Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4165/22.2T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: COOPERATIVAS
IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO DO PRESIDENTE DA MESA DA ASSEMBLEIA GERAL
RECORRIBILIDADE ATRAVÉS DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 25.º E 27.º DO REGULAMENTO ELEITORAL DA CCAM DE COIMBRA
ARTIGO 32.º, 6 E 9, DO CÓDIGO COOPERATIVO
ARTIGO 665.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 58.º E 59.º, DO CSC
Sumário: i) Se os Estatutos da CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MÚTUO DE COIMBRA, CRL, não preveem impugnação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, sobre admissão de listas candidatas, em processo eleitoral, apenas prevendo, no seu Regulamento Eleitoral, a possibilidade de recurso, nos termos da lei, de todas as decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral, o mencionado recurso só pode ser o judicial de impugnação/anulação da deliberação final da Assembleia Geral tomada sobre tal eleição; inexistindo qualquer condição de procedibilidade, afirmada na decisão recorrida, para recorrer à via judicial.
Decisão Texto Integral:

Nº 813

I - Relatório

 

1. AA, residente em ..., intentou contra CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MÚTUO DE COIMBRA, CRL, com sede em Coimbra, acção declarativa de impugnação/anulação de deliberação, pedindo:

a) a anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022;

b) a anulação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL., devendo ser admitidas;

c) subsidiariamente, peticionou a admissão da lista por si apresentada candidata à Mesa da Assembleia Geral.

Alegou, em suma, a violação de disposições estatutárias, regulamentares e legais que especificou.  

A Ré contestou, defendendo não se verificar tal violação, pugnando pela improcedência da acção.

*

Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.

*

2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – A presente acção de impugnação/anulação vem da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022 e bem assim, da decisão da Mesa da Assembleia Geral, que acolheu as conclusões do Relatório da Comissão de Avaliação prevista no art.º 20º dos Estatutos e art.º 10º do Regulamento Eleitoral da Ré, decisão que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.”, e do seu pedido subsidiário.

2 – O recurso a que alude o art.º 25º do Regulamento eleitoral é a acção de anulação a que se refere o art.º 59º do Código das Sociedades Comerciais, cujo prazo de interposição é de 30 dias a contar da respectiva deliberação.

3 – É imperativa a norma que consagra o direito dos cooperadores de “Eleger e ser eleito para os órgãos da cooperativa”, direito consagrado na al. d) do art.º 21º da Lei 119/2015 – Código Cooperativo –, e também na al. b) do art.º 13º dos Estatutos da Ré, direito com consagração constitucional nos art.ºs 46º, 51º e 61º, n.ºs 2 e 3, todos da CRP e art.º 3º do Código Cooperativo, disposições que devem informar a interpretação do art.º 25º do Regulamento Eleitoral da Ré e que assim se mostram violadas pela douta sentença.

4 – A decisão da Mesa da Assembleia Geral da Ré que não admitiu a sufrágio as listas apresentadas pelos associados, objecto da presente acção de anulação foi, como se vê do ponto 17 da matéria assente definitivamente indeferida em 06 de Junho de 2022, pelo que o seu prazo de recurso vai até 06 de Julho de 2022, ou seja para além da Assembleia Geral Eleitoral onde foi tomada a decisão definitiva.

5 – A decisão de rejeição da candidatura apresentada pelos sócios tomada pela Mesa da Assembleia Geral, o seu vício invalidante sempre teria de ser necessária e conjuntamente apreciado com a deliberação final da Assembleia – 30 de Junho de 2022 – e não antes, sendo que o Regulamento Eleitoral não prevê em lado algum qualquer prazo para interpor recurso interno, porque inexiste.

6 – O recurso que “nos termos da lei” a que se refere o art.º 25º do Regulamento Eleitoral das decisões recorríveis no âmbito do processo eleitoral, pelo menos da decisão da Mesa da Assembleia Geral que rejeitou a identificada candidatura dos sócios e cujo prazo de impugnação vai necessariamente para além da data da deliberação definitiva da Assembleia Geral Eleitoral, não é, nem pode ser, “… condição de procedibilidade da presente acção …”, como decidiu a douta sentença recorrida.

7 – O recurso previsto no artigo 25º do Regulamento Eleitoral, sendo interno, não é compaginável com o direito ao recurso da deliberação final e definitiva, previsto no n.º 6 do art.º 32º da Lei 119/2015.

