Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
69/20.1GCFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÁTIMA SANCHES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
PRAZO
INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 77º, N.º 3, 113º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 24º, N.ºS 4 E 5, 31º E 38º DA LEI N.º 34/2004, DE 29/07; 326º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:
Quando a notificação do beneficiário do apoio judiciário seja posterior à do patrono nomeado, a data a considerar para efeitos do disposto no artigo 24º, nº5 alínea a) da Lei nº34/2004 de 29/07, será a daquela última notificação, conforme impõe o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 515/2020.
Decisão Texto Integral:

            Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

I. RELATÓRIO

            1. No âmbito do processo comum coletivo, com o NUIPC69/20.1GCFIG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), por despacho datado de 13-09-2023 [referência 92088738] foi decidido rejeitar, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil deduzido pelos únicos e universais herdeiros do falecido AA, entre os quais figura BB.

            2. Inconformada com a decisão, interpôs recurso a mencionada BB.

            Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

            «I - No dia 11.04.2023 por carta registada foi a BB notificada na qualidade de parente próxima do falecido AA, de que foi deduzida acusação no inquérito, podendo deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação – art. 77º n.º3 do CPP.

II - A presente notificação à BB considera-se efetuada no 5º dia posterior ao seu depósito na caixa de correio do destinatário, constante do sobrescrito (notificação por via postal simples com prova do depósito).

               III - Sabe-se que a notificação da acusação foi depositada na caixa do correio do arguido no dia 11 de abril de 2023.

               IV - O dia 08.05.2023 é o último dia do prazo  para a recorrente deduzir o pedido de indemnização

civil.

V - No dia 08.05.2023 a recorrente apresentou junto dos Serviços da Segurança Social pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça, demais encargos com o processo e nomeação de patrono e juntou aos autos de processo requerimento e comprovativo do pedido de apoio judiciário.

               VI - Nos termos do n.º4 do art. 24º da Lei n.º34/2004  de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso INTERROMPE-SE com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento

administrativo.

               VII - À evidência se verifica, que o prazo interrompeu-se no dia 08.05.2023 e segundo a alínea a) do n.º5 daquele artigo 24º da Lei n.º34/2004 de 29 de Julho o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação. 

               VIII - Em 14.06.2023 a Ordem dos Advogados notificou eletronicamente via email o Sr. Dr. CC da sua nomeação como Patrono da requerente BB; 

Por ofício do ISS ... datado de 14.06.2023 foi a aqui apelante BB notificada da concessão do apoio judiciário.

Atendendo à data da notificação supra e da decisão do deferimento do apoio judiciário que a apelante rececionou datada de 14.06.2023 deu-se início a contagem do prazo de 20 dias que havia sido interrompido.

               XIX - Ora, contando 20 dias, prazo de que dispunha a apelante para apresentar o pedido de indemnização nos termos do art. 77º n.os 2 e 3 do CPP, com início naquele dia 14.06.2023 o prazo terminou em 04.07.2023. E com o período de três dias úteis para a prática de ato fora do prazo do art. 139º do CPC terminou em 07.07.2023.

X - O pedido cível foi apresentado em 03.07.2023, ou seja, no penúltimo dia do prazo para o efeito. À evidência se prova, que o pedido de indemnização civil é tempestivo.

XI - Considerou o Meritíssimo Juiz a quo no seu despacho que “..o prazo para dedução do pedido de indemnização deve ser contado a partir da notificação do despacho de acusação.” E que o dia 08.05.2023 era o último dia do prazo, sendo que, depois ocorreu a interrupção do prazo com a apresentação do requerimento de proteção jurídica no próprio dia 08.05.2023.”

XII - É doutamente e jurisprudencialmente unanime que a interrupção do prazo em curso resultante de comprovação nos autos de apresentação de pedido de apoio judiciário nos termos em que o foi, resulta na interrupção imediata do prazo em curso, começando a correr de início após a notificação da nomeação ao patrono nomeado. 

               XIII - O Exmo. Advogado Dr. CC foi nomeado patrono à requerente BB, por via eletrónica no dia 14.06.2023.

Uma vez que o mandatário nomeado foi notificado eletronicamente, é aplicável ao recorrente o disposto no artigo 248º n.º1 do Código de Processo Civil, ex vi ao artigo 4º do Código de Processo Penal, pelo que se presume a notificação feita no terceiro dia posterior ao seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. Vide Ac. STJ de 24.06.2020 – proc. 8/19.2TRGMR.S1

               XIV - Assim sendo, o Patrono Nomeado presume-se notificado em 17.06.2023, sábado, dia não útil, transferindo-se o prazo para o dia útil seguinte, considerando-se legalmente notificado no dia 19.06.2023, pelo que o prazo de 20 dias, para a dedução do pedido de indemnização civil, terminou no dia 10.07.2023 e com os três dias úteis de multa, terminaria em 13.07.2023

               XV - Nesse sentido, veja-se a posição do TRG no acórdão datado de 30/11/2016, que refere que “Para determinar o início do prazo da contestação, a nomeação do patrono feita por email do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, presume-se efetuada no 3º dia posterior, aplicando-se analogicamente o art. 248º do CPC (não se considerando efetuada na data vertida no email em causa).”

XVI - A razão de ser do preceito visa garantir a tramitação processual da acção judicial a prazo certos e definidos e ainda, a garantia de acesso ao direito, por parte daquele que se encontrