Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4556/18.3T8PBL-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
CONHECIMENTO OFICIOSO
TEMPESTIVIDADE
SANAÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 186.º, N.º 3, 196.º, 200.º, N.º 2, 734.º, N.º 1, E 732.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – Tanto o elemento de interpretação literal como o sistemático justificam a interpretação do art.º 734.º, n.º 1, do CPCiv. no sentido da possibilidade de conhecimento oficioso da ineptidão do requerimento executivo inicial “até ao primeiro acto da transmissão dos bens penhorados”, desde que não exista oposição à execução por embargos de executado.

II – Havendo lugar à oposição e atenta a natureza jurídica da mesma, abre-se uma fase declarativa, pois, quando recebidos, os embargos seguem “os termos do processo comum declarativo” (art.º 732.º, n.º 2, CPCiv.), e o momento até ao qual se pode conhecer da ineptidão do requerimento executivo está previsto no art.º 200.º, n.º 2, CPCiv., ou seja, não se apreciando a ineptidão inicial no saneador, a lei estabelece como limite a sentença final.

III – Funcionando a petição de embargos materialmente como uma contestação, não tendo a executada/embargante arguido a ineptidão do requerimento executivo, havendo interpretado convenientemente a sentença de impugnação pauliana, o vício da ineptidão do requerimento executivo por falta da causa de pedir (relação subjacente) mostra-se sanado, à luz do disposto nos arts. 186.º, n.º 3, e 196.º do CPCiv..

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 4556/18.3T8PBL–G.C1

 (Juízo de Execução de Ansião - Juiz 1)

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

1. Por sentença proferida no âmbito o processo n.º 129/20.... - transitada em julgado a 29.09.2022 - foi declarada a ineficácia, em relação ao Exequente, do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€, reconhecendo ao Exequente o direito a executar o referido quinhão no património da Requerida CC.

2.Por despacho de 01 de março de 2022 foi admitida a intervenção principal provocada de CC, viúva, com o NIF ...80 e residente na Rua ..., ..., ..., na qualidade de Executada, nos termos e limites que constam da sentença de impugnação pauliana - declarou a ineficácia em relação ao Exequente do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€, reconhecendo ao Exequente o direito a executar o referido quinhão no património da Requerida CC.

3.A Executada / Interveniente foi citada em 7 de março de 2022.

4.Juntou procuração aos autos em 17 de março de 2022 e, nesse mesmo dia, neles interveio fazendo seus os embargos de executado deduzidos oportunamente por AA.

5.Até 24 de outubro de 2022 a Executada /Interveniente nunca questionou a razão de ser da sua intervenção nestes autos executivos e, por essa razão, aceitando-a, na esteira do exposto, fez seus os articulados deduzidos em embargos pelo primitivo Executado e nunca arguiu qualquer nulidade, anulabilidade ou qualquer outro vicio, nomeadamente o que agora invoca.

6.A interveniente/apelante atravessou em 24 de Outubro –  refª. 9133911 - o seguinte requerimento:

“ 1 – A requerente, sendo notificada da insistência do pedido de penhora dos seus bens e a propósito do decidido no Processo de Impugnação Nº 129/20...., conforme requerido em 17/10/2022, pelo exequente, vem em sua defesa referir o seguinte:

2 – Apesar da sua deferida intervenção nos autos, e correspondente citação, conforme já anteriormente referido, vem para os devidos efeitos, arguir a nulidade insanável do processo em relação à requerente, por manifesta inexistência da causa de pedir, e mesmo independentemente, do já decidido no invocado processo de impugnação ( artº 195 nº 3, 186 e 196 e 200 do C.P.C;

3 – Refira-se ainda, que tal processo se encontra ainda em julgamento de recurso de fixação de jurisprudência como resulta da cópia da respectiva petição que se junta para os devidos e legais efeitos (Doc. Nº 1);

4 – De verdade, não pode deixar de constatar-se, que, para além de todas as outras questões em discussão nestes e naqueles autos, como é o caso da existência da dívida e mora do credor, o que é certo é que, conforme texto da decisão final daquela sentença do Proc. Nº 129/20.... que se transcreve:

“ 1. Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

i. Absolver os Réus do pedido de condenação no pagamento de €3.000,00, a título de honorários do Ilustre Mandatário do Autor.

ii. Absolver os Réus do pedido de cancelamento dos atos de registo predial levados a cabo pela 2.ª Ré como adquirente do quinhão hereditário do 1.º Réu.

iii. Declarar a ineficácia em relação ao Autor DD do contrato de doação do quinhão hereditário de que o 1.º Réu AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de CC, no valor de €43.284,82 (quarenta e três mil, duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) descrito em 8.º dos factos provados, reconhecendo-lhe o direito a executar o referido quinhão no património da 2.ª Ré.

2. Condenam-se Autor e Réus no pagamento das custas do processo, na proporção de 8% e 92%, respetivamente, respondendo os Réus em partes iguais, atenta a situação de litisconsórcio.”

7.Após notificação para o efeito, a ora Apelante pronunciou-se sobre a tempestividade da arguição da nulidade e nos seguintes termos:

“Convidada pelo despacho de 24-11-2022, a pronunciar-se sobre a tempestividade da arguição da nulidade,

Vem referir o seguinte:

1 – Conforme requerido, o que se pretende arguir é a nulidade do presente processo executivo em relação à requerente, por falta de título executivo, à data do seu chamamento aos autos, e mesmo ainda hoje, atento o disposto no artº 10 nº 5 do C.P.C e artº 186 do mesmo diploma legal.

2 – E, as nulidades insanáveis são por definição, à semelhança do que sucede no processo fiscal e penal, insusceptiveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na procedência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem, porém, ser declaradas após formação do caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.

3 – E porque assim é, tal nulidade do processo, por falta de título em relação à requerente, apesar do disposto nos artº 195 e 199 do C.P.C, é sempre do conhecimento oficioso nos termos do art.º 734 do mesmo diploma legal, por constituir manifestamente questão que se fosse, apreciada no momento a que alude o art.º 726 do C.P.C, determinava o indeferimento liminar do pedido executivo em relação à requerente.

Mas ainda,

4 – Conforme resulta da notificação, que foi efectivada á requente na pessoa do seu mandatário ( Refª. 102049004 de 25-11-2022), em cumprimento da decisão dos autos, constante do mesmo despacho de 24-11-2022 (SATISFAÇA), parece pretender-se notificar a requerente, também como cabeça de casal da herança de EE, cargo que a requerente não desempenha, para a penhora do direito à herança de BB ( Refª. 92392068) e agora para pagamento da mencionada quantia de € 82.125,00 (Oitenta e dois mil cento e vinte e cinco euros) e legais acréscimos.

5 – De qualquer forma tal notificação, independentemente da sua eficácia, traduz-se quanto à requerente, nova notificação de uma nova penhora, e assim conforme notificação constante dos autos de 04-11-2019, efectivada nos termos do artº 626 nº 1 , 728 nº 1 e 785 nº 4 e 6 do artº 751º, Nº 2 e 3 do artº 753 e 735 nº 3 todos do C.P.C.

6 – Significa assim, que também, sempre tal arguição de nulidade se mostra em tempo, porque em tempo está a oposição à presente penhora, nos precisos termos do disposto no artº 781 nº 1 e 785 nº 1 do C.P.C, oposição que se irá deduzir em separado para os devidos e legais efeitos (artº 785 nº 1 e 195 e 199 do C.P.C)

Termos em que a arguição de nulidade, por ser insanável, vai em tempo, e como tal deve ser conhecida com as legais consequências. “

8.No Juízo de Execução de Ansião - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:

“Referência 9133911 de 24 de outubro e Referência 9274608 de 09 de dezembro:

1. CC, admitida a intervir, nestes autos, como Executada, veio arguir a nulidade do processo, por inexistência de causa de pedir; que a ação de impugnação pauliana n.º 129/20.... encontra-se em fase de recurso de fixação de jurisprudência; que nunca foi reconhecido qualquer crédito do aí impugnante; que a interveniente não foi condenada no pagamento de qualquer prestação; que inexiste titulo contra a si.

Vejamos:

Por despacho de 01 de março de 2022 foi admitida a intervenção principal provocada de CC, viúva, com o NIF ...80 e residente na Rua ..., ..., ..., na qualidade de Executada, nos termos e limites que constam da sentença de impugnação pauliana - declarou a ineficácia em relação ao Exequente do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€, reconhecendo ao Exequente o direito a executar o referido quinhão no património da Requerida CC.

A Executada / Interveniente foi citada em 7 de março de 2022.

Juntou procuração aos autos em 17 de março de 2022 e, nesse mesmo dia, neles interveio fazendo seus os embargos de executado deduzidos oportunamente por AA.

Até 24 de outubro de 2022 a Executada /Interveniente nunca questionou a razão de ser da sua intervenção nestes autos executivos e, por essa razão, aceitando-a, na esteira do exposto, fez seus os articulados deduzidos em embargos pelo primitivo Executado e nunca arguiu qualquer nulidade, anulabilidade ou qualquer outro vicio, nomeadamente o que agora invoca.

Concluímos assim pela extemporaneidade da arguição, relativamente à qual já cumprimos o contraditório.

2. Não obstante, não podemos deixar de salientar que inexiste qualquer nulidade, anulabilidade ou vicio.

Como a Executada bem sabia à data em que formulou os temerários requerimentos que agora se apreciam, em 7 de junho de 2022 o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a revista (notificada à Ilustre Mandatária da Executada em 08 de junho) e em 15 de setembro de 2022 foi julgada improcedente a arguição de nulidades (notificada à ilustre Mandatária da Executada em 16 de setembro) – cfr. consulta do processo n.º 129/20.... através da plataforma viewer, o que é de conhecimento pessoas das partes (Exequente e Executados).

É assim, no mínimo, com desfaçatez, que em 24 de outubro de 2022 alega que o processo n.º 129/20.... se encontra em fase de recurso de fixação de jurisprudência, o que reitera em 09 de dezembro.

Mesmo que assim não fosse – e é -, atente-se que nunca foi conferido efeito suspensivo às decisões, pelo que sempre se concluiria pela sua exequibilidade extrínseca e intrínseca e a Executada / Interveniente, como atual titular do quinhão hereditário, parte legítima.

Nestes termos, conclui-se, não só pela inexistência de qualquer vicio, nomeadamente nulidade e ainda, que ao formular este requerimento (e respetiva insistência), a Executada agiu sem qualquer prudência, sabendo que o mesmo é manifestamente improcedente e, por isso, vai condenada na taxa sancionatória excecional que se fixa em 2UC”.

CC residente na Rua ..., lugar dos ..., concelho ..., executada e interveniente, nos autos em epígrafe, não se conformando com o mesmo dele interpôs recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

1.O requerido nos autos, quanto à nulidade do processo, é tempestivo, pois se trata de questão do conhecimento oficioso, pois a exequibilidade do título, é matéria de despacho liminar, ( artº 726) e conhecível oficiosamente nos termos do disposto o artº 734 do mesmo diploma legal.

2.E o tribunal não se pronunciou sobre as questões suscitadas de falta de exequibilidade do título em relação à recorrente, uma vez que na acção de impugnação não existe qualquer reconhecimento de crédito do impugnante, sobre o impugnado, e em conformidade com a jurisprudência do Ac. do S.T.J – Proc. Nº 2215/16.... de 13/05/2021 .

3.O despacho é nulo nos precisos termos do disposto no artº 615º nº 1 alínea d), devendo ser substituída por outro que conheça das questões suscitadas, e que julgue a inexistência de exequibilidade do processo, em relação à ora recorrente, por inexistência de causa de pedir em relação à mesma, sendo assim o processo nulo, e a ora recorrente afastada do mesmo, com as legais consequências, nomeadamente a de ser parte ilegítima.

4.E que, não pode a Meritíssima Juiz “a quo” indeferir o requerido, limitando-se, a constatar que até 24 de Outubro de 2022, parece a recorrente ter aceite o processo, o que aliás não afasta a invocada falta de exequibilidade.

5.A questão suscitada é de conhecimento oficioso, e vai em tempo, e importa também a sua declaração de inexequibilidade, face ao montante do pedido exequendo, por referência ao decidido como certo, na sentença.

6.Aliás, temerária pode ter sido o chamamento da interveniente aos autos, em 07/03/2022, quando o eventual título decorrente do processo Nº 129/20...., hoje ainda à espera de julgado, em processo de Fixação de Jurisprudência, só transitou em 29/09/2022, e a interveniente foi chamada aos autos, sem a eventual necessidade de caução previamente prestada, pois em 07/03/2022 os autos ainda se mostravam em recurso não decidido, o que aqui em relação aos mesmos autos se alega para os devidos e legais efeitos.

7.Assim o aliás douto despacho viola além do mais o disposto nos artº 10º, 195 nº 3, 186º e 196º e 200º, 615º nº 1 alínea d) e 726 nº 2 alínea a) e 734 nº 1, todos do C.P.C

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso declarando-se a nulidade do despacho, e revogando-se o mesmo, seja o mesmo substituído por outro que declare a inexequibilidade do título em relação à executada, e o processo nulo por falta de causa de pedir, declarando-se a recorrente parte ilegítima e assim afastada dos autos com as legais consequências.

2. Do objecto do processo

2.1. Da nulidade da decisão;

Ao contrário do invocado pela Apelante -nulidade do despacho, até por omissão de pronúncia, quanto às questões verdadeiramente suscitadas no requerimento da recorrente ( art.º 615 n.º 1 alínea d) do C.P.C) - , a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião mostra-se isenta de vícios ou nulidades.

Como é sabido, nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º nº2 do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.

A nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Por outro lado, não há omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, nem a abordagem sintética das questões suscitadas pelas partes não equivale à omissão de pronúncia.

Ora, basta ler a decisão proferida na 1.ª instância, para arredar a invocada nulidade:

 “1. CC, admitida a intervir, nestes autos, como Executada, veio arguir a nulidade do processo, por inexistência de causa de pedir; que a ação de impugnação pauliana n.º 129/20.... encontra-se em fase de recurso de fixação de jurisprudência; que nunca foi reconhecido qualquer crédito do aí impugnante; que a interveniente não foi condenada no pagamento de qualquer prestação; que inexiste titulo contra a si.

Vejamos:

Por despacho de 01 de março de 2022 foi admitida a intervenção principal provocada de CC, viúva, com o NIF ...80 e residente na Rua ..., ..., ..., na qualidade de Executada, nos termos e limites que constam da sentença de impugnação pauliana - declarou a ineficácia em relação ao Exequente do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€, reconhecendo ao Exequente o direito a executar o referido quinhão no património da Requerida CC.

A Executada / Interveniente foi citada em 7 de março de 2022.

Juntou procuração aos autos em 17 de março de 2022 e, nesse mesmo dia, neles interveio fazendo seus os embargos de executado deduzidos oportunamente por AA.

Até 24 de outubro de 2022 a Executada /Interveniente nunca questionou a razão de ser da sua intervenção nestes autos executivos e, por essa razão, aceitando-a, na esteira do exposto, fez seus os articulados deduzidos em embargos pelo primitivo Executado e nunca arguiu qualquer nulidade, anulabilidade ou qualquer outro vicio, nomeadamente o que agora invoca.

Concluímos assim pela extemporaneidade da arguição, relativamente à qual já cumprimos o contraditório”.

“2. Não obstante, não podemos deixar de salientar que inexiste qualquer nulidade, anulabilidade ou vicio.

Como a Executada bem sabia à data em que formulou os temerários requerimentos que agora se apreciam, em 7 de junho de 2022 o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a revista (notificada à Ilustre Mandatária da Executada em 08 de junho) e em 15 de setembro de 2022 foi julgada improcedente a arguição de nulidades (notificada à ilustre Mandatária da Executada em 16 de setembro) – cfr. consulta do processo n.º 129/20.... através da plataforma viewer, o que é de conhecimento pessoas das partes (Exequente e Executados).

É assim, no mínimo, com desfaçatez, que em 24 de outubro de 2022 alega que o processo n.º 129/20.... se encontra em fase de recurso de fixação de jurisprudência, o que reitera em 09 de dezembro.

Mesmo que assim não fosse – e é -, atente-se que nunca foi conferido efeito suspensivo às decisões, pelo que sempre se concluiria pela sua exequibilidade extrínseca e intrínseca e a Executada / Interveniente, como atual titular do quinhão hereditário, parte legítima.

Nestes termos, conclui-se, não só pela inexistência de qualquer vicio, nomeadamente nulidade e ainda, que ao formular este requerimento (e respetiva insistência), a Executada agiu sem qualquer prudência, sabendo que o mesmo é manifestamente improcedente e, por isso, vai condenada na taxa sancionatória excecional que se fixa em 2UC”.

A circunstância de a Apelante sustentar posição contrária, remete para eventual erro de julgamento de direito, o que tanto basta para a improcedência da invocada nulidade da decisão.

2.2 O título que permitiu o chamamento da interveniente nos presentes autos - Proc. Nº 129/20.... – Juízo Cível ... –  reconhece, ou não, a existência de crédito que o aí impugnado – doador – seja devedor, ou de que seja responsável perante o aí impugnante/Existe nulidade do processo, por falta de título em relação à requerente, o que é sempre do conhecimento oficioso nos termos do art.º 734.

Alega a Apelante:

“1 – Conforme requerido, o que se pretende arguir é a nulidade do presente processo executivo em relação à requerente, por falta de título executivo, à data do seu chamamento aos autos, e mesmo ainda hoje, atento o disposto no artº 10 nº 5 do C.P.C e artº 186 do mesmo diploma legal.

2 – E, as nulidades insanáveis são por definição, à semelhança do que sucede no processo fiscal e penal, insusceptiveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na procedência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem, porém, ser declaradas após formação do caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.

3 – E porque assim é, tal nulidade do processo, por falta de título em relação à requerente, apesar do disposto nos artº 195 e 199 do C.P.C, é sempre do conhecimento oficioso nos termos do artº 734 do mesmo diploma legal, por constituir manifestamente questão que se fosse, apreciada no momento a que alude o artº 726 do C.P.C, determinava o indeferimento liminar do pedido executivo em relação à requerente.

Mas ainda,

4 – Conforme resulta da notificação, que foi efectivada á requente na pessoa do seu mandatário ( Refª. 102049004 de 25-11-2022), em cumprimento da decisão dos autos, constante do mesmo despacho de 24-11-2022 (SATISFAÇA), parece pretender-se notificar a requerente, também como cabeça de casal da herança de EE, cargo que a requerente não desempenha, para a penhora do direito à herança de BB ( Refª. 92392068) e agora para pagamento da mencionada quantia de € 82.125,00 (Oitenta e dois mil cento e vinte e cinco euros) e legais acréscimos.

5 – De qualquer forma tal notificação, independentemente da sua eficácia, traduz-se quanto à requerente, nova notificação de uma nova penhora, e assim conforme notificação constante dos autos de 04-11-2019, efectivada nos termos do artº 626 nº 1 , 728 nº 1 e 785 nº 4 e 6 do artº 751º, Nº 2 e 3 do artº 753 e 735 nº 3 todos do C.P.C.

