Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
666/05.TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOES PINHEIRO
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO ARGUIDO
NULIDADE PROCESSUAL
MONTANTE DA COIMA
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 635º E 636º, NºS 1 E 3, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Tendo a arguida, em processo de contra-ordenação laboral, apresentado resposta escrita em cumprimento do disposto no artº 635º do C. Trabalho, onde nega a prática da contra-ordenação, e tendo aí arrolado testemunhas para serem ouvidas caso assim fosse necessário, impõe-se a audição dessas testemunhas pelo instrutor do processo.

II – O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa e que serviu de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação – artº 262º, nº 1, do CPP.

III – Assim, a omissão da inquirição de testemunhas arroladas pela arguida tem que ser entendida como redundando na insuficiência do inquérito, o que constitui uma nulidade, embora dependente de arguição, como dispõe o artº 120º, nº 2, do CPP (aplicável ao caso, por força do artº 41º, nº 1, do RGCO).

IV – No processo contra-ordenacional a referida nulidade deve ser arguida até à audiência do recurso de impugnação judicial ou, na falta de audiência, até à resposta à notificação da decisão administrativa condenatória.

V – Tal nulidade, porém, deve considerar-se como sanada se no recurso de impugnação judicial a arguida arrola as testemunhas cuja inquirição não teve lugar e se nessa fase processual o juiz procedeu à dita inquirição – artº 121º, nº 1, al. c), do CPP.

VI – Não aproveitando a arguida da faculdade do pagamento voluntário da coima aplicada na fase administrativa do processo, pelo seu montante mínimo correspondente à infracção praticada com negligência – artº 636º, nºs 1 e 3, do C. trabalho -, nenhuma expectativa legítima pode manter de que a decisão final ou a sentença em fase de recurso vá fixar essa coima no dito montante mínimo, pois que, nestas fases, a coima tem que ser graduada em obediência aos critérios estabelecidos nos artºs 622º do C. Trab. e 18º do RGCO.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

A Inspecção-Geral do Trabalho, Subdelegação de Tomar, aplicou a A..., com sede em Fonte da Prata, Ferreira do Zêzere, a coima de 20.000,00 €, nos termos do artigo 617º, nº 2, do Código do Trabalho, como responsável solidária com B..., pela prática, por esta, de uma contra-ordenação p. e p. no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, com a redacção dada pela Lei n.º 146/99, de 01 de Setembro; e a coima de 15.000,00 €, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. na terceira parte da alínea b) do n.º 3 do art. 31.º do mesmo Decreto-Lei n.º 358/89, com a redacção dada pela referida Lei n.º 146/99.
A arguida interpôs recurso de impugnação judicial das duas decisões , que haviam sido proferidos em processos distintos, para o Tribunal do Trabalho de Tomar e, neste, por se considerar existir conexação, ordenou-se a apensação de um deles àquele que tem o número referenciado em epígrafe.
Após audiência, proferiu o Senhor Juiz sentença na qual, dando provimento a um dos recursos e negando-o ao outro:
a) Absolveu a arguida da coima que lhe fora aplicada como responsável solidária;
b) Condenou a arguida na coima do montante de € 15.000,00.
Ainda inconformada, recorreu de novo a arguida, agora para esta Relação, formulando na motivação que apresentou as seguintes conclusões:
a) no prazo que lhe foi concedido, a ora recorrente cumpriu as formalidades previstas na notificação que lhe foi dirigida, indicando, designadamente, o rol de testemunhas;
b) seguindo a interpretação da IGT, o Tribunal "a quo" entendeu que a recorrente deixou ao arbítrio daquela o ouvir ou não as tetemunhas referidas, quando a única coisa que se pretendeu com a famigerada expressão foi que uma ou outra circunstância ficaria a depender das eventuais decisões de prosseguir ou de arquivar os autos;
c) ao assim não se entender, a recorrente ficou ilegalmente impedida de em tempo e sede própria produzir a prova a que processualmente tinha direito;
d) por outro lado, em vez de manter a decisão sobre a coima inicialmente aplicada à recorrente, fê-lo relativamente à alteração arbitrária e infundadamente operada pela autoridade referida;
e) pese embora, o facto da recorrente ter junto prova documental idónea de que o seu volume de negócios sempre esteve muito aquém do correspondente à dita coima;
f) isto, sem prejuízo de, ainda assim, no nosso entender, os factos alegados se enquadrarem na previsão do art°. 676° e não no aplicado 620°, do cód. do Trabalho.
g) Logo, ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" fez uma incorrecta interpretação da matéria de facto recolhida nos autos, violando, assim, designadamente, o disposto nos art°s. 18°, 50° e 72° do decreto-lei n° 433/82 de 27 de Outubro e 620° e 676° do cód. do trabalho.
