Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
59/13.0TAGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: DIFAMAÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL DE GOUVEIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 180.º E 183.º DO CP
Sumário: I - O direito da liberdade de expressão tem limites.

II - Há difamação quando o “leitor médio”, ao ser confrontado com tais expressões, retira claramente do seu conteúdo um significado de achincalhamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política do assistente.

III - A discussão, quando tem contornos políticos tem de ter, necessariamente, maior campo de tolerância, sob pena de se por em causa a liberdade de expressão, mas deve ter como linha vermelha o respeito e a honra que são devidos ao visado, mesmo enquanto político ou como simples cidadão, qualidade em que foi atingido aqui o assistente.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado para ser julgado em processo comum com intervenção de tribunal singular, foi pronunciado o arguido A.... , casado, reformado, nascido a 26/07/1944, natural da freguesia de (...) , concelho de Oliveira de Azeméis, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) , em Coimbra, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, previsto e punido, pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelos factos constantes de fls. 320 a 323.


*

O demandante/assistente B... , de fls. 113 a 123 deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado/arguido, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 10.102,00, a título de danos não patrimoniais (€ 10.000,00) e danos patrimoniais (€ 102,00), sendo estes respeitantes a taxa de justiça pela constituição como assistente.

*

O tribunal, sobre o objecto do processo, decidiu:

a) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, previsto e punido nos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

b) Condenar o demandado A... no pagamento ao demandante B... da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo do demais peticionado.


*

Inconformado recorreu o arguido, o qual, em primeira fundamentação pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«1. Estamos perante um debate de ideias no campo do debate público, dada a qualidade de deputado com que o assistente assinou o artigo, estava no exercício de funções, porquanto, exercia o mandato de deputado na altura, e escreve o artigo numa altura em que o tema do envelhecimento da população estava em debate no parlamento por causa da sustentabilidade da segurança social e com isso, quis trazer a discussão para a arena pública.

2. As expressões utilizadas, ácidas, agressivas e contundentes, não podem ser isoladas do contexto em que foram escritas de forma a atribuir-se-lhes um significado de ofensa á honra do assistente, porque assim, talvez o sejam, mas antes, devem ser contextualizadas no espaço do debate entre no caso um deputado nossa Assembleia da República e um cidadão que com ele conversa de forma mais quente dada a ofensa de que se sentiu alvo pela frase por si usada "a nossa pátria foi infectada pela já conhecida peste grisalha".

3. Tal tipo de debate, aquele que resulta de alguma conflitualidade entre pessoas quando discutem opiniões e ideias, é normal que tal conflitualidade tenha expressão num discurso mais acalorado, com o uso de expressões acintosas e por vezes agressivas, algo que é amplamente sufragado pela nossa jurisprudência já invocada nos presentes autos, que se dá como reproduzida.

4. Não foi respeitado o princípio in dubio pro reo, uma vez que os factos dados como provados assentam num exercício de mera opinião sobre os mesmos, lidos através de uma lente do leitor/julgador que não pode nem deve fornecer um seguro critério decisório, criando uma indubitável dúvida razoável quanto a estes, pelos quais vinha acusado.

Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.

No entanto, admitindo-se que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado, deve ser-lhe aplicada uma pena menor, quer a título de indemnização civil, quer a título de sanção penal, atentos os fracos rendimentos auferidos por este, expostos no relatório social junto aos autos, quer pelos danos realmente causados ao assistente».


*

Em cumprimentos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, notificados os sujeitos processuais, respondeu o Ministério Público na 1.ª instância e assistente, concluindo pela improcedência do recurso.

*

Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, emitiu douto parecer acompanhando de perto a posição do Ministério Público na 1.ª instância, no sentido de que deve improceder totalmente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida

*

Notificados o arguido e assistente, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não apresentaram respostas.

*

Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

*

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal.