8 – Decorre dos pontos 16, 17 e 18 da matéria assente que Autor esgotou os meios internos de recurso previstos no Regulamento e Estatutos da Cooperativa Ré, constituindo a deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal –, tomada em 30 de Junho de 2022, o acto definitivo do procedimento eleitoral proferido no seu interior.

9 – A deliberação da Assembleia Geral consagra o regime legal estatuído e decorrente no artigo 25º do Regulamento Eleitoral de que “Cabe recurso, nos termos da lei (o negrito é nosso) de todas as decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral”, regime legal este que consagra a exigência do princípio da intervenção mínima e através do qual se efectua a concordância prática entre a autonomia associativa e os limites a essa autonomia, que decorre dos princípios de transparência, da organização, da gestão democrática e da participação de todos os seus membros (artº 51º, nº 1 e 5 da CRP), princípios estes que a decisão recorrida viola.

10 - Por razões de segurança e certeza jurídicas, o acto definitivo da deliberação tomada na Assembleia Geral em 30 de Junho de 2022 não poderá ser posto em causa por um acto procedimental do processo eleitoral que lhe é anterior, mas que só viria a ser decidido muito posteriormente.

11 – O art.º 25º do Regulamento Eleitoral não prevê recurso interno da decisão da Mesa da Assembleia Geral que rejeitou a candidatura aos órgãos da Ré, apresentada pelos Associados, que aliás seria inútil, não podendo ser “… condição de procedibilidade da presente acção”, ou seja da deliberação definitiva tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022.

12 – O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Julho de 2017, Processo nº 829/16.8T8LSB.L1-4, é, quer factual, quer juridicamente, absolutamente diferente do caso dos autos.

13 – É a Mesa da Assembleia Geral da Ré que decide perante uma decisão vinculativa da designada Comissão de Avaliação prevista no art.º 8º do Regulamento Eleitoral competência esta que lhe foi delegada pela própria Assembleia Geral da Ré, como decorre do n.º 1 do art.º 20 e do art.º 19º, nº 1 dos Estatutos, que decide definitivamente, em última instância e que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.”, e do seu pedido subsidiário.

14 – A Mesa da Assembleia Geral em conformidade com o Relatório da Comissão de Avaliação “cujas conclusões são vinculativas” decidiu definitivamente a reclamação pelo recorrente apresentada, nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral (pontos 15 e 16 da matéria assente) e de acordo com o art.º 11º do mesmo Regulamento “… o Presidente da Mesa da Assembleia Geral procederá ao sorteio das listas definitivamente admitidas (o negrito e sublinhado é nosso).

15 - No ponto 17 da matéria assente refere-se o que se transcreve no nº 5. Da decisão de rejeição da candidatura de sócios: “… Assim, no tocante à decisão de admissão e rejeição das candidaturas apresentadas, com fundamento na avaliação da adequação dos candidatos, tal matéria é da exclusiva competência da Comissão de Avaliação, cujas decisões são vinculativas (…), não podendo os membros da Mesa da Assembleia Geral intervir, modificar, por qualquer forma, as referidas conclusões.” (o negrito e sublinhado é nosso), sendo pois qualquer recurso interno inútil.

16 – A Assembleia Geral estatutariamente delegou a competência na Comissão de Avaliação e na Mesa da Assembleia Geral por força dos art.ºs 20, nº 1 e 19º, nº 1 dos Estatutos, para decidir em última instância e definitivamente sobre a admissão e rejeição de candidaturas às eleições aos órgãos ao da Ré.

17 – Ao interpretar as normas estatutárias se tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e não soluções absurdas, como seria aquela de consagrar um recurso interno cujo o prazo de interposição se iria verificar para

além da data em que é tomada a deliberação final do acto eleitoral.

18 – Este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, teve já ocasião de conhecer, e proferir o seu Acórdão no processo nº 4108/19.... – ... Secção Cível - em ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO/ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO SOCIAL tomada na reunião da assembleia geral extraordinária relativa à Eleição da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal da CCAM de Coimbra, a aqui também Ré, e para o triénio anterior, o triénio de 2019 – 2021, acção esta na qual o pedido é idêntico ao presente, sendo aqui também o mesmo o seu Autor, sem que os vícios invalidantes tivessem sido “… condição de procedibilidade …” da respectiva acção de impugnação/anulação.

