Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2242/20.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO FERNANDO SILVA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE DANOS PRÓPRIOS
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
AQUISIÇÃO DE VIATURA DE SUBSTITUIÇÃO
DANO FUTURO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 562.º, 564.º, N.º 2, 566.º, N.º 2, E 798.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O dano da privação de uso é ressarcível quando o lesado demonstre que pretende usar a coisa ou efectivamente a usa.
II – O facto de o lesado ter adquirido viatura para substituir a viatura acidentada pode constituir um dano autónomo, quando se analise em despesa suportada por período de tempo prolongado, sem recebimento do capital seguro por facto imputável à seguradora.

III – A mera afirmação de que a entidade onde a viatura acidentada se encontra parqueada comunicou que estaria a debitar certa quantia por aquele parqueamento não permite configurar um dano actual nem um dano futuro ressarcível.


Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral: Relator: António Fernando Silva
Adjuntos: Luís Ricardo
Cristina Neves

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            A..., Lda. intentou a presente acção contra B..., Companhia de Seguros, SA, formulando os seguintes pedidos:

- Deve a R. ser condenada a indemnizar a A. no montante seguro, ou seja, 136.710,00€ (cento e trinta e seis mil euros);

- Deve a R. ser condenada a indemnizar a A. pela privação do uso do veículo no montante 175€/dia a contar de 08/05/2019 até integral reconstituição da situação existente antes do acidente, tendo por base o valor do aluguer de viatura idêntica à sinistrada (que até à data se cifra em 74.025,00€ (setenta e quatro mil e vinte e cinco euros)), ou, caso assim não se entenda, deverá sempre a mesma ser condenada pelos valores das rendas do ALD vencidas e pagas pela A. desde o mês do sinistro até integral reconstituição da situação existente antes do acidente, valor que até à data perfaz 19.868,55€ (dezanove mil oitocentos e sessenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos)

- Deve a R. ser condenada a reembolsar a A. do valor remanescente das despesas de transporte da viatura para a oficina, no valor de 150,00€ (cento e cinquenta euros);

- Deve a R. ser condenada a reembolsar a A. pela despesa do aluguer do veículo de substituição, no valor de 531,48€ (quinhentos e trinta e um euros e quarenta e oito

cêntimos);

- Por fim, deve a R. ser condenada ainda a pagar à C... o valor respeitante ao parqueamento da viatura sinistrada no valor de 18,45€ diários a contar desde 13/05/2019 até integral reconstituição da situação existente antes do acidente (que até à data, perfaz o valor de 7.675,20€ (sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos));

- Tudo perfazendo um valor indemnizatório total mínimo, calculado até à data de propositura da presente ação, de 164.935,23€ (cento e sessenta e quatro mil novecentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos) ao qual acrescem juros de mora até efetivo e integral pagamento.

            Estando em causa viatura objecto de contrato de aluguer e promessa de compra e venda celebrado com o Banco 1..., começou por requerer a intervenção principal deste Banco.

            Alegou depois, no essencial, que:

            - celebrou com a R. contrato de seguro de danos próprios relativa a veículo Tesla;

            - em 06.04.2019 o condutor habitual do veículo perdeu o seu controlo e embateu num muro de pedra, sofrendo a viatura danos consideráveis.

            - a R. não aceitou pagar o transporte para a oficina escolhida, alegando que só assumia o pagamento do transporte para a oficina mais próxima, no caso Lisboa, tendo aquela pago 150 euros, sendo a A. quem procedeu ao pagamento do valor restante;

            - foram depois efectuadas diversas diligências de peritagem, tendo a A. dificuldade em obter informação sobre o estado do processo até Maio de 2019, quando foi informada que fora considerada a perda total do veículo e estava em falta a determinação do valor do salvado, a qual demoraria dois ou três dias, prazo após o qual soube que este valor estava fixado;

- perante tal informação, e tendo em conta que o prazo de disponibilização de viatura de substituição estava a terminar, a A. procedeu à encomenda de uma nova viatura para substituir a viatura sinistrada, a qual, igual à sinistrada, foi entregue em 29.05.2019;

            - entretanto a A. obteve nova informação da R. segundo a qual a viatura poderia ser reparada, o que a A. não aceitou, dando ordem para desmontar mas não para a reparar;

            - após seguiu-se período de espera relativo à efectivação da peritagem e sem a A. conseguir obter informações ou informações esclarecedoras, até nova informação indicar que havia decisão de perda total, tendo depois recebido email onde se referia que a perda era parcial;

            - a R. passou a pressionar a A. no sentido de dar ordem de reparação, o que esta não fez por não confiar na informação prestada e por entender que a reparação não poderia recuperar devidamente a viatura (com 3 meses à data do acidente), mormente por ter torcido o chassis (não permitindo as correções que um chassis normal em aço possibilita);

- acresce que a nova viatura custou 100.980 euros, ao passo que a viatura sinistrada foi adquirida por 136.710 euros, tendo ocorrido baixa do preço, e o capital seguro correspondia ao valor pelo qual a viatura sinistrada fora adquirida, e a desvalorização da viatura nova também desvalorizaria o salvado, em prejuízo da R., que por isso não quer assumir a perda total;

- em 07.10.2019 a A. recebeu missiva da R. informando que a peritagem do veículo estava concluída e que o valor aprovado para a reparação era de 149.187,78 euros – respondeu solicitando decisão sobre a perda total – obteve resposta com correcção do valor da reparação, que se cifraria em 60.133,70 euros;

-iniciaram-se então negociações, com novas peritagens, que culminaram em comunicação pela qual a R. informou estar disponível para proceder ao pagamento da reparação do veículo, no valor de 60.133,70 euros, acrescentando o valor da bateria, danificada, (28.920,38 euros) e com dedução da franquia (5.480 euros);

- o que a A. não aceitou por ter dúvidas sobre a viabilidade e efectividade da reparação, tendo também sido informada (pela oficina) que aditamentos iriam surgir no decurso da reparação, o que, considerando o valor da mão-de-obra, iria previsivelmente levar o valor para o ordem dos 100.000 euros, valor equivalente ao de uma viatura nova, o que retirava sentido à reparação;

- também porque a reparação é tão extensa que importará uma desvalorização drástica do veículo, inviabilizando qualquer venda por parte da A.;

- e porque a proposta não contempla outros valores dos quais considera ter que ser indemnizada;

- apenas em Janeiro de 2020 a R. comunicou a sua decisão final e a viatura continua na oficina, desmontada (ainda que fosse reparada, o tempo previsto para a reparação é de cerca de 6 meses), pelo que a A. deverá ser indemnizada pelo período de privação, tendo por referência o valor diário de aluguer de uma viatura com as mesmas características da sinistrada (175 euros/dia), considerando o termo do período (30 dias) em que teve viatura de substituição e a data da instauração da acção (423 dias) – 74.025 euros;

- a viatura sinistrada é objecto de um contrato de aluguer pelo qual a A. paga ao Banco 1... o valor mensal de 1.324,57 euros, que continuou a pagar, perfazendo 19.868,55 euros, que também reclama;

- caso assim não se entenda, deverá a privação do uso ser medida pelo valor das rendas do ALD;

- o aluguer da viatura de substituição foi pago pela A., não tendo a R. procedido ao respetivo reembolso, o que requer;

- a oficina comunicou à A. que está a debitar o valor de 18,45 euros (com IVA) por cada dia de parqueamento da viatura nas suas instalações, desde a data de desmontagem do veículo (13.05.2019), o que perfaz 7.675,20 euros, que deve ser paga à entidade parqueadora;

- deve ainda a R. indemnizar a A. no montante seguro, ou seja, 136.710 euros, por a reparação não ser viável.

