Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5706/22.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
EFEITOS
CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO
PERÍODO EXPERIMENTAL
DURAÇÃO
Data do Acordão: 02/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 112.º, N.º 1, ALÍNEA B), SUBALÍNEA III), DO CÓDIGO DO TRABALHO E 282.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO
Sumário:
I – O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 318/2021 a 18-05-2021 declarou, com força obrigatória geral: “a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, na parte que se refere aos trabalhadores que “estejam à procura do primeiro emprego”, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador(es)”.

II – A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que, eventualmente, tenha revogado – artigo 282º, nº 1 da Constituição –, no caso, a Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro, que entrou em vigor em 01 de outubro de 2019.

III – Estes efeitos significam, na prática, que se ficciona como se esta lei nunca tivesse existido, ou seja, passam a aplicar-se as normas que foram revogadas, ou as regras que foram substituídas.

IV – Desta forma, o contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado com um período experimental de 180 dias, no qual conste um trabalhador à procura de primeiro emprego que já tivesse celebrado um contrato de trabalho a termo por um período superior a 90 dias, terá o período experimental reduzido a 90 dias.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação 5706/22.0T8CBR.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – AA; com domicílio na Avenida ..., ... A..., veio intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “B..., S.A.” com sede na Rua ..., ... ... pedindo condenação da Ré a pagar-lhe:

– €.250,00 a título de danos não patrimoniais;

– €.2.725,47 a título de compensação pelas retribuições que deixou de auferir;

– Diferença entre as retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença e os valores que vier a auferir a título de subsídio de desemprego ou retribuição quando iniciar outro trabalho;

– €.2.160,00 a título de indemnização em substituição da reintegração;

– €.97,36 a título de juros moratórios vencidos;

– Juros moratórios vincendos, à taxa legal civil, até integral pagamento.

Alegou, sumariamente que, para prestar trabalho para a Ré, celebrou com esta um contrato de trabalho sem termo, o qual veio a cessar por denúncia da Ré;

A denúncia do contrato pela Ré configura um despedimento ilícito;

Na sequência do ilícito despedimento, é credora dos créditos laborais e indemnizatórios que peticiona.


+

Frustrada a audiência de partes, contestou a ré alegando que a denúncia do contrato de trabalho é lícita, porque feita durante o período experimental, devendo a ação improceder na sua totalidade.

***

II – Dispensada a realização da audiência prévia, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos os seus regulares termos acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a ação, o Tribunal decide:

1) Declarar que a cessação, a 11-06-2022, do contrato de trabalho celebrado entre aAutora/trabalhadora AA e a Ré/Empregadora “B..., S.A.” constitui um ilícito despedimento.

2) Condenar a Ré a pagar à Autora todas as retribuições, incluindo a retribuição de férias e os Subsídios de férias e de Natal, de acordo com o valor mensal inicial de €.720,00 ilíquidos e com as sucessivas atualizações da retribuição mínima mensal garantida, que se venceram desde 05-12-2022 e até ao trânsito em julgado da decisão final da presente ação; acrescidas de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o vencimento de cada retribuição/subsídio até integral pagamento; sendo que ao valor final apurado a Ré deduzirá a quantia de €.3.110,10, que a Autora recebeu a título de subsídio de desemprego, e que entregará ao “ISS,I.P.”.

3) Condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização em substituição da reintegração, a quantia de €.2.280,00; sem prejuízo de indemnização superior, caso seja maior a antiguidade da Autora e/ou mais elevado o valor da retribuição mínima mensal garantida aquando do trânsito em julgado da Decisão final da presente ação; acrescida de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o trânsito em julgado da Decisão final da presente ação até integral pagamento.

4) Absolver a Ré do demais peticionado pela Autora.

