Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2824/20.3T9VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
REQUERIMENTO PARA ABERTURA DA INSTRUÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
ESTATUTO DE VÍTIMA
ISENÇÃO DE CUSTAS
PROCESSO URGENTE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, N.º 1, ALÍNEA Z), E 8.º, N.ºS 2 A 5 DO DL N.º 34/2008, DE 26 DE FEVEREIRO/REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS/ RCP.
ARTIGOS 14.º, 24.º, N.º 2, E 28.º, N.ºS 1 E 2, DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO/REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, À PROTECÇÃO E À ASSISTÊNCIA DAS SUAS VÍTIMAS
ARTIGOS 103.º, N.º 2, E 417.º, N.º 8, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – A lei confere à vítima do crime de violência doméstica o estatuto de vítima, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

II – Atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea z), do RCP, a pessoa a quem tenha sido atribuído o estatuto de vítima não tem que pagar a taxa de justiça devida pela abertura de instrução, estabelecida no artigo 8.º, n.º 2.

III – Nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, do C.P.P. e 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente ainda que não haja arguidos presos e mesmo quando esteja em causa um outro crime cuja tramitação não obrigue, no caso concreto, a adoção de um processo de natureza urgente.

IV – A reclamação para a conferência opera um direito potestativo de natureza processual, que permite à parte sujeitar o despacho do relator à deliberação do coletivo sem qualquer outra motivação.

V – O despacho de mero expediente, como é entendido pela jurisprudência, é aquele que não decide qualquer questão de forma ou de fundo e que se destina a regular o andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes.

VI – O despacho que faz depender o prosseguimento dos autos, para a fase de instrução, do pagamento de taxa de justiça, como seu pressuposto formal, não é um despacho de mero expediente.

Decisão Texto Integral:

           Acordam os Juízes que constituem esta 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

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1) No dia 31/7/20123, foi proferida, a fls. 421426/260, Decisão Sumária, cujo teor é o seguinte:

            “…

            I – Relatório

            1. Nos presentes autos do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Instrução Criminal de Viseu – Juiz 2, em que é arguido …, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu despacho em que rejeitou o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente …, por inadmissibilidade legal, em conformidade com o disposto nos artigos 287.º, n.º 3 do CPP e 8.º, n.ºs 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP).

            2. Inconformada com a decisão, dela recorreu a assistente …, que finalizou a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

            “1. A reclamante apresentou denúncia contra o ex-marido, …

             2. Durante o decorrer do processo foi notificada para pagamento de taxa de justiça caso se quisesse constituir assistente, o que fez, no entanto:

             3. Foi lhe atribuído o devido Estatuto de Vítima, o que lhe confere o direito de isenção de custas judiciais.

             4. Sem que lhe tivesse sido reposta a taxa de justiça já (indevidamente) paga.

             5. Tendo em conta que o M.º P.º, por despacho, decretou o arquivamento do processo, a vítima requereu a abertura da fase da Instrução, o que veio a ser negado por não pagamento da taxa de justiça.

             6. Para suportar esse entendimento, M.º P.º e Tribunal alegaram que o Estatuto de Vítima teria cessado com o despacho de arquivamento do M.º P.º, o que não se pode aceitar.

             7. Tal cessação apenas ocorre com o efetivo arquivamento, e não com o despacho que o determina, funcionando a instrução como meio de reação a esse despacho de arquivamento.

             8. Tal arquivamento apenas ocorre decorridas 1 de 2 ocasiões: o términus do prazo para abertura de instrução, ou o com o despacho de não-pronuncia.

             ”.

                                                                                *

             3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio apresentar resposta …

                                                                              *

                4. … o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPP, emitiu parecer …

                                                                     *

              5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

                                                                     *

              II - Fundamentação

              1. …

              Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, a questão a decidir é a de saber se a instrução requerida pela assistente é legalmente admissível por, no caso, a mesma se encontrar isenta do pagamento da respetiva taxa de justiça.

                                                                      *

              2. O despacho recorrido.

              A decisão proferida pela Mmo. Juiz de Instrução, objeto do presente recurso, tem o seguinte teor (transcrição):

              “Na sequência do despacho proferido a fls.335, a assistente foi notificada para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante (art. 8.º n.º 4 do RCP), mas nada foi pago.