19 – A douta sentença viola entre outras as disposições do art.º 25º, 8º, 9º, 10º do Regulamento Eleitoral, art.ºs 19º e 20º dos Estatutos, art.º 59º, 56º e 58º do Código das Sociedades Comerciais, art.º 9º, n.º 3 do Cód. Civil, art.ºs 3º e 32º, n.º 6 do Código Cooperativo, art.ºs 46º, 51º, 61º, n.ºs 2 e 3 e 17º e 18º da CRP.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência anular-se a douta sentença recorrida.

V.ªs Ex.ªs farão, como sempre, a costumada justiça!

3. A R. contra-alegou, concluindo que:

a) A palavra “recurso” constante da norma do artigo 25.º do Regulamento Eleitoral não pode ter o significado de recurso judicial ou de recurso à ação de impugnação prevista no artigo 59.º do CSC, mas antes a de recurso interno para um órgão social da Ré, que apenas pode ser a assembleia geral.

b) Apenas as deliberações da pessoa coletiva, entendendo como tal as deliberações dos sócios ou que sejam passíveis de ser imputadas a ela (deliberações de outros órgãos sociais, em particular do órgão de administração) poderão ser objeto de impugnação judicial direta, sem recurso necessário para a assembleia geral.

c) As decisões tomadas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré – cargo estatutário interno, insuscetível de a vincular –, no âmbito do processo eleitoral, apenas são suscetíveis de ser impugnadas judicialmente depois de serem sindicadas pela Assembleia Geral da Ré, nos termos do disposto no artigo 412.º do CSC, aplicável ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo.

d) Apenas este entendimento é conforme com o disposto no artigo 33.º, n.º 1 do Código Cooperativo, ao determinar que a Assembleia Geral é o órgão supremo da cooperativa.

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas. a tudo quanto anteriormente alegado, se requer, muito respeitosamente, que o presente recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

II – Factos Provados

 

1- A Ré é uma cooperativa de âmbito local que compreende a área de município de Coimbra e de Miranda do Corvo e que se integra no ramo do crédito do sector cooperativo, como consta dos art.ºs 1º e 2º dos seus Estatutos (Doc. nº 1 da providência cautelar) (art. 1º da p.i.).

2- A Ré é uma Instituição de Crédito (alínea c) do art.º 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) (art. 2º da p.i.).

3- O Autor é o sócio nº ...17 da Ré, em pleno gozo dos seus direitos (art. 3º da p.i.).

4- A Ré fez publicar anúncio no Diário de Coimbra de 18 de Janeiro de 2022, assinado pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL. (BB), nos termos do qual “…encontra-se em curso, nos termos do previsto no artigo 5º do Regulamento Eleitoral, prazo para entrega de listas candidatas às eleições à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal da Caixa de Crédito Agrícola, prazo esse que termina às 16 horas do dia 3 de Março de 2022.” (Doc. n.º 2 da providência cautelar) (art. 15º e 16º da p.i.).

5- O Autor, na qualidade de sócio, acompanhado de outros, no total de 245 associados do qual foi mandatário, apresentaram até às 16 horas do dia 3-3-2022, candidatura aos órgãos Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal (art. 17º, 36º e 37º da p.i.).

6- Para o órgão Mesa da Assembleia Geral foram indicados os seguintes candidatos:

- a Presidente, Dr. CC;

- a Vice-presidente, DD e

- a Secretário, EE (art. 38º da p.i.).

7- Para o órgão de fiscalização – Conselho Fiscal foram indicados os seguintes candidatos:

- a Presidente, Dr. FF;

- a Vogal, Dr. GG;

- a Vogal, HH;

- e a Suplente, A..., Ldª, representada por II (art. 39º da p.i.).

8- Por carta datada de 4-3-2022, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o A. para suprir uma candidata que era inelegível, por não ser associada da Ré, em violação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e 13.º, al. b) dos Estatutos (Documento n.º 5) (art. 82º da contestação).

9- Por anúncio datado de 11-3-2022, assinado pelo Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral e afixado na sede da Ré, a candidatura supra referida foi preliminarmente admitida (Doc. n.º 11 da providência cautelar) (art. 49º da p.i.).

10- O Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral, em cumprimento do disposto no art.º 7º, n.º 7 do Regulamento Eleitoral, enviou à Comissão de Avaliação a candidatura apresentada pelo A. (art. 50º da p.i.).

