Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO EFEITO INTERRUPTIVO PERMANENTE CITAÇÃO/NOTIFICAÇÃO EM AÇÃO JUDICIAL ANULAÇÃO DA SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 03/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 298.º, N.º 1, 323.º, N.º 1, 326.º, N.º 1, 327.º, N.ºS 1 E 2, 498.º, N.ºS 1 E 3, DO CÓDIGO CIVIL E 662.º, N.º 2, AL.ªS B) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – O legislador não veda expressamente a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções da prescrição no âmbito do art. 323.º do Cód. Civil, pelo que a sua recusa apenas pode ser fundamentada em regras de interpretação que tenham acolhimento no art. 9.º do Código Civil. II – A citação/notificação efetuada numa ação judicial apresenta um efeito interruptivo permanente, inexistindo qualquer justificação para se considerar que a mesma apenas “pode ser utilizada uma única vez”. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 2990/20.8T8LRA.C1 Juízo Central Cível de Leiria – Juiz 3 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório AA e BB (na qualidade de filhos e herdeiros do falecido CC) intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, Fundo de Garantia Automóvel, DD e EE pedindo, na procedência da ação, “Ser a Ré companhia de Seguros ZURICH condenada ao pagamento de 145.495.00€ acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até pagamento e nas custas de parte. -Subsidiariamente e caso não exista seguro válido, serem os Réus Fundo de Garantia Automóvel, DD e EE solidariamente condenados ao pagamento aos AA. dos montantes de 145.495.00€ conforme descrito nesta petição inicial”. Invocaram, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação entre o ciclomotor com a matrícula 3...-..-..7 (conduzido pelo pai dos AA., Sr. CC) e o ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-DE (conduzido pela Ré EE), de acordo com a participação do acidente seguro na Ré Zurich, cuja produção se deveu à culpa da condutora deste último (infração do dever de cedência de passagem ao ciclomotor), acidente do qual resultou a morte do condutor do ciclomotor e os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreveram. * A Ré Zurich contestou invocando, ao demais, - que à data do acidente, não assegurava a cobertura dos danos provocados pelo veículo ligeiro, por resolução automática do contrato de seguro fundada na falta de pagamento do prémio, a prescrição dos créditos reclamados, e impugnando, quer os danos, quer a versão do acidente carreada pelos AA., antes atribuindo a responsabilidade pela sua produção ao condutor do ciclomotor - pai dos AA. (condução sob influência de álcool e circular na faixa destinada ao trânsito que seguia em sentido contrário). * O FGA na sua contestação arguiu a sua ilegitimidade (dada a existência de seguro válido) e impugnou quer a versão do acidente dada pelos AA., quer os danos alegados. * Os RR. EE e DD também contestaram, impugnando quer a versão do acidente, quer os danos reclamados e sustentando também estarem prescritos os créditos peticionados. * Os AA. responderam defendendo, com os fundamentos que dessa peça processual constam, a improcedência das exceções. * Na sequência do convite efetuado pelo tribunal - no sentido de suprirem a ilegitimidade ativa (caso existissem outros herdeiros) -, os AA. suscitaram o incidente de intervenção principal de FF, o qual, citado, veio apresentar articulado pedindo a condenação da Ré Zurich no pagamento da quantia de € 231.201 a título dos danos sobrevindos do acidente e, subsidiariamente, caso não exista seguro válido, serem os RR. FGA e DD condenados no pagamento do mesmo montante. * A Zurich e os RR. DD e EE contestaram o pedido do interveniente, ao demais suscitando a prescrição dos créditos e impugnando a factualidade respeitante ao acidente e aos danos. * Da sua parte, o FGA reproduziu, no essencial, o teor da contestação efetuada ao pedido dos AA. e sustentando que o montante a arbitrar ao chamado deve corresponder apenas à parte proporcional da herdeira no valor do ciclomotor da vítima a que os herdeiros atribuem o valor de € 1.000. * Saneado o processo, fixado o objeto do litígio e os temas da prova, realizou-se o julgamento, na sequência do que foi proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo “ 1. Julga-se totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, 2. Absolvem-se os Réus ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL, FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, DD e EE de todos os pedidos formulados pelos Autores AA, BB e pelo Interveniente Principal Activo FF”. * Os AA. interpuseram recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:” * O interveniente (chamado) FF também interpôs recurso que concluiu da forma seguinte: “ a) O instituto jurídico sobejamente estudado da responsabilidade extracontratual ou aquiliana que é aquele que deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual sobretudo no que ao prazo de prescrição para a invocação desse direito diz respeito. b) Refere o artigo 498.