                    vii. Convenientemente ponderados todos os factos de acordo com os artigos 71º nº 1 do Código Penal, e tendo em conta a moldura abstracta da pena em causa nos presentes autos (pena de prisão até três anos ou com pena de multa), entendemos que será justa e adequada a aplicação de uma pena ao Arguido, de prisão, cuja execução deve ser suspensa por período de dois anos, sob a condição de o condenado, no prazo de um ano, proceder ao pagamento, à assistente, ora recorrente, da quantia de € 5.224,67 € (mil e quinhentos euros), a que acrescerão juros moratórios à taxa legal, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa.

                     viii. Ao decidir de modo diverso, o Tribunal violou o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º, 71º todos do Código Penal.

                     Nestes termos, contando com o Douto e indispensável suprimento de V/ Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso e ser revogado a Sentença recorrida e substituída por outra que dê acolhimento ao teor das conclusões supra, condenando o Arguido a uma numa pena de prisão, cuja execução deve ser suspensa por período de dois anos, nos termos do disposto no artigo 51º nº 1 alínea a) do Código Penal, sob a condição de o condenado, no prazo de um ano, proceder ao pagamento, à assistente da quantia de €5.224,67€ (mil e quinhentos euros), a que acrescerão juros moratórios à taxa legal .”


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            3. Admitido o recurso, a ele respondeu o Digno Magistrado do Mº Pº junto da 1ª instância, extraindo da contra-motivação que apresentou as seguintes conclusões, que, igualmente, se transcrevem:

            “ I. A recorrente/assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada.

                    Caso assim se não entenda;

                    II – Nos presentes autos, para além da condenação da sociedade “A..., Unipessoal, Lda.”, foi o arguido AA foi condenado pela prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o montante global de 700,00€.

                    III - O Ministério Público, defende que é adequada e proporcional a aplicação da pena de 140 dias de multa, á taxa diária de 5,00€, o que perfaz o montante global de 700,00€, porque ela assegura as finalidades da punição, atentas as necessidades de prevenção geral e especial que aqui se fazem sentir, apontadas em grande parte na sentença recorrida.

                    IV - Pelo que se referiu, entendemos que a “douta” sentença não violou os artigos 40º, 50º, 70º e 71º, do Código Penal, nem de quaisquer outras disposições legais.

                    V - Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente/assistente, mantendo-se na integra a sentença recorrida.

                    No entanto,

                    Vªs. Exªs. farão a costumada

                    JUSTIÇA!!”


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            4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, aderiu à posição expressa pelo Procurador da República na 1ª instância no sentido da ilegitimidade da assistente para recorrer, pugnando, em consequência disso, pela rejeição do recurso; aduzindo ainda, quanto aos fundamentos do mesmo, que sufraga integralmente também a argumentação daquele Procurador, que dá por reproduzida, emitindo parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.

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            5. No âmbito do artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a recorrente não apresentou qualquer resposta ao parecer.

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            II – Fundamentação

            Nos termos do disposto no artigo 417.º do Código de Processo Penal, uma vez concluso o processo, o relator deve, no exame preliminar, além do mais, verificar se há condições para proferir decisão sumária, o que sucederá se, por exemplo, o recurso dever ser rejeitado – alínea b) do mesmo número.

            Adianta-se, desde já, que a razão de ser da presente decisão sumária prende-se com o facto de se entender, pelas razões que adiantaremos, que a assistente7Demandante nos autos, C... Unipessoal, Lda., carece de legitimidade para interpor o presente recurso, como, aliás, perfilha o Ministério Público, quer na 1ª, quer nesta 2ª instância, nas posições por ele assumidas, conforme decorre do relatório supra.


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            Vejamos, então, o que deflui da decisão recorrida, com relevo para a apreciação de tal questão, que, para o efeito, se transcreve:

            a) Dela consta provada a seguinte factualidade:

            “1. A ofendida sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, representada por BB, dedica-se ao comércio de venda a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis – CAE 45320.