Factos provados:

«1. O assistente B... exercia, à data dos factos, as funções de deputado na Assembleia da República – XII Legislatura –, desde 20 de Junho de 2011;

2. O assistente exerce ainda funções de advogado, com escritório nas comarcas de G (...) e S (...) ;

3. Na edição do Jornal “ X... ”, de z... de (...) de 2013, foi publicado um texto escrito e assinado pelo arguido, denominado “A peste grisalha -carta aberta a um deputado do Q (...) ”, iniciando com uma citação de Óscar Wild “Os loucos por vezes curam-se, os imbecis nunca”;

4. Na aludida carta, referindo-se àquele assistente B... , Deputado da Assembleia da República, como acima mencionado, escreveu “Exmo. Sr. B... , Por tardio não peca. Eu sou um trazedor da peste grisalha cuja endemia o seu partido se tem empenhado em expurgar, através do Ministério da Saúde e outros “valorosos” meios ao seu alcance, todavia algo tenho para lhe dizer. A dimensão do nome que o titula como cidadão deve ser inversamente proporcional à inteligência – se ela existe – que o faz blaterar descarada e ostensivamente, composições sonoras que irritam os tímpanos do mais recatado português. Face às clavas da revolta que me flagela, era motivo para isso, no entanto, vou fazer o possível para não atingir o cume da parvoíce que foi suplantada por si, como deputado do Q (...) e afeto à governação, Sr. B... , quando ao defecar que “a nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha”, se esqueceu do papel higiénico para limpar o estoma e de dois dedos de testa para aferir a sua inteligência. A figura triste que fez, cuja imbecilidade latente o forçou à encenação de uma triste figura, certamente que para além de pouca educação e civismo que demonstrou, deve ter ciliciado bem as partes mais sensíveis de muitos portugueses, inclusivamente aqueles que deram origem à sua existência – se é que os conhece. Já me apraz pensar, caro Sr., que também haja granjeado, porém à custa da peste grisalha, um oco canudo, segundo os cânones do método bolonhês. Só pode ter sido isso. Ainda estou para saber como é que um homolitus de tão refinado calibre conseguiu entrar no círculo governativo. Os “intelectuais” que o escolheram deviam andar atrapalhados no meio do deserto onde o sol torra, a sede aperta a miragem engana e até um dromedário parece gente. É por isso que este país anda em crónica claudicação e por este andar, não tarda muito, ficará entrevado. Sabe Sr. B... , quando uma pessoa que se preze está em posição cimeira, deve pensar, medir e pensar muito bem a massa especifica das “sentenças”, ou dos grunhidos, -segundo a capacidade genética e intelectual de cada um – que vai bolçar cá para fora. É que, milhares pessoas de apurados sentidos não apreciam o cheiro pestilento do vomitado, como o sr. também sente um asco sem sentido e doentio, à peste grisalha. Pode ser errado, mas está no seu direito…ainda que torto. Pela parte que me toca, essa maleita não o deve molestar muito, porque já sou portador de uma tonsura bastante avantajada, no entanto, para que o sr. não venha a sofrer dessa moléstia, é meu desejo que não chegue a ser contaminado pelo vírus da peste grisalha e vá andando antes de atingir esse limite e ficar sujeito a ouvir bacoradas iguais ou de carácter mais acintoso do que aquelas que preteritamente narrou como um “grande”, porém falhado, “artista”.

E mais devo dizer-lhe: quando num cesto de maçãs uma está podre, essa deve ser banida, quando não infecta as restantes; se isso não suceder, creio que o partido de que faz parte, o Q (...) , irá por certo sofrer graves consequências decorrentes da peste grisalha na época da colheita eleitoral. Pode contar comigo para a poda. Atentamente.”

5. A carta supra aludida e transcrita, da autoria do arguido, foi lida por centenas de pessoas, residentes no concelho de G (...) , em Portugal e outras com ligações a G (...) ;

6. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que o texto por si escrito e assinado e enviado para publicação no “Jornal X... ” escrevia expressões e afirmações, dirigidas a terceira pessoa, referentes ao Deputado da Assembleia da República, B... , e que as mesmas traduziam a imputação de factos e a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração, pessoal e profissional, e, não obstante, não se absteve de as proferir; bem queria ainda e sabia que ao enviar o supra, aludido texto para publicar no Jornal “ X... ” naquele contexto, e face ao número de pessoas a quem tal jornal é distribuído e por quem é lido, o seu conteúdo seria ampla e facilmente divulgado;