A R. contestou, essencialmente impugnando a versão da A., tendo em especial assumido a responsabilidade pelo pagamento, circunscrevendo a questão pendente apenas à determinação da medida desse pagamento, e apontando incongruências quanto aos valores e pedidos formulados.

Foi admitida a intervenção principal activa do Banco 1..., o qual, citado, juntou procuração.

Foi efectuado o saneamento da causa e actos subsequentes, e realizada a audiência de julgamento.

A A. informou entretanto ter liquidado o crédito junto do Banco 1....

Foi depois proferida sentença que, como questão prévia, julgou verificada a inutilidade superveniente da lide quanto ao Banco 1..., tendo depois decidido:

condenar a R., a entregar à A., as seguintes quantias:

- €115.572,60, (cento e quinze mil, quinhentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos);

- €37.012,50 (trinta e sete mil, doze euros e cinquenta cêntimos);

- A quantia correspondente a €18,45 diários pelo parqueamento, a contar desde 13/05/2019 até integral reconstituição da situação existente antes do acidente, ou seja, pagamento da indemnização pela perda total acima já referida (que até à data da propositura da presente acção perfaz o valor de €7.675,20 (sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos),

tendo absolvido a R. do restante que fora também pedido.

Desta decisão foi interposto recurso pela R., circunscrito à condenação em indemnização pela privação do uso e pelo parqueamento, a qual terminou formulando as seguintes conclusões:

(…).

A R. respondeu, pugnando pela manutenção do decidido, porquanto a aquisição de nova viatura não anula o dano da privação do uso e a R. é responsável, dada a sua conduta, pelas despesas ocasionadas pelo sinistro.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, são as seguintes as questões a tratar:

- avaliar se é devida indemnização pela privação, em sentido amplo, da viatura acidentada;

- avaliar se é devido o valor correspondente ao parqueamento da viatura acidentada.

 

III. Estão tidos por assentes os seguintes factos:

1. Em 19 de dezembro de 2018 a D..., Lda, empresa ora Autora, celebrou com o Banco 1... o Contrato de Aluguer e Promessa de Compra e Venda n.º ...00.

2. O supra referido contrato tem com objecto o aluguer de longa duração do veículo Tesla Model..., com o chassis nº ..., ao qual foi atribuída a matrícula ..-VU-...

3. Em 06 de abril de 2019, o Sr. AA, sócio gerente da Autora, condutor habitual do veículo em causa, por força da existência de gelo acumulado na estrada, perdeu o controlo do carro e este despistou-se.

4. Aquando do despiste a viatura embateu com a frente e com a traseira nas bermas da estrada e num muro de pedra.

5. Do despiste resultaram danos na viatura.

6. Foi feita a participação do sinistro à seguradora nos termos do documento 16.

7. Em Portugal, à data do evento, apenas existiam duas oficinas autorizadas para a reparação de viaturas da marca TESLA, uma no Porto e outra em Lisboa.

8. A A., por ter boas referências da oficina, solicitou que o veículo fosse levado para a oficina do Porto, a C..., Lda (doravante C...).

9. A R. não aceitou pagar o transporte para a oficina selecionada, alegando que só assumia o pagamento do transporte para a oficina mais próxima, no caso, Lisboa, tendo apenas comparticipado com 150€, sendo que foi a A. quem procedeu ao pagamento do valor remanescente (cfr. Fatura que se junta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, DOC. 17).

10. Da informação transmitida à A., o perito designado pela Ré foi pela primeira vez à oficina em 10 de abril de 2019, conforme email recebido que se junta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, DOC. 18.

11. A partir daí, e por informação prestada pelo responsável da oficina, foram agendadas diversas diligências de peritagem com o perito da seguradora, justificadas pela extensão dos danos e pela especificidade do veículo pelo facto de ser um elétrico de alta cilindrada.

12. Durante as semanas seguintes ao sinistro o responsável da A. por diversas vezes foi ligando para o call center da R. para saber do ponto de situação do processo, sendo que nunca lhe era dada qualquer informação.

13. Com o passar do tempo a A., considerando já ser altura de ter uma resposta sobre o estado do processo, passou a telefonar também diretamente para a oficina,

14. Sendo a partir daí que conseguiu ter uma ideia do andamento do processo.

15. Nomeadamente, era o responsável da oficina que lhe ia informando que a peritagem ainda não estava concluída e que o perito lá voltaria noutra data.

16. Da informação que a A. foi conseguindo obter, por vezes o perito agendava datas para continuação da peritagem e não comparecia na oficina.

17. Por outras vezes a A. recebia uma mensagem automática a informar que havia novas informações sobre o processo na oficina, mas ao telefonar para a C... percebia que se tratava de informação errada.

18. No início do mês de Maio de 2019, o sócio gerente da A. voltou a telefonar para o apoio ao cliente da R. e o operador com quem falou informou-o de que no processo estava o relatório do perito e que o mesmo apontava para a perda total do veículo, sendo que apenas estava em falta a determinação do valor do salvado que demoraria dois ou três dias.

19. Passos os três dias voltou a telefonar e foi-lhe comunicado que já tinham o valor do salvado e que o gestor do processo iria enviar email a comunicar toda essa informação.

20. Perante tal informação, e tendo em conta que o prazo da viatura de substituição estava a terminar, a A. procedeu à encomenda de uma nova viatura para substituir a viatura sinistrada.

21. A nova viatura, igual à sinistrada, foi entregue à A. em 29 de maio de 2019, conforme faturas que se juntam, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, DOCS. 19 e 20.

22. Duas semanas depois, uma vez que não tinha recebido por escrito comunicação da decisão de perda total nem do valor do salvado, o responsável da A. voltou a contactar o apoio ao cliente da R.

23. Qual não é o seu espanto quando neste telefonema o operador lhe dá informação totalmente contraditória com a do telefonema anterior.

24. Desta vez o operador que atendeu a chamada informou que possivelmente não se trataria de uma perda total, fundamentando a sua afirmação nas fotos do acidente que, segundo ele, não demonstravam danos suficientes para se tratar de perda total.

25. Ora, nunca a A. aceitou a possibilidade da reparação do veículo, por considerar que os danos foram tão extensos que nenhuma reparação colocará a viatura em estado igual ao da data do sinistro, ou seja, novo, pois naquela data o veículo tinha apenas 3 meses.

