Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO REFORMA POR VELHICE COMUNICAÇÃO DO EMPREGADOR CONVERSÃO EM CONTRATO A TERMO RESOLUTIVO ABUSO DO DIREITO | ||
Data do Acordão: | 02/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 343.º E 348.º DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – Conforme resulta do n.º 1 do artigo 348.º do CT, para que o contrato de trabalho celebrado entre as partes caduque por força da reforma por velhice do trabalhador, é necessário que o empregador lhe ponha termo no prazo de 30 dias a contar da data do conhecimento, por ambas as partes, daquela reforma; caso contrário, nada dizendo e permanecendo o trabalhador ao seu serviço, o contrato transforma-se automaticamente em contrato a termo resolutivo de seis meses, com as especificidades previstas no n.º 2 do mesmo normativo. II – Por força do disposto no artigo 348.º do CT, a situação de reforma por velhice não origina a caducidade automática do contrato de trabalho. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente na ...,
intentou a presente ação de processo comum contra:
A..., Ldª, com sede na ...,
alegando, para tanto, que a Ré admitiu ao seu serviço a Autora para exercer as funções inerentes à categoria profissional de professora do ensino especial, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 2.200,00 e subsídio de refeição; a partir do mês de setembro de 2022 a Ré deixou de pagar à Autora as retribuições mensais, devendo-lhe a quantia de € 11.450,56. Termina, formulando o seguinte pedido: “Termos em que e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia global de 11.450,56€, correspondente aos salários dos meses de Setembro de 2022 a Dezembro de 2022, ao subsídio de refeição devido neste período e ao subsídio de Natal do ano de 2022, nos termos que supra se deixaram discriminados, bem como, todos os demais créditos laborais que se venham a vencer posteriormente à instauração da presente acção, tudo acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento, com as consequências legais.” * A Ré apresentou contestação alegando, em síntese, que: A Autora é sócia da Ré; a Autora demitiu-se do seu trabalho em funções públicas para se dedicar ao serviço da Ré como professora do ensino especial; a Autora deixo de poder exercer as suas funções na parte apoiada pela Segurança Social por não ser psicóloga, ficando limitada ao apoio psicopedagógico nas consultas privadas que eram residuais e nunca chegaram a ter movimento que justificasse uma trabalhadora; atendendo à qualidade de sócia da Autora o consenso foi o de manter o seu posto; em meados de julho de 2022, a Ré recebeu a comunicação do CNP de que a Autora estava reformada por velhice e, desde aí, a Autora não mais desempenhou qualquer tarefa ligada às funções para que foi contratada, nem outra; a gerente da Ré comunicou à Autora que o seu contrato tinha cessado e a Ré iria deixar de lhe pagar o salário porque estava reformada; a reforma da trabalhadora fez cessar o seu contrato; mesmo que assim não fosse, parece haver abuso do direito por parte da Autora. Termina dizendo que “deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada com todas as consequências legais”. * A Autora apresentou resposta à contestação alegando, em síntese, que: O contrato de trabalho que mantinha com a Ré não caducou, tendo-se convertido automaticamente num contrato a termo certo, com a duração de seis meses, por força do disposto no n.º 1 do artigo 348.º do CT. Conclui pela improcedência da contestação e, no mais, como na petição inicial. * Foi proferido o despacho saneador de fls. 33 e segs., tendo sido dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova. * Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento conforme resulta da respetiva ata. * De seguida, foi proferida a sentença de fls. 48 e segs., cujo dispositivo tem o seguinte teor: “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré A..., LDA. a pagar à autora AA a quantia global de €11.450,56 (onze mil, quatrocentos e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente aos salários dos meses de setembro a dezembro de 2022, ao subsídio de refeição devido nesse período e ao subsídio de natal de 2022, bem como aos créditos laborais vincendos após a instauração da presente acção, tudo acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.” * A Ré, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). * A Autora apresentou resposta concluindo nos seguintes termos: (…). * O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 101 e segs., no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente. * Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II – Questões a decidir Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela recorrente, quais sejam: 1ª – Reapreciação da matéria de facto. 2ª – Se o contrato de trabalho caducou com a reforma da Autora. 3ª – Se a Autora abusou do direito.