7. Tinha ainda perfeito conhecimento que sua conduta era punida criminalmente.

8. O escrito mencionado em 5 é uma reacção a um artigo de opinião da autoria do assistente e publicado no jornal “i”, em Janeiro de 2013;

9. Nesse artigo, que o assistente denominou “Um Portugal de Cabelos Brancos” é usada a expressão “peste grisalha”;

10. Trata-se de um termo usado, por exemplo, em “O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa”, de Maria João Valente Rosa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, que se debruça sobre o fenómeno do envelhecimento populacional e os perigos que ele representa para as sociedades contemporâneas, aí se podendo ler “Inicialmente, ninguém dava importância ao envelhecimento demográfico. Hoje, em contrapartida, ele é acusado de estar na origem de parte substancial dos males sociais, políticos, financeiros e mesmo culturais que estão a abalar as sociedades da actualidade. Surge-nos como um processo que é urgente banir, uma “peste grisalha”, como é por vezes referido, porventura mais grave para a sobrevivência das sociedades do que as outras pestes que devastaram populações no passado. Sempre discordei desta perspectiva (…) embora o processo de envelhecimento demográfico tenha adquirido uma dimensão mundial, manifesta-se de modo particularmente notório na Europa (região que, aliás, também é conhecida por “continente grisalho”) (…) ” – trecho do ensaio n.º 26 da Fundação Francisco Manuel dos Santos, edição de Maio de 2012, intitulado “Envelhecimento da Sociedade Portuguesa”, páginas 13 e 27, e que foi recolhido e transcrito do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 25/02/2015, proferido nestes autos a folhas 293;

11. O arguido não conhece pessoalmente o assistente, nem é conhecido deste;

12. Com as expressões proferidas, o arguido pretende dizer que o assistente tem aversão a quem tem cabelos brancos;

13. A actuação do arguido suscitou reacções públicas de leitores do jornal “ X... ” a manifestarem-se contra aquele artigo.

14. O escrito acima mencionado foi lido em casas particulares, em locais públicos e nas redes sociais;

15. A reputação pública do assistente ficou abalada e prejudicada;

16. O demandante, quer no exercício das suas funções políticas, quer no exercício da sua actividade profissional, conta com registos de imagem e de respeitabilidade positivos;

17. O demandante sofreu abalo psicológico e tomou medicação;

18. O assistente estava identificado no artigo publicado no Jornal “i” como Advogado e Deputado;

19. O artigo escrito pelo assistente foi objecto de interpelação na Assembleia da República, de modo, não concretamente apurado;

20. O artigo escrito pelo assistente foi comentado na blogosfera.

21. Do certificado do registo criminal do arguido não consta a menção a condenação anterior pela prática de ilícitos criminais.

22. O arguido é natural de Oliveira de Azeméis e proveniente de família de condições sociais e económicas de classe média baixa, sendo o pai empregado fabril e a mãe trabalhadora rural;

23. O processo de crescimento do arguido decorreu em contexto familiar tradicional e normativo, junto dos seus pais e dois irmãos;

24. O arguido ingressou, como voluntário, na Força Aérea Portuguesa, em 1961;

25. Após um ano de formação adquiriu a qualificação de cabo especialista/mecânico de material aéreo e iniciou um percurso laboral na Força Aérea Portuguesa;

26. Em 1963, com 19 anos de idade, o arguido voluntariou-se para destacamento nas ex-colónias, tendo sido colocado no norte de Moçambique, onde permaneceu durante três anos;

27. O arguido fez o serviço militar obrigatório;

28. O arguido casou aos 23 anos de idade, no ano de 1967, com quem está casado há 48 anos;

29. O casal tem duas filhas maiores;

30. O casal iniciou a sua vida em Moçambique, tendo abandonado aquele país em Setembro de 1974;

31. O arguido e a sua família refugiaram-se, nessa altura, na Africa do Sul;

32. O arguido reorganizou a sua vida familiar em Joanesburgo, onde viveu até 1976;

33. O arguido regressou a Portugal em 1976 e, depois de viver em Oliveira de Azeméis, fixou-se em Coimbra explorando o café “ K (...) ”, durante 29 anos;