11- Por carta datada de 4-4-2022, a Comissão de Avaliação notificou o A. para suprir omissões e incongruências e/ou rasuras da documentação apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 6.9. da Política Interna de Selecção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e de Fiscalização da CCAM (Documento n.º 12 da providência cautelar) (art. 53º da p.i. e 83º da contestação).

12- Por carta datada de 9-5-2022, a Comissão de Avaliação notificou o A. para proceder à substituição de candidatos que havia indicado, ao abrigo do disposto nos artigos 6.10. e 6.11. da PISAA, considerando que nenhum dos membros candidatos ao órgão de fiscalização possuía experiência bancária, requisito essencial ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 148/2015 (Documento n.º 13 da providência cautelar) (arts. 53º da p.i. e 84º e 85º da contestação).

13- Em resposta à notificação referida em 12), o A. propôs “… a recomposição dos respetivos órgãos, substituindo o candidato a Vice-Presidente à Mesa da Assembleia Geral, DD, e que possui experiência bancária e que foi já eleito membro suplente ao Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola e em consequência já aferida a sua capacidade e idoneidade eleitoral por essa Comissão de Avaliação.

Outrossim, o até aqui candidato a Vogal do Conselho Fiscal, GG, passará a candidato substituindo aquele, como candidato a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral.” (Doc. n.º 14 da providência cautelar) (art. 55º da p.i.).

14- Por carta datada de 31-5-2022, o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o Autor nos seguintes termos:

“…nos exatos termos do anúncio que, no dia 30 de Maio de 2022, publiquei no átrio da sede, a Candidatura apresentada para a eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola, de que V. Ex.ª é representante, foi rejeitada, definitivamente, com base no seguinte:

Relativamente aos candidatos ao Conselho Fiscal:

a) Considerou a Comissão de Avaliação como adequados:

i) Presidente: FF;

ii) Vogal: B..., Lda, representada por HH.

b) Considerou a Comissão de Avaliação como não adequados:

i) Vogal: DD;

ii) Suplente: C..., Lda, representada por II;

c) Fundamentos da falta de adequação:

O candidato a vogal efectivo do Conselho Fiscal, DD, é sócio da candidata a suplente desse mesmo órgão, C..., Lda, o que configura uma situação insanável de conflito de interesses.

Colectivamente, a lista candidata ao Órgão de Fiscalização não pode ser considerada como adequada, atenta a não existência de uma maioria de membros considerados independentes, nos termos do n.º 5 do art. 414º do Código das Sociedades Comerciais, inclusive o seu suplente, não se encontra reunida a condição exigida na alínea c) do n.º 2 do art. 3º da Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro, o que determina que a presente lista candidata ao Conselho Fiscal não preenche os requisitos que lhe são aplicáveis e exigíveis, nos termos da lei e da política interna de seleção e avaliação de adequação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização desta Caixa Agrícola, sendo considerada não adequada” (Doc. n.º 7 da providência cautelar) (art. 57º, 73º e 74º da p.i.).

15- O Autor reclamou nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral para o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral da rejeição da candidatura à Mesa da Assembleia Geral (Doc. n.º 5 da providência cautelar) (art. 58º e 59º da p.i.).

16- O Autor reclamou nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral para o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral da “rejeição das candidaturas apresentadas aos órgãos de fiscalização, o Conselho Fiscal, e à Mesa da Assembleia Geral” (Doc. n.º 6 da providência cautelar) (art. 19º da p.i.).

17- Por carta datada de 6-6-2022, o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral notificou o Autor de que “a reclamação apresentada é indeferida” nos seguintes termos:

“Na sequência da exposição enviada em anexo ao e-mail de V. Ex.ª. enviado no dia 2 de Junho de 2022, pelas 18:00, nos termos do qual veio reclamar “da rejeição das candidaturas apresentadas aos órgãos de fiscalização, o Conselho Fiscal, e à Mesa da Assembleia Geral” (…) venho informar o seguinte:

(…)

5. Assim, no tocante à decisão de admissão e rejeição das candidaturas apresentadas, com fundamento na avaliação da adequação dos candidatos, tal matéria é da exclusiva competência da Comissão de Avaliação, cujas decisões são vinculativas (…), não podendo os membros da Mesa da Assembleia Geral intervir, modificar, por qualquer forma, as referidas conclusões.