* III – Fundamentação a) Factos provados constantes da sentença recorrida: 1) A ré dedica-se à prestação de serviços de apoio a crianças com Necessidades Educativas Especiais na área da psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional, reabilitação psicomotora e apoio psicopedagógico. 2) No âmbito do exercício da sua atividade comercial, a ré admitiu ao seu serviço a autora, para sob as suas ordens, direção e fiscalização e nas instalações da sua sede na ... ou em local que lhe fosse indicado, exercer o conteúdo funcional inerente à categoria profissional de professora do ensino especial, mediante a contrapartida do recebimento da retribuição mensal ilíquida base de €2.200,00, acrescida de um subsídio de refeição no valor diário de €5,12. 3) Tirando algumas consultas privadas, que são residuais, toda a receita da ré provém dos subsídios de Educação Especial da Segurança Social que paga as consultas prestadas aos seus utentes. 4) Há alguns anos, sócias da ré, a aqui autora e a gerente BB, acordaram que a autora iria prestar serviços na ré, no apoio psicopedagógico a alunos com necessidades educativas especiais. 5) Era uma área que a autora conhecia e para a qual estava habilitada. 6) Em 2015, as regras de atribuição do subsídio de educação especial ao apoio psicopedagógico foram alteradas e a Segurança Social passou a subsidiar apenas os apoios prestados por psicólogos. 7) Não sendo psicóloga, a autora deixou de poder exercer a função na parte apoiada pela Segurança Social (porque não seria subsidiada) ficando limitada apenas ao apoio psicopedagógico nas consultas privadas, sendo tais consultas residuais. 8) Durante os anos de 2019 a 2022, a autora não teve uma única consulta. 9) Atendendo à qualidade de sócia da autora, o consenso com a legal representante da ré foi o de manter o posto. 10) Por carta simples, datada de 28 de junho de 2022, a ré foi notificada pelo ISS – Centro Nacional de Pensões de que foi deferida a Pensão de Velhice à autora, a partir de 13.04.2022, tendo o pagamento da respetiva pensão início em 2022.08. 11) A ré encerrou a sua atividade para férias desde o dia 22 de julho de 2022 e até ao fim de agosto. 12) A ré não pagou à autora as retribuições dos meses de setembro de 2022 a dezembro de 2022. 13) A ré não pagou à autora o subsídio de refeição e o subsídio de Natal de 2022. 14) A ré liquidou à autora as remunerações respeitantes aos meses de julho e agosto de 2022. 15) No dia 4 de agosto de 2022, com efeitos reportados a 30 de junho de 2022, a ré comunicou aos Serviços da Segurança Social a cessação do vínculo laboral da autora, por motivo de “caducidade do contrato por reforma por velhice”. 16) No dia 4 de agosto de 2022, com efeitos reportados a 1 de julho de 2022, a ré comunicou aos Serviços da Segurança Social a admissão e o registo do vínculo laboral da autora. 17) A autora está disponível para prestar, a favor da ré, o trabalho cuja execução esta lhe solicite, bem como para seguir todas as instruções que, neste âmbito, lhe sejam determinadas pela ré. Factos Não Provados A factualidade vertida em 8.º e 18.º da contestação. (…). * * b) - Discussão 1ª questão Reapreciação da matéria de facto (…).