5) Condenar no pagamento das custas, a Ré, na proporção de 95%, e a Autora, na proporção de 5%, sem prejuízo da isenção de que esta beneficia”.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela a ré veio apelar, alegando e concluindo:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação e declarou ilícita a denúncia do contrato de trabalho celebrado entre A., ora Recorrida, e R., ora Recorrente, condenando a Recorrente no pagamento à Recorrida de todas as retribuições que se venceram desde 05.12.2022 e até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora, sendo que ao valor final apurado deverá ser deduzida a quantia de 3.110,00€ (quantia recebida pela Recorrida a título de subsídio de desemprego) e uma indemnização no valor de 2.280,00€, acrescida de juros de mora, devido à Antiguidade da Recorrida.

B. A Recorrente não pode conformar‐se com tal entendimento considerando os motivos que adiante se expõem, versando o presente recurso de apelação sobre (a.) impugnação

da decisão relativa à matéria de facto; (b.) decisão sobre aplicação do Direito por o douto Tribunal a quo, salvo melhor opinião, erradamente decidir nos presentes autos acerca da duração do período experimental aplicável ao caso concreto, tendo declarado ilícita a denúncia do contrato de trabalho, qualificando tal como despedimento ilícito; (c.) a desproporcionalidade da indemnização fixada pelo douto Tribunal a quo. Conforme se verá, a Recorrente deu pleno cumprimento aos requisitos para denunciar o contrato de trabalho celebrado entre si e a Recorrida.

C. No que concerne à matéria de facto, o douto Tribunal a quo deu como facto provado, no ponto 3. da douta sentença, que Aquando da assinatura do contrato, a Autora declarou em documento por si assinado que nunca prestou atividade profissional ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e que nunca prestou atividade ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias no retalho alimentar na área de outra não especializada”.

D. Foi igualmente dado como provado nos pontos 8. e 9. da douta sentença, que a Recorrente tinha conhecimento da celebração de dois contratos de trabalho a termo incerto da Recorrida com outras entidades empregadoras, em data anterior à contratação da Recorrida pela Recorrente.

E. Baseando‐se no depoimento da testemunha BB, noivo da Recorrida, o Tribunal entendeu que a Recorrida assinou o documento “declaração para efeitos de caraterização de contrato de trabalho sem termo como de primeiro emprego” (junto à Contestação como Doc. 1) julgando que o mesmo era apenas relativo a atividade prestada anteriormente à Recorrente.

F. Ora, a testemunha BB padece de falta de isenção e credibilidade, não tendo qualquer conhecimento direto acerca dos factos aqui em apreço, uma vez que não presenciou qualquer diálogo entre a Recorrida e os colaboradores da Recorrente, não esteve presente no dia em que o contrato de trabalho entre Recorrida e Recorrente foi assinado e tem uma relação de elevada proximidade com a Recorrida.

G. A testemunha refere que a Recorrida entregou à Recorrente o seu curriculum vitae, onde constam as suas supra mencionadas experiências profissionais, e um formulário cujo conteúdo seria idêntico, porém nenhum desses documentos foi junto aos autos.

H. É notória uma clara condução da testemunha que fica evidenciada pela transcrição do seu depoimento, onde esta responde às perguntas colocadas pela Digníssima Procuradora do Ministério Público, em representação da Recorrida, com meras interjeições de “sim”, “não”, “exatamente”, que não têm qualquer valor probatório.

I. Ademais, as questões que lhe foram colocadas foram perguntas fechadas, que não permitiram à testemunha desenvolver o raciocínio acerca do que pode ou não saber, termos em que, considerando o disposto no art. 516.º n.º 3 do Código de Processo Civil, requer‐se seja declarada a invalidade do depoimento da mencionada testemunha.

J. O Tribunal a quo desconsiderou um elemento probatório pleno, documento esse assinado pela Recorrida aquando à sua contratação e no qual a mesma afirma nunca ter prestado atividade profissional ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias, no retalho alimentar, na área de “ou outra não especializada”.

K. Não pode a Recorrente aceitar que o Tribunal desconsidere totalmente o teor deste documento apenas baseado no depoimento de uma testemunha que não tem conhecimento direto dos factos e que não é, de todo, isenta dada a relação afetiva que mantém com a Recorrida.