6 – Significa assim, que também, sempre tal arguição de nulidade se mostra em tempo, porque em tempo está a oposição à presente penhora, nos precisos termos do disposto no artº 781 nº 1 e 785 nº 1 do C.P.C, oposição que se irá deduzir em separado para os devidos e legais efeitos (artº 785 nº 1 e 195 e 199 do C.P.C)

Termos em que a arguição de nulidade, por ser insanável, vai em tempo, e como tal deve ser conhecida com as legais consequências.

(…)

9 – Assim só numa execução individualmente movida contra a requerida, o que não é o caso dos autos, (pois a requerida não faz parte do título em execução), com base na sentença transitada daquele processo, (que verdadeiramente não transitou) poderia a requerente ser demandada, caso existisse nesses autos o reconhecimento da dívida ao impugnante, o que no caso também não sucede,

Termos em que face ao exposto, deve ser declarada a Nulidade do processo, em relação à requerente, nulidade de conhecimento oficioso, e assim os autos de execução serem declarados extintos em relação à requerente, com a legais consequências (artº 186 – falta de causa de pedir e título, 196º, 200º do C.P.C) “.

Conhecendo.

 

Insurge-se a Apelante no seu recurso, alegando:

“Como resulta das alegações do recurso, a questão suscitada, tem a ver com o facto de a recorrente, pretender ver declarada a inexistência de título executivo contra a requerente nos termos do acórdão de jurisprudência indicado - Proc. Nº 1215/16.0T8OER.A-L1. S3 e trânsito nos autos.

E nessa medida questão, tempestivamente alegada, porque antes da venda dos bens penhorados, e motivo de indeferimento liminar, e a proferir nos termos do disposto nos artºs 726 nº 1 e 734 nº 1 do C.P.C.

Pelo que se pretende assim evitar a venda dos bens penhorados, no caso o bem transmitido e impugnado. E poder auferir da eficácia do despacho, até pela intervenção oficiosa do tribunal que se impõe ser proferida nos precisos termos do disposto no art.º 734 nº 1do C.P.C, e em relação à reclamante, e até à venda dos bens penhorados”.

Ora, com o devido respeito, entendemos que a intervenção da ora Apelante, no âmbito dos embargos de executado - A Executada / Interveniente foi citada em 7 de março de 2022 -, juntando procuração aos autos em 17 de março de 2022 e, nesse mesmo dia, fazendo seus os embargos de executado deduzidos oportunamente por AA, sem, até 24 de outubro de 2022 nunca questionar a razão de ser da sua intervenção nos autos executivos, aceitando-os, não arguindo qualquer nulidade, anulabilidade ou qualquer outro vicio, nomeadamente o que agora invoca, viu precludido o direito de o fazer  nesta fase processual – as nulidades a que se referem o artigo 186.º e o n.º 1 do artigo 193.º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final - artigo 200.º n.º 2.

Como é sabido, o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto da transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou aperfeiçoamento do requerimento executivo - esta norma deve ser interpretada no sentido da sua aplicação às situações em que no processo executivo não existe oposição à execução por embargos de executado - cf., por ex., Castro Mendes Acção Executiva, 1980 pág.48 e 69.

A falta de qualquer pressuposto processual da instância executiva consubstancia um dos fundamentos dos embargos de executado -  arts. 729 c) e 731. Ora, havendo embargos de executado, o juiz pode neles conhecer oficiosamente dos pressupostos processuais da instância executiva, nomeadamente na fase do saneador, dado aplicar-se os termos do processo comum declarativo.

Por outro lado, o art.º 732.º n.º 6 reforça ainda a interpretação ao estatuir “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.

Nas palavras do Acórdão da Relação de Guimarães de 12.1.2023, acessível em www.dgsi.pt.,  “Atenta a estrutura e finalidade próprias dos embargos de executados, enquanto oposição à execução, apenas no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação, o que justifica que em sede de embargos opere o princípio da concentração da defesa, com as restrições antes enunciadas.