2ª questão Se o contrato de trabalho caducou com a reforma da A. Alega a recorrente que: - Resulta dessa alteração que a ação deve improceder, pois, estando em causa a questão da conversão do contrato por efeito da reforma da trabalhadora, a prova de que não executou qualquer tarefa por ordem ou por conta e no interesse da empregadora nos 30 dias seguintes ao conhecimento da reforma, significa que o seu contrato caducou. - Isto porque a permanência ao serviço a que alude o art.348º/1do C. Trabalho se afere em concreto, em função das tarefas que a trabalhadora efetivamente executou por ordem, ou por conta e no interesse da empregadora. - E não tendo executado qualquer tarefa a mera disponibilidade da trabalhadora para receber e cumprir ordens não preenche aquela previsão. - Mesmo que se não proceda àquela alteração à matéria de facto, considerados os contornos específicos do caso, maxime a qualidade de sócia da A., o esvaziamento das suas funções, a circunstância de não ter executado qualquer tarefa por ordem, ou por conta e no interesse da Ré - que resulta desde logo do facto de nada ter alegado a esse respeito – não restam dúvidas de que a A. não permaneceu ao serviço pelos trinta dias a que alude a lei para que possa dizer-se que o seu contrato não caducou. - Andou mal o Tribunal recorrido ao considera que a mera disponibilidade psicológica do trabalhador preenche aquela previsão legal. - As situações da reforma pelo limite de idade dos 70 anos e por velhice a pedido do trabalhador não são iguais. - Nada na lei obrigava a trabalhadora a pedir a sua reforma e se não quisesse que o seu contrato caducasse bastava-lhe não a ter pedido. - Tendo ela decidido livremente reformar-se não pode decidir-se que o seu contrato não caduca mas antes se converte automaticamente em contrato a termo, e que a sua empregadora continua vinculada à obrigação de lhe pagar salários, ainda que não mais lhe dê qualquer ordem, nem a trabalhadora dela nem receba qualquer trabalho. - Do facto de a trabalhadora não mais cumprir qualquer tarefa, não emerge a vontade das partes de prolongar o contrato, mas o seu oposto e é a partir dos factos – e não das conjeturas - que se revela a vontade das partes (art. 217º/1 do C. Civil). - Revelando os factos que a empregadora não quis o prolongamento do contrato ele caducou. Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Por seu lado, temos que a ré considerou que o contrato de trabalho que tinha celebrado com a autora terminou por efeito da sua caducidade, enquanto que a autora defende que não se verificou essa caducidade, outrossim tendo-se convertido em contrato de trabalho a termo certo, com a duração de seis meses, nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, do Código do Trabalho. De facto e como se sabe, “Nos termos dos artigos 340.º, a) e 343.º do CT, o contrato de trabalho pode cessar por caducidade”, nomeadamente por “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestação da actividade laboral pelo trabalhador”– Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho II, 3.ª Edição, Coimbra, 2010, p. 863. Ou, de outro modo, “Terá de se tratar, pois, de uma situação de impossibilidade que preencha, cumulativamente, estes três requisitos: ser superveniente (se a impossibilidade for originária o contrato será nulo, nos termos do art. 401.º do CCivil); ser definitiva (se a impossibilidade for temporária, isso poderá implicar a aplicação do regime da suspensão do contrato, nos termos já expostos): ser absoluta (requisito algo redundante, visto que se a impossibilidade não for absoluta, mas relativa… é porque, em bom rigor, não se tratará de uma impossibilidade, mas de mera dificuldade ou onerosidade da prestação)” – Leal Amado, ob. cit., p. 368-369. Por sua vez e como refere Monteiro Fernandes, ob. cit., p. 560, “No entendimento mais corrente e tradicional, a caducidade é definida como a cessação ‘automática’ do vínculo, em consequência directa e inelutável da ocorrência de certas situações de facto que tornam o contrato inviável ou inútil”, defendendo este autor que “O ‘automatismo’ da caducidade é, porém, uma noção destituída de rigor. No processo pelo qual o contrato de trabalha ‘caduca’ intervêm sempre, de uma maneira ou de outra, ‘momentos volitivos’ que se exprimem através de declarações ou manifestações com carácter para-negocial”. Dispõe o artigo 343.º do Código do Trabalho: “O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: a) Verificando-se o seu termo; b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber; c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez”. Por seu turno, estabelece o artigo 348.