26. Nesta altura, para que se pudesse apurar em concreto os danos da viatura a A. acabou por dar ordem de desmontagem do veículo, não tendo contudo, apesar da pressão nesse sentido, dado ordem de reparação.

27. O responsável da A. deslocou-se então à C... para ele próprio verificar os danos da viatura, tendo constatado a debilidade estrutural da mesma.

28. A A. foi contactando a oficina que informava não haver ainda relatório final de peritagem e que o perito ainda se deslocaria mais algumas vezes à oficina para contabilização dos valores da peças necessárias à eventual reparação.

29. A partir daqui iniciou-se um longo período em que a A. procurava, junto do apoio ao cliente da R., saber informações sobre o processo, as peritagens e nada lhe era dito, não havia informações a dar, afinal não havia relatório final de peritagem.

30. O responsável da A., por perceber que os operadores do call center não tinham acesso a toda a informação, pois apenas conseguiam ver o que lhes estava disponível dos ficheiros informáticos do processo, pediu por diversas vezes para falar com o gestor de processo o que lhe foi sempre negado.

31. Chegou mesmo a solicitar uma reunião com alguém da estrutura diretiva da R., pedido que também recebeu resposta negativa.

32. Entretanto, o responsável da oficina informou que ele próprio elaborou uma listagem das peças necessárias, com os respetivos valores, bem como valores dos trabalhos a efetuar na viatura e remeteu o relatório diretamente para a R.

33. Em meados de julho de 2019, num contacto telefónico para o apoio ao cliente, foi a mandatária da A. informada que existia no processo o relatório final do perito e que o mesmo apontava para uma reparação no valor de 61.300€ (sessenta e um mil e trezentos euros).

34. Nesse mesmo contacto informaram ainda que o processo estava para decisão superior que seria comunicada à A. na semana seguinte.

35. Como não houve na dita semana qualquer comunicação da R., a A. voltou a contactar o apoio ao cliente em 29 de julho de 2019.

36. Nesse contacto foi a A. informada da existência de um relatório final e da decisão que era de perda total.

37. De imediato a mandatária da A. remeteu email a solicitar esclarecimentos.

38. Ao que a R. respondeu em 30 de julho de 2019, por email também, informando “...ter recebido relatório estimativa de orçamento, pelo quem estamos perante uma perca parcial (reparação), não se repercutindo em perca total.”, conforme email que se junta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos, DOC. 21.

39. A partir desta data a R. passou a pressionar a A. no sentido de dar ordem de reparação do veículo.

40. Contudo, a A. nunca aceitou dar ordem de reparação do veículo porque, por um lado, no meio de tantas contradições e atendendo que por duas vezes lhe haviam dito tratar-se de perda total, não estava confiante na informação que lhe era transmitida e pretendia que lhe fosse fornecido o relatório pericial e devidamente esclarecido o seu teor.

41. Por outro lado, por considerar que a reparação não será tecnicamente viável e apta a deixar o veículo nas condições em que se encontrava antes do acidente, isto tudo atendendo que a viatura era nova (apenas tinha 3 meses) à data do sinistro.

42. Isto porque, em virtude do despiste o veículo torceu o chassis, o que se pode constatar de forma evidente pela excessiva torção das longarinas frontais, e ainda pelo encarquilhar do chassi sob a porta traseira do lado esquerdo, conforme fotografias que se juntam, DOCS. 22 a 29.

43. Importante referir que o chassis da viatura é integralmente em alumínio, o que não permite as correções que um chassis normal em aço possibilita, rasgando ou partindo facilmente, comprometendo assim a segurança da própria viatura e, consequentemente, dos seus ocupantes.

44. Estes foram certamente os fundamentos da peritagem para apontar inicialmente para perda total.

45. Ninguém até agora garantiu que a viatura após reparação venha a ficar como estava antes do sinistro, aliás, nem a oficina reparadora assume essa garantia.

46. Importa por isso ressalvar que, perante estes factos o valor da reparação acaba por ter pouca relevância, pois por questões técnicas a viatura terá, necessariamente, que ser considerada perda total.

47. A A. adquiriu veículo novo, com as mesmas características da viatura sinistrada, pelo montante de 100.980,00€ (cem mil novecentos e oitenta euros), ao passo que a viatura sinistrada foi adquirida pelo valor de 136.710,00€ (cento e trinta e seis mil setecentos e dez euros) DOC.3.

48. A R. não assume a perda total.

49. Em 7 de outubro de 2019 a A. recebeu uma missiva da R. na qual esta informava que a peritagem do veículo estava concluída e que o valor aprovado para a reparação do mesmo era de 149.187,78€, contudo ressalvam “sem qualquer compromisso de responsabilidade”, conforme fotocópia que se junta, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos, DOC. 30.

50. Ora, face a todas as contradições já relatadas, a mandatária da A. logo no dia seguinte enviou email acusando a receção da carta e, uma vez o valor de reparação comunicado era superior ao valor da viatura e ao valor segurado, solicitando rápida decisão final no sentido da perca total do veículo.

51. No dia 9 de outubro de 2019, responde a R., por email, que a missiva datada de 7 de outubro continha afinal um lapso no valor indicado para a reparação dos danos e que onde se lê 149.187,78€ dever-se-ia ler 60.133,70€.

52. Nesse email a R. informa ainda que a A. será contactada pelo seu perito liquidatário para agendamento da tão solicitada reunião.

53. Ora, de facto o contacto prometido aconteceu e foi agendada reunião para o dia 4 de novembro de 2019, nas instalações da A.

54. Nessa reunião estiveram presentes o sócio gerente da A., a sua mandatária e a perita liquidatária da R., a Dra. BB.

55. As negociações decorreram a partir daí com diversos contactos telefónicos e de email até ao mês de janeiro de 2020.

56. Neste período o perito da R. voltou a deslocar-se à oficina onde se encontra o veículo e realizou diversas novas diligências de peritagem.

57. Em 8 de janeiro de 2020, a senhora perita da R. informou que a resposta decorrente das negociações seria dada por escrito pela R.

58. Assim foi, no dia 17 de janeiro de 2020 chegou ao escritório da mandatária da A. comunicação datada de 15 de janeiro onde a R., fazendo tábua rasa de tudo o que foi discutido em sede de negociações, informa que se encontra disponível para proceder ao pagamento da reparação do veículo, no valor de 60.133,70€, mediante a apresentação de fatura-recibo emitida pelo reparador.

59. Acrescenta apenas o valor de 28.920,38€ (vinte e oito mil novecentos e vinte euros e trinta e oito cêntimos) respeitante à bateria do veículo que se encontra danificada.

60. Ao valor da reparação terá que ser deduzido o valor da franquia: 5.480,00€ (cinco mil quatrocentos e oitenta euros), pelo que a R., na sua proposta, assume o pagamento da reparação no valor total de 83.574,08€ (oitenta e três mil quinhentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos), conforme comunicação que se junta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos, DOC. 31.