Com efeito, a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição de oposição se reja pelo princípio da concentração da defesa, segundo o qual, toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução e, portanto, só há um momento de defesa do executado ao pedido executivo, ainda que o executado possa sempre deduzir em defesa separada os incidentes que a lei autorize.

Daí que uma interpretação diversa da plasmada sobre o art.º 734 nº1 - nomeadamente a alegada pela Apelante - teria como consequência uma clara violação do caso julgado. Na decisão do Acórdão do STJ de 30.5.2023, acessível em www.dsi.pt, “tanto a interpretação literal, como sistemática, justificam a interpretação do art.º 734.º, n.º 1, do CPC no sentido de que a possibilidade de conhecimento oficioso da ineptidão do requerimento executivo inicial “até ao primeiro acto da transmissão dos bens penhorados”, nos termos do art.º 734.º, n.º 1, do CPC, apenas se aplica às situações em que não existe oposição à execução por embargos de executado.

Havendo lugar à oposição e atenta a natureza jurídica da mesma, abre-se uma fase declarativa, pois quando recebidos seguem-se “os termos do processo comum declarativo” - art.º 732.º, n.º 2 -, e o momento até ao qual se pode conhecer da ineptidão do requerimento executivo está previsto no art.º 200.º, n.º 2, ou seja, se não apreciar a ineptidão inicial no saneador, a lei estabelece como limite a sentença final.

 Sobre a natureza e função da oposição por embargos de executado, tem vindo a qualificar-se como uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão, pelo que no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.

Funcionando a petição de embargos materialmente como uma contestação, não tendo os executados/embargantes arguido a ineptidão do requerimento executivo, havendo interpretado convenientemente a alegação presumida da relação causal subjacente, tanto assim que dela se defenderam, e porque ambas as versões sobre a relação causal (a dos executados e da dos exequentes) foi objecto de julgamento, com as garantias processuais, o vício da ineptidão do requerimento executivo por falta da alegação da causa de pedir  - relação subjacente - mostra-se claramente sanado, em face do disposto nos arts. 186.º, n.º 3, e 196.º “

Ou seja, no caso em análise, funcionando a petição de embargos materialmente como uma contestação, não tendo a interveniente/ executada/embargante arguido a ineptidão do requerimento executivo, havendo interpretado convenientemente a sentença de impugnação pauliana  - que declarou a ineficácia em relação ao Exequente do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€, reconhecendo ao Exequente o direito a executar o referido quinhão no património da Requerida CC -, o vício da ineptidão do requerimento executivo por falta da causa de pedir mostra-se claramente sanado, em face do disposto nos arts. 186.º n. º 3 e 196.º.

Improcede, pois, a Apelação.

De todo o modo, sempre se dirá o seguinte.

O título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução, sendo que a lei - o artigo 703.º - indica, de forma taxativa, os títulos que podem servir de base à execução - Anselmo de Castro in “Da Ação Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª ed., pág. 14 diz: “Define-se título executivo o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da ação executiva”.

Dividindo as espécies de ações consoante o fim, o art.º 10º do CPC divide as acções em declarativas ou executivas, sendo que as declarativas (que ora interessa) podem ser de simples apreciação, de condenação e constitutivas. Questão pertinente é a de saber se apenas as ações declarativas de condenação contêm força executiva.

Num entendimento mais restrito, alguns autores consideram que apenas as sentenças proferidas em ações declarativas de condenação constituem título executivo, enquanto outros, num entendimento mais alargado, sustentam que constitui título executivo toda a sentença que no dispositivo contenha uma componente condenatória, independentemente da espécie de ação que lhe deu origem.