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe de “Conversão em contrato a termo após a reforma por velhice ou idade de 70 anos”: “1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice. 2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades: a) É dispensada a redução do contrato a escrito; b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos; c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador; d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador. 3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.” Decorre da análise conjugada das referidas normas, como tem sido referido por diversos Autores, que o artigo 343.º do Código do Trabalho de 2009 ao enunciar as causas de caducidade do contrato de trabalho não o fez taxativamente. Com efeito, a inserção pelo legislador desse advérbio “nomeadamente” sugere uma mera exemplificação das causas, sem taxatividade, não estando, por isso, impedido o intérprete de proceder a uma integração nesse elenco de outras possíveis causas que determinem a caducidade do contrato de trabalho. Sendo uma delas, sem dúvida, a que resulta do limite de idade atingido pelo trabalhador aos 70 anos de idade, nas circunstâncias previstas, v.g., nos nºs 1), 2), alínea c), e nº 3, todos do artigo 348.º, do Código do Trabalho. Extrai-se igualmente dos referidos preceitos que um contrato de trabalho sempre poderá caducar pela reforma do trabalhador. Porém, essa caducidade não resulta automaticamente desse facto, pois pode bem acontecer que as partes queiram manter a relação laboral, caso em que poderão fazê-lo nos termos preceituados no n.º 1, do artigo 348.º, do Código do Trabalho, situação em que o contrato de trabalho em causa transforma-se num contrato de trabalho a termo resolutivo, com o prazo de 6 meses, que se pode ir renovando sem limite máximo de renovações e sem se convolar em contrato sem termo. Nestas circunstâncias só se verificará a extinção do vínculo quando ambas as partes tiverem conhecimento da situação em causa – e não no momento em que o trabalhador se reforma – e se acaso decidirem pôr termo ao contrato de trabalho nos termos do citado normativo. Podendo, contudo, a relação laboral prosseguir decorridos trinta dias sobre o conhecimento da reforma por velhice do trabalhador, caso em que não se extingue ipso jure e a relação jurídica converte-se num contrato a termo certo resolutivo (neste sentido, cfr. Pedro Romano Martinez, em “Direito do Trabalho”, Almedina, 2013, 6ª Edição, págs. 878 e segts). Daí que seja possível concluir que o limite de idade de 70 anos, tal como a reforma do trabalhador, tanto podem originar o fim do contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado, como a formação de um segundo contrato a termo resolutivo. Só que este segundo contrato – com termo certo – depende da verificação dos pressupostos legais estatuídos no artigo 348.º do CT. Nessa medida, e face ao consignado na alínea c), do n.º 2, de tal normativo, assiste igualmente ao empregador o direito de pôr termo ao contrato de trabalho, ficando a caducidade do contrato sujeita a aviso prévio de 60 dias, nos termos aí previstos. Nessa medida, para além da referência já feita ao seu conteúdo e à regra geral do seu n.º 1, em que o legislador decidiu consignar que se considera como contrato de trabalho a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma ou velhice, não pode deixar de se atentar nos restantes comandos enquanto elementos integradores do artigo 348.ºº do Código do Trabalho. E assim, logo o seu nº 2 elenca as especificidades desse contrato convertido em contrato a termo resolutivo, estendendo também a sua aplicação ao seu n.º 1. E o seu nº 3 remete-nos para os números anteriores ao determinar que «é aplicável o disposto nos números anteriores» à situação em que o trabalhador atinge os 70 anos de idade, sem ter havido reforma. Interpretando este artigo 348.º refere Maria do Rosário Palma Ramalho (Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Tratado de Direito do Trabalho”, Parte II, 6.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 787 e segts.): «A lei prevê um regime de transição para o contrato do trabalhador que requereu a reforma por velhice e que permanece ao serviço, bem como para a situação em que o trabalhador permaneça ao serviço, já tendo atingido os 70 anos e sem que o seu contrato tenha caducado por reforma (art. 348.º, nºs 1 e 3, respectivamente). Este regime passa por uma conversão, ipso jure, do contrato de trabalho a termo resolutivo, decorridos 30 dias sobre o conhecimento, pelo empregador e pelo trabalhador, da situação de reforma deste por velhice (art. 348.º, n.º 1), ou, no segundo caso, logo que o trabalhador perfaça os 70 anos (art. 348.º, n.º 3). Este contrato segue o regime geral do contrato de trabalho a termo, com as especificidades constantes do art. 348º, n.