61. A A. não aceitou a proposta da R. para reparação do veículo por diversos motivos.

62. Primeiro que tudo a A. tem sérias dúvidas da viabilidade técnica da reparação proposta pela R., pelos valores mencionados, e bem assim da possibilidade de a viatura ficar nas condições de segurança exigíveis e existentes à data do sinistro, sobretudo porque ninguém lhe garante isso.

63. A reforçar as dúvidas da A. está a convicção dos responsáveis da oficina reparadora que asseguram que o valor final encontrado será necessária e inevitavelmente objecto de aditamentos à medida que for sendo feita a reparação, o que demonstra que a reparação proposta pela R. não é apta a restituir a situação existente antes do sinistro.

64. Ora, tendo uma reparação que a R. assume no valor de 89.054,70€ (oitenta e nove mil e cinquenta e quatro euros e setenta cêntimos) que os técnicos asseguram terá aditamentos, atendendo ao valor de mão de obra tabelado pela marca TESLA no valor de cerca de 120€/hora (ao qual acresce o IVA), e bem assim o elevado custo das peças para o veículo em causa.

65. Facilmente se prevê que os aditamentos que venham a acontecer atinjam um valor aproximado dos 100.000,00€ (cem mil euros) que na verdade é um valor igual ao preço pelo qual se poderá adquirir uma viatura exatamente igual nova.

66. Não faz qualquer sentido reparar uma viatura com danos tão extensos, que ninguém se responsabiliza sobre a segurança da mesma depois de reparada, sobretudo, quando se pode adquirir uma viatura nova por valor equivalente.

67. Por outro lado, a reparação a fazer é tão extensa que importará uma desvalorização anormal e drástica do veículo, inviabilizando qualquer hipótese de venda por parte da A. por exemplo.

68. Por fim, entendeu a A. não aceitar a proposta da R. porque nela não estão sequer contemplados outros valores dos quais considera ter que ser indemnizada.

69. Ora, tendo em conta que apenas em janeiro de 2020 a R. comunicou a sua decisão final.

70. Tendo em conta a forma como a R. conduziu todo este processo com contradições e demoras anormais e inaceitáveis.

71. E tendo ainda em conta que a viatura continua, nesta data, na oficina, desmontada e, por isso, imobilizada (importa também referir que ainda que fosse reparada, o tempo previsto para a reparação é de cerca de 6 meses).

72. Tendo por referência o valor diário de aluguer de uma viatura com as mesmas características da sinistrada, ou seja, 175€/dia, conforme orçamento que se junta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, DOC. 32.

73. Atendendo que o sinistro ocorreu em 6 de abril de 2019 e apenas foi facultada viatura de substituição no período de 8 de abril a 7 de maio, 30 dias portanto, sem que contudo fosse disponibilizado um veículo igual ou equivalente, antes um veículo de cilindrada bem inferior e de motor a combustão.

74. Desde o final dos aludidos 30 dias até à data de entrada da presente ação decorreram 423 dias em que a Autora ficou privada da utilização do veículo em causa.

75. Conforme no início, a viatura sinistrada é objecto de um contrato de aluguer, v.g. ALD, pelo qual a A. paga ao Banco 1... o valor mensal de 1.324,57€, cfr. DOC. 1.

76. Nunca a A. deixou de proceder a esse pagamento, mesmo neste longo período em que tem estado privada de usar a viatura, conforme comprovativos que se juntam, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos, DOCS. 33 a 47.

77. O aluguer da viatura de substituição foi pago pela A., não tendo a R. procedido ao respetivo reembolso DOC. 48.

78. Por outro lado, a C... comunicou à A. que está a debitar o valor de 15,00€ (quinze euros), ao qual acresce o IVA, ou seja, 18,45€ por cada dia de parqueamento da viatura nas suas instalações, desde a data de desmontagem do veículo – 13.05.2019.

79. Até à presente data, (416 dias depois), é devido à C... o montante de 7.675,20 € (sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos) de parqueamento da viatura.

80. O valor do salvado corresponde a €15.669,00, com o IVA incluído.

Tendo em o disposto nos art. 607º n.º4 e 663º n.º2 do CPC, e estando tal matéria assente por acordo (art. 6º da PI e art. 6º da contestação, quanto ao facto agora referido sob o n.º 81, e art. 1º e 2º da PI e art. 4º da contestação, quanto à matéria agora descrita sob o n.º 82), adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte:

81. Em 21.12.2018 a Autora contratou o seguro de Danos Próprios com a Ré (E...) ao qual corresponde a apólice n.º ...78, conforme condições particulares e condições gerais juntas.

82. A A. celebrou com o Banco 1... Contrato de Aluguer e Promessa de Compra e Venda n.º ...00, tendo por objecto o aluguer de longa duração do veículo Tesla Model..., matrícula ..-VU-...

IV.1. A R. discute primeiramente o dano derivado da privação da utilização da viatura acidentada.

O argumento da recorrente assenta na ideia de que o dano depende da demonstração de efectiva perda de utilidades que o bem proporcionava (1); e como a recorrida dispôs de uma viatura de substituição e posteriormente de uma viatura igual à sinistrada, não se verifica perda das utilidades porquanto tais utilidades lhe foram proporcionadas pelas referidas viaturas, dessa forma não existindo dano (2).

           

2. Cabe começar por sublinhar que o facto de estar em causa responsabilidade de índole contratual, assente no atraso culposo na regularização da situação (com violação de deveres acessórios de conduta), não afecta o enquadramento geral da questão (o quadro legal da obrigação de indemnização é inerente a toda a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, e o problema do dano e da sua indemnização é, nos aspectos em causa, comum[1]).

            3. Quanto ao primeiro postulado da argumentação da R., atinente ao dano da privação do uso, o seu tratamento continua a conhecer flutuações, oscilando basicamente entre três posições:

- segundo uma, «a privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período  da privação», ou, adite-se, também independentemente da intenção de uso ou não do bem.

- para outra, «a atribuição  de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso)», ou seja, tem que demonstrar uma perda efectiva.

- para uma terceira tese (de certo modo compromissória), «apesar de não chegar a prova da privação da coisa, pura e simples, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante»[2].

            Entende-se, em termos gerais, que a necessidade de distinguir entre a ilicitude[3] (a lesão do bem jurídico, mormente o direito que concede a disponibilidade do bem, direito efectivamente atingido quando a utilização do bem é condicionada ou impedida) e o dano (os efeitos, patrimoniais ou não, derivados daquela lesão e produzidos na esfera jurídica do lesado, mas que se não identificam nem confundem com a lesão) postula a existência de efeitos danosos destacados daquela lesão do bem (da mera privação, ou melhor, da afectação da possibilidade abstracta de uso), excluindo a primeira solução. Porque «não é a simples impossibilidade de usar que está em causa, mas a impossibilidade de se satisfazer por essa via uma necessidade concreta», só nesta surgindo um dano autónomo. O que ainda vale no âmbito da responsabilidade contratual, pese embora a diferente conformação da ilicitude (assente na desconformidade entre a conduta adoptada e a conduta devida: art. 798º do CC) porquanto continua a justificar-se a distinção entre desconformidade e consequente afectação do bem ou interesse jurídico, e o diferenciado dano. Donde se excluir a primeira solução.

Já se aceita que a aferição da existência do dano se baste com a demonstração de uma utilização habitual do bem, ou de uma vontade de utilização do bem (em termos razoáveis ou consistentes), pois da habitualidade do uso ou da vontade de uso se segue que da cessação ou «impossibilitação» desse uso derivariam reflexos patrimoniais negativos, ou que existe logo uma concreta privação de vantagens, assim se devendo assumir (ou presumir) a ocorrência de danos efectivos. Radicando estes nas repercussões derivadas da impossibilidade de exercício da faculdade contra aquela que era a vontade concreta do titular, de fruir das potencialidades da coisa; pois se a satisfação do interesse subjacente ao direito é impedida, ocorre um dano (o que só não ocorre se o titular do direito não estivesse disposto a fruir as potencialidades da coisa). Assim, a «prova genérica», não concreta, do uso, ou da intenção do uso, e subsequente privação serve de suporte bastante para a revelação de um dano autónomo[4].

A segunda posição referida equivale, como nota Mafalda Miranda Barbosa[5], à negação da autonomia do dano de privação do uso pois a exigência da demonstração de danos específicos destacados da privação do uso, e dela diferenciados, equivale à exigência da demonstração de um dano suplementar, não redutível àquela privação, a qual perde significado próprio. Como se aceita que esta privação deve ou pode ter significado autónomo, também se não acolhe esta solução.

Donde se acolher a terceira solução descrita.

            4. No entanto, cabe notar que a questão apenas é verdadeiramente problemática quando a privação do uso não se reflecte de forma directa em lucros cessantes (v.g. falta de recepção de rendas ou alugueres) ou em danos emergentes (v.g. custos locativos de outro bem), pois nestes casos a aferição da existência de um dano patrimonial não suscita problemas[6] (dada a clara manifestação do dano), pelo que a questão (do dano da privação do uso) só ganha verdadeira autonomia quando se reduz e esgota na impossibilidade de usar a coisa, sem ocorrer a sua substituição[7].

            Significa isto que, à partida, esta colocação do problema só surge quanto ao período durante o qual a A. esteve privada de qualquer viatura (o período entre a utilização de viatura de substituição e a aquisição de nova viatura) – período este que foi considerado na sentença quando equacionou o dano em causa.

5. Nesta parte, os factos revelam que a viatura acidentada foi alugada por uma sociedade comercial, a qual, por definição, desenvolve uma actividade lucrativa à qual afecta os meios de que dispõe; que a viatura era conduzida pelo gerente da A., sendo este o seu condutor habitual e havendo por isso também um uso habitual; e que a A. sentiu necessidade de substituir a viatura acidentada (primeiro por viatura de substituição, depois adquirindo uma nova, estando poucos dias sem dispor de viatura que substituísse a viatura acidentada). Tudo isto revela quer a habitualidade do uso da viatura, quer a própria importância da viatura para a A., sendo bastante para dar por verificada a existência do dano de privação alegado, à luz do enquadramento acima definido, e assim considerar suficientemente demonstrada a existência de «efectiva perda de utilidades» em virtude da incapacitação da viatura acidentada, no período aludido.

Adicionalmente, também se sustenta que, por estar em causa um direito temporário de gozo (derivado de contrato de aluguer e promessa de compra e venda[8]), «a privação do uso por um período de tempo significa a perda definitiva do direito para a fracção correspondente da ‘‘vida” desse direito». Ou seja, a privação do uso importa para o titular deste tipo de direito (temporário) a perda definitiva da possibilidade de uso no que ao período da privação respeita (pois aquela possibilidade de uso, dado aquele carácter temporário do direito, e ao contrário do que ocorre com o titular do direito de propriedade, implica como que uma perda parcial e definitiva do gozo que seria contratualmente devido e proporcionado). E assim tal privação deveria justificar logo a existência do dano enquanto privação definitiva do direito de gozo (também por o título do direito de uso não exigir a efectiva utilização do bem). O que no caso também sustentaria a pretensão da A. (embora pudesse justificar formas diferenciadas de avaliação do dano)[9].

            Poderia ser aqui equacionável, assim, um autónomo dano de privação do uso.

6. Defende-se que este dano deverá, porém, ser tendencialmente circunscrito aos casos de impossibilidade temporária de uso (sem perda total do bem)[10], por oposição aos casos de impossibilidade definitiva de uso, pois são esses casos, em que existem «lesões temporárias» da faculdade de usar, que suscitam a emergência de um dano autónomo derivado da privação; sendo que no caso da perda definitiva do bem não existe em princípio perda do uso mas perda do bem, a qual consome aquele uso (mero aspecto da perda do bem, e uso que fica assim privado de autonomia e duração): a perda da utilidade da coisa é, em princípio, apenas elemento da perda da própria coisa.

Crê-se que esta aproximação ao problema é tendencialmente correcta mas não é absoluta, não esgotando o tratamento deste dano, por deixar de fora a privação que a substituição (directa ou por equivalente) do bem perdido pode não cobrir. Por isso tem sido admitida a indemnização por tal privação mesmo em casos de perda total do bem (e sua substituição). Com efeito e em particular, a questão tem que ser avaliada também em função do atraso culposo no cumprimento da obrigação principal (de substituição, em sentido amplo, cobrindo quer a entrega de bem idêntico quer de valor equivalente ao valor do bem), ou do seu cumprimento defeituoso, onde se poderá ainda vislumbrar um dano equivalente ao dano da privação do uso pela falta de disponibilização atempada do bem substituto (privação esta que a entrega tardia do bem já não elimina) ou, no caso, do capital que permita aceder a esse bem, quando este capital não contemple também aquele atraso e a inerente privação. Também nestes casos poderá ainda encontrar-se um dano autónomo decorrente da privação do bem[11].

            7. Sucede que, no período em causa (8 de Maio a 28 de Maio[12]), ainda se avaliava o destino da viatura e assim as consequências do sinistro (avaliação das consequências que, nos termos do art. 102º n.º1 do regime Jurídico do Contrato de Seguro- DL 72/2008, de 16.04 - condiciona o pagamento devido), incluindo a fixação do valor em causa pela perda da viatura (factos 18 a 21), não havendo ainda nesta fase razão para afirmar a existência de qualquer atraso determinante ou, sobretudo, conduta imprópria por parte da R., face aos deveres acessórios emergentes da boa fé. Isto quer por a avaliação daquelas consequências, até à primeira informação da seguradora (facto 18, cerca de 1 mês depois do acidente) e mesmo quanto à fixação do valor (facto 19,) não se ter estendido para além de um prazo razoável (os factos provados também revelam que a avaliação não seria simples: v.g. facto descrito em 11, e pese embora o descrito em 16), quer por o prazo do art. 104º daquele RJCS depender da prévia fixação daquelas consequências. Donde se não poder afirmar que a privação da viatura excedia a sua própria perda (os efeitos inerentes ou co-naturais à própria perda), dando lugar a um dano autónomo[13]. Inexistia deste modo um dano acrescido (i. é, dano que exceda a própria perda da viatura e que não é por esta perda coberto ou nela englobado). Assim, tem nesta parte razão a A. quando nega a existência de um dano ressarcível (embora por razões não coincidentes com as que alega).