34. Após, dedicou-se por quatro anos ao comércio de calçado ortopédico;

35. O arguido e a sua mulher estão reformados;

36. O arguido aufere a quantia de € 242,07, a título de reforma e invalidez;

37. O arguido aufere a quantia de € 294,37, a título de reforma;

38. A mulher do arguido aufere a quantia de € 294,37, a título de reforma;

39. O arguido mora com a sua mulher em casa própria, adquirida há cerca de 30 anos;

40. A dita habitação é da tipologia T5 e de três pisos e o arguido tem um veículo automóvel, da marca Renault, modelo Mégane;

41. As duas filhas têm agregados familiares constituídos e residem nos arredores de Coimbra;

42. O arguido é doente cardíaco, com implantação de “pacemaker” desde há 11 anos;

43. O arguido sofreu já três enfartes do miocárdio;

44. O arguido é diabético há 21 anos e dependente de insulina, com administração de quatro doses diárias;

45. O arguido tem o 2.º ano da antiga escola industrial;

46. O arguido mantém relações de convivialidade com vizinhos e antigos clientes do café “ K (...) ”;

47. O arguido é tido como uma pessoa estruturada, educada e cordial;

48. O arguido foi colaborador de dois jornais locais como sejam o “ X... ” e “ Y... ”, durante mais de dez anos.

Factos não provados:

A. O descrito em 4 e 6 enquanto e na qualidade de Deputado da Assembleia da República ou no exercício destas funções;

B. No descrito em 5 tenha sido na ordem dos milhares e sejam residentes em outras partes do mundo;

C. Em Jornalismo de Ciência, Universidade Nova de Lisboa, revistan.org se tenha escrito “A verdadeira discussão de uma estratégia política ainda está por fazer. Apesar dos números, Portugal ainda não está preparado para dar importância à qualidade de vida de uma “peste grisalha” da população e limita-se a discutir uma política de velhice”;

D. O arguido actuou por divergências partidárias;

E. Ainda hoje há reminiscências deste ataque e de tudo o que lhe está associado quer em debates públicos e políticos, quer em comentários de pessoas;

F. O escrito tenha prejudicado de forma irrecuperável a imagem referida em 12;

G. O demandante foi preterido em candidaturas político-partidárias concelhias em detrimento de outros;

H. O demandante teve de recorrer a ajuda médica».


*

II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Enquadramento jurídico-penal dos factos e violação do princípio in dúbio pro reo.

b) Medida da pena.

c) Aferir da adequação do quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais.

Apreciando:

a) Enquadramento jurídico-penal dos factos e violação do princípio in dúbio pro reo.

A questão a decidir neste segmento do recurso interposto é saber se os factos imputados ao arguido são ou não susceptíveis de integrarem a prática do crime de difamação p. e p. pelos art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelo qual foi condenado.

Inserido no Capítulo VI, sob a designação “Dos crimes contra a honra”, o artigo 180.º, dispõe o seguinte:

«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação». 

Importa saber, numa primeira análise, se a factualidade constante dos pontos 3, 4 e 12 dos factos dados como provados na sentença recorrida, podem ser ou não objectivamente ofensivos da honra e consideração do assistente B... , enquanto cidadão, sem esquecer que à data dos factos era advogado com escritório nas comarcas de G (...) e S (...) e deputado na Assembleia da República - XII Legislatura, eleito pelo Q (...) , pelo Círculo Eleitoral da Guarda, pois embora não tenha sido visado nestas qualidades, não deixa de ter relevância quanto a um maior impacto do escrito, por o ofendido ser uma figura pública com relativa projecção enquanto deputado e como cidadão e advogado sobretudo na Beira Interior (como decorre dos factos 1 e 2 provados).

A responsabilidade criminal imputada ao arguido advém do facto de ter escrito um artigo, por si assinado e publicado na edição do Jornal “ X... ”, de z... de (...) de 2013, ao qual deu o título:

«A peste grisalha - carta aberta a um deputado do Q (...) ».