º 2: assim, o contrato não tem de ser reduzido a escrito; o contrato tem uma duração de seis meses, mas pode ser renovado por igual período sem limites máximos; o contrato pode cessar por caducidade por iniciativa de qualquer das partes, no final de qualquer período, e mediante um pré-aviso de 60 ou de 15 dias, consoante a iniciativa de cessação seja do empregador ou do trabalhador; da caducidade do contrato não decorre o direito do trabalhador a qualquer compensação. Perante este regime, parece ser de considerar, como momento decisivo para a extinção do contrato, o momento em que o trabalhador deixar de comparecer ao trabalho, após o conhecimento da situação de reforma ou, se continuar ao serviço, decorridos 30 dias sobre esse momento, se não se verificar a conversão do contrato a termo, de acordo com o art. 348.º, n.º 1.» António Monteiro Fernandes (Cf. António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, Almedina, 2012, 16ª Edição, págs. 459 e segts.), incidindo a sua análise sobre a reforma do trabalhador – que designa de causa atípica de caducidade – e a questão de saber se esta determina a caducidade do contrato, refere, na parte que aqui releva, que: «(…) O contrato não pode cessar sem que alguma das partes disso se aperceba. A reforma só opera, em suma, a partir do momento em que a entidade empregadora a conheça. Questionando, a este propósito, quando é que tal acontece. Para dar a seguinte resposta: «Colocando-se numa perspectiva pragmática, a lei não fixa um momento preciso para a caducidade, tendo em conta que a reforma não é (ou pode não ser) materialmente impossibilitante da prestação de trabalho, oferece-se ao empregador certa margem para a escolha do momento em que o contrato há-de cessar. Esse momento localizar-se-á necessariamente dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento, por ambas as partes, da reforma, como resulta do art. 348º/1 CT.» Também João Leal Amado, referindo-se à solução inserida no actual artigo 348.º do CT (João Leal Amado, em “Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora, 2014, 4ª Edição, págs. 359 e segts.), considera que a lei estabeleceu um sistema de tipo compromissório nesta matéria, fundado na seguinte dicotomia: - Por um lado, permitindo que o trabalhador, ainda que reformado por velhice, permaneça ao serviço da empresa, - Mas por outro, concedendo ao empregador também a facilidade de desvinculação daquele, “quando este entender que a presença do trabalhador reformado no seu posto deixa de ser útil” e a respectiva manutenção da ligação contratual deixou de corresponder ao seu interesse. Solução legal que tem na sua génese «razões sociais e humanas, ligadas à salvaguarda dos interesses do trabalhador reformado, cuja pensão de reforma é amiúde muito escassa e cujo capital e experiência profissional pode ser valioso» (cfr. António Monteiro Fernandes, ibidem, pág. 458). (…) Em suma, pode dizer-se que o artigo 348.º do Código do Trabalho depende, na sua aplicação, da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos factuais: · Que o trabalhador tenha completado 70 anos de idade; · Que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, de tal facto; · Que tenha requerido a reforma (e mesmo que não o tenha feito, é-lhe aplicável igual regime, por força do preceituado no nº 3, do artigo 348.º); · Que a vontade de ambas as partes seja coincidente no sentido de manter o contrato de trabalho em vigor. Isto porque pode bem acontecer que o trabalhador não esteja interessado em continuar a exercer a sua profissão depois de obter a reforma ou de completar os 70 anos de idade. Tal como não poderá deixar de se equacionar a situação contrária, em que essa manifestação de vontade parta, já não do trabalhador, mas sim da entidade empregadora por não estar ela própria também interessada em que aquele continue ao seu serviço depois de atingir esse status ou idade. * Cumpre, pois, como thema decidendum essencial deste processo, dilucidar se o contrato de trabalho em causa caducou (ou não). Resulta da matéria de facto provada que: A ré dedica-se à prestação de serviços de apoio a crianças com Necessidades Educativas Especiais na área da psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional, reabilitação psicomotora e apoio psicopedagógico. No âmbito do exercício da sua atividade comercial, a ré admitiu ao seu serviço a autora, para sob as suas ordens, direção e fiscalização e nas instalações da sua sede na ... ou em local que lhe fosse indicado, exercer o conteúdo funcional inerente à categoria profissional de professora do ensino especial, mediante a contrapartida do recebimento da retribuição mensal ilíquida base de €2.200,00, acrescida de um subsídio de refeição no valor diário de €5,12. Tirando algumas consultas privadas, que são residuais, toda a receita da ré provém dos subsídios de Educação Especial da Segurança Social que paga as consultas prestadas aos seus utentes. Há alguns anos, sócias da ré, a aqui autora e a gerente BB, acordaram que a autora iria prestar serviços na ré, no apoio psicopedagógico a alunos com necessidades educativas especiais. Era