8. Quanto aos restantes períodos, o primeiro deles (atinente ao período de utilização de viatura de substituição) não foi considerado na sentença recorrida aquando da fixação da indemnização (que se ateve aos 423 dias subsequentes a tal período[14]). No segundo, intervém a utilização de viatura adquirida pela A. para substituir a viatura acidentada (ou seja, o uso que desta fazia).

É nesta parte que se joga o segundo postulado argumentativo da R., a qual entende que as utilidades perdidas pela imobilização da viatura acidentada foram satisfeitas por outra via, através das viaturas de substituição mobilizadas (relevando aqui, porém e como se notou, apenas a situação relacionada com a viatura adquirida pela R.), não existindo dano.

9. Assiste razão à R. quando afirma que a nova viatura substitui a anterior e elimina o dano (puro ou próprio) da privação de uso, pois as utilidades colhidas da viatura acidentada passaram a ser satisfeitas pela viatura de substituição. Sucede que essa substituição foi suportada pela A. e implica encargos que podem ser enquadrados no âmbito das despesas (ou danos) indemnizáveis[15]. Aqui, a privação desaparece mas dá lugar a outras consequências, analisadas, em sentido amplo, no desvalor patrimonial subsequente ao facto lesivo mas nele radicado.

Com efeito, tem sido entendido que as despesas realizadas após o evento gerador da responsabilidade, e que procedem de decisão do titular do direito à indemnização, podem ser ainda indemnizáveis se se puderem considerar causadas por aquele evento. E esta imputação causal, diferenciada por a despesa surgir após o evento gerador da responsabilidade, verifica-se quando aquele evento constitui um motivo para fazer a despesa, sem o qual esta não seria feita. Em segunda linha, exige-se ainda a intervenção de uma ideia de razoabilidade, que limite as despesas atendíveis àquelas que se mostrem ajustadas ou adequadas, razoáveis[16].

Ora, o que ocorre no caso é que a A. adquire uma nova viatura depois de receber a notícia de que a viatura acidentada seria tratada como perda total (o que implicava o direito da A. a receber o valor da viatura), informação depois contrariada e não executada. A decisão filia-se na conduta da R, justifica-se por tal conduta e mostra-se razoável, quer por visar satisfazer fim que o pagamento do capital seguro, na perda total, permitiria também alcançar, sem afectação de capitais próprios, quer por satisfazer necessidade da A. (dado necessitar da viatura como deriva dos factos já referidos quanto à intenção de uso, e decorre ainda da circunstância de a A. ter logo após o acidente diligenciado por obter uma viatura de substituição e ter também diligenciado por adquirir a nova viatura quando o prazo daquela viatura de substituição estava a terminar). Assim, a A. efectua uma despesa adicional, no sentido de que afecta capital à aquisição (o que tem custos inerentes), sem dispor ainda do valor segurado (cabível no caso da perda total), sendo entendível a «racionalidade da despesa» (na expressão de B. Proença), dada a sua exposta necessidade e a expectativa do próximo recebimento do valor devido. Sucede que a conduta subsequente da R. (a qual corporiza o ilícito contratual diagnosticado e aqui não discutido), revertendo a sua posição e levando a um prolongado e complexo processo de avaliação, que culmina nesta acção, converte aquela despesa num encargo acrescido por se prolongar no tempo sem o recebimento do capital seguro (ou seja, um encargo derivado da antecipação dessa despesa sem ser colmatado pelo devido recebimento do valor do seguro), só justificado pela actuação da R. e assim uma despesa (ou dano, se se quiser) ressarcível.

De certo modo e numa perspectiva mais descritiva, o dano associado à falta da viatura (ou do pagamento do seu valor) não desaparece, apenas mudando de fisionomia: deixa de haver perda de utilidades (porque satisfeitas por outra via), mas essa eliminação é obtida à custa dos encargos adicionais com a substituição da viatura (que existem sempre, mormente por despesas adicionais emergentes, por imobilização de capital, pelo preço adicional do capital, etc.), e assim com diminuição do património do lesado/credor. Assim, em vez da perda de uso, é a despesa tida com a obtenção que surge como dano/despesa emergente próprio.

Pois, em termos normativos, representa sempre uma diferença para menos no património da A., coberta pelo «círculo máximo dos prejuízos reparáveis» que se admite o art. 562º do CC pretender contemplar ao mandar atender à situação que existiria sem o evento lesivo, pois esta situação hipotética não estaria sujeita a tais encargos. O que significa que estes encargos ainda são causados por aquela actuação, e que sem eles a situação hipotética seria mais vantajosa para a A., aí radicando a expressão do dano, a diferença que, para aquele art. 562º, encerra o dano patrimonial (embora já não para a teoria da diferença, para a quantificação pecuniária contida no art. 566º n.º2 do CC, a qual suscita nestes casos dificuldades operacionais em regra não supríveis, conduzindo à sua exclusão, como, aliás, também ocorre por regra quanto ao dano autónomo da privação de uso, com a fixação do valor do dano por equidade).  

10. A discussão que poderia subsistir prende-se com a suficiência dos factos apurados para revelar este dano. Mas assente a aquisição da nova viatura por um valor considerável, deve aceitar-se que esta transacção envolve efeitos negativos seguros no património da A. nos termos referidos (no mínimo, os custos de capital imobilizado), e assim danos ressarcíveis (questão diferente é a que se prende com a sua quantificação[17]).

11. Obviamente, o mecanismo dos juros moratórios (não pedidos) não cobririam este dano mas apenas a perda derivada do atraso na entrega do próprio capital segurado. 

12. A R. não discutiu no recurso a opção da decisão recorrida quanto ao apelo à equidade na liquidação do dano, nem discutiu a forma como se operou a quantificação do dano (com base naquela equidade) e assim o valor alcançado (não discutiu o modelo, assente na equidade, e os factores utilizados, ou o valor encontrado), tendo apenas questionado a existência do dano. Significa isto que tais questões se situam em princípio fora do âmbito do recurso. Mas porque se alterou o prazo relevante, e assim se eliminou parcialmente o dano, o valor arbitrado tem que ser alterado em função, e apenas em função (porque no mais é questão não trazida ao recurso), daquela modificação. Como o critério de quantificação usado não foi discutido, deverá fazer-se repercutir o prazo excluído (21 dias) no prazo global (423 dias) e da mesma forma, proporcionalmente, no valor arbitrado, fixando-se este valor em 35.173 euros.

