Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL ESFERA DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ESTADUAL CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO | ||
Data do Acordão: | 11/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CENTRO DE ARBITRAGEM DO SECTOR AUTOMÓVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 46.º, N.ºS 1, 3 E 9, DA LEI N.º 63/2011, DE 14-12, E 615.º, N.º 1, AL.ª E), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – A impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de anulação, âmbito em que o tribunal estadual não pode conhecer do mérito das questões decididas na esfera arbitral, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral. II – Assim, a competência do tribunal estadual está circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento de anulação invocado, não abrangendo a reapreciação do mérito da decisão arbitral. III – Se, peticionada pela demandante a substituição de diversas peças, o tribunal arbitral proferiu condenação no pagamento de uma indemnização, ocorre condenação em objeto diverso do pedido, que consistia na substituição de peças e não no pagamento de indemnização.
| ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Arlindo Oliveira 1.ª Adjunta: Helena Melo 2.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
Processo n.º 152/23.1YRCBR – Anulação da Decisão Arbitral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
AA, já identificada nos autos, apresentou reclamação no CASA – Centro de Arbitragem do Sector Automóvel, contra a A... e B..., SA, igualmente, já identificadas nos autos, visando obter a condenação destas (cf. fl.s 13) à: “Substituição das peças que comprometem a condição normal da viatura, com pouco e bom uso, no que diz respeito ao problema identificado na travagem; Substituição dos pneus com sinais visíveis de envelhecimento (ressequidos), pneus que vieram de origem na viatura”. Com o fundamento em ser proprietária do veículo automóvel, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-CZ, que adquiriu na concessionária da A..., B... e o mesmo apresenta defeitos a nível do sistema de travagem e tem os pneus ressequidos.
No supra identificado Centro de Arbitragem, foi proferida a sentença de fl.s 4 a 7, na qual se descreveram os factos tidos por provados, inexistindo factos não provados e respectiva fundamentação e a final, se decidiu, que “na parcial improcedência da reclamação, condenam-se as reclamadas a pagar à reclamante a quantia de €512,07 €”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso, a reclamada, A..., SA, invocando a nulidade da decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. v), da LAV (Lei 63/2011, de 14/12), porque a mesma condenou as requeridas em objecto diferente do que lhe havia sido pedido. Contestando, a reclamante, AA, peticiona a sua absolvição da instância, com fundamento na preterição de litisconsórcio necessário passivo, com o fundamento em que a requerida B... não figura como requerida na presente acção de anulação e sem a intervenção de todos os intervenientes, a acção não produzirá os seus efeitos normais, cf. artigo 30.º, n.os 1 e 3, do CPC (deve ter-se querido referir ao artigo 33.º). Assim não se entendendo, requer a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV, a fim de o tribunal arbitral substituir a parte dispositiva da decisão em recurso, por outro que condene as requeridas no pedido que formulou. Replicando, A..., defende que não se verifica a invocada excepção de ilegitimidade passiva, por não se impor, na acção de anulação, a intervenção da B... e porque o artigo 47.º da LAV, permite que qualquer parte possa pedir a anulação da decisão arbiral. Quanto ao pedido de suspensão da instância, defende que a mesma não deve ser decretada, porque a assim ser se estaria a apreciar a decisão arbitral quanto ao seu mérito, o que está vedado a este Tribunal da Relação.
Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir: A. Se a decisão arbitral aqui proferida, é nula, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. v) da LAV; B. Se se verifica a excepção de ilegitimidade passiva, por não figurar na presente acção de anulação a reclamada B... e; C. Assim não sendo, se é de declarar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida: A. Se a decisão arbitral aqui proferida, é nula, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. v) da LAV. Como resulta do relatório que antecede, foi proferida decisão arbitral que condenou as reclamadas no pagamento da quantia de 512,07 €, sendo que a reclamante tinha peticionado a substituição das peças, relacionadas com o sistema de travagem.
Ora, como regra (sublinhado nosso) de acordo, com o disposto no artigo 46.º, n.º 1 e 3, da Lei n.º 63/2011, de 14/12, a seguir, designada por LAV, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de anulação, nos termos previstos em tal artigo, designadamente, os previstos no seu n.º 3. Dispõe-se neste, expressamente, que a sentença arbitral só pode ser anulada (sublinhado nosso), verificando-se qualquer uma das circunstâncias ali mencionadas, designadamente, violação de princípios fundamentais com influência decisiva na resolução do litígio; sentença proferida com violação dos requisitos estabelecidos; sentença tardiamente notificada ou, verificando-se que o objecto do litígio não é susceptível de ser decidido pela arbitragem nos termos do direito português ou que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português, ou porque, como no caso em apreço, o tribunal condenou em objecto diverso do pedido. Acrescentando-se no seu n.º 9 que o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas. Efectivamente, como decidido, entre outros (o que constitui jurisprudência uniforme) pelo STJ, por Acórdão de 16/03/2017, Processo n.º 1052/14.1TBBCL.P1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, a LAV apenas permite a impugnação da sentença arbitral pela via do pedido de anulação dirigida ao competente tribunal estadual, que origina uma forma procedimental autónoma, tendo em vista a verificação de algum (s) dos fundamentos taxativamente previstos no seu artigo 46.º, n.º 3, não envolvendo tal pretensão um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação, não abrangendo a reapreciação do mérito da decisão arbitral. No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/03/2016, Processo n.º 871/15.6YRLSB, disponível no respectivo sítio do itij, no qual se refere que, em caso de recurso de decisão arbitral, está em causa apenas a apreciação de vícios de natureza processual susceptíveis de influir na resolução do litígio e a violação grave de princípios basilares de um processo de composição de interesses, designadamente do princípio da igualdade das partes e do contraditório e não a reapreciação do mérito da causa. Como se salienta no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 09/01/2018, Processo n.º 191/17.1YRCBR, disponível no respectivo sítio do itij, a decisão de impugnação pelo Tribunal de 2.ª instância é puramente cassatória e não permite que o tribunal estadual conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, como decorre do disposto no artigo 46.º, n.º 9, da LAV.
In casu, a requerente A..., assaca à decisão arbitral a sua nulidade, com o fundamento em a mesma ter condenado em objecto diverso do pedido, pelo que o pedido formulado se enquadra na esfera dos poderes deste Tribunal da Relação. O artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, reputa de nula a sentença em que o juiz condene em objecto diverso do pedido. Como resulta do relatório que antecede, a reclamante peticionou a substituição das suprareferidas peças e o tribunal arbitral, proferiu uma condenação no pagamento de uma indemnização. É, pois, patente que foi proferida condenação em objecto diverso do pedido, que consistia na substituição de peças e não no pagamento de uma indemnização. Assim, tal como alegado pela reclamada A..., a sentença arbitral é nula, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. v), da LAV. Trata-se da violação do princípio do dispositivo, também vigente no domínio da arbitragem voluntária – neste sentido, António Pedro Pinto Monteiro, Artur Flamínio da Silva e Daniela Mirante, Manual de Arbitragem, Almedina, 2019, a pág. 402 e António Sampaio Caramelo, A impugnação da Sentença Arbitral, 2.ª Edição Revista e Aumentada, Almedina, 2018, pág.s 69/70. Consequentemente, procede o recurso de anulação da decisão arbitral aqui em apreço.
B. Se se verifica a excepção de ilegitimidade passiva, por não figurar na presente acção de anulação a reclamada B.... Defende a reclamante que assim se deve considerar porque a reclamada B... não figura na presente acção de anulação, pelo que a decisão proferida não produzirá o seu efeito útil normal.
Improcede tal pretensão, desde logo, porque cumprida por uma das partes a peticionada obrigação de substituição das peças, fica satisfeita a pretensão da reclamante, independentemente de quem a fizer. Sem esquecer que a B... é apenas concessionária da A..., sendo sobre esta que tem de recair a obrigação de substituir as peças em causa. Por outro lado, ainda que se trate de obrigação solidária, tal não obsta a que apenas a A..., se encontre a peticionar a anulação da sentença arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 512.º e 517.º, do Código Civil. Pelo que, improcede esta questão do recurso.
C. Assim não sendo, se é de declarar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV. Reconhecendo que a sentença arbitral é nula, pelos fundamentos invocados pela recorrente A..., pretende a reclamante, AA, que se dê cumprimento ao disposto no artigo 46.º, n.º 8 da LAV.
De acordo com este preceito, o tribunal estadual, se tal lhe for pedido e se o considerar adequado, pode suspender o processo de anulação, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de eliminar os fundamentos da anulação. Como refere António Sampaio Caramelo, ob. cit., pág.s 166/7 “A utilização do reenvio, como meio de eliminar fundamentos de anulação da sentença arbitral é, pois, limitada”, devendo enquadrar-se nas hipóteses previstas. Ora, como acima já referido, o tribunal estadual não se pode pronunciar sobre o mérito da causa. No caso, o motivo da anulação prende-se, directamente, com a solução dada ao litígio, pelo que qualquer opinião transmitida ao tribunal arbitral, por parte do tribunal estadual, como forma de obviar à respectiva anulação, contenderia com a decisão de mérito a proferir, no sentido de que não pode ser a que foi proferida, mas outra. Assim, não é adequado que este tribunal determine o tribunal arbitral a proferir decisão contrária/diferente, da efectivamente proferida. Consequentemente, improcede, igualmente, esta questão do recurso.
Nestes termos se decide: Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se declara nula a decisão recorrida. Custas, pela apelada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. Coimbra, 07 de Novembro de 2023.
|