º do CC, nos seus diversos números que, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso, prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável, .... c) O que se discute é o saber se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer, como se sustenta acima, "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou, "conhecimento de ter direito à indemnização" ou em última análise e talvez não menos importante a consciência desse direito; d) No Código Civil italiano prescreve-se, no seu artigo 2947º para hipótese Similar referente ao enriquecimento sem causa: "Il diritto al risarcimento del danno derivante da fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato"; e) Confrontando os dois preceitos, verifica-se que o Codice Civile manda contar o prazo a partir de um momento de determinação objectivamente fácil, o da ocorrência do facto, mas, por outro lado, estabelece um prazo de prescrição curta mais longo que no direito português. f) Normalmente o conhecimento dos elementos constitutivos do direito coincide com a data do próprio facto de onde ao drástico encurtamento do prazo no direito português dever logicamente corresponder a possibilidade de retardamento do início da contagem do prazo. g) Casos há em que assim não é como das alegações atrás elaboradas; h) O parágrafo 852, alínea 1, do Código Civil alemão dispõe, também para caso idêntico: "A pretensão de indemnização do dano resultante de um acto ilícito prescreve em três anos a contar do momento em que o lesado obtém conhecimento do dano e da pessoa do obrigado a indemnização, e, sem atenção a este conhecimento, em trinta anos a contar da prática do acto " (Cfr. A. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, página 301); i) Quer dizer que, perante o direito alemão (que terá sido fonte do preceito sob interpretação) o prazo de prescrição não se inicia sem que o lesado saiba que o responsável tem o dever de o indemnizar. j) Esta linha de raciocínio vale inteiramente para o direito português perante a expressão legal "conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável". Como é que o lesado pode saber que alguém,uma pessoa determinada, é responsável se não a partir do momento em que sabe que sobre esse alguém recai o dever de o indemnizar? j) Nos trabalhos preparatórios, da autoria de Vaz Serra, aparecia assim projectado o artigo 730º n.º 3: "O crédito resultante de enriquecimento sem causa prescreve por três anos contados da data em que o credor teve conhecimento do seu direito de repetição e da pessoa do responsável e, em qualquer caso, no prazo ordinário da prescrição". l) A prescrição do artigo 498º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os lesados a, podendo e querendo exercer o direito à indemnização, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal (Cfr. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, páginas 299 e 300). m) O lesado pode ter conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito e não ter, todavia, conhecimento do direito à indemnização; ora, é a este e não aqueles que a Lei se refere . n) Além de Vaz Serra, este entendimento pode confortar-se com o ensino de Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", I vol., página 436: "Fixou-se o prazo de três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização (...)". "(...) prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (...)". o) O prazo de prescrição de três anos começa, pois, a contar a partir do momento em que a pessoa que reclama a restituição conhece os pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar po responsabilidade extracontratual, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles faça. O conhecimento do direito à indemnização baseada na responsabilidade civil extracontratual vem a ser a consciência da possibilidade legal da indemnização, ou seja, a perceção pelo Lesado. A tomada de consciência sobre o seu direito. p) O que quer dizer que o referido prazo prescricional se inicia na data em que o titular do direito lesado tiver consciência da possibilidade legal de ressarcir os danos que lhe foram causados através daquele instituto, isto é, a partir da data em que conhecendo os pressupostos que condicionam o seu exercício soube que estes se encontravam reunidos e que, por isso, podia peticionar judicialmente o seu ressarcimento. q) Resta então saber, se no caso sub-judicie, o prazo prescricional para a invocação do direito indemnizatório do interveniente principal atiivo, iniciou-se, ou não, com o falecimento da GG que se verificou a 17 de Dezembro de 2014 ou em outra altura que não esta, nomeadamente a data de 5 de Maio de 2021, data em que foi citado para intervir no processo em causa. r) São pois várias as situações que, nos permitem afirmar que o início da contagem do prazo prescricional, não resulta do "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou, "conhecimento de ter direito à indemnização" mas sim da consciência desse direito; s) O Interveniente Principal apenas teve consciência do direito na data em que foi citado, até essa data, não havia razão que pudesse ser invocada da consciência ou sequer do conhecimento do direito indemnizatório de que o Interveniente se pudesse arrogar”. * O FGA respondeu a ambos os recursos defendendo a improcedência dos mesmos, sintetizando o alegado com as seguintes conclusões: (…). * A Ré Zurich também ofereceu resposta a ambos os recursos, que concluiu da seguinte forma: (…). Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção prévia dos contributos e dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. II-Objeto do recurso III-Fundamentação A – Da existência de seguro válido No recurso apresentado os AA. sustentaram que “O veículo interveniente com a matricula ..-..-DE beneficiava de seguro válido à data do acidente em causa, impondo-se condenar a 1.ª Ré ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL nos pedidos contra si formulados”. Na apreciação da exceção (inexigibilidade da prestação face à Ré Zurich ou, como intitulado pelo tribunal recorrido “VALIDADE DO SEGURO/LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA DA 1.ª RÉ – Saber se existia contrato de seguro válido e eficaz à data dos factos”) – o tribunal considerou como provados 2 factos: 1.º - “o acidente em causa ocorreu no dia 08 de outubro de 2008”, 2.º - “a apólice de seguro n.º ...97, da 1.ª Ré ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL relativo ao veículo interveniente com a matricula ..-..-DE estava anulada por falta de pagamento desde ../../2008 e deu origem ao Processo de Contra-Ordenação nº ... e consequente Auto de Apreensão de Veículo, em 10 de Novembro de 2008”. Nas conclusões apresentadas os recorrentes limitam-se a indicar um facto que se encontra em colisão com outro que o tribunal deu como provado (anulação do contrato de seguro), pelo que, na mais generosa interpretação, o recurso versa também sobre impugnação da matéria de facto. Todavia, estando em causa a impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 640.º, n.º 1 do CPC, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição O cumprimento deste ónus (a satisfazer em sede de alegações de recurso) deve ser compatibilizado ainda com o disposto no art. 639.º, n.º 1 do CPC “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Ou seja, quando se impugne a matéria de facto, as conclusões devem conter os elementos que permitam identificar o objeto do recurso. Ora, na situação presente, os recorrentes não indicaram nas conclusões as razões de divergência, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, tendo-se limitado a referir “O veículo interveniente com a matricula ..-..-DE beneficiava de seguro válido à data do acidente em causa”. Assim, na falta dessa indicação, face ao disposto no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, decorre a rejeição do recurso interposto quanto à pretendida modificação da matéria de facto. Rejeição essa que, na ausência de contrato que a vincule a satisfazer qualquer indemnização, implica o resultado alcançada na decisão recorrida, ou seja, a absolvição da Ré Zurich relativamente aos pedidos formulados pelos AA. e pelo chamado.
B – Da prescrição dos créditos reclamados pelos AA. relativamente aos RR. EE e DD * Estatui-se no n.º 1 do art. 298º do C.C. que "estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição". Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 445) define a prescrição extintiva como "o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos". A prescrição extintiva é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de conveniência ou oportunidade mas também, e no dizer de Mota Pinto, "à ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo - dormentius non sucurrit Jus -" (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1983, pág. 374). O direito que os AA. pretendem ver reconhecido na presente ação emerge de responsabilidade civil decorrente da prática de facto ilícito por parte da condutora do veículo ..-..-DE (a Ré EE), cuja produção alegadamente se deveu à culpa desta (infração do dever de cedência de passagem ao ciclomotor), e do qual resultou a morte do condutor do ciclomotor (pai dos AA.). Assim, o facto gerador de responsabilidade é a violação por parte da condutora do veículo DE de regras estradais (facto ilícito) e, assim, estamos inseridos no âmbito de responsabilidade civil extracontratual. Conforme preceitua o n.º 1 do art. 498.º do C.C., o prazo prescricional normal para a obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade extracontratual é de 3 anos. Não obstante, adianta-se no n.º 3 desse normativo que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Embora esta conclusão possa não apresentar total coerência no plano do sistema jurídico - visto na sua globalidade -, mau grado a absolvição da condutora no âmbito criminal[4], importa aceitar, acolhendo-se a opinião jurisprudencial maioritária tirada a este propósito[5], tal como fez a primeira instância, que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, por força do disposto nos arts. 137.