            13. A segunda questão colocada respeita ao parqueamento da viatura acidentada.

            Neste ponto, a questão passa por saber se existe já um dano presente e efectivo, ou se existe um dano futuro com suficiente consistência, ou se inexiste de todo ainda um dano atendível.

            O primeiro argumento da recorrente não pode proceder. O título da sua responsabilização pelo valor do parqueamento não radica no contrato de depósito (a que, a existir tal contrato, ela seria efectivamente alheia: art. 406º n.º2 do CC) mas no cumprimento defeituoso do contrato de seguro[18], que a torna responsável pelos danos daí emergentes (art. 798º do CC). Por isso que a questão se prenda com a verificação do dano, e não com o título contratual da imputação.

            Quanto a esta verificação do dano, não está demonstrado qualquer pagamento por causa do parqueamento. Ao invés, a A. alega apenas, e está demonstrado, que entidade terceira lhe comunicou que está a debitar valor correspondente a cada dia de parqueamento. Assim, do ponto de vista do pagamento, inexiste uma diminuição patrimonial efectiva e actual, qualificável como dano (ou seja, este ainda não se produziu).

Poderia também discutir-se a existência de uma obrigação pecuniária (débito) já integrada na esfera patrimonial da A., que esta terá que cumprir no futuro, podendo por isso constituir já uma repercussão patrimonial negativa (dano), indemnizável[19]. Não parece que se possa já definir, desse modo, a existência de um dano presente, efectivo. De um lado, os factos não permitem definir com rigor a existência de um contrato de depósito, ou equivalente, por apenas reflectirem uma escolha da oficina da reparação por parte da A., a colocação da viatura naquele local, e uma subsequente comunicação da existência de um débito por parte daquela oficina (relativo ao parqueamento). Sem que conste se a A. aceitou a solicitação, ou se iniciou contactos para esclarecimento ou com efeitos negociais, ou sequer se a ela respondeu. Aliás, a própria A. parece desligar-se de algum modo do débito, não o assumindo integralmente, na medida em que até pediu que a R. fosse condenada a efectuar o pagamento directamente à C..., como se fosse encargo alheio[20]. Estes factos não revelam realmente um acordo de vontades expresso e a aferição de um acordo tácito não se alcança com segurança a partir do âmbito muito limitado dos factos alegados (a própria comunicação do débito parece estar também associada ao prolongamento da situação)[21]. São os contornos da situação e a consistência do alegado débito, aparentemente unilateralmente criado, que são ainda difusos e incertos. De outro lado, as vicissitudes futuras de tal eventual débito, a verificar-se, são elas também demasiado incertas para permitir afirmar um débito correspondente a um dano actual já ressarcível (irá a A. cumprir? irá discutir ou negociar ou recusar o pagamento ou alterar o valor? não pagando, como reagirá a entidade parqueadora?) sem correr o risco de transformar um suposto dano em fonte de enriquecimento.

Por fim, poderia ainda enquadrar-se a situação no quadro do dano futuro. A ressarcibilidade dos danos futuros encontra suporte no art. 564º n.º2 do CC, no qual se estabelece que «pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis». Por natureza, danos futuros são aqueles que ainda não ocorreram, não se produziram, constituindo a sua consideração uma «verdadeira antecipação de tutela». O critério legal da sua atendibilidade radica, como exposto, na previsibilidade do dano[22], e remete assim para um juízo de prognose, de antecipação sobre a ocorrência futura do dano. Estando em causa um juízo probabilístico e hipotético, por natureza incerto, coloca-se o problema do grau de previsão exigível. Parece justificar-se aqui o apelo ao critério de V. Serra, exigindo que os danos futuros «sejam previsíveis com segurança bastante»[23], pois «se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir». Ou seja, tem que haver um juízo de antecipação suficientemente seguro quanto à futura verificação do dano, considerando o carácter necessário ou quase necessário (de «desenvolvimento seguro», de acordo mormente com os princípios da causalidade comum) da sua verificação face aos danos actuais ou à natureza do facto lesivo, à luz dos factos já apurados e conhecidos pelo tribunal (devendo o dano suportar-se numa «probabilidade tão forte que possa considerar-se certo o dano» - V. Serra). O que, pelas razões já referidas, não ocorre, sendo ainda bastante incerta a efectivação do dano, afectando a sua verosimilhança, que nem como dano futuro deve poder ser nesta sede admitido. Sendo que «a previsibilidade da verificação dos danos futuros integra a causa de pedir e portanto a base fáctica do objecto do processo em que se pede a indemnização dela decorrente: constitui ónus do autor alegar e provar a previsibilidade do dano que invoca»[24]. Por isso que a dúvida sobre o dano, sobre a sua previsibilidade ou verosimilhança, se resolva contra ele (art. 342º n.º1 e afloramento no 346º in fine do CC)[25]: «as dúvidas na previsão da ocorrência do dano conduzem à improcedência do pedido de indemnização por danos futuros»[26].

Nesta parte, assiste assim, e por ora, razão à recorrente (sendo que a verificação futura do dano poderá levar ainda à responsabilização da R., caso as circunstâncias o justifiquem).

As custas correm pela A. e pela R., dado ambas decaírem, na medida do respectivo decaimento (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).

V. Pelo exposto, decide-se:

- absolver a R. da condenação no pagamento da quantia correspondente a €18,45 diários pelo parqueamento, a contar desde 13/05/2019 até integral reconstituição da situação existente antes do acidente, ou seja, pagamento da indemnização pela perda total acima já referida (que até à data da propositura da presente acção perfaz o valor de €7.675,20 (sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos);

- condenar a R. a pagar à A. 35.173 (trinta e cinco mil cento e setenta e três) euros, absolvendo-a da parcela restante em que também fora condenada,

mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Custas pela A. e pela R. na medida do respectivo decaimento.

Notifique-se.

«DECLARAÇÃO DE VOTO»:

Voto favoravelmente este Acórdão, mas discordo de um dos seus fundamentos na parte em que se decidiu que o dano de privação de uso, se não exige a prova efetiva do dano concreto, exige, no entanto, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante, por se entender que constitui este um dano autónomo e indemnizável, independentemente da utilização (ou intenção de utilização) da coisa, pelos fundamentos invocados, entre outros, nos Acórdãos em que fui Relatora, proferidos no Tribunal da Relação de Lisboa de 18/01/2018 (proc. nº 2163/16.4T8OERL1), de 6 de Maio de 2021 (proc.º n.º 18969/18.7T8SNT.L1) e, nesta relação em 10/10/2023 (proc. nº 6510/15.8T8VIS.C1).   

Cristina Neves


***

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):  

(…).

Datado e assinado electronicamente

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico.