6. Por sua vez, e sem prejuízo da delimitação do objecto da avaliação da Comissão incidir sobre os candidatos a membros do Órgão de Fiscalização, tal facto terá indubitavelmente consequências sobre a lista candidata à eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal da CCAM de Coimbra para o triénio 2022-2024…

7. …em função da avaliação efectuada pela Comissão de Avaliação, concluindo pela falta de adequação individual de dois dos candidatos ao Órgão de Fiscalização, bem como a falta de adequação em termos colectivos desse Órgão, a lista apresentada por V. Ex.ª deixou, consequentemente, de cumprir os requisitos previstos nos Estatutos e Regulamento Eleitoral da Caixa Agrícola, uma vez que a lista a ser submetida a escrutínio dos Associados deverá indicar candidatos elegíveis (e, portanto, adequados) para todos os cargos e funções de todos os órgãos sociais a serem eleitos, em conformidade com o disposto, designadamente nos n.ºs 4 e 7 do art. 5º e alínea c) do n.º 2 do art. 7º do Regulamento Eleitoral, sendo no caso desta Caixa Agrícola, todos os membros para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal, conforme anúncio previamente publicado pela Caixa Agrícola.

8. … de outro modo não poder-se-ia dar seguimento ao demais trâmites previstos na lei, designadamente quanto ao regime de escrutínio previsto na secção II do Regulamento Eleitoral, uma vez que os votos incidirão sobre cada lista (e não sobre cada Órgão) … lista(s) que será(ão) identificada(s), por sua vez, no boletim de voto” (Doc. n.º 4 da providência cautelar) (art. 18º, 60º, 61º e 67º da p.i.).

18- No dia 30 de Junho de 2022 realizou-se a Assembleia Geral Extraordinária da Ré, a qual foi convocada por anúncio publicado no dia 30 de Maio de 2022 no Diário de Coimbra (Doc. n.º 15 da providência cautelar) (arts. 4º e 5º da p.i.).

19- O Autor não participou na referida Assembleia Geral Extraordinária (art. 6º da p.i.).

20- O ponto “1.” da ordem de trabalhos era a “1. Eleição dos Membros da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal da Caixa Agrícola para o triénio dois mil e vinte e dois a dois mil e vinte e quatro” (Doc. nº 1) (art. 8º da p.i.).

21- Foi submetida a sufrágio a lista única apresentada pela Administração Provisória da Ré (art. 9º da p.i.).

22- Consta da respectiva acta:

“(…)

Findo o apuramento dos votos, foram contados trinta e sete votos na lista única apresentada a sufrágio e um voto em branco e verificada a existência de dezasseis boletins correspondentes aos Pontos Dois e Três da ordem de trabalhos, pelos motivos atrás referidos, que foram postos de parte, conforme igualmente atrás referido, para serem contemplados apenas quando os respectivos pontos, não sujeitos a voto secreto, forem submetidos a votação. O Senhor Presidente em Exercício questionou a assembleia sobre a existência de alguma reclamação e, não tendo existido, declaro eleita a lista única para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal da Caixa Agrícola para o triénio dois mil e vinte e dois a dois mil e vinte e quatro, composta pelos seguintes associados, que foram eleitos para os cargos que se passam a indicar, para o referido triénio: --

Presidente da Mesa da Assembleia Geral: JJ, casado, contribuinte número ...91, com domicílio em Rua ..., em ....

Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral: KK, casado, contribuinte número ...59, com domicílio em Rua ..., em ....

Secretário da Mesa da Assembleia Geral: LL, casado, contribuinte número ...28, com domicilio em Beco ..., em ....

Presidente do Conselho Fiscal: MM, casado, contribuinte número ...14, com domicílio em Rua ..., em ....

Vogal do Conselho Fiscal: NN, casada, contribuinte número ...68, com domicílio em Rua ..., em ....

Vogal do Conselho Fiscal: OO, solteira, contribuinte número ...09, com domicílio em Rua ..., ..., ..., em ....

Suplente do Conselho Fiscal: PP, casado, contribuinte número ...34, com domicílio em Rua ..., em ...” (Doc. n.º 1) (art. 10º da p.i.).