É este entendimento mais abrangente, o de Lebre de Freitas - “A Ação Executiva – À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., pág. 54 -, que considera que o legislador ao utilizar a expressão “ação de condenação” no art.º 10.º e diferentemente “sentenças condenatórias”, no art.º 703º, nº 1 al. a), ambos do CPC, quis admitir a possibilidade de serem executadas sentenças proferidas em acções diversas das declarativas de condenação - também o entendimento de Lopes Cardoso, in CPC anotado, 3ª ed., pág. 71.

Como ensina A. dos Reis in Processo de Execução, vol. I, 3ª ed., pág. 68, “É o título que autoriza o credor a mover a acção executiva; é o título que define o fim da execução; é o título que marca os limites do procedimento executivo”.

Para que a sentença possa servir de base à execução, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença - neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 9.5.2023, pesquisável em www.dgsi.pt.

Questão distinta de haver segmento condenatório em acção declarativa constitutiva é, o considerar-se título executivo uma sentença sem condenação. Para uma sentença servir de título executivo tem, a mesma, de conter uma condenação expressa - mesmo que o pedido de condenação não seja a pretensão principal, deve estar implícito e como resultante da declaração/reconhecimento de um direito - e, só assim é uma sentença condenatória.

Deve, pois, a sentença condenatória ser resposta a um pedido formulado pelo autor, pelo menos implicitamente. Não sendo formulado pedido de condenação, mesmo sequencial à procedência de outro que lhe serve de base, nunca a sentença que vier a ser proferida pode conter ou servir de título executivo.

Como é sabido, a acção de impugnação pauliana é um meio de protecção que o legislador colocou ao dispor do credor no sentido de reagir contra actos do seu devedor que ponham em causa a satisfação do crédito que tem sobre ele, por via da diminuição da sua garantia patrimonial, permitindo-lhe restaurar essa garantia.

Na sequência da declaração de ineficácia desses actos, o credor fica com direito de ver restituídos os bens, de que o devedor dispôs através de tais actos, e de os executar na medida, e apenas nessa medida, dos seus interesses - de molde a poder, assim, satisfazer o seu crédito.

Na procedência da acção pauliana, ao credor é reconhecido o direito de poder executar os bens vendidos no património dos adquirentes – terceiros -, na medida necessária à satisfação do seu crédito - por via da procedência da impugnação pauliana o bem continua a integrar o acervo patrimonial do adquirente, embora fique sujeito à satisfação do crédito do impugnante, na estrita medida do decidido na sentença.

Assim, caso o credor pretenda dirigir a execução cumulativamente contra o devedor e contra o terceiro, terá de apresentar um título executivo integrado por aquele dotado de exequibilidade contra o devedor e pela sentença obtida na acção pauliana” - Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2012, processo n.º 9272/07.9TBVNG-A.P1, www.dgsi.pt..

É parte legítima na execução, o terceiro adquirente dos bens ou direitos - objecto de apreciação na impugnação pauliana -, mesmo que o mesmo não tenha sido parte na acção condenatória cuja sentença constitui título executivo, pois só assim poderá o exequente alcançar a satisfação do seu crédito através daquele bem – Acórdão do STJ de 16.10.2014 pesquisável em www.dgsi.pt.

Por despacho de 1 de Março de 2022, foi admitida a intervenção principal provocada da ora Apelante, na qualidade de executada e nos termos e limites que constam da sentença de impugnação pauliana, que declarou a ineficácia em relação ao Exequente do contrato de doação do quinhão hereditário de que o Executado AA é titular na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, a favor de Requerida CC, no valor de 43.284,82€.

Ora, reconhecendo tal a sentença o direito do exequente a executar o referido quinhão no património da Requerida CC, esta decisão constitui título executivo, também, contra o ora Apelada.

Improcede a Apelação.

Sumário:

(…).

3.Decisão

Na improcedência do recurso, mantemos o decidido pelo Juízo de Execução de Ansião - Juiz ....

Custas a cargo da Apelante.

Coimbra, 7 de Novembro de 2023

(José Avelino Gonçalves - relator)

(Arlindo Oliveira – 1.º adjunto)

(Paulo Correia – 2.º adjunto)