uma área que a autora conhecia e para a qual estava habilitada. Em 2015, as regras de atribuição do subsídio de educação especial ao apoio psicopedagógico foram alteradas e a Segurança Social passou a subsidiar apenas os apoios prestados por psicólogos. Não sendo psicóloga, a autora deixou de poder exercer a função na parte apoiada pela Segurança Social (porque não seria subsidiada) ficando limitada apenas ao apoio psicopedagógico nas consultas privadas, sendo tais consultas residuais. Durante os anos de 2019 a 2022, a autora não teve uma única consulta. Atendendo à qualidade de sócia da autora, o consenso com a legal representante da ré foi o de manter o posto. Por carta simples, datada de 28 de junho de 2022, a ré foi notificada pelo ISS – Centro Nacional de Pensões de que foi deferida a Pensão de Velhice à autora, a partir de 13.04.2022, tendo o pagamento da respetiva pensão início em 2022.08. A ré encerrou a sua atividade para férias desde o dia 22 de julho de 2022 e até ao fim de agosto. A ré não pagou à autora as retribuições dos meses de setembro de 2022 a dezembro de 2022. A ré não pagou à autora o subsídio de refeição e o subsídio de Natal de 2022. A ré liquidou à autora as remunerações respeitantes aos meses de julho e agosto de 2022. No dia 4 de agosto de 2022, com efeitos reportados a 30 de junho de 2022, a ré comunicou aos Serviços da Segurança Social a cessação do vínculo laboral da autora, por motivo de “caducidade do contrato por reforma por velhice”. No dia 4 de agosto de 2022, com efeitos reportados a 1 de julho de 2022, a ré comunicou aos Serviços da Segurança Social a admissão e o registo do vínculo laboral da autora. A autora está disponível para prestar, a favor da ré, o trabalho cuja execução esta lhe solicite, bem como para seguir todas as instruções que, neste âmbito, lhe sejam determinadas pela ré. Do exposto, não resultou demonstrada a comunicação pela ré, à autora, no prazo de que dispunha para o efeito, de que não pretendia que esta se mantivesse ao seu serviço, pelo que se conclui que a vontade de ambas as partes era coincidente no sentido de manter o contrato de trabalho em vigor, e, por conseguinte, pela verificação dos requisitos vertidos no artigo 348.º do Código do Trabalho. A verdade é que, a ré continuou a pagar o salário devido à autora nos meses que se seguiram ao conhecimento da reforma desta (julho e agosto), sendo que a autora manteve-se ao serviço da ré (não obstante não ter dado consultas privadas, à semelhança do que já sucedia antes, sendo as mesmas residuais), não ficando minimamente demonstrado nos autos a comunicação à autora pela ré de que o seu contrato de trabalho havia cessado (veja-se, aliás, o documento de fls. 31v., a dar conta do vínculo contratual da autora com a ré, em 04.08.2022, o que contraria a versão da ré). De salientar, ainda, que, pese embora a ré tenha alegado que, mercê da circunstância de a autora durante 2019 e 2022 não ter dado consultas poderia ter extinto o posto de trabalho da mesma, a verdade é que não o fez, conforme a própria reconhece, pelo que, mantendo-se a autora ao serviço da ré, independentemente de também ser sócia da ré, a verdade é que a manutenção do pagamento do seu salário (quiçá devido a outras funções que a autora desempenhava na empresa) constitui, a nosso ver, a par da falta de comunicação à autora de que não pretendia continuar com o contrato de trabalho, após a reforma da autora, uma constatação de que a autora se manteve ao serviço da ré e disponível para prestar a sua força de trabalho. Assim, não se verificam preenchidos os requisitos previstos no citado artigo 343.º, al. c), pelo que, afigura-se-nos que não operou, in casu, a caducidade do contrato de trabalho. Como tal, tem a autora direito a receber as quantias por si peticionadas, respeitantes aos meses de retribuição não pagos (setembro a dezembro de 2022) e, bem assim, ao subsídio de refeição e de natal de 2022, no montante global de €11.450,56 (€8.800,00 (4 meses de retribuição) + €2.200,00 (subsídio de natal de 2022) + €450,56 (subsídio de refeição) – cfr. artigos 258.º, 263.º e 264.º, todos do CT. Em conclusão, a autora tem direito ao pagamento de €11.450,56, devendo a ré ser condenada no pagamento das prestações em dívida, procedendo, na íntegra, a presente ação (improcedendo o invocado abuso de direito da autora, por não resultar o mesmo demonstrado).” – fim de citação. Pois bem, tendo em conta a matéria de facto provada, acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer. Na verdade, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 348.º do CT, para que o contrato de trabalho celebrado entre as partes caduque por força da reforma por velhice do trabalhador, é necessário que o empregador lhe ponha termo no prazo de 30 dias a contar da data do conhecimento, por ambas as partes, daquela reforma; caso contrário, nada dizendo e permanecendo o trabalhador ao seu serviço, o contrato transforma-se automaticamente em contrato a termo resolutivo de seis meses, com as especificidades previstas no n.