23- Antes do início da Assembleia Geral, o Autor comunicou à Mesa da Assembleia Geral, através de e-mail dirigido ao seu Presidente, que “em representação da candidatura apresentada por associados sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.” e dos respectivos sócios que as subscreveram vem informar V. Ex.ª que não irão participar no acto eleitoral constante da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022, porque a consideram irregulares, ilegais e inválidos os seus resultados por exclusão da lista apresentada pelos associados que representam” (Doc. n.º 1) (art. 11º da p.i.).

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Inexistência de condição de procedibilidade da acção.

- Anulação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados.

- Anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da R. – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30.6.2022.

- Subsidiariamente, admissão da lista por si apresentada a candidata à Mesa da Assembleia Geral.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Conforme resulta dos factos provados, o Autor, por si e na qualidade de mandatário de outros associados, apresentou candidatura aos órgãos Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal da Ré, para o triénio 2022-2024.

Tal candidatura veio a ser rejeitada, tendo o Autor reclamado da respectiva decisão, nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral, para o Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Tal reclamação foi indeferida, tendo sido submetida a sufrágio a lista única apresentada pela Administração Provisória da Ré, a qual foi declarada eleita na Assembleia Geral Extraordinária da Ré que teve lugar no dia 30 de Junho de 2022.

Com a presente acção, pretende o A., além do mais, obter a anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022 e da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas àqueles órgãos, por si apresentadas.

O art. 10º, n.º 2 do Regulamento Eleitoral (Doc. n.º 3 da providência cautelar) dispõe que “Qualquer associado pode reclamar para a Mesa da Assembleia Geral da decisão que admite ou rejeite qualquer das candidaturas”, nos termos e prazos aí previstos. Em conformidade com esta disposição, o A. reclamou da rejeição da “candidatura apresentada para a eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola”. Sobre tal reclamação recaiu a decisão notificada em 6-6-2022, que a indeferiu, nos termos constantes do ponto 17) dos factos provados. E de tal decisão não foi interposto recurso pelo A.

Com efeito, dispõe o art. 25º do Regulamento Eleitoral que “Cabe recurso, nos termos da lei, de todas as decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral”.

Assim, o meio adequado de reacção do A. à decisão que recaiu sobre a reclamação por si apresentada era o mencionado recurso e não a impugnação, quer da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal – tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022, quer da decisão de rejeição da candidatura apresentada (da qual, de resto, já havia reclamado, nos termos do art. 10º do Regulamento Eleitoral). Tampouco pode pretender, pela presente via, inverter a decisão de rejeição da candidatura à Mesa da Assembleia Geral, conforme peticiona, a título subsidiário.

Com efeito, não tendo o A. interposto o recurso previsto no art. 25º do Regulamento Eleitoral, considero que o direito a ver apreciadas, jurisdicialmente, tais questões ficou precludido, não podendo o A. repristiná-lo pela presente via.

Do transcrito preceito Regulamentar resulta que o recurso das decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral, é condição de procedibilidade da presente acção com o fundamento que motivou a reclamação então decidida. Isto é, a interposição do referido recurso tem de anteceder, necessariamente, a propositura da acção – neste sentido, a propósito da não admissão de uma lista a eleições de um Sindicato, vd. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-7-2017, Proc. n.º 829/16.8T8LSB.L1-4, publicado no sítio da dgsi.

Pelo exposto, verifica-se a preterição do recurso necessário, previsto no artigo 25º do Regulamento Eleitoral e, consequentemente, a improcedência da presente acção.”.

O A. discorda, porque o recurso a que alude o art. 25º do Regulamento Eleitoral é a acção de anulação a que se refere o art. 59º do Cód. Soc. Comerciais, já que aquele normativo não prevê recurso interno da decisão da Mesa da Assembleia Geral que rejeitou a candidatura aos órgãos da R., apresentada pelos associados, não podendo ser “… condição de procedibilidade da presente acção” (conclusões 2- a 18-).

Enquanto a recorrida entende que a palavra “recurso” constante da norma do art. 25º do transcrito Regulamento Eleitoral não pode ter o significado de recurso judicial ou de recurso à acção de impugnação prevista no art. 59º do CSC, mas antes a de recurso interno para um órgão social da R., que apenas pode ser a assembleia geral.

Avançamos que concordamos com o recorrente.