L. A testemunha BB entende (faz questão de utilizar a expressão “pelo meu entendimento”) que a Recorrida assinou a mencionada declaração como resposta à pergunta “já trabalhou no B...?”, mesmo que não tenha presenciado tal momento.

M. Sucede que a Recorrida não alegou, até então, qualquer erro ou vício na declaração que assinou, não impugnou a sua assinatura nem tampouco afirmou desconhecer o seu sentido, pelo que não cabe à testemunha direcionar o seu depoimento em tal sentido.

N. Salvo o devido respeito pelo Tribunal ao quo, não pode, também, o Tribunal desconsiderar uma prova documental que é autêntica e clara, em detrimento de alegado vício que nem a própria recorrida invocou.

O. Dispõe o n.º 2 do art. 393.º do Código Civil, “Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.

P. Crê‐se, portanto, salvo o devido e muito respeito pelo entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, que não deveria ter sido dado como provado o alegado conhecimento da Recorrente quanto à experiência profissional da Recorrida, nos pontos 8. e 9. da sentença, revogando‐se, desta forma, as expressões “facto que era do conhecimento da R.” e substituindo‐as por “facto que nunca foi do conhecimento da R.”.

Q. Dessa forma, deverá passar a constar do elenco de factos provados da douta sentença ora em crise, que a Recorrente desconhecia, quer no momento da contratação, quer durante toda a vigência do contrato de trabalho que ligou Recorrente e Recorrida, que esta tinha estado vinculada por contrato a termo por período superior a 90 dias, uma vez tendo assinado uma declaração em sentido totalmente oposto.

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R. No que respeita à aplicação do Direito, cabe primeiramente referir que há uma errada aplicação da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril ao caso sub judice, considerando que o contrato de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrida remonta a 13.12.2021 e, portanto, a data anterior à entrada em vigor desta Lei.

S. Termos em que, sem prejuízo do que infra se irá expor, requer‐se a Vs. Exas. seja a douta sentença revogada na parte relativa à aplicação da Lei supra mencionada.

T. Ora, 13.12.2021, Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de trabalho sem termo, contrato esse que, mais tarde, a 11.06.2022, cessou por iniciativa da Recorrente, ainda na vigência do período experimental.

U. Isto porque, nos termos do art. 112.º n.º 1 al. b) subal. iii) do Código do Trabalho, o período experimental tem a duração de 180 dias para os trabalhadores que estejam à procura de primeiro emprego.

V. Tendo em apreço o conteúdo da declaração assinada pela Recorrida, supra exposto, é de concluir que é esta a duração do período experimental aplicável ao mencionado contrato de trabalho.

W. Porém, entendeu o douto Tribunal a quo que o Acórdão n.º 218/2021, de 18 de maio, que declarou a inconstitucionalidade da norma contida no art. 112.º n.º 1 al. b) subal. iii) do Código do Trabalho, na parte que se refere aos trabalhadores que “estejam à procura de primeiro emprego”, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outros empregadores, é aplicável ao caso sub judice, entendimento com o qual não pode a Recorrente concordar.

X. Mais uma vez se refere que há uma clara desconsideração por parte do Tribunal do teor da declaração assinada pela Recorrida, a qual configura uma confissão extrajudicial com força probatória plena, e que afasta qualquer possibilidade de aplicação do supramencionado Acórdão ao caso concreto.

Y. Sempre se dirá que o referido Acórdão se vincula a dois elementos que não podem ser despiciendos: o primeiro, tem a ver com a duração de contratos a termo anteriormente celebrados; o segundo, com a experiência revelada face à atividade concretamente em causa.

Z. Tendo a Recorrida afastado por declaração, nos termos do espírito legislativo e concretizado no Acórdão citado, os dois elementos supra descritos, é entendimento da Recorrente que dúvidas não restam quanto a considerar o período experimental de 180 dias e, bem assim, o contrato foi cessado pela Recorrente, na vigência do período experimental, cumprindo com todos os pressupostos legais

AA. Tendo a referida declaração sido pressuposto essencial e determinante para que se verificasse a contratação nesses moldes, na eventual circunstância de inverdade do conteúdo da declaração apresentada, é entendimento da Recorrente que nenhuma responsabilidade lhe possa ser assacada, porquanto o mesmo deverá cingir‐se às informações prestadas pelos candidatos.