                    2. O arguido AA é sócio gerente da sociedade arguida “A..., Unipessoal, Lda”, que se dedica ao comércio de automóveis ligeiros, novos e usados, manutenção e reparação de veículos automóveis, comércio por grosso de maquinas para a industria extrativa.

                    3. No exercício da sua atividade, a sociedade ofendida forneceu à sociedade arguida “A..., Unipessoal, Lda”, no período compreendido entre 11.06.2019 e 20.07.2019 e 19.07.2019 a 27.09.2019, vários componentes para veículos automóveis, no valor, respetivamente de 3.000,00€ (três mil euros) e 1.972,67€ (mil novecentos setenta dois euros e sessenta sete cêntimos, conforme documentos de fls. 30 a 32 e 101-102 e faturas de fls. 33 a 100 e 103 149, que se dão por integralmente reproduzidas para os legais efeitos.

                    4. O arguido AA, na qualidade de gerente da sociedade arguida, e em representação desta, para pagamento dos valores acima referidos, preencheu e assinou os cheques da Banco 1... nº ...83 e ...59, ambos da conta nº ...50, tendo colocado, respetivamente, a data de 01.08.2019 e 03.102019, no valor de 3.000,00€ (três mil euros) e 1.972,67€ (mil novecentos setenta dois euros e sessenta sete cêntimos).

                    5. Acontece, porém, que o arguido, depois de ter entregue os cheques à ofendida, no dia 02 de junho de 2020 e 05 de junho de 2020, dirigiu-se aos Postos da GNR de ... e ..., tendo declarado “extraviados” os cheques acima referidos, conforme autos de extravio de fls. 306 e 307-308, que se dão por integralmente reproduzidos.

                    6. De seguida, o arguido, na posse dos referidos autos de extravio, nas datas constantes daqueles, solicitou junto da Banco 1... –..., o cancelamento dos mesmos.

                    7. Os referidos cheques foram apresentados a pagamento no Banco 2... – Agência de ..., tendo saído devolvidos na compensação, respetivamente nas datas 03.06.2020 e 15.06.2020, com a menção de extravio.

                    8. A sociedade “C..., Unipessoal, Lda.” encontra-se lesada no valor titulado pelos cheques, ou seja, no montante de 4.972,67€ (quatro mil novecentos setenta dois euros e sessenta sete cêntimos).

                    9. O arguido AA, em representação e no interesse da sociedade arguida, agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que, depois de ter preenchido, assinado e entregue os cheques à ofendida, no qual apôs uma data posterior à sua emissão e depois declara perante autoridade policial o extravio dos mesmos e com tal declaração se dirige ao Banco para obstar ao pagamento dos cheques, causando prejuízo ao tomador dos mesmos, fez constar falsamente fato juridicamente relevante, o que quis.

                    10. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
          Mais se provou que,
          11. Em razão do sucedido, a sociedade C..., Unipessoal, Lda.  despendeu a quantia de 102,00€ com a sua constituição como assistente.
          12. O seu representante legal teve que se deslocar por diversas vezes à GNR ... e ao escritório da sua Ilustre Advogada em razão do presente processo, com o que gastou uma quantia de cerca de 150€.
          13. Também em razão do sucedido a assistente passou a evitar vendas a crédito a outros clientes.
          14. O arguido AA é divorciado.
          15. É mecânico, trabalha por conta própria, embora se encontre de baixa médica.
          16. Aufere em média cerca de 700/800€ mensais.
          17. Vive sozinho, em casa arrendada, com a qual suporta 200€ mensais com a renda.
          18. Tem quatro filhos, sendo que um deles é menor, com 8 anos de idade e com guarda partilhada e com o qual suporta uma prestação de alimentos de 75€, embora nos últimos dois meses não tenha conseguido saldar esse valor.
          19. Tem o 12.º ano de escolaridade.
          20. Por acórdão proferido nos autos do processo n.º17/09...., cujos termos correram pela extinta Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, transitado em julgado no dia 18.06.2010, foi o arguido AA condenado numa pena de seis anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º15/93, de 22.01, por factos praticados em 14.10.2008.
          21. Tal pena foi declarada extinta, pelo seu cumprimento, em 13.11.2014.
          22. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais.”

            b) Dela consta não provada a seguinte factualidade:

                    “ 1) A assistente tivesse despendido a quantia de 500€ com deslocações à GNR e à sua Ilustre Advogada;

                    2) Em razão do sucedido, a assistente tivesse tido uma perda de clientes que lhe importou um prejuízo nunca inferior a mil euros.”

            c)  Dela consta a seguinte ponderação quanto à escolha e à medida concreta da pena:

            “4.1. Escolha da Pena Principal

                    O crime de falsificação de documento pelo qual os arguidos vêm acusados é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias relativamente ao arguido AA e de pena de multa até 360 dias ou pena de dissolução relativamente à sociedade arguida, de acordo com o estabelecido nos artigos 90.º-A, n.º1 e 90.º-B, n.º3 do Código Penal, à qual poderão ainda ser aplicadas as penas acessórias previstas no n.º2 do Código Penal.

                    Ora, na determinação da medida concreta da pena há que ponderar o previsto nos artigos 70º e 71º do Código Penal, bem assim o disposto no artigo 13º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

                    Preceitua o artigo 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência fundamentada à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

                    Decorre assim deste preceito que a pena de multa é, claramente, a preferida pelo legislador, caso o aplicador do direito se convença que, com esta, ficam salvaguardadas as finalidades da punição.

                    Como bem refere Figueiredo Dias, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e prevenção especial, e não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.[1]

                    De modo que, só se deve optar pela pena privativa de liberdade se a aplicação da pena não privativa for insuportável para a comunidade, colocando em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

                    Feitas estas considerações, atentemos então no caso em análise.

                    Como é sabido, as necessidades de prevenção geral não são por demais prementes.

                    Neste sentido, milita, essencialmente, a natureza dos crimes em questão que, por não contender com bens eminentemente pessoais, não logram alcançar um patamar tal, cuja violação, por si só, justifique, inapelavelmente, uma pena privativa da liberdade, por apenas por recurso a esta se alcançar a reafirmação dos bens jurídicos violados.

                    E o mesmo se refira relativamente às necessidades de prevenção especial.

                    Pois muito embora o arguido apresente já averbada uma condenação criminal, a realidade é que respeita a crime de diferente natureza e por factos praticados em 2008, isto é, há cerca de 15 anos.

                    Já a sociedade arguida não apresenta qualquer antecedente criminal.

                    De forma que, tendo em consideração estas circunstâncias, entende-se que as finalidades da punição no caso dos autos ainda serão cumpridas mediante a aplicação de penas de multa, quanto aos dois arguidos.


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                    Medida Concreta da Pena

                    Escolhido o tipo de pena, importa agora fixar-se os fatores que influem na sua concreta determinação, atentas as circunstâncias enunciadas no artigo 71º do Código Penal.

                    Ora, dispõe o artigo 71.º do Código Penal que o Tribunal terá que atender à culpa do agente (artigo 71º nº 1 do Código Penal) e aos critérios da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.

Pois bem, como se referiu, o limite mínimo da multa é de 10 dias e o máximo de 360, correspondendo a cada dia uma quantia de 1 euro a 500 euros, tratando-se de pessoa singulares, e 100 euros a 10.000 euros, tratando-se de pessoas coletivas – cfr. artigo 90.º-B, n.º5 daquele diploma legal.

Ora, centrando a atenção no caso dos autos, milita contra o arguido o carácter médio da ilicitude da conduta em causa (tendo em conta que estão em causa dois cheques de valores não particularmente elevados, ambos inferiores a cinco mil euros e relativamente aos quais não resultou demonstrado – na verdade, nem tão pouco foi alegado - que o seu não pagamento tivesse aportado para a assistente outros prejuízos para além do seu não pagamento e da retração que passou a ter nas vendas a crédito), o dolo direto, bem assim a circunstância de nada ter feito para resolver o problema, designadamente saldando a dívida subjacente à emissão dos dois cheques.