O texto em questão é iniciado com a citação de Óscar Wild:

«Os loucos por vezes curam-se, os imbecis nunca».

A carta dirigida ao assistente B... , como consta do ponto 4, dos factos dados como provados é do seguinte teor:

«(…)

4- …Exmo. Sr. B... , por tardio não peca. Eu sou um trazedor da peste grisalha cuja endemia o seu partido se tem empenhado em expurgar, através do Ministério da Saúde e outros “valorosos” meios ao seu alcance, todavia algo tenho para lhe dizer. A dimensão do nome que o titula como cidadão deve ser inversamente proporcional à inteligência – se ela existe – que o faz blaterar descarada e ostensivamente, composições sonoras que irritam os tímpanos do mais recatado português. Face às clavas da revolta que me flagela, era motivo para isso, no entanto, vou fazer o possível para não atingir o cume da parvoíce que foi suplantada por si, como deputado do Q (...) e afeto à governação, Sr. B... , quando ao defecar que “a nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha”, se esqueceu do papel higiénico para limpar o estoma e de dois dedos de testa para aferir a sua inteligência. A figura triste que fez, cuja imbecilidade latente o forçou à encenação de uma triste figura, certamente que para além de pouca educação e civismo que demonstrou, deve ter ciliciado bem as partes mais sensíveis de muitos portugueses, inclusivamente aqueles que deram origem à sua existência – se é que os conhece. Já me apraz pensar, caro sr., que também haja granjeado, porém à custa da peste grisalha, um oco canudo, segundo os cânones do método bolonhês. Só pode ter sido isso. Ainda estou para saber como é que um homolitus de tão refinado calibre conseguiu entrar no círculo governativo. Os “intelectuais” que o escolheram deviam andar atrapalhados no meio do deserto onde o sol torra, a sede aperta a miragem engana e até um dromedário parece gente. É por isso que este país anda em crónica claudicação e por este andar, não tarda muito, ficará entrevado. Sabe sr. B... , quando uma pessoa que se preze está em posição cimeira, deve pensar, medir e pensar muito bem a massa especifica das “sentenças”, ou dos grunhidos, -segundo a capacidade genética e intelectual de cada um – que vai bolçar cá para fora. É que, milhares pessoas de apurados sentidos não apreciam o cheiro pestilento do vomitado, como o sr. também sente um asco sem sentido e doentio, à peste grisalha. Pode ser errado, mas está no seu direito…ainda que torto. Pela parte que me toca, essa maleita não o deve molestar muito, porque já sou portador de uma tonsura bastante avantajada, no entanto, para que o sr. não venha a sofrer dessa moléstia, é meu desejo que não chegue a ser contaminado pelo vírus da peste grisalha e vá andando antes de atingir esse limite e ficar sujeito a ouvir bacoradas iguais ou de carácter mais acintoso do que aquelas que preteritamente narrou como um “grande”, porém falhado, “artista”.

E mais devo dizer-lhe: quando num cesto de maçãs uma está podre, essa deve ser banida, quando não infecta as restantes; se isso não suceder, creio que o partido de que faz parte, o Q (...) , irá por certo sofrer graves consequências decorrentes da peste grisalha na época da colheita eleitoral. Pode contar comigo para a poda. Atentamente.”

De uma leitura atenta não ficamos com dúvida de que o arguido quis transmitir apenas que o assistente despreza e tem aversão a quem tem cabelos brancos, isto é, os mais idosos, a quem apelida de ”peste grisalha”.

Consequência lógica que se deve retirar e consubstanciada na matéria de facto ao dar-se como provado:

« (…)

12. Com as expressões proferidas, o arguido pretende dizer que o assistente tem aversão a quem tem cabelos brancos».

Ora, o artigo publicado pelo arguido e cujo teor consta do ponto 4 da matéria de facto dada como provada é a reacção a um artigo de opinião da autoria do assistente e publicado no jornal “i”, em Janeiro de 2013, com o título “Um Portugal de Cabelos Brancos” é usada a expressão “peste grisalha”.