Termos em que, face ao alegado, sempre com o mui douto suprimento que de Vossas Excelências se espera e invoca, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se nula a douta decisão proferida, por ilegal e infundada e, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, fixar-se a coima nos inicialmente aplicados 8.010,00 euros.
O Ministério Público respondeu, concluindo assim a sua resposta:
I - A indicação dos nomes de duas testemunhas - a apresentar , para o caso de serem necessárias , não implica a respectiva inquirição pois a lei vigente não consagra o princípio de oportunidade no apuramento ou na punição de infracções .
II - Cabia à recorrente "A...". após notificação da l. G. T . , concretizar as diligências que queria ver efectuadas .
III - Assim , a confirmação parcial da decisão da IGT , com a condenação da arguida no âmbito dos autos 671/05.1TTTMR , não tem por base qualquer decisão arbitrária e muito menos infundada por parte da autoridade administrativa .
IV - Foi dado como provado que no dia 14/10/04 , na sequência de visita inspectiva efectuada pela IGT -Tomar , no estaleiro de construção do Palácio dos Desportos em Torres Novas, a arguida e recorrente aí utilizava , ao abrigo do contrato de utilização de trabalho temporário cuja cópia consta de fols. 9 a 14 , com afirma " B..." sem que esta possuísse autorização para exercer a actividade de empresa de trabalho temporário , os trabalhadores , C... ; D... ; E... ; F... e G...; os 2 primeiros como serventes e os últimos como pedreiros.
V - O art. ° 620 °, n. ° 8 , do Código do Trabalho , é aplicável sempre que o empregador não indique , como não indicou o seu volume de negócios .
VI - O artº0 21°, n.° l , al. n) , da Lei 99/03 de 27/08 que aprovou o Código do Trabalho , apenas revogou os art.ºs 26° a 30 ° e não os art.º s 4° e 31°, n.° 3 , als. a) e b) , todos do Dec. Lei 358/89 de 17/10 .
VII - A conduta da arguida encontra-se prevista e punida como contra – ordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas dos art.0 s 4° e 31°, n.° 3 , als. a) e b) , ambos do Dec. Lei 358/89 de 17/10 com os art.0 620 °, n.° s 4 , al. e ) e 8 , do Código do Trabalho .
VIII - Não se apura pois que a decisão recorrida fizesse incorrecta interpretação da matéria de facto recolhida nos autos e , assim , violasse o disposto pelos artºs 18°, 50° e 72° , todos do Dec. Lei 433/82 de 27/10 - R.G .C.O. e os art.º s 620 ° e 676 ° , do Código do Trabalho .
IX - Não se mostra violada qualquer norma legal.
X - Assim , perante a gravidade dos factos e da culpa do agente , bem andou a douta sentença recorrida ao condenar a arguida na coima de €15.000,00.
XI - Que se mostra bem doseada e equilibrada.
XII - Negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, farão V. Exªs Justiça.
Nesta instância, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.
A arguida ainda respondeu, no essencial reafirmando a posição assumida na motivação de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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Constitui jurisprudência pacífica que são as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso, sendo irrelevante que algum tema não focado nas conclusões tenha sido abordado no texto da motivação.
Por outro lado, há que ter em conta que, em 8 matéria contra-ordenacional, as Relações apenas conhecem, em princípio, da matéria de direito – cfr. artigo 75º nº 1, do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10.