A sentença recorrida foi buscar inspiração no referido acórdão da Rel. Lisboa, de 6.7.2017, em www.dgsi.pt, sem que o caso concreto aí dirimido se possa compatibilizar com o nosso, pois resulta do mesmo que aí se reconheceu expressamente a previsão normativa e possibilidade de recurso da decisão da Mesa da Assembleia Geral (MAG) para a assembleia geral, e daí tal aresto ter entendido que se estava perante uma condição de procedibilidade, o que não é a situação concreta dos nossos autos (já agora tendo a decisão recorrida seguindo o mesmo caminho daquele acórdão devia ter-se absolvido a R. da instância e não julgar-se a improcedência do pedido). E quanto ao da Rel. de Guimarães, de 2.2.2020, Proc.878/17.9T8PTL, ainda no mesmo sítio, a hipótese é semelhante, pois aí previu-se expressamente a prévia e imperativa impugnação junto do órgão assembleia geral, de uma associação civil, situação concreta também diversa do nosso caso.

Igualmente, os acórdãos invocados pela recorrida (no corpo das suas alegações) não dão guarida à sua posição, pois os referentes aos da Rel. Lisboa e Rel. Porto, datados, respectivamente, de 8.10.2009, Proc.1448/09.0TVLSB, e 30.6.2014, Proc. 1150/13.9TBBGC-A, disponíveis no mesmo sítio, se reportam a providência cautelar de suspensão de deliberação social, e respectivos requisitos legais de admissibilidade, enquanto o referente ao da Rel. Lisboa, de 29.9.2016, Proc.1544/13.0TYLSB, no mesmo sítio, reporta-se a impugnação judicial directa de deliberação do conselho de administração de uma sociedade anónima, tudo situações diferentes da nossa.

Prosseguindo. No nosso caso, os Estatutos da R. não prevêm qualquer recurso da decisão da MAG para a assembleia geral, como decorre cristalinamente do art. 27º cuja redacção é a seguinte:

“1. Sem prejuízo do mais que for previsto na lei e nos estatutos, compete à Assembleia Geral;

a) eleger, suspender e destituir os titulares dos cargos sociais e estatutários, e designar os seus Presidentes;

b) votar a proposta de Plano de Actividades e de Orçamento da Caixa Agrícola para o exercício seguinte;

c) apreciar e votar anualmente o relatório de gestão e documentos de prestação de contas do exercício anterior, bem como o parecer do Órgão de Fiscalização;

d) votar a proposta de aplicação de resultados e proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da Caixa Agrícola;

e) aprovar a fusão, a cisão e a dissolução da Caixa Agrícola;

f) aprovar a associação da Caixa Agrícola à Caixa Central e a sua eventual exoneração, bem como a sua associação e exoneração de organismos cooperativos de grau superior;

g) deliberar sobre a Política de Remuneração dos Membros dos Órgãos Sociais de Administração e de Fiscalização da Caixa Agrícola;

h) fixar a remuneração dos titulares dos Órgãos Sociais e Estatutários da Caixa Agrícola;

i) decidir do exercício do direito de acção cível ou penal contra qualquer um dos membros da Assembleia Geral e/ou contra qualquer um dos membros dos Órgãos Sociais, bem como a desistência e a transacção caso acções venham ser intentadas;

j) decidir outras formas de financiamento que não integram o capital social e que poderão assumir as modalidades de emissão de títulos de investimento;

k) decidir da alteração dos Estatutos.

l) decidir atribuição de Cargo Honorífico vitalício e nomear o seu Titular;

m) deliberar a adopção de um Conselho Superior pela Caixa Agrícola e designar os seus membros.

2. (…)”.

Não prevendo os Estatutos da R. a hipótese de impugnação junto da Assembleia Geral das decisões da MAG é claro que inexiste qualquer necessidade de junto daquela impugnar o que quer que seja das decisões desta.

Isto é, o art. 25º do Regulamento Eleitoral ao ditar que de todas as decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral, como é o caso, cabe recurso, nos termos da lei, só pode ser entendido, como aludindo a recurso judicial, que ao caso couber. E que por virtude da conjugação dos arts. 32º, nº 6, do Código Cooperativo, “6 - Das deliberações da assembleia geral cabe recurso para os tribunais.” – o sublinhado é nosso - e 9º do mesmo diploma, que se reporta ao direito subsidiário, “Para colmatar as lacunas do presente Código, que não o possam ser pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo, pode recorrer-se, na medida em que se não desrespeitem os princípios cooperativos, ao Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente aos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas. – o sublinhado é nosso -, só pode e deve entender-se que se refere ao recurso judicial de impugnação de deliberações anuláveis, previsto nos arts. 58º e 59º do CSC.