O arguido publicou o escrito referido no ponto 4 dos factos provados, ignorando o sentido com que o assistente deu à expressão “peste grisalha”, pois apenas quis traduzir a sua preocupação com o envelhecimento da população portuguesa e a correspondente desertificação do país, o que acontece fundamentalmente no interior, sendo certo que no mundo rural ficam os idosos e emigram os mais novos, ou para o estrangeiro ou se deslocam para o litoral, com consequências graves para o desenvolvimento e equilíbrio demográfico.

Na verdade o envelhecimento populacional, traduzido pela expressão “peste grisalha” é equiparada a outras pestes que têm atingido as sociedades ao longo dos tempos, sendo o fenómeno do envelhecimento populacional, abordado sob a perspectiva dos perigos que ele representa para as sociedades contemporâneas, com consequências graves a nível social, político, financeiro e mesmo cultural, com particular incidência na Europa – Cfr. trecho do ensaio n.º 26 da Fundação Francisco Manuel dos Santos, edição de Maio de 2012, intitulado “Envelhecimento da Sociedade Portuguesa”, de Maria João Valente Rosa, páginas 13 e 27.

O arguido pode não gostar do artigo de opinião escrito pelo assistente e tem o direito de o criticar e ataca-lo de forma contundente.

Porém, o direito da liberdade de expressão tem limites.

O arguido não se ficou pela crítica ao artigo de opinião da autoria do assistente e publicado no jornal “i”, em Janeiro de 2013, sob a denominação “Um Portugal de Cabelos Brancos”, no qual é usada a expressão “peste grisalha” e que suscitou a polémica.

As expressões que o arguido escreveu no seu artigo denominado "Carta aberta a um deputado do Q (...) ", publicada na edição de z... de (...) de 2013 do Jornal X... , são objectivamente insultuosas e susceptíveis de abalar a honra e a consideração pessoal, política e familiar do assistente.

O "leitor médio", ao ser confrontado com tais expressões, retira claramente do seu conteúdo um significado de achincalhamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política do assistente.

O artigo do arguido nada tem a ver com o confronto de ideias e apenas pretende rebaixar o assistente, independentemente do acerto que este tem ou não sobre a opinião do envelhecimento da população portuguesa.

A discussão, quando tem contornos políticos, isto é, tem de ter necessariamente maior campo de tolerância, sob pena de se por em causa a liberdade de expressão, mas deve ter como linha vermelha o respeito e a honra que são devidos ao visado, mesmo enquanto político ou como simples cidadão, qualidade em que foi atingido aqui o assistente.

O arguido não se preocupou em discutir o tema do envelhecimento da população portuguesa, emitindo uma opinião diferente do assistente, que por certo até tinha interesse.

Pelo contrário, aproveitou o texto e distorceu-o do sentido opinativo (independentemente do aspecto qualitativo com que abordou a questão) de quem se preocupa com envelhecimento da população portuguesa, fazendo crer que o assistente menosprezava os idosos.

Enveredou por caminho, por forma a, partindo do princípio que “o assistente tem aversão a quem tem cabelos brancos” e daí legitimar a sua atitude de rebaixar e denegrir o assistente, atingindo-o na sua honra, consideração e dignidade pessoal.

O arguido foi muito além da mera opinião e discussão que o assunto por certo mereceria, com particular interesse na Beira Interior, onde o problema do envelhecimento da população portuguesa é mais sentido.

O escrito do arguido extravasou largamente o seu direito à livre crítica, ainda que mordaz, feroz, contundente ou combativa e vilipendiou de forma muito directa e manifesta os direitos de personalidade do assistente, que pelo facto de exercer funções políticas num órgão de soberania (deputado na Assembleia da República), e que não sendo nessa qualidade de deputado que escreveu o seu artigo no jornal "i", mas apenas enquanto cidadão preocupado com as questões de demografia e do envelhecimento populacional.

As expressões utilizadas pelo arguido não são para manifestar a sua opinião sobre o artigo publicado pelo assistente, pois sem discutir o assunto trazido à discussão, e, sem sabermos qual é a sua opinião sobre o tema em discussão, são contundentes, ácidas, agressivas e até acintosas e absolutamente descontextualizadas e atentatórias da sua honra e consideração.