Assim sendo, e porque na sentença se não detecta, nem vem arguida, a existência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Pena (CPP), aplicável ex-vi do artigo 41º, nº 1, do RGCO, têm que dar-se por assentes os factos ali dado como provados, que são os seguintes:
1 – No dia 14 de Outubro de 2004, no período compreendido entre as 09H00 e as 11H20, foi efectuada uma acção inspectiva ao estaleiro de construção do Palácio dos Desportos de Torres Novas;
2 - A obra foi adjudicada pela Câmara Municipal de Torres Novas às empresas “Socoliro – Construções, S.A” e, “Lena, Engenharia e Construções, S.A”;
3 - A “Socoliro – Construções, S.A” subcontratou à “A...”, a execução dos trabalhos de assentamento de alvenarias da sua empreitada;
4 - O subempreiteiro “A...” não dispondo “…no seu quadro de efectivos suficientes para executar e desenvolver os trabalhos subjacentes à subempreitada de execução de alvenarias na referida obra” que “…se traduz na execução de uma tarefa precisamente definida e não duradoura que acarreta para a primeira outorgante necessidades de mão de obra, com carácter temporal limitado” celebrou com a firma “B...”, pessoa colectiva n.º 506 373 061.º que, tem como objecto social o exercício da actividade de empresa de trabalho temporário e, “é possuidora de experiência e conhecimento privilegiado do mercado de mão de obra em causa, em termos de poder fornecer à primeira outorgante, no âmbito da sua actividade social para a qual se encontra devidamente licenciada” um contrato de utilização temporário;
5 - No dia da visita inspectiva o Inspector autuante verificou presencialmente que, a arguida “B...”, em cumprimento do n.º 2 da Cláusula 1.ª e 2.ª do contrato de utilização de trabalho temporário, colocou à disposição do subempreiteiro “A...”, na obra de construção do Palácio dos Desportos de Torres Novas, os seguintes trabalhadores:
- C..., desde 13 de Outubro de 2004, servente de construção civil;
- D..., desde 06 de Outubro de 2006, pedreiro;
- E..., servente;
-F..., desde 27 de Setembro de 2004, pedreiro;
- G..., desde 06 de Outubro de 2004, pedreiro;
6 - Esses trabalhadores estavam na obra em causa a executar os trabalhos de alvenaria adjudicados pela “Socoliro, S.A”, ao seu subempreiteiro “A...” e, consistiam de tijolo, no piso do rés-do-chão;
7 - Depois de ter efectuado averiguações, o inspector autuante constatou que, a “B...” não possui autorização prévia para o exercício da actividade de empresa de trabalho temporário, estando-lhe, por isso, vedado ceder temporariamente trabalhadores do seu quadro de pessoal para utilização de terceiros;
8 - Sendo condição indispensável à celebração do contrato de utilização de trabalho temporário que a empresa cedente seja detentora do respectivo alvará de utilização, a utilizadora “A...” (que, na obra é subcontratante da contratante “Socoliro – Construções, S.A”, não agiu com a diligência devida ao recorrer a trabalho temporário fornecido por quem não estava autorizado para tal;
9 - A arguida “A...”, não indicou o seu volume de negócios respeitante ao ano anterior ao da prática da infracção.
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Percorrendo as conclusões da motivação oferecida pela recorrente, constata-se que são duas as questões suscitadas: uma tem a ver com a não audição, pela entidade administrativa, das testemunhas de defesa arroladas; a outra com o montante da coima.
Apreciemos tais questões, por esta ordem.
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Para a cabal intelecção da primeira questão, e dado que as pertinentes conclusões da motivação se mostram, para o efeito, insuficientes, convirá dar notícia do que, nesse âmbito, ocorreu nos autos.
A arguida ora recorrente, ao ser notificada, em cumprimento do disposto no artigo 635º do Código do Trabalho (CT), para se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputada, apresentou resposta escrita (cfr. fls. 32 e seguintes dos autos apensos, nos quais foi aplicada pela autoridade administrativa a coima ainda subsistente e objecto do presente recurso) e, no final do respectivo articulado, arrolou duas testemunhas e escreveu entre parêntesis, a elas se referindo: “para o caso de serem necessárias”.
O instrutor do processo não ouviu, porém, as testemunhas sendo que, na proposta de decisão e, designadamente, no respectivo relatório, nada diz quanto à necessidade ou desnecessidade da sua inquirição.
No recurso de impugnação judicial, a arguida insurgiu-se, para além do mais, contra a omissão da inquirição das testemunhas (cfr. a conclusão E) da motivação, a fls. 77 e seguintes do mencionado apenso).
Na sentença recorrida, o Senhor Juiz manifestou o entendimento de que inexistia qualquer nulidade, porquanto as testemunhas só não haviam sido ouvidas em virtude de a arguida ter deixado “tal iniciativa junto do poder discricionário da IGT”.