º, n.º 1 e 118.º, n.º 1, c), ambos do Código Penal. Tendo o acidente ocorrido a 08.10.2008 é a partir dessa data que se inicia o decurso do prazo de prescrição. De acordo com o art. 323.º, n.º 1, do Cód. Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Por outro lado, tal interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo ou, resultando a interrupção de citação, notificação ou ato equiparado, a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (art. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do Cód. Civil). Na situação dos autos, em momento prévio à presente, os AA. reclamaram o pagamento dos danos em duas ações; primeiro no processo 4278/10 (cuja instância foi declarada deserta a 01.06.2016) e, depois, no processo 3092/17 (cuja instância foi declarada extinta em 07.09.2018 por falta de pagamento pelos AA. da taxa de justiça devida). Face à propositura dessas duas ações anteriores, a questão que se coloca é a de saber se o prazo prescricional pode, no âmbito do art. 323.º do Cód. Civil, ser objeto de sucessivas interrupções, mais objetivamente se as citações efetuadas no processo 3092/17.... e no presente têm ainda a virtualidade de interromper a prescrição. A decisão recorrida, sustentando-se na jurisprudência nela citada, concluiu no sentido de a citação, como causa de interrupção da prescrição, “só pode ser utilizada uma única vez”, ou seja, não terem efeitos interruptivos da prescrição as citações efetuadas no processo 3092/17.... e no presente. Uma primeira nota para se assumir que o legislador não veda expressamente a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções, pelo que a sua recusa apenas pode ser fundamentada em regras de interpretação que tenham acolhimento no art. 9.º do Código Civil. A segunda nota para se deixar evidenciado que a solução defendida na decisão recorrida pode conduzir a resultados incoerentes e até irrazoáveis em termos de sentido de justiça, tais como o admitir que a prescrição possa ocorrer na pendência de uma ação judicial e após a citação dos RR[6]. Conhecida a divergência jurisprudencial - de resto esgrimida na decisão recorrida e no recurso e que, como tal, nos dispensamos de reproduzir aqui – entende-se que a resolução desta controvérsia não prescinde da consideração do efeito interruptivo permanente que a citação em ação judicial incorpora. A este propósito, releva o sustentado no acórdão do STJ de 21.06.2022 (proferido no processo 841.21.... e disponível em www.dgsi.pt) onde se exarou: “É, todavia, particularmente importante para a questão que nos ocupa a distinção entre causas interruptivas de efeito instantâneo e de efeito permanente, duradouro ou continuado: “nas primeiras, no próprio momento em que se realiza o acto interrompe-se a prescrição, mas começa, de imediato, a correr um novo prazo prescricional, enquanto nestas últimas a prescrição interrompe-se durante um certo período de tempo.” (cfr. Comentário ao Código Civil, Fac. De Direito, U. Católica Editora, 2014, Parte Geral, anot. ao art.º 326, p. 775). Serão de efeito instantâneo a notificação judicial avulsa em que o direito é exercido pelo respectivo titular ou este exprime a intenção de o exercer (aparentemente enquadrável no art.º 323, nº 4, do CC), e o reconhecimento do direito previsto no art.º 325 do CC. Serão de efeito permanente, duradouro ou continuado a citação, notificação ou acto equiparado em processo pendente e o compromisso arbitral, causas interruptivas a que alude o nº 1 do art.º 327 do CC. O efeito é permanente, duradouro ou continuado porque o novo prazo prescricional não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo onde se dá o facto interruptivo. No seu estudo sobre Prescrição extintiva e caducidade, publicado no BMJ 106, fornece Vaz Serra (págs. 248-249) a explicação para a eficácia permanente de algumas causas de interrupção: “Eficácia permanente têm os actos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não está inactivo (…) A prescrição só recomeçará correr a partir do momento em que transite em julgado a sentença que põe termo ao processo (…). É evidente que, se a sentença julgar improcedente o pedido não há que falar em prescrição, visto que se decidiu não existir o direito. Se, pelo contrário, o julgar procedente, começa, a partir dela novo prazo prescricional.” Estas causas interruptivas de efeito duradouro ou continuado integram-se em processos nos quais, de alguma maneira, o titular do direito visa termo à sua inércia, pela declaração do direito ou pela sua exigência ao obrigado. Por este motivo, as causas interruptivas com esse efeito, ainda que sucessivas, não podem – como é evidente – ter-se por contraditórias com o já apontado fundamento da prescrição ligado à ideia de certeza ou segurança jurídicas. Aceita-se, no entanto, que as causas de interrupção de efeito instantâneo não possam suceder-se ou repetir-se, sob pena de com isso se prolongar ou modificar o prazo fixado pela lei para além do que seria razoável. Todavia, sempre que a nova interrupção pertença a um processo em que o titular do direito quer exercê-lo de algum modo, seja por via de acção declarativa seja por via de uma acção executiva, processo em que a citação tem o efeito de interrupção permanente ou continuada do nº 1 do art.º 327 do CC, não há justificação para se negar a sucessão de interrupções. É que o legítimo exercício do direito pelo titular supõe necessariamente uma nova interrupção proveniente da citação do demandado. E até correrá novo prazo de prescrição a partir da decisão final transitada para desencorajar nova inércia do titular do direito”. Em suma, tratando-se de atos permanentes de efeito interruptivo, as citações efetuadas, quer no âmbito do processo 3092/17...., quer no presente, podem relevar para efeitos do disposto no art. 323.º, n.º 1 do Cód. Civil. Ponto é que, à data de cada uma dessas citações, o prazo prescricional ainda não tivesse decorrido. Ora, a primeira ação (4278/10....) findou por deserção da instância, pelo que, nos termos do art. 327.º, n.º 2 do Código Civil, o novo prazo de prescrição começou a correr após o ato interruptivo, ou seja, desde a citação dos RR. nesse processo, ou tratando-se de intervenientes admitidos posteriormente, desde a notificação dos RR. quanto ao pedido por estes formulado, e não a partir do trânsito em julgado da decisão final. Não resulta provado pela 1.ª instância a data em que essa citação/notificação se efetivou, nem mesmo a data em que foi instaurada a ação - para eventual aproveitamento dos efeitos da presunção a que se refere o art. 323.º, n.º 2 do Código Civil. Tal como também não resulta quem foram os sujeitos passivos da ação e que foram citados/notificados dos pedidos respetivos. Surpreende, de resto, atenta a natureza das questões em presença, a exigirem a produção de prova documental, que a 1.ª instância tenha fundamentado a sua decisão a este propósito num conjunto de factos que, para além de virem acompanhados de qualquer explicitação dos meios de prova em que assentem, não apresentam nos autos qualquer suporte documental probatório (até para eventual aproveitamento e valorização nesta instância), para além dos que foram juntos pela Ré Zurich e que se referem a 2 requerimentos apresentados no processo 4278/10.... (os quais, em rigor, nada esclarecem quanto ao conteúdo dessas ações). Impõe-se, por isso, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, b) e c) do CPC, a anulação da decisão proferida a este propósito pela 1.ª instância, a fim de, depois de ordenar a produção da prova documental atinente aos processos 4278/10.... e 3092/17...., e assegurado o contraditório respetivo, se pronuncie, em nova sentença, limitada à parte em que ainda não ocorreu o trânsito em julgado (sendo que a pretensão dirigida contra a Ré Zurich fica definitivamente resolvida com o trânsito em julgado deste acórdão), quanto à seguinte factualidade: * Sumário[7]: (…).
IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, * As custas de cada um dos recursos serão suportadas em partes iguais pelos recorrentes respetivos e pelos recorridos FGA, DD e EE (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 5 de março de 2024
(Paulo Correia)
(Catarina Gonçalves) (Arlindo Oliveira)
[1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Catarina Gonçalves e Arlindo Oliveira [2] - Sendo que, tratando-se de provas gravadas incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (art. 640.º, n.º 2, a) do CPC). [3] - No recurso interposto os AA. defenderam o mesmo quanto à Ré Zurich, objeto esse que se encontra prejudicado pela circunstância de se ter concluído que, na inexistência de contrato de seguro vinculativo, a Ré Zurich não é responsável pelo pagamento dos danos reclamados. [4] - menor coerência precisamente pela circunstância de a jurisdição criminal competente ter decidido que inexistia a prática de crime, ou, dito de forma mais rigorosa, ter absolvido a arguida da prática do crime. [5] - Por todos, acórdão do TRL de 06.01.2022, proferido no processo 4294/20.7T8SNT.L1-6 [6] - Admitamos, por exemplo, que o beneficiário de um crédito sujeito a um prazo de prescrição de 3 anos, com início do seu curso a 01.01.2020, intenta ação judicial com vista ao seu ressarcimento, tendo os RR. citados em 01.06.2020. Admitamos ainda que nessa ação o tribunal vem a declarar-se incompetente, em razão da matéria, por decisão transitada em julgado em 01.06.2022, não tendo ocorrido a remessa do processo a que se refere o art. 99.º, n.º 2 do CPC. O beneficiário intenta nova ação em 10.01.2023 mas, apesar disso, não beneficiando, nessa nova ação, da citação como causa interruptiva da prescrição, o seu crédito deve ter-se por prescrito a partir de 01.06.2025, se nessa data ainda não tiver sido proferida decisão de mérito que aprecie o pedido formulado (na pendência da ação, portanto, e sem que a demora lhe possa ser imputável). |