O arguido no seu escrito publicado no Jornal “ X... ”, de z... de (...) de 2013, ao qual deu o título de “A peste grisalha -carta aberta a um deputado do Q (...) ”, deu logo o mote considerando o assistente de “imbecil”, iniciando-o com uma citação de Óscar Wild “Os loucos por vezes curam-se, os imbecis nunca” e depois continua ao longo do texto com expressões que ultrapassam claramente a aceitável retórica de divergência de ideias ou de luta política, entrando na ofensa pessoal e até familiar completamente desnecessária e desproporcional à exposição de ideias divergentes sobre o tema, que por isso não pode deixar de ser censurado como ilícito penal contra a honra do visado.

Depois continua a utilizar expressões que, de forma gratuita, intitulando e classificando o assistente de imbecil e parvo, de pouca educação e civismo, com um oco canudo, "grande" e falhado "artista", e levantando a suspeita que conheça aqueles que deram origem à sua existência.

O ponto 4 dos factos provados é bem elucidativo da gravidade das expressões e afirmações do arguido que não só pretendeu atingir politicamente, avisando-o dos resultados leitorais, no próximo acto leitoral, como essencialmente o quis amesquinhar e enxovalhar, de cuja atitude transparece um ressentimento para com o assistente que nada tem a ver com luta partidária ou política.

O arguido agiu com a consciência de que o texto por si escrito e assinado e enviado para publicação no “Jornal X... ” escrevia expressões e fazia afirmações que traduziam a imputação de factos e a formulação de juízos ofensivos da honra e consideração, pessoal e profissional do assistente e que sua conduta era punida criminalmente (factos 6 e 7 provados).

As afirmações do arguido, ainda que numa resposta a um artigo da autoria do assistente não podem ter o beneplácito da permissividade da contextualização genérica da luta política, ou no entendimento errado que a condição de deputado lhe retire o direito à honra, ao bom nome e à consideração devida enquanto cidadão, com iguais direitos e deveres como os outros cidadãos e a merecer a tutela do direito, nos termos dos art. 70.º, do CC, 180.º, n.º 1, do CP e 26.º, da CRP.

A «consideração» refere-se á reputação social de cada um, crédito, bom nome, confiança, estima, reputação e prestígio individual, adquiridos ao longo da sua vida, enquanto aspecto exterior da honra, ou seja, o juízo porque somos tidos pelos outros, o «património social» de cada um, a opinião pública - Cfr. Ac. do STJ n.º 5/96, de 14/03/1996, in DR, I Série-A, de 24-05-1996.

O arguido quis escrever o artigo no Jornal “ X... , sabendo que dessa forma ia divulgar o seu teor por número indeterminado de pessoas, o qual veio a ser efectivamente lido por centenas de pessoas, residentes no concelho de G (...) , em Portugal e outras com ligações a G (...) , provocando reacções públicas de leitores do mesmo jornal.

Houve assim publicidade da difamação, nos termos do art. 183.º, n.º 2, do CP.

A conduta do arguido é pois subsumível à prática do crime de difamação, com publicidade através de meio de comunicação social, p. e p. pelos art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do CP.


*

b) Medida da pena.

Ao arguido A... pelo crime de difamação, p. e p. art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do CP, foi aplicada a pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros).

A moldura penal abstracta para o tipo de ilícito em questão é de prisão até anos ou multa não inferior a 120 dias.

Não se questiona neste segmento do recurso a natureza da pena aplicada, pelo que temos a considerar que é aplicável ao caso a pena de multa entre 120 a 360 dias (art. 183.º, n.º 2 e 47.º, n.º 1, do CP)

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Assim, há que atender às seguintes circunstâncias:

- grau de ilicitude do facto, modo da sua execução e a gravidade das suas consequências;

- intensidade do dolo;

- sentimentos manifestados no cometimento do crime e os motivos que o determinaram;

- condições pessoais do agente e a sua condição económica;

- conduta posterior aos factos.