Ora, não podemos aceitar esta argumentação, isto sem embargo de também entendermos que não se verifica a nulidade.
Efectivamente, não cremos que a mencionada expressão possa ser entendida no sentido propugnado na sentença, ou seja, que a arguida pretendeu deixar a realização ou não da diligência de inquirição das testemunhas ao arbítrio da instrutora do processo – parecendo-nos mais verosímil e consentânea com o texto da resposta que produziu a tese defendida na conclusão b) da motivação do presente recurso.
Na verdade, nessa resposta, a arguida, no essencial, negou a prática da contra-ordenação, alegando ter celebrado o contrato de utilização de trabalho temporário no desconhecimento de que a outra parte não estava licenciada para o efeito e, que, quando de tal tomou consciência, modificou o negócio, celebrando com a B..., um contrato de subempreitada. E juntou documentos, tendentes a demonstrar essa alegada alteração contratual, para além de, como já se referiu, ter arrolado testemunhas nos sobreditos termos.
Vistas as coisas neste contexto, parece-nos seguro que a arguida, para demonstração da veracidade dos factos que, no seu entender, afastavam a existência da contra-ordenação, pretendeu usar, em primeiro lugar, a prova documental e, na hipótese de a mesma vir a ser considerada insuficiente para tal efeito – mas só nessa hipótese – a prova testemunhal. Ou seja, haveria que julgar desnecessária ou necessária a produção da prova testemunhal, subsidiariamente arrolada, conforme o instrutor do processo reputasse ou não suficiente para a demonstração dos factos alegado pela arguida a prova documental oferecida.
Poderá, é certo, discutir-se a aceitabilidade desta formulação e, designadamente pôr-se em dúvida se a arguida poderia exigir que o instrutor do processo emitisse um pré-juizo acerca do valor da prova documental em ordem a decidir se se justificava ou não – se era ou não necessário - produzir a prova testemunhal oferecida pela defesa.
De qualquer forma, uma coisa é certa: o instrutor não podia pura e simplesmente ignorar o requerido, pois que isso manifestamente atentava contra o direito de defesa da arguida. E, ou notificava a arguida para esclarecer se pretendia que as testemunhas fossem ouvidas independentemente do condicionalismo enunciado, ou procedia desde logo à sua inquirição.
E a verdade é que não fez nem uma coisa nem outra, nada tendo dito no processo, aliás, sobre a questão.
Ora, interposto recurso de impugnação judicial, e enviados os autos ao Ministério Público, deve este fazê-los presentes ao juiz, acto que, nos termos do artigo 62º, nº 1, do RGCO, vale como acusação.
Como escreve Manuel Ferreira Antunes (in “Reflexões sobre o Direito-Contra-Ordenacional, pag. 172) “quando o recorrente interpõe o recurso, portanto, ainda não há ‘acusação’, mas, logo que o recurso seja introduzido em juízo, tudo se passa como se, desde o momento em que é proferida a decisão, esta fosse uma acusação”.
A mutação assim operada leva necessariamente a que o conjunto de actos de investigação e instrução realizados pela autoridade administrativa e que serviu de base à “acusação” seja visto ou passe a equivaler à fase que no processo penal se designa por inquérito e que tem por finalidade, precisamente, (artigo 262º, nº 1, do CPP) “investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”
E, neste quadro, a omissão da inquirição das testemunhas arroladas pela arguida tem que ser entendida como redundando na insuficiência do inquérito que constitui a nulidade, dependente de arguição, prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, aplicável ao caso, como aliás as demais disposições deste Código que adiante se citarem, por força do preceituado no artigo 41º, nº 1, do RGCO.
E, se tal nulidade, no processo penal propriamente dito, pode ser arguida, havendo instrução, até ao encerramento do debate instrutório (artigo 120º, nº 3, alínea c), do CPP), cremos que, no processo contra-ordenacional deverá a arguição ser admitida até à audiência do recurso de impugnação judicial (ou, na falta de audiência, até à resposta à notificação .
Na verdade, no paralelismo que, neste ponto, é mister estabelecer entre o processo penal e o processo por contra-ordenação - por o RGCO não disciplinar especificamente a matéria e as regras do processo penal constituírem direito subsidiário - cremos ser a fase de instrução aquela que corresponde, na sua estrutura e finalidades, à de recurso judicial de impugnação, correspondendo, por sua vez, a audiência que nesta tem lugar ao debate instrutório que naquela ocorre.