º 2 do mesmo normativo. Como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 08/02/2017, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos, a propósito do artigo 348.º do CT: <<É certo que, como salienta a sentença, esta norma insere-se no Capítulo respeitante à cessação do contrato de trabalho, mais especificamente na Secção II referente à caducidade do contrato de trabalho, mas a mesma não dispõe directamente acerca das condições ou dos pressupostos subjacentes a esta forma de extinção do vínculo laboral. Dispõe, sim, para as situações em que o trabalhador, após atingir a idade de reforma ou se encontrar na situação de reforma, não obstante, continua ao serviço do empregador, reconhecendo a lei que qualquer dos referidos factos não é inibidor de o trabalhador continuar a prestar o seu trabalho. Portanto, esta norma permite que o trabalhador, mesmo depois de passar à situação de reformado ou de completar 70 anos, continue a trabalhar para a sua entidade patronal. Trata-se de uma opção legislativa, ditada por razões de emprego. Mas, para isso, é necessário que a entidade patronal tenha conhecimento de que o trabalhador está reformado por velhice – cfr. artigos 88º nº1 do Dec.Lei 187/2007 e 348º nº1 CT. Conhecedor desse facto, o empregador pode então optar por pôr termo ao contrato, com esse fundamento, ou manter o trabalhador ao seu serviço. Para pôr termo ao contrato, o empregador tem então 30 dias, a contar da data do conhecimento, por ambas as partes, da situação de reforma por velhice. Se optar por manter o trabalhador ao seu serviço, basta deixá-lo nessa situação por período superior a 30 dias, altura em que o contrato se transmuta automaticamente em contrato a termo resolutivo de seis meses.>> Assim sendo, facilmente se conclui que inexiste qualquer razão à Ré. Na verdade, não resulta da matéria de facto que a Autora não executou qualquer tarefa nem tal implicaria, sem mais, a caducidade do contrato. Acresce que o artigo 348.º do CT refere a permanência ao serviço e não o exercício concreto das respetivas tarefas como, aliás, não poderia deixar de ser, desde logo, porque o facto de o trabalhador não se encontrar a desempenhar as suas concretas funções pode ter múltiplas causas, nomeadamente, a circunstância de o empregador não lhe atribuir qualquer trabalho. Por outro lado, a qualidade de sócia da Autora, sem mais, não belisca em nada o que ficou dito. E, como já ficou dito, ao contrário do alegado pela recorrente, por força do disposto no artigo 348.º do CT, a situação de reforma por velhice não origina a caducidade automática do contrato de trabalho. Por fim, os factos não revelam que a empregadora não quis o prolongamento do contrato, antes pelo contrário, posto que após ter sido notificada do deferimento da reforma por velhice da Autora, em junho de 2022, a Ré pagou-lhe os salários dos meses de julho e agosto e até comunicou à Segurança Social o vínculo da trabalhadora à Ré com efeitos a partir de 01/07/2022. Improcedem, assim, as conclusões da recorrente.
3ª questão Se há abuso do direito por parte da Autora Alega a recorrente que há abuso do direito por parte da Autora que, apesar de conhecer todas as circunstâncias apuradas nos autos, reclama o pagamento de salários a que não corresponde qualquer serviço. <<É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito>>. Tendo em conta a apreciação da anterior questão facilmente se conclui que a Autora não exerceu ilegitimamente o seu direito, ou seja, não excedeu de forma manifesta os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A Autora veio peticionar o pagamento dos salários no pressuposto da permanência ao serviço após a reforma por velhice, direito que lhe foi reconhecido. Assim sendo, ao contrário do alegado pela recorrente, inexiste abuso do direito em qualquer uma das suas modalidades, nomeadamente, venire contra factum próprio, supressio, tu quoque ou desequilíbrio no exercício. Na verdade, para que exista abuso do direito é necessário que o titular do direito o exerça de uma forma anormal quanto à intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros, em termos ofensivos da justiça e excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, o que não ocorreu no caso dos autos. * Improcedem, assim, as conclusões da recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida. * * IV – Sumário (…). * * V – DECISÃO Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida. * * Custas a cargo da Ré recorrente. *
Coimbra, 2024/02/23 ____________________ (Paula Maria Roberto) ____________________ (Felizardo Paiva) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva)
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