[1] Por isso que seja indiferente que as referências que se seguem sejam em grande medida colhidas de discussão situada no âmbito de factos atinentes à responsabilidade extracontratual. Em termos simples, a diferenciação entre as responsabilidades contratual e extracontratual (cuja autonomia, embora discutida, se assume no texto) situa-se em momento prévio, na diferenciação dos bens jurídicos protegidos (com reflexos no tipo de dever violado – ou na sua inexistência, na responsabilidade objectiva - e no elenco de titulares em causa).
[2] Sobre a questão, v., por todos, Acs. do STJ proc. 14232/17.9T8LSB.L1.S1 (do qual se colheu o texto quanto às posições em causa), proc. 879/17.7T8EVR.E1.S1, ou proc. 246/15 (todos em 3w.dgsi.pt).
[3] Abstraindo-se aqui da questão atinente à inserção da violação de regra de conduta no âmbito da ilicitude extracontratual.
[4] Assim, além das posições constantes dos Ac. citados, também Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs. Responsabilidade, Almedina 2006, pág. 208 e ss., que em parte se seguiu no texto; P. Mota Pinto, Dano da Privação do Uso, em Responsabilidade civil, cinquenta anos em Portugal, quinze anos no brasil, Abril de 2018 Instituto Jurídico | Faculdade de Direito Universidade de Coimbra, Vol. II, pág. 226 e ss., referindo-se à necessidade de existir «uma concreta vontade ou possibilidade de utilização da coisa», traduzindo uma «concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo», distinta da mera «perda da possibilidade de utilização do bem» ou perda da mera faculdade (de uso); ou também Rui Ataíde, Direito da Responsabilidade Civil, Gestlegal 2023, pág. 536/7.
[5] In Lições de Responsabilidade Civil, Principia 2017, pág. 339 nota 732.
[6] Assim, P. Mota Pinto, cit., pág. 200/201.
[7] Também assim, Mafalda Miranda Barbosa, Lições cit., pág. 337.
[8] Corresponde ao denominado contrato de aluguer de longa duração, contrato atípico que envolverá a obrigação de aquisição da viatura alugada no termo do contrato (o que até se tende a dizer configurar elemento necessário de tal contrato); como antes de tal aquisição a. A. é mera titular de um direito de gozo temporário, o exposto no texto continua a ter plena aplicação.
[9] Assim, P. Mota Pinto, cit., pág. 226 nota 54.
[10] V. Mafalda Miranda Barbosa, Lições ... cit., ou Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil Temas Especiais, UCE 2015, pág. 66.
[11] O que a jurisprudência tem admitido (embora no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), como dá conta M. Graça Trigo, op. e loc. citado (v. ainda a título exemplificativo, Ac. do STJ proc. 1875/06.5TBVNO.C1.S1 ou do TRP proc. 289/19.1T8MCN.P1, in 3w.dgsi.pt), justamente para cobrir o período entre o evento lesivo e o momento da entrega do veículo de substituição (ou do seu equivalente pecuniário), o que aquela Autora justifica com o regime do seguro, que apenas faculta o valor venal da viatura perdida. Mas a justificação (autonomia de período de privação sem outra cobertura ressarcitória) vale em geral, nos termos expostos.
[12] Em 7 de Maio terminou o uso da primeira viatura de substituição; em 29 de Maio foi adquirida nova viatura.
[13] Em rigor, também não ocorreria a falha contratual que justificou o reconhecimento do direito à indemnização (questão essa, contudo, não suscitada no recurso).
[14] O que se explica por a A. ter delimitado assim esta pretensão indemnizatória (v. também o art. 93º da PI), delimitação esta que, por sua vez, assenta no facto de a A. ter pedido autonomamente o pagamento da «despesa do aluguer do veículo de substituição», pretensão que não foi acolhida (nem aqui se discute).
[15] Discute-se se as despesas subsequentes constituem danos ou efeitos ressarcíveis da lesão; a discussão não contende com o princípio geral da sua ressarcibilidade, amplamente admitida quando verificados os respectivos pressupostos (sustentando a distinção, Júlio Gomes, anotação nos CDP 3, pág. 56).
[16] Assim, Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil, A Obrigação de Indemnizar, AAFDL 2021, pág. 324 e ss., ou Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina 1997, pág. 688 e ss. - em termos válidos para a responsabilidade contratual (pois inexistem no instituto em causa e nas especificidades do caso razões que diferenciem a obrigação de indemnização que dela decorre, sendo que, como se referiu, o regime da obrigação de indemnização tem carácter geral).
[17] Na qual se admite que, como já referido, a teoria da diferença não seria mobilizável, impondo o apelo à equidade, mas em termos que, no caso, não relevam dado o objecto do recurso.
[18] A violação de deveres acessórios (internos) dá origem a um cumprimento imperfeito ou defeituoso do contrato (sujeito ao regime do [in]cumprimento dos contratos, diversamente do que poderia ocorrer com a violação de deveres acessórios externos).
[19] Como refere G. Telles, se «aumenta o passivo, há um dano emergente» (Direito das Obrigações, Coimbra Editora 1997, pág. 377).
[20] Existe, com efeito, uma divergência entre o pedido formulado pela A. e a condenação [a A. pediu a condenação da R. a pagar à C...; a sentença condenou a R. a pagar à A.]; a questão não foi suscitada pelas partes, nem eventual vício assume natureza que permita o conhecimento oficioso da questão (a nulidade derivada do art. 615º n.º1 al. e) do CPC não será de conhecimento oficioso, dada a sua natureza - verdadeira anulabilidade -, a previsão da sua suscitação perante o tribunal - art. 615º n.º4 do CPC - , em articulação com o regime dos art. 613º n.º2, 614º n.º1 e 615º n.º2 do CPC, e os limites do poder de cognição do tribunal de recurso; assim, T. de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex 1997, pág. 219, ou R. Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil, Julgar Online, Maio de 2020, pág. 10, e jurisprudência citada), pelo que a condenação, neste aspecto, se apresenta como um «dado adquirido», já não passível de discussão.
[21] Não é também clara a verificação de situação localizada no âmbito das denominadas «regulações do dono».
[22] O qual, segundo L. de Freitas, «aponta para um grau de convicção superior à probabilidade séria da existência do direito que tem de ser demonstrada nos procedimentos cautelares» (A Previsibilidade do Dano Futuro Como Questão de Facto, Novos Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, Gestlegal 2021, pág. 204).
[23] V., por todos, Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil, A Obrigação de Indemnizar, cit., pág. 131, ou Ac. do STJ proc. 590/13.8TVLSB.L1.S1 (in 3w.dgsi.pt).
[24] L. de Freitas, cit., pág. 206.

[25] A questão (assente numa mera solicitação exógena do preço do parqueamento) não tem, fruto também das variações derivadas da casuística, recebido tratamento uniforme. Além dos Acs. citados pela R., veja-se ainda, no sentido exposto, o Ac. do TRL proc. 49/20.7YRLSB-6 (in 3w.dgsi.pt).
[26] Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil …, op. e loc. cit..