Ora, a recorrente, no recurso de impugnação judicial, suscitou a questão da nulidade da decisão (cfr. alínea F) das respectivas conclusões), alegando ter sido omitida a “produção da prova requerida” (alínea E)).
E, se se tivesse ficado por aí, teríamos certamente que julgar procedente a arguição de nulidade.
Sucede, porém, que o recurso de impugnação judicial tem, para além desse, outros fundamentos: a recorrente alega que estava convicta, ao tempo em que celebrou o contrato de utilização de trabalho temporário, que o mesmo se inseria no objecto social da contraparte; que quando se apercebeu do seu erro, logo celebrou com a B..., em substituição daquele, um contrato de prestação de serviços; que lhe foi enviada uma guia para pagamento de coima do montante de € 8.010,00 e inexistia motivo para o agravamento desta que veio a verificar-se; que agiu sem culpa; etc. Acrescendo, ainda, que no recurso a arguida, arrolou três testemunhas, que se comprometeu a apresentar em juízo. E anote-se, já agora, que dessas, só uma foi ouvida, dado que as outras duas (uma das quais fora também arrolada na resposta oferecida na fase administrativa do processo) nunca compareceram, apesar de o Senhor Juiz ter designado uma segunda data para a sua inquirição, atenta a falta verificada na primeira (cfr. fls. 51 a 56 dos autos principais).
Quer dizer: a arguida, no recurso de impugnação judicial, repetindo o que fizera na fase administrativa do processo, propôs-se demonstrar, mediante testemunhas, os factos que entendia importarem á sua defesa. E se nessa fase administrativa lhe foi (ilegitimamente) impedida a produção da prova testemunhal, na fase do recurso procedeu-se já à inquirição de uma testemunha, não tendo as restantes sido ouvidas por causa só imputável à recorrente.
A recorrente prevaleceu-se, pois, do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição das testemunhas, direito esse que na fase administrativa lhe fora negado.
Então, a nulidade que essa negação envolveu, atento o preceituado no 121º, nº 1, alínea c), do CPP, tem que considerar-se sanada.
Preceitua, na verdade, essa norma, que “salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia.
Como escreve Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Vol. II, pags. 71/72) “o fundamento desta causa de sanação de nulidade é claramente a economia processual. Com efeito, se não obstante a nulidade do acto o efeito a que se dirigia vier a ser igualmente produzido, é inútil recomeçar do princípio para não obter nada mais do que o que já foi alcançado”.
E não se diga, contra isto, que no caso o efeito não foi plenamente atingido porquanto acabou por nunca ser ouvida uma das testemunhas inicialmente arroladas. É que essa testemunha só não foi inquirida por a recorrente, contra aquilo a que se comprometera, a não fez comparecer em juízo. E constituiria, com toda a evidência, rematado absurdo, declarar nulo o acto da autoridade administrativa consistente na omissão da inquirição das testemunhas arroladas e todos os actos posteriores do processo, fazendo assim regredir este à fase administrativa, apenas por a recorrente não ter apresentado essa testemunha na inquirição judicial marcada na fase do recurso de impugnação judicial.
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Entrando na dilucidação da segunda das enunciadas questões, também aqui se impõe fazer algum esforço para compreender o que quer a recorrente significar quando afirma que a entidade administrativa não manteve “a decisão sobre a coima inicialmente aplicada”.
E, cotejando essa afirmação com o mais que a recorrente escreve sobre o ponto no texto da motivação e o que dos autos consta, vemos que a autoridade administrativa notificou a arguida para apresentar, no prazo de quinze dias, a já falada resposta escrita, juntando documentos e arrolando testemunhas ou comparecer, para ser ouvida, em data que designou; e notificou-a, bem assim, para no mesmo prazo “proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu montante mínimo correspondente à infracção pratica com negligência no valor de Euros 8.010,00”.
É nesta última notificação que a recorrente pretende ver a aplicação de uma coima, insurgindo-se contra o facto de, na decisão final, e na sentença recorrida, o montante da coima surgir agravado face ao que daquela constava.