          De todo o modo, a favor dos arguidos, ter-se-á necessariamente de reconhecer a ausência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza.

                    Tendo em conta estes elementos, entende este Tribunal justo e adequado condenar:

                    1) A arguida A..., Unipessoal, Lda., numa pena de multa de 120 dias.

                    2) O arguido AA, numa pena de 140 dias de multa.

                    A diferença de penas entre os dois arguidos fica-se a dever à circunstância da a execução dos factos em discussão terem sido da iniciativa do arguido AA, entendendo-se, nessa medida, que a sua pena deverá refletir essa maior censurabilidade, tanto mais que, como se viu, a responsabilidade das pessoas coletivas, embora coexistente, é reflexa em relação à dos seus representantes.

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                    Da determinação da pena de multa

Como se referiu, o limite mínimo da multa é de 10 dias e o máximo de 360, correspondendo a cada dia uma quantia de 1 euro a 500 euros, tratando-se de pessoa singulares, e 100 euros a 10.000 euros, tratando-se de pessoas coletivas – cfr. artigo 90.º-B, n.º5 daquele diploma legal..

Tal como resulta do disposto no artigo 47.º do CP, também neste tipo de crimes a pena de multa terá de se aferida em função da situação económica e financeira dos arguidos e nos seus encargos pessoais.

Porém, tal fixação não poderá perder o escopo da norma, ou seja, não poderá ser feita de forma a perder o efeito sancionatório que a pena encerra em si, neste sentido escreve Figueiredo Dias que “a pena de multa deverá sempre representar algum sacrifício económico para o arguido, sob pena de, assim não sendo, se desprestigiar tal pena, que acabará por perder a validade e deixará de assegurar a vigência da norma violada[2]    

Ora, tendo em conta que não foi possível apurar a situação económico-financeira da sociedade arguida (e porque tal circunstância não poderá ser apreciada contra a arguida), julga o Tribunal adequada a fixação do quantitativo diário da multa em 100€ (mínimo legal), o que perfaz o montante de 12.000€, a qual não se substitui por uma admoestação nos termos do disposto nos artigos 90.º-A, n.º3, alínea a) e 90.º-C, n.º1 do Código Penal, na medida em que não resultou demonstrado que o dano causado à assistente tivesse sido reparado – cf. artigo 60.º, n.º2 do Código Penal, a contrario .

Em todo o caso, impõe-se a ponderação da pena substitutiva prevista no artigo 90.º-D, isto é, caução de boa conduta.

Preceitua este inciso legal que se à pessoa coletiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 600 dias, pode o tribunal substituí-la por caução de boa conduta, entre (euro) 1000 e (euro) 1 000 000, pelo prazo de um a cinco anos, sendo que a caução é declarada perdida a favor do Estado se a pessoa coletiva ou entidade equiparada praticar novo crime pelo qual venha a ser condenada no decurso do prazo, sendo-lhe restituída no caso contrário.

Segundo o n.º3 da referida norma, a caução pode ser prestada por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.

De modo que, assim sendo, e porque a sociedade arguida não apresenta qualquer antecedente criminal e porque não há notícia que tenha incorrido na prática de outros ilícitos de semelhante natureza, decide-se substituir a pena de multa aplicada por caução de boa conduta que se fixa em dois mil euros, pelo período de um ano e seis meses, a prestar por uma das formas previstas no referido no n.º3, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de revogação nos termos do disposto no n.º4 da aludida norma legal.

Já relativamente ao arguido AA, e tendo em conta também a matéria de facto dada como provada, julga o Tribunal adequada a fixação do quantitativo diário da multa em 5,00€, o que perfaz o montante global de 700,00€.