Importa considerar no caso em apreço a seguinte factualidade:

- A qualidade do assistente, embora não tenha sido ofendido na qualidade de deputado;

- A gravidade das afirmações e imputações feitas ao assistente;

- A divulgação diversificada do escrito por centenas de pessoas e consequência perante o público em geral;

- O dolo é directo e intenso;

- Consequência que advieram para o assistente, sendo que o mesmo é pessoas idónea e respeitada (factos 15, 16 e 17);

- O arguido é primário e é pessoa respeitada e de boa convivência social;

- A condição social do arguido (/factos 22 a 34 provados);

- A condição económica do arguido (facto 35 a 41 provados;

- O arguido foi colaborador de jornais durante 10 anos.

Estes são as circunstâncias que em concreto devem ser ponderadas, na determinação da pena e que no caso dos autos, foram observados de forma ponderada e sensata, segundo os critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, pelo que uma vez justificada a opção pela pena de multa, mostra-se justa e adequada, a fixação da pena concreta em 200 dias de multa, a qual se situa a 1/3 do limite máximo aplicável.

O tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamentos que o justifiquem e com desvios aos citérios legalmente apontados.

Não é manifestamente o caso.

Não se questiona a determinação concreta da taxa diária da multa, uma vez que foi fixada praticamente no mínimo, de acordo com o disposto dispõe o art. 47.º, n.º 2, do CP.

Nesta conformidade mostra-se justa e adequada a pena de multa 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros.


*

c) Aferir da adequação do quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais.

O demandante B... deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado/arguido, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €10.102,00, sendo €10.000,00 a título de danos não patrimoniais e €102,00 por danos patrimoniais.

O tribunal condenou o demandado A... no pagamento da quantia de €3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo do demais peticionado.

O demandado, sem grande argumentação sustenta que a quantia, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, em que foi condenado, deve ser reduzida, sem expressar concretamente em que termos.

Vejamos pois o montante atribuído se é adequado à situação dos autos.

A responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil (art. 129.º, do CP).

Dispõe do artigo 483º, n.º 1 do Código Civil:

«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

A indemnização que se pretende ver efectivada nos autos emerge de crime contra a personalidade do ofendido, o qual beneficia de protecção legal contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 70.º, do CC.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório.

Aliás a própria natureza dos danos não se quaduna com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

O ofendido, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais, que se traduzem em ofensa contra a sua honra e consideração e que lhe causaram perturbação do equilíbrio socio-psíquico-emocional.

Os danos não patrimoniais causados ao ofendido, sua gravidade e natureza, resultaram como consequência da conduta referida no segmento em que fizemos o enquadramento jurídico-penal dos factos como integradores do crime de difamação com publicidade através de órgão de comunicação social que aqui nos escusamos de repetir. 

Quanto aos danos propriamente ditos, consta da sentença o seguinte:

«14. O escrito acima mencionado foi lido em casas particulares, em locais públicos e nas redes sociais;

15. A reputação pública do assistente ficou abalada e prejudicada;

16. O demandante, quer no exercício das suas funções políticas, quer no exercício da sua actividade profissional, conta com registos de imagem e de respeitabilidade positivos;

17. O demandante sofreu abalo psicológico e tomou medicação».

No caso dos autos deve atender-se em concreto à gravidade da conduta do arguido acima já descrito, às consequências dos danos causados, ao acentuado grau de culpabilidade, o qual agiu com dolo directo, bem sabendo que ia muito para além da luta política ou partidária, à condição social e económica tanto do arguido, como do assistente.

Foram variáveis que o tribunal a quo teve em consideração, e bem ponderou, com observância dos critérios apontados pelos art. 496.º, n.º 1 e 2 e 494.º, do CC, não havendo razões para reduzir a quantia de quantia de € 3.000,00 (três mil euros), fixada equitativamente para o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente.


*

III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, em consequentemente se confirma integralmente a sentença recorrida.


*

Custas pelo arguido, nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP, cuja taxa de justiça se fixa em 4UCs.

                                                               *

NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 12 de Outubro de 2016



(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)