Ora, tal notificação foi feita no estrito cumprimento do disposto no artigo 636º, nºs 1 e 3 do Código do Trabalho, que determina que, relativamente a infracções leves e graves, bem como a infracções muito graves praticadas com negligência, o arguido pode proceder ao pagamento voluntário da coima no prazo (de quinze dias) referido no artigo anterior e que, em tal caso, a coima é liquidada pelo mínimo que corresponda à infracção praticada com negligência.
E o certo é que a arguida não aproveitou essa faculdade do pagamento voluntário da coima, a fazer, nos termos da lei, pelo mínimo da respectiva moldura sancionatória. E nenhuma expectativa, pelo menos legítima, podia manter de que a decisão final – ou a sentença recorrida - iria fixar a coima nesse mesmo mínimo, pois que, nessas fases, a coima tem que ser graduada obedecendo aos critérios estabelecidos nos artigos 622º do CT e 18º do RGCO.
Ainda a propósito do montante da coima, alega a recorrente, na conclusão e) da motivação de recurso, que juntou “prova documental idónea de que o seu volume de negócios sempre esteve muito aquém do correspondente à dita coima”.
Todavia, não consta dos autos documento algum do qual se possa concluir qual o volume de negócios da recorrente no ano anterior ao da prática da contra-ordenação, sendo que esse elemento é de primordial importância para a determinação da moldura sancionatória, como decorre do artigo 620º do CT. E o nº 8 desse artigo determina que, sempre que o empregador não indique o volume de negócios, aplicam-se os limites previstos para as empresas com volume de negócios igual ou superior a € 10 000 000.
Assim, há-de atender-se a esse ficcionado elemento para determinar a moldura da coima.
Terão a decisão administrativa e a sentença recorrida, na parte em que confirmou aquela, procedido à correcta determinação da moldura da coima?
A recorrente parece questionar isso na já citada conclusão e) e ainda na conclusão f) da motivação de recurso, onde escreve que, em seu entender, os factos alegados se enquadram na previsão do artigo 676º e não no aplicado 620º do Código do Trabalho”.
Ora, o artigo 620º do CTestabelece os limites das coimas correspondentes às contra-ordenações laborais em geral, enquanto o artigo 676º qualifica como contra-ordenações leves ou graves as violações do disposto em várias normas do mesmo Código que regem sobre a cedência ocasional de trabalhadores.
Por isto, logo se vê que as duas normas não se excluem mutuamente na sua aplicabilidade, pois querendo saber-se qual o valor das contra-ordenações leves ou graves previstas naquela última, terá que recorrer-se à primeira.
Simplesmente, o artigo 676º não tem que ser chamado a regular a situação dos autos pois ele reporta-se à cedência ocasional de trabalhadores e o que está aqui em causa é coisa diferente: o contrato de utilização celebrado com empresa de trabalho temporário (no caso, não autorizada).
Rege sobre o trabalho temporário o Decreto-Lei nº 358/89, de 17/10, alterado pelas Leis nºs 39/96, de 31/08 e 146/99, de 1/09. E se é certo que aquele diploma regulamentava também a cedência ocasional de trabalhadores, menos certo não é que as normas que se lhe referiam (artigos 26º a 30º) foram revogadas pelo diploma que aprovou o Código do Trabalho - Lei nº 99/2003, de 27/8, artigo 21º, nº 1, alínea n) - encontrando-se hoje a matéria consagrada nos artigos 322º e seguintes do mnesmo.
E a factualidade dada como provada, tal como se considerou na decisão administrativa e, bem assim, na sentença recorrida, cai na previsão do artigo 31º, nº 3, alínea b) terceira parte, do Decreto-Lei nº 358/99, com a redacção dada pela Lei nº 146/99, o qual dispõe que constitui contra-ordenação muito grave, imputável ao utilizador, a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário com empresa não autorizada.
E tendo a infracção sido imputada à recorrente a título de negligência, entrando em linha de conta com o falado volume de negócios, temos que à coima, nos termos do nº 4, alínea e), primeira parte, do citado artigo 620º, há-de situar-se entre 90 UC e 300 UC, ou seja, entre 8.010,00 e 26.700,00 Euros.
Foi, pois, correctamente determinada a moldura sancionatória.
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Pelo exposto se decide negar provimento ao recurso, confirmando inteiramente a douta decisão recorrida.