               Tal como estabelece o n.º 5 do art. 8.º do RCP, o não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.

               Pelo exposto, por inadmissibilidade legal e em conformidade com o disposto no art. 287.º n.º 3 do Código de Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução …”.             

                                                                             *

               3. No despacho recorrido a Mmo. Juiz a quo considerou sem efeito o requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente …, uma vez que este não cumpria a exigência legal de pagamento da taxa de justiça devida, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, para o qual havia sido notificada, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do RCP.

               Notificação que, … foi efetuada à assistente na sequência do despacho proferido a fls.335.

              Acontece que a questão que constitui o objeto do presente recurso – se a assistente se encontra ou não isenta do pagamento de taxa de justiça pelo requerimento de abertura da instrução – foi decidida, não no despacho de que aquela interpôs recurso, acima transcrito em II-2, mas no que foi proferido a fls.355, com a ref.ª Citius 91917159, contra o qual não reagiu atempadamente e transitou, assim, em julgado, decidindo definitivamente a questão pelo caso julgado formal que produziu.

                Expliquemos.

                                                                             *

               3.1. Resulta dos autos que:

               a) Em 04-05-2022, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu o seguinte despacho: “Por ter legitimidade, estar em tempo, estar devidamente representada e ter pago a competente taxa de justiça admito … a intervir nos autos como assistente (artigos 68, 70 e 519 do CPP)” (cf. despacho com a ref.ª Citius 90532689, de 04-05-2022).

                b) Em 27-09-2022, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2 do CPP, por insuficiência de indícios da prática dos factos denunciados nos autos, …

                 c) Em 02-11-2022, a assistente … apresentou requerimento para abertura da instrução, no qual veio dizer, a final, o seguinte (cf. ref.ª Citius 558308, de 02-11-2022):

                 “(…)

                 … não foi atribuído, à denunciante, o estatuto de vítima, o que deve decorrer ope legis pelo disposto no art.º 14 da Lei 112/2009, pois não existem no processo referencia à existência de fortes indícios de que a denuncia é infundada, pelo que as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes deveriam ter atribuído à denunciante o estatuto de vítima, para todos os efeitos legais. Isso, implicaria, por exemplo a isenção das custas judiciais pelo disposto na alínea z) do art.º 4 do Decreto-Lei 34/2008.

                 Por isso se requer:

                  - A atribuição do estatuto de vítima ao abrigo do disposto no art.º 14 da Lei n.º 112/2009.

                (…)”.

                d) Sobre este requerimento o Mmo. Juiz de Instrução proferiu despacho, em 05-12-2022, com o seguinte teor (cf. ref.ª Citius 91917159, de 05-12-2022):

                “Nos autos, veio a assistente requerer a abertura de instrução, pugnando pela prolação de um despacho de pronúncia do denunciado pela prática de um crime de violência doméstica.

                 A assistente não liquidou taxa de justiça, entendendo que, não existindo nos autos fortes indícios de que a denúncia é infundada, deveria ter-lhe sido atribuído o estatuto de vítima, tal como estabelece o art. 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, o que determinaria a isenção do pagamento de taxa de justiça (art. 4.º n.º 1 al. z) do Regulamento das Custas Processuais).

                A assistente, com o devido respeito, labora em dois equívocos.

                Em primeiro lugar, contrariamente ao que afirma, foi-lhe efetivamente atribuído o estatuto de vítima, tanto bastando atentar no expediente junto a fls. 278-282.

                Em segundo, a assistente não atendeu ao disposto no art. 24.º n.º 2 da citada Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, segundo o qual o estatuto de vítima cessa igualmente, além do mais, com o arquivamento do inquérito, o que determina o pagamento de taxa de justiça.

                 A Secção de processos deve, pois, dar cumprimento ao disposto no art. 8.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.

                Notifique”.

               e) Em 06-12-2022, foi expedida carta registada ao Ilustre Mandatário da assistente, com o seguinte teor (cf. ref.ª 91934673, de 06-12-2022):

               “Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário da Assistente …

               - Para todo o conteúdo do despacho proferido a 05/12/2022, ….     

               - Para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela abertura da instrução, … com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, nos termos do disposto no artº 8º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais, sob pena de o referido requerimento ser considerado sem efeito – nº 5 da referida disposição legal.

                Anexa-se ainda a respetiva guia para pagamento.

                (…)”.

               f) A guia para pagamento referida em e) foi emitida em 06-12-2022, com o n.º ...98 e data limite de pagamento de 19-12-2022, pagamento esse que a assistente não fez prova … na sequência do que o Mmo. Juiz de Instrução proferiu, em 22-12-2022, o despacho recorrido, acima transcrito em II-2.

               g) Por correio eletrónico que o seu Ilustre Mandatário expediu em 26-01-2023, a assistente remeteu a juízo o recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, referido em f) …

               Pois bem.

              3.2. Conforme resulta do preceituado no artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP, a abertura da instrução pode ser requerida pelo assistente, no prazo de vinte dias a contar do arquivamento do inquérito.

               Por seu turno, segundo dispõe o artigo 8.º, n.ºs 2 a 5 do RCP, a taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo (n.º 2); o documento comprovativo do pagamento deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no ato para o efeito (n.º 3); na falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante (n.º 4); e o não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para abertura de instrução seja considerado sem efeito (n.º 5).

                 O artigo 4.º, n.º 1, alínea z), do RCP prevê, no entanto, que estão isentas de custas as pessoas a quem tenha sido atribuído o estatuto de vítimas de crime de violência doméstica, nos termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, alterada pelas Leis n.ºs 19/2013, de 21 de Fevereiro, 82-B/2014, de 31 de Dezembro, e 129/2015, de 3 de Setembro, quando intervenham no respetivo processo penal em qualquer das qualidades referidas nos artigos 67.º-A a 84.º do CPP.

                 Neste contexto, o artigo 14.º, n.º 1 da referida Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, estabelece que, apresentada a denúncia da prática do crime de violência doméstica, não existindo fortes indícios de que a mesma é infundada, as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes atribuem à vítima, para todos os efeitos legais, o estatuto de vítima.

                 Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 2 do mesmo diploma determina que o estatuto de vítima cessa com o arquivamento do inquérito, do despacho de não pronúncia ou após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo à causa, salvo se, a requerimento da vítima junto do Ministério Público ou do tribunal competente, consoante os casos, a necessidade da sua proteção o justificar.

                 Também com relevância para a presente questão, importa considerar que, nos termos do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 do CPP e 28.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que o prazo para interposição de recurso de decisões nele proferidas não se suspende no período de férias judiciais … Isto mesmo quando esteja em causa, além do crime de violência doméstica, um outro crime cuja tramitação não obrigue, no caso concreto, a adoção de um processo de natureza urgente (cf. Decisão Sumária n.º 276/2020 do Tribunal Constitucional e jurisprudência nela indicada, mormente o despacho da Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Fevereiro de 2020, que esteve na origem da referida decisão sumária).

                                                                            *

              3.3. Conforme resulta do teor transcrito em d), no despacho que proferiu em 05-12-2022, o Mmo. Juiz de Instrução decidiu que, à data em que apresentou o requerimento de abertura da instrução, a assistente já não beneficiava do estatuto de vítima conferido pela Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, porquanto esse estatuto já havia cessado com o arquivamento do inquérito (artigo 24.º, n.º 2), o que determinou o pagamento de taxa de justiça, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 2 do RCP, tendo, na falta da respetiva autoliquidação com o requerimento de abertura da instrução, ordenado o cumprimento do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do mesmo diploma, o que se verificou nos termos descritos em e).

               A notificação do despacho proferido em 05-12-2022, realizada por via postal registada na pessoa do Ilustre mandatário da assistente, nos termos indicados em e), presume-se feita no dia 09-12-2022, conforme preceitua o n.º 2 do artigo 113.º do CPP (terceiro dia útil posterior ao do envio, efetuado em 06-12-2022).

               Ora, à data em que a assistente interpôs o presente recurso – 26-01-2023 –, já havia decorrido o prazo para recorrer do despacho proferido em 05-12-2022, prazo esse contado nos termos acima indicados, não se suspendendo no período de férias judiciais.

               A assistente não só não reagiu contra o despacho proferido em 05-12-2022, como não pagou as quantias previstas no artigo 8.º, n.º 4 do RCP, constantes das guias referidas em e) e f), tendo, por essa razão, no despacho recorrido o seu requerimento de abertura da instrução sido considerado sem efeito e rejeitado por inadmissibilidade legal.

               Como se observa, a questão que constitui o objeto do presente recurso – se a assistente se encontra ou não isenta do pagamento de taxa de justiça pelo requerimento de abertura da instrução, com base no estatuto de vítima em processo por crime de violência doméstica – foi decidida, não no despacho sobre que versou o recurso, acima transcrito em II-2, mas no que foi proferido em 05-12-2022.

               A assistente não reagiu atempadamente contra o despacho que decidiu que, quando requereu a abertura da instrução, já não detinha o estatuto de vítima nos termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e, como tal, não beneficiava da isenção do pagamento de custas estabelecida no artigo 4.º, n.º 1, alínea z), do RCP, pelo que deveria a pagar a taxa de justiça e legais acréscimos previstos no artigo 8.º, n.º 4 do RCP.

               O despacho proferido em 05-12-2022 transitou, assim, em julgado e, por conseguinte, decidiu definitivamente a questão, formando caso julgado formal que, como tal, é vinculativo no presente processo e impede que nele se volte a emitir pronúncia sobre a questão decidida.

               …

                Estando, pois, definitivamente decidido – porque transitado em julgado – que a assistente não beneficiava do estatuto de vítima quanto requereu a abertura da instrução e que pela mesma era devida taxa de justiça, e mostrando-se também assente – não tendo sido questionado no recurso – que aquela não pagou a taxa de justiça nem os legais acréscimos, constantes da guia emitida nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 4 do RCP, então não resta senão concluir que, face ao que dispõe o artigo 8.º, n.º 5 do mesmo diploma, no despacho recorrido não poderia o Mmo. Juiz Instrução deixar de decidir pela rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente.

              Razão pela qual o recurso que a assistente interpôs do referido despacho é manifestamente improcedente.

              E sendo manifesta a improcedência do recurso, forçoso se torna concluir que o mesmo deve ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

                                                                    *

             Pelo exposto, de harmonia com o preceituado nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, decide-se rejeitar o recurso interposto pela assistente AA.

            Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 420.º, n.º 3 do CPP).”

      ****

            2) Notificada de tal Decisão Sumária, a assistente veio, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP, apresentar Reclamação, nos seguintes termos:

            vem … apresentar reclamação para a conferencia do despacho de decisão sumária …:

A reclamante apresentou denuncia criminal no tribunal de ... dia 9 de Novembro de 2020 por factos praticados pelo seu ex-marido, tendo sido, por esse motivo, dado início ao presente procedimento criminal. No dia 09 de Fevereiro de 2022 foi notificada “nos termos dos artigos 68º, n.º 2 e 246, n.º 4”, pelo que se constituiu assistente (liquidando a competente taxa de justiça) … Apesar de lhe ter sido atribuído o estatuto de vítima, … liquidou a taxa de justiça da constituição de assistente, … esta taxa não era devida – tendo em conta o disposto no art.º 4 do RCP.

Quando foi notificada do despacho do MP que determina o arquivamento do processo, … decidiu requerer a abertura da instrução, … no entanto, a abertura da instrução foi rejeitada por inadmissibilidade legal, por supostamente haver uma taxa de justiça devida que não foi paga.

… a decisão parte de um pressuposto que, smo, é errado, que é o pressuposto de que o estatuo de vítima cessa com o despacho de arquivamento, no entanto não deixa de ser uma decisão de mero expediente, insindicável, … Por tal, decidiu, a reclamante esperar pelo despacho definitivo que rejeitasse a abertura da instrução (essa sim, sindicável) para que, eventualmente, em caso de rejeição, dela pudesse recorrer ainda que atacando o que já havia sido exposto no despacho anterior. …

Carecendo ou não de pagamento de Taxa de Justiça, não é recorrível o despacho de dia 5 de dez. de 2022, pelo disposto no art.º 400/1/a) do CPP, mas sim o despacho que rejeita a abertura de instrução do dia 22 de dezembro, pelo que o recurso deve ser apreciado por se dirigir a este último, ainda que os fundamentos da decisão se reportem em parte ao primeiro despacho.

Ainda assim, em decisão singular, a mm.ª e respeitada juiz relatora entende que o recurso é manifestamente improcedente porquanto entende estar definitivamente decidido que a “assistente não beneficiava do estatuto de vítima quando requereu a abertura da instrução e que pela mesma era devida a taxa de justiça”, com referência ao despacho de 5 de dezembro de 2022. No entanto, tal decisão afigura-se como injusta tendo em conta que o recurso da requerente se baseia, exatamente, na desnecessidade do pagamento da taxa de justiça, porquanto, mesmo que a taxa de justiça não tenha sido paga ele é admissível; …

Por tudo o exposto deve a presente reclamação ser julgada por procedente …”

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            3) Notificados os restantes intervenientes processuais para, querendo, responder, no prazo de 10 dias, à Reclamação, nada vieram trazer aos autos.

                                                                       ****

            II) Há que apreciar:

Como referido no acórdão do STJ de 29.01.2015, proc. n.º 8/14.9YGLSB.S1, “a «reclamação para a conferência» a que alude o art.º 417.º, n.º 8, do CPP, é apenas um pedido para que o objeto do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. Não se trata de uma nova fase recursória incidindo sobre a decisão singular pelo que o âmbito do recurso se mantém circunscrito às conclusões formuladas na motivação. São os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate”.

Significa isto que a reclamação para a conferência opera um direito potestativo de natureza processual que permite à parte sujeitar o despacho do relator à deliberação do coletivo sem qualquer outra motivação.

                                                           ****

 Apreciando colegialmente os motivos que conduziram à rejeição do recurso, não se descortina qualquer motivo válido para alterar o sentido da decisão sumária.

            Vejamos.

            Há que ter em consideração o teor do despacho proferido em 5/12/2022 que é o seguinte:

            “

            Este despacho foi devidamente notificado ao Ilustre Mandatário da assistente, conforme resulta de fls. 337, não tendo sido colocado em crise.

            Ora, não podemos acompanhar o exposto na reclamação, quando nesta se refere estarmos perante um mero despacho de expediente.

            É inegável que um despacho de mero expediente não admite recurso, de acordo com o artigo 400.º, n.º 1, al. a) do CPP.

            Um despacho de mero expediente, como é entendido pela jurisprudência, é aquele que não decide qualquer questão de forma ou de fundo e que se destina a regular o andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, ou seja é aquele que não coloca em causa interesses dos intervenientes num processo, dignos de proteção, no fundo, que não seja banal, conforme ensinava Alberto dos Reis, no Código Processo Civil, V, p. 249 e 250.  

No caso presente, o despacho ora em causa era suscetível de ter impacto direto na defesa dos interesses da assistente, uma vez que fazia depender o prosseguimento dos autos do efetivo pagamento de taxa de justiça, como seu pressuposto formal, sendo certo que o próprio assistente, na sua reclamação, vem colocar em causa a necessidade de pagar taxa de justiça, na fase processual em causa.

Não estamos, portanto, em presença de um despacho banal.

E não se diga que o despacho apenas se dirige à Secção. Tanto assim não é que o despacho, logo em 6/12/2022, foi notificado ao Ilustre Mandatário da assistente, tendo sido anexada a respetiva guia de pagamento.

Por conseguinte, entendendo a assistente que o despacho não havia sido proferido de acordo com a lei, por considerar que não estava sujeito ao pagamento de taxa de justiça, deveria ter, atempadamente, interposto o respetivo recurso.

Acontece que não o fez.

                                                           ****

Como consequência do exposto, sempre salvo o devido respeito, o despacho proferido em 5/12/2022, transitou em julgado, formando caso julgado formal, como consta da Decisão Sumária ora em crise, pelo que nenhum reparo merece a rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente, o que acarreta a manifesta improcedência do recurso, conforme decidido em 31/7/2023.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem esta 5ª Secção Criminal do TRC em indeferir a reclamação.

Condena-se a reclamante em 1 (uma) UC de taxa de justiça.

                                                           ****

(texto processado em computador e integralmente revisto e assinado – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

                                                           ****

                                   Coimbra, 25 de outubro de 2023

                                            José Eduardo Martins  

                                                  Rui Pedro Lima

                                                João Peral Novais