O que está, aliás, de acordo com os princípios gerais que regulam tais tipos de deliberações.

Como explica Pedro Maia (em Estudos de Direito das Sociedades, 11ª Ed., págs. 237/238), o regime da invalidade das deliberações assenta na distinção entre vícios ocorridos no procedimento deliberativo (vícios de procedimento) e vícios do conteúdo da deliberação (vícios de conteúdo). O procedimento deliberativo – ou “modo ou processo de formação” – constitui “uma sucessão de actos ordenados de certo modo em vista da produção de determinado efeito final”. Integram-se, pois, entre outros, no procedimento de uma deliberação a convocação da reunião, a reunião dos sócios, a discussão e apresentação de propostas, a votação, a contagem dos votos, o apuramento do resultado, etc. Existindo um vício em qualquer um destes aspectos, uma desconformidade com o disposto na lei ou no contrato de sociedade a respeito, por exemplo, da convocação (da sua “forma”, do seu conteúdo, da sua antecedência, da sua autoria, ou da reunião (onde deve ocorrer, quem lhe deve presidir, quem tem o direito de estar presente ou fazer-se representar, quem não pode estar presente, qual a percentagem de capital necessária para que a assembleia possa reunir), da discussão e apresentação de propostas (quem e que termos pode intervir na discussão, quem pode apresentar propostas), da votação (quem pode votar, a quantos votos tem direito cada sócio ou o seu representante), da contagem dos votos, do apuramento do resultado (qual a maioria necessária para se considerar aprovada determinada proposta de deliberação), etc, existindo um vício em qualquer um destes aspectos, dizíamos, teremos um vício no procedimento da deliberação.

Nestes vícios procedimentais, incluímos, por óbvio, actos praticados após a convocação da assembleia, como a rejeição de listas candidatas, como é o nosso caso, por parte do Presidente da MAG ou desta.

Pelo mesmo diapasão alinha Coutinho de Abreu, em CSC em Comentário, 1ª Ed., anotação ao referido artigo 58º, nota 2.1., e 3., respectivamente, págs. 671/675 e 676/677.

O mesmo sucede com L. Brito Correia (em D. Comercial, 3º vol., 2ª Tiragem, pág. 55) que professa que um acto do Presidente da Mesa está também sujeito a recurso para o tribunal, umas vezes especificamente, outras levado a cabo na acção de impugnação da deliberação social afectada na sua validade pelo acto do Presidente.

Ora, no nosso caso, como os estatutos da R. não preveem a impugnação de acto do presidente da MAG, que não admitiu lista de candidaturas, para a assembleia geral, deve seguir-se o regime de recurso, nos termos gerais da lei, para o tribunal, que no caso é a acção de impugnação/anulação de deliberação, prevista nos aludidos arts. 58º e 59º do CSC.

Sendo, por isso, de concluir, ao contrário do defendido na decisão recorrida, que se verifica uma condição de procedibilidade não observada pelo A.

O que importa a revogação da sentença apelada, como peticiona o apelante (embora use a palavra “anular-se”), na parte final das suas conclusões de recurso.

Claro que a revogação da decisão recorrida implica o conhecimento do fundo/mérito da questão. O que, em princípio, cabia a este tribunal ad quem efectuar, salvo por falta de elementos (art. 665º, nº 2, do NCPC).

Só que este tribunal não dispõe dos elementos necessários, pois as partes alegaram múltipla facticidade nos seus extensos articulados, que não foi selecionada (para conhecimento em saneador-sentença ou para comprovação em julgamento), pois a julgadora da 1ª instância fixou matéria de facto, apenas, segundo aparenta, para conhecer da apontada condição de procedibilidade que afinal não existe.                  

3., 4. e 5. Face ao que se expôs e vai decidir, queda prejudicado o conhecimento das restantes 3 questões.  

(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, prosseguindo os autos.

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Custas a cargo da R.

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                                                                   Coimbra, 6.2.2024

                                                                   Moreira do Carmo

                                                                   Carlos Moreira

                                                                   Fernando Monteiro