Mais se consigna que não se aplica qualquer pena acessória à sociedade arguida, por não apresentar qualquer antecedente criminal e por não ter resultado provado que a sociedade arguida não tenha adotado e implementado programa de cumprimento normativo adequado a prevenir a prática do crime ou de crimes da mesma espécie – cf. artigo 90.º-A, n.º5 do Código Penal, a contrario.”

            d) Dela consta a seguinte ponderação quanto ao pedido de indemnização civil deduzido nos autos:

“Pedido de Indemnização Civil

Como se sabe, o regime do pedido de indemnização cível em processo penal encontra-se essencialmente previsto nos artigos 71.º a 84.º do Código Processo Penal, estando o mesmo estruturado numa perspetiva de autonomia em relação ao processo civil, atentas as finalidades de interesse público que presidem ao processo penal.

A partir do momento em que é deduzido pedido de indemnização cível no processo penal, aquele passa a estar vinculado aos princípios estruturantes deste último processo, deixando, entre outras coisas, de existir ónus de prova ou qualquer tipo de cominação (plena ou semi-plena) na falta de contestação.

Todavia, de acordo com o preceituado no artigo 129.º do Código Penal, “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Ora, o princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, decorre do artigo 483º do Código Civil onde prevê que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Resulta da análise desta norma que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil extracontratual, pressupõe a verificação de determinados pressupostos: a existência de um facto, a ilicitude, o dano, a imputação psicológica do facto ao lesante e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Ora, atentos os factos que com os mesmos se provaram, não subsiste, pois, qualquer tipo de dúvidas que os arguidos violaram direitos da ofendida/assistente, importando assim apurar a medida da indemnização, isto é, quais os danos a ressarcir e qual o seu montante.

Como é sabido, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, o responsável pela reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto que obriga à reparação.

Não podendo proceder-se à reconstituição natural, deverá o lesado ser compensado através da fixação de uma indemnização em dinheiro (reconstituição por equivalente pecuniário).

Ora, resulta da factualidade dada como provada que:
§ A demandante/assistente “C..., Unipessoal, Lda.” se encontra lesada no valor titulado pelos cheques, ou seja, no montante de 4.972,67€ (quatro mil novecentos setenta dois euros e sessenta sete cêntimos);
§ Despendeu a quantia de 102,00€ com a sua constituição como assistente.
Embora a ofendida/assistente não tenha feito prova do exato valor despendido com as deslocações que fez à GNR e ao escritório da sua Ilustre Advogada, apenas tendo resultado provado que foi cerca de 150€, entende-se que este valor se afigura, por recurso a juízos de equidade, justo e adequado.

 De modo que, tudo visto e ponderado, condena-se os arguidos a pagar, solidariamente, à demandante/assistente a quantia de 5.224,67€ (mil e quinhentos euros), a que acrescerão juros moratórios à taxa legal, sendo que sobre a quanta de 4.972,67€ a contar das datas de vencimento apostas nos cheques e sobre as restantes quantias arbitradas a contar da presente decisão até efetivo e integral pagamento (cf. artigos 566.º/2, 805.º/3 e 806.º/1 do Código Civil, na sequência da doutrina sufragada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º4/2002, de 27 de Junho de 2002).”


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            A dissensão da assistente e demandante, C... Unipessoal, Lda., em relação à sentença recorrida não põe em causa, minimamente, a decisão nela sufragada em relação à matéria de facto nem, também, a ponderação que nela foi efectuada a respeito do respectivo enquadramento jurídico-penal, centrando-se, única e exclusivamente, na operação referente à escolha da pena relativamente ao arguido AA, no âmbito da qual o Tribunal a quo deu preferência à pena de multa em detrimento da pena de prisão também cominada, em alternativa, para o crime de falsificação de documento, p. e. p. pelo art. 256º, nº1, alínea d) do C. Penal, pelo qual na sentença se decidiu a condenação do mesmo.