BB. É de elementar justiça que qualquer trabalhador não possa ser beneficiado com a redução do período experimental por eventuais declarações falsas prestadas aquando da sua contratação.

CC. Aliás, não pode a Recorrida prevalecer‐se do engano que causou na Recorrente para agora beneficiar do mesmo, sob pena de manifesta má‐fé e de venire contra factum proprium.

DD. Face a tudo quanto se expôs, entende a Recorrente que, salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo fez uma errada interpretação de Direito, na medida em que a cessação do contrato de trabalho pela Recorrida foi levada a cabo ainda na duração do período experimental, período esse correspondente aos 180 dias estipulados no art. 112.º n.º 1 al. b) subal. iii) do Código do Trabalho.

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EE. Por último, entende a Recorrente que a indemnização fixada pelo douto Tribunal a quo é desproporcional, não explanando tampouco qual o concreto circunstancialismo, limitando‐se a qualificar a ilicitude como mediana, fundamentando tal decisão na “antiguidade da Autora na presente data, o valor da sua retribuição mensal e o circunstancialismo que rodeou a cessação do contrato de trabalho”.

FF. Salvo douto entendimento, considerando o quadro factual dado como provado pelo Tribunal a quo, este não assume relevância suficiente para adequadamente ser qualificado como ilicitude mediana.

GG. Assim, na mera hipótese de manutenção da douta sentença recorrida, o critério para a fixação do valor da indemnização deverá ser fixado em 15 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade, o que expressamente se requer.

Nestes termos,

E nos melhores de Direito que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, substituída por outra que declare a licitude da denúncia do contrato de trabalho em apreço.


+

Contra-alegou a autora, concluindo:

(…).


+

O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

***

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1. No exercício do seu objeto social, a Ré explora, além do mais, um estabelecimento de supermercado identificado como “C... Portela”, sito na Quinta ...,

2. No âmbito da exploração do aludido estabelecimento, mediante contrato reduzido a escrito, a Ré contratou a Autora, para, por tempo indeterminado, e com início a 13-12-2021, por sua conta e sob sua orientação, desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Operador Ajudante de 1.º Ano, tendo sido fixado um período experimental de 180 dias [fls.5 a 18v.; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

3. Aquando da assinatura do contrato, a Autora declarou em documento por si assinado que nunca prestou atividade profissional ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e que nunca prestou atividade ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias no retalho alimentar na área de outra não especializada [fls.42; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

4. Foi acordado um horário de 40 horas de trabalho semanais.

5. Foi acordada uma retribuição mensal de €.665,00 e que, em maio de 2022, ascendia a €.720,00, acrescida de Subsídio de Alimentação no montante de €.5,40 diários.

6. A Autora recebia retribuição por trabalho noturno prestado, bem como retribuição por trabalho prestado em Domingos e feriados; conforme documentos de fls.19 a 21v. [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

7. O contrato cessou, por iniciativa da Ré, com efeitos a 11-06-2022, através do envio de uma carta registada datada de 03-05-2022, invocando denúncia durante o período experimental [fls.61 e 61v.; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

8. A Autora esteve a trabalhar como “assistente de call center”, entre 03-10-2019 e 14-12-2020, mediante contrato de trabalho temporário a termo incerto, celebrado com a sociedade com a firma “D..., S.A.” [fls.23; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]; facto que era do conhecimento da Ré.

9. A Autora esteve a trabalhar como “assistente de call center”, entre 15-12-2020 e 15-02- 2021, mediante contrato de trabalho temporário a termo incerto, para a sociedade com a firma “E..., S.A.” [fls.23v.; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]; facto que era do conhecimento da Ré.

10. Ao tempo da cessação do contrato, a Autora ficou sem rendimentos.

11. Entre a data da cessação do contrato e a concessão do subsídio de desemprego, a Autora sentiu apreensão e nervosismo por ter ficado sem rendimentos.

12. A partir de 19-06-2022, a Autora passou a receber subsídio de desemprego até 09-02- 2023, tendo recebido a quantia de €.3.110,10 [fls.24, 51 e 53 a 55v.; cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

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Factos não provados:

I. Ao tempo da cessação do contrato, a Autora residia sozinha e não tinha a quem recorrer para obter ajuda financeira.

II. Entre a data da cessação do contrato e a concessão do subsídio de desemprego, a Autora passou a ter dificuldades em dormir.


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1.Se a matéria de facto deve ser alterada.

2. Se a autora foi despedida ilicitamente.

3. Na afirmativa, se o valor da indemnização se mostra bem fixado

Da alteração da matéria de facto:

Pretende a recorrente que nos pontos 8. e 9. dos factos provados seja suprimida a expressão “facto que era do conhecimento da R.” e substituindo‐as por “facto que nunca foi do conhecimento da R.

A 1ª instância considerou o facto impugnado como provado com base no depoimento da testemunha CC Simões namorado da autora que “relatou que a Autora lhe contou que assinou a declaração de fls.42, declarando a mesma que nunca antes tinha trabalhado para a Ré nos termos que constam da declaração; descreveu como antes do contrato celebrado com a Ré a Autora tinha trabalhado a termo em conformidade com os documentos de fls.23 e 23v.; referiu que a Autora, antes de iniciar funções, enviou para a Ré currículo (que ele próprio elaborou) e preencheu um documento da Ré dos quais constam as anteriores atividades laborais que a Autora tinha desenvolvido em conformidade com os documentos  de fls.23 e 23v”.

A recorrente questiona a possibilidade de ter sido permitido produzir prova testemunhal sobre matéria com força probatória plena nos termos do disposto nos artº 376º e 393º nº 2 do C. Civil.

Decidindo:

Na cláusula 1ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes consignou-se que a autora é “trabalhador à procura de 1º emprego, declarando pela presente nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho sem termo”.

E na Clª 6ª estipulou-se que “durante os primeiros 180 dias de vigência do presente contrato (…) qualquer das partes o pode denunciar”.

Em documento, com data de 07.12.2021, assinado pela autora, esta declarou nunca ter prestado atividade profissional ao abrigo de contrato sem termo, mais declarando nunca ter prestado atividade ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias, (ou vários, com aquela duração), no retalho alimentar na área não especializada.

A autora reconhece como sua as assinaturas apostas naquele contrato e nesta declaração.

Assim, nos termos da disposições conjugadas dos artºs 374º e 376º nº 1 e 2 do C. Civil o contrato e a declaração fazem prova plena quanto às declarações atribuídas à autora, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade, e os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, na medida em que forem contrários aos interesses da autora, no caso, que esta nunca tinha celebrado qualquer contrato de trabalho sem termo.

Todavia, conforme se lê no Ac. da RP de 07/02/2023, Processo 1330/19.3T8PRT.P1 de 07/02/2023 (Artur Oliveira): I – A força probatória plena dos documentos particulares atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exatidão. II – O artigo 376.º, n.º 2, do CC, consagra uma presunção ilidível de veracidade dos factos compreendidos na declaração que sejam desfavoráveis ao declarante, por aplicação das regras da confissão. III – A confissão extrajudicial em documento particular apenas terá força probatória plena se for feita à parte contrária ou a quem a represente (artigo 373.º do CC). IV – A força probatória plena da confissão pode ser afastada pela prova de algum vício invalidante da confissão (artigo 359.º do CC), a fazer-se por qualquer meio de prova legalmente admissível. V – Parte da jurisprudência admite que aquela força probatória plena pode ser afastada pela prova da inveracidade da declaração confessória (artigo 347.º do CC), mas sem possibilidade de recurso à prova testemunhal ou por presunções judiciais (artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do CC), a não ser que exista outro meio de prova que torne verosímil aquela inveracidade, admitindo-se então a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento daquele começo de prova”.

Na verdade, a jurisprudência que consultámos, designadamente a do STJ, vai no sentido, aliás o seguimento da doutrina mais conceituada, da força probatória plena poder ser afastada por produção de prova testemunhal, desde que exista outro meio de prova que torne verosímil a inveracidade da declaração confessória.

E é, justamente, o que acontece no caso em análise considerando a prova documental de fls 23 e 23 verso (a qual deu origem a que fosse dado como provada a matéria, dos factos 8 e 9) da qual decorre que a autora, anteriormente ao contrato que celebrou com a ré, tinha já sido, por duas vezes, contratada a termo, ao contrário do que havia declarado no contrato que celebrou com a ré e na declaração que faz fls. 42..

Existe, assim, outro meio de prova que torna verosímil a inveracidade da confissão, e daí a possibilidade legal do recurso à prova testemunhal.

Mas, bem vistas as coisas, rigorosamente, nem sequer se coloca o problema da licitude ou ilicitude do recurso à prova testemunhal na medida em o que está verdadeiramente em causa na impugnação factual é saber se a ré sabia ou não se a autora já tinha sido contratada a termo, pelo que nenhum obstáculo que inviabilizasse o recurso à prova testemunhal.

O tribunal formou a sua convicção unicamente com base no depoimento do namorado da autora que, sem pôr em causa a seriedade do seu depoimento, sempre há que colocar reservas quanto ao seu valor considerando a relação de proximidade com a autora.

Por outro lado, se a autora enviou à ré como diz a testemunha, o seu currículo, que a testemunha diz ter sido ela a elaborá-lo, certamente, como é natural, nele terá feito referência ao percurso profissional autora.

E também, muito provavelmente, ficou com uma cópia desse currículo que podia ter sido junto aos presentes autos, o que não foi feito.

Não é normal, nem é razoável que quem envia um currículo a outrem não fique com uma cópia em sua posse.

Acresce que, se foi a testemunha que preencheu o documento da Ré no qual fez constar as anteriores atividades laborais que a autora tinha desenvolvido em conformidade com os documentos de fls.23 e 23v, estranha-se não ter ficado com uma cópia que pudesse agora ser junta aos processo, o que não foi feito.

Neste circunstancialismo, afigura-se-nos muito duvidoso que a ré tivesse conhecimento dos contratos de trabalho temporário a termo incerto celebrados anteriormente pela autora.

Com esta convicção, decidimos eliminar da redação dos pontos 7. e 8 dos factos provados a expressão “facto que era do conhecimento da Rée não aditar aos ditos pontos a expressão pretendida pela ré dado que se desconhece se a ré teve ou não esse conhecimento.

Do despedimento

O contrato de trabalho foi celebrado em 13.12.2021.

Nessa data, encontrava-se em vigor o CT (19ª versão) na redação introduzida pela Lei n.º 93//2019, de 4 de setembro que no seu artº 112º n 1 al. b) subalínea iii preceituava que no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração180 dias para trabalhadores que estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração.

Entende-se que um trabalhador à procura do primeiro emprego se trata de um trabalhador que nunca esteve vinculado por contrato de trabalho sem termo.

No caso, o período experimental seria de 180 dias considerando que a autora estaria à procura de primeiro emprego, tal como havia declarado aquando da contratação, o que na verdade não acontecia como se veio a provar (cfr. factos 8 e 9).

Acontece que, como se refere na sentença, “ainda antes da celebração (a 13-12-2021) do contrato de trabalho entre as Partes, o Tribunal Constitucional, a 18-05-2021, proferiu o Acórdão n.º 318/2021, pelo qual declarou, com força obrigatória geral: a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, na parte que se refere aos trabalhadores que “estejam à procura do primeiro emprego”, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador(es).

A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que, eventualmente, tenha revogado - artigo 282º, nº 1 da Constituição -, no caso, a Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro, que entrou em vigor em 01 de outubro de 2019.

Estes efeitos significam, na prática, que se ficciona como se esta lei nunca tivesse existido, ou seja, passam a aplicar-se as normas que foram revogadas, ou as regras que foram substituídas.