            Assim é que, a questão colocada pela assistente/demandante bem espelhada na motivação do recurso e sintetizada nas conclusões ii) a viii), prende-se, tão só, com o entendimento da mesma de que na operação de escolha da pena a aplicar ao arguido pelo crime por ele cometido, punido em alternativa com pena de prisão e pena de multa, o tribunal recorrido errou ao escolher o sancionamento do arguido com pena de multa quando deveria ter optado pela pena prisão, aplicando ao arguido uma pena de prisão dentro da moldura penal abstracta correspondente, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, sob a condição do arguido pagar à assistente, no prazo de  ano, a quantia de € 5.224.67  ( por lapso no extenso correspondente refere “ mil e quinhentos euros”), entendendo, por isso, terem sido desrespeitados os critérios legais ( sobre os quais, de forma confusa, diga-se, faz apelo aos normativos legais previstos nos  “artigos 40º e 71º do Código Penal”, quando, a nosso ver, se impunha, em vez da menção a este último, a menção ao normativo contido no art. 70º do C. Penal, assim como, quando refere que “ entendemos que o tribunal a quo, ao punir o Arguido com uma mera pena de multa, violou o disposto na supra referida norma legal, na medida em que não deu satisfação aos que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta “).

            A questão que, desde logo, se equaciona em relação aos termos do recurso interposto pela assistente, como bem assinala o Ministério Público, quer junto da 1ª instância, quer junto deste Tribunal da Relação, é a de saber se assiste legitimidade à assistente para, desacompanhada do Ministério Público (que não recorreu da sentença) pôr em causa o que, nessa parte, foi nela decidido pelo tribunal recorrido.

            O assistente é um colaborador do Ministério Público, estando subordinado à sua actividade, embora possa recorrer das decisões que o afectem, ainda que o Ministério Público delas não recorra.

            O assistente tem legitimidade para recorrer das decisões contra si proferidas, mas não pode recorrer se não tiver interesse em agir.

            É em cada caso que há que verificar se o assistente tem legitimidade para recorrer e se tem, também, um efectivo interesse em fazê-lo, pois a admissibilidade do recurso depende da verificação destes dois requisitos.

            A assistente, com o presente recurso por si interposto, pretende o sancionamento do arguido AA em pena de prisão, suspensa na sua execução, ou seja, em pena de diferente espécie daquela que foi ponderada na sentença recorrida, uma vez que nesta se optou pela aplicação ao mesmo de pena de multa cominada, em alternativa, para o crime de falsificação de documento por ele cometido, pretensão essa que deduz desacompanhada do Ministério Público.

            A vindicta privada não pode servir como interesse do assistente para recorrer, pois, esse interesse só existe, como resulta do Assento nº 8/99, de 30 de Outubro de 1997 (DR, I-A, de 10 de agosto de 1999) e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2020, de 26 de Março de 2020 (DR n.º 61/2020, Série I de 2020-03-26), quando, em concreto, o assistente possa retirar para si, uma vantagem da agravação da pena.

            No caso em vertente o Ministério Público não só não recorreu da sentença condenatória proferida nos autos, conformando-se, assim, com o nela decidido quanto à espécie e à medida da pena de multa que nela foi decidido aplicar ao arguido AA, como até, em sede de resposta ao presente recurso, manifesta o entendimento de que o a esse propósito decidido na mesma “assegura as finalidades da punição, atentas as necessidades de prevenção geral e especial que aqui se fazem sentir, apontadas em grande parte na sentença recorrida“.   

            Sendo, como é, o assistente um sujeito processual que tem a posição de colaborador do Ministério Público e a cuja actividade processual está subordinado (art. 69º, nº 1 do C. Processo Penal), pois é ao Ministério Público a quem compete o exercício do jus puniendi, (art. 219º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), com ressalva das excepções previstas na lei, o assistente só pode assumir no processo posições compatíveis com as assumidas pelo Ministério Público.

            Entre essas excepções conta-se a prevista na alínea c), do nº 2 do art. 69º do C. Processo Penal, dispondo que, [compete em especial aos assistentes] interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.       

            Por sua vez, dispõe o art. 401º do C. Processo Penal, no seu nº 1, b), que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra si proferidas, e no seu nº 2, que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

            Afectam ou são proferidas contra o assistente as decisões que são contrárias às posições processuais por si sustentadas, aqui não podendo ser incluídas, nunca, meras razões de vindicta pessoal.

            A legitimidade do assistente para recorrer de tais decisões tem que ser aferida em cada caso concreto, havendo que verificar se a sua posição é ou não afectada pelo decidido, o que, transposto para o caso em vertente, impõe verificar se é a posição da assistente nos autos é afectada pela escolha da pena e/ou medida aplicada ao arguido na sentença recorrida.

            Sobre o direito ao recurso do assistente o nosso mais Alto Tribunal já por três vezes fixou jurisprudência, para três distintas situações.

            - no acórdão de fixação de jurisprudência (então Assento) n.º 8/99, de 30 de Outubro de 1997 [O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir] in DR, I-A, de 10 de Agosto de 1999;

            - no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011, de 9 de Fevereiro de 2011 [Em processo penal por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público] in DR, I-A, de 11 de Março de 2011; e

            - no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2020, de 13 de Fevereiro de 2020 [O assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada] in DR n.º 61/2020, Série I de 26 de Março de 2020.

            Nenhuma destas situações, é, porém, directamente, aplicável ao caso em vertente.

            Revertendo para o caso concreto, temos por certo que o interesse que o assistente visa assegurar, no recurso interposto – modificação da espécie da pena principal aplicada ao arguido AA, por forma a condená-lo em pena de prisão ( ainda que suspensa na sua execução ) em vez de em pena de multa, como foi decidido na sentença – visto estar desacompanhados do Ministério Público, não poderia, per se, configurar o concreto e próprio interesse em agir a que se refere o referido AFJ ( então Assento) nº 8/99.

            Como afirma António Henriques Gaspar e outros, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 3ª edição revista, 221, pag. 1254, no tocante ao segmento da decisão respeitante à espécie e medida da pena, "parece impor-se a conclusão de que o assistente, porque portador de interesses alheios àquelas "ideias e exigências transcendentes" que o Estado visa com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida", e, a pag. 1255, ao discorrer, concretamente sobre a doutrina do referido acórdão uniformizador 8/99 do STJ “…a lei, em situações idênticas, só permite ao assistente a impugnação da absolvição tout court, não já a espécie e medida da pena fixada na decisão”.

            Também a disciplina consagrada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2020 não poderá ter aplicação directa ao caso em apreço, porquanto, na decisão recorrida, aquando da realização do juízo imposto pelo art. 70º do Código Penal, o julgador da 1ª instância optou pela aplicação, ao arguido AA, a título de pena principal, de uma pena pecuniária, afastando a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

             A aplicação dessa pena privativa da liberdade, por cuja opção a assistente pugna no presente recurso, poderia ter sido ponderada se, aquando daquele juízo, o julgador da 1ª instância tivesse entendido que a pena não privativa da liberdade não acautelava as finalidades da punição, o que não aconteceu.

            É precisamente contra essa opção pela pena não privativa da liberdade que a assistente recorrente aqui se insurge, pretendendo que de entre as duas espécies de pena principal cominadas em alternativa para o crime cometido pelo arguido – pena de prisão ou pena de multa -  se impõe a condenação do arguido AA em pena de prisão.

            Com a pretensão de aplicação da peticionada pena de prisão, suspensa na sua execução, ao arguido AA não visa, propriamente, a assistente contribuir para que, através dela, se realizem de forma mais adequada as finalidades da punição, mas antes – como se retira da leitura das suas alegações – com a imposição da mesma  ( pena de prisão, suspensa na sua execução sob a condição de o arguido AA pagar à assistente/demandante a quantia em que foi também condenado, em regime de solidariedade com a sociedade arguida, a título de indemnização no âmbito destes autos ) visa a recorrente alcançar a satisfação dos seus interesses (estritamente particulares) de cobrança efetiva da quantia que o arguido no processo lhe é devedor em virtude da condenação que lhe foi imposta a esse propósito, solidariamente com a sociedade arguida.

            Daqui se vê que o erro que a recorrente assaca à decisão recorrida não se prende com a incorrecta aplicação do Direito, mas antes com o que na sua aplicação, aquela não tomou em consideração o seu interesse em obter um meio de coação mais eficaz para se fazer ressarcir dos prejuízos que a conduta do arguido em discussão no processo lhe causou.

            Seguindo de perto o entendimento sufragado no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11.01.223, disponível in www.dgsi.pt, que versa sobre um caso, em que, tal como nos autos se pretende a alteração da condenação do arguido em pena de multa decidida pela 1ª instância para  a condenação em pena de prisão, suspensa na sua respectiva execução, subordinada à condição de pagamento pelo arguido, em determinado prazo, do montante indemnizatório que foi arbitrado à assistente na decisão recorrida, “ a matéria da espécie e medida da pena aplicada – como, no fundo, decidiu o assento n.º 8/99 (e os «assentos» subsequentes não puseram em questão, ainda se foram limitando o alcance da disciplina que aí se consagrou, tal como se retira, por último, do dictum constante do «assento» n.º 2/2020, citado supra, que ressalva, de forma expressa, os casos de «agravação da pena») – é essencialmente guiada por razões de interesse público, visando a realização dos fins assinalados à punição criminal (aos «fins das penas»), pois que só assim se pode entender que, quanto a ela, o assistente só possa recorrer se, como aí se decidiu, «demonstrar um concreto e próprio interesse em agir» (sublinhados obviamente nossos).”, “ Este «interesse», como quer que se conceba, não pode consistir na obtenção de um meio de coação para eventual cobrança mais eficaz de uma dívida; isso não é imposto, de forma inexorável, pela necessidade de proteção de bens jurídicos, de ressocialização do condenado ou, mesmo, de proteção dos interesses da vítima em processo criminal, e muito menos se coaduna com o papel subordinado que o assistente ocupa no processo penal.”

            Donde, como nele se entendeu, também nós sufragamos que no caso em apreciação a assistente e ora recorrente “ não demonstra ter – para além da prossecução dos seus interesses particulares de natureza cível, que são insuscetíveis de serem tomados em consideração na operação de determinação da espécie da pena a impor no âmbito deste processo – qualquer interesse concreto e próprio atendível que permita dizer que a decisão recorrida foi proferida contra si (e, portanto, que em relação a ela tem necessidade de – leia-se, interesse em – recorrer); tal significa, assim, que falta, à assistente nos autos, «interesse em agir».”

            Sendo esta, como é, a conclusão que se impõe, deveria ter determinado a não admissão pelo tribunal recorrido do presente recurso interposto pela assistente, por falta nos necessários pressupostos.

            Não obstante tal não ter acontecido e recurso ter sido admitido pelo Tribunal da 1º instância, porque a decisão nesse sentido não faz caso julgado essa decisão não vincula o Tribunal superior ( Art. 414º nº3 do CPP ), nada obstando, antes até se impõe, que este Tribunal de recurso se decida, ao abrigo do disposto nos arts. 400º, nº2, a contrário, 414º, nº2, 417º, nº6, alínea b) e 420º, alíneas b), todos do CPP, pela rejeição do recurso interposto pela assistente C... Unipessoal, Lda., assim ficando prejudicado o conhecimento da pretensão nele formulada.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

            1. Rejeitar o recurso interposto pela assistente/demandante C... Unipessoal, Lda.

            2. Condenar a assistente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (artigo 515º, nº1, alínea b) do CPP, 8º, nº9 e Tabela III Anexa o RCP).

            3. Notifique.


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                                                    Coimbra, 1 de março de 2024

               ( Texto elaborado e revisto pela signatária – art. 94º, nº2 do CPP )

Maria José Guerra

  (relatora)







[1] cfr. “As Consequências Jurídicas do Crime”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 331, § 497.

[2] in Direito Penal II Parte Geral, Edição Policopiada, FDC, p.121.