Desta forma, o contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado com um período experimental de 180 dias, no qual conste um trabalhador à procura de primeiro emprego que já tivesse celebrado um contrato de trabalho a termo por um período superior a 90 dias, terá o período experimental reduzido a 90 dias - artigo 112.º, n.1, al. a) do Código do Trabalho (cfr. a propósito Ac. RG de 23.09.2021, p. 1985/20.6T8BRG.G1).

Como refere a recorrida, o tribunal a quo apenas fez referência à atual redação do artigo 112.º do Código do Trabalho, conferida pela Lei n.º 13/2023, de 03/04, para explicitar que este diploma legal acolheu o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no mencionado Acórdão.

É certo que a trabalhadora declarou nunca ter prestado atividade profissional ao abrigo de contrato sem termo, mais declarando nunca ter prestado atividade ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias, (ou vários, com aquela duração), no retalho alimentar na área não especializada

Mas, como acima ficou dito, a força probatória plena dos documentos particulares atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta-se apenas à materialidade das declarações documentadas e não à sua exatidão e, no caso, mostra-se ilidida a presunção de veracidade dos factos compreendidos na declaração que eram desfavoráveis à autora (nº 2 do citado normativo).

É, pois fora de dúvidas, que o período experimental é de 90 e não de 180 dias.

E como a cessação contratual promovida pela empregadora ocorreu fora de período experimental, tal cessação configura-se como um despedimento ilícito.

Do valor da indemnização:

Escreveu-se na sentença impugnada que “no caso concreto, a Autora optou pela indemnização e não pela reintegração.

Considerando a antiguidade da Autora na presente data, o valor da sua retribuição mensal, e o circunstancialismo que rodeou a cessação do contrato de trabalho, julga-se mediana a ilicitude, pelo que se justifica fixar em 30 dias a retribuição a atender.

Deste modo, uma vez que na presente data a Autora não atingiu 3 anos de antiguidade, à luz do art.º 391.º/3 CT, a indemnização corresponderá a 3 vezes a retribuição mensal base atual (€.760,00), isto é, €.2.280,00; sem prejuízo de indemnização superior, caso seja maior a antiguidade da Autora e/ou mais elevado o valor da retribuição mínima mensal garantida aquando do trânsito em julgado da Decisão final da presente ação”.

Entende a recorrente que o montante da indemnização por despedimento ilícito deverá ser fixado em 15 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade, ou seja, no mínimo permitido por lei.

Decidindo:

O valor da retribuição deve ser um dos fatores a ponderar na fixação da indemnização, mas outros também devem concorrer para essa fixação.

Assim, para um trabalhador que aufira uma remuneração elevada, o tribunal deverá graduar a indemnização “em baixa”; para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal deverá modulá-la “em alta”.

Por outro lado, o tribunal deverá ainda avaliar o grau de ilicitude do despedimento, decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381º, pois, sendo todos estes despedimentos ilícitos, alguns são-no mais do que outros.

Assim, haverá que ter em conta o grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do CT (cfr artº 391º nº 1 do CT).

No caso, o salário da autora aproxima-se do valor da RMMG à data do despedimento (€ 705) e o despedimento foi promovido sem precedência de procedimento disciplinar.

Por outro lado, atento o carácter reparador da indemnização, o mesmo tende a ser mitigado pelo montante das retribuições intercalares que a trabalhadora irá percecionar.

Segundo o acórdão do do STJ de 11.04.2018, processo n.º 354/16.7T8PTM.E1.S1, in www.dgsi.pto tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial deve ser considerado, sendo razoável que o montante da indemnização seja tanto menor quanto maior for o dos salários intercalares[1]”.

Assim, ponderando sobre os citados critérios de fixação, afigura-se-nos que se justifica fixar em 30 dias a retribuição a atender, sendo que no caso foi observado o que estipula o nº 3 do artº 391º do CT que determina que a indemnização não pode ser inferior a três meses de remuneração base.


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IV - Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com total confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo da apelante.

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V Sumário[2]:

(…).


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Coimbra, 09 de fevereiro de 2024

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)




[1] No caso devidos desde há pouco mais de um ano.
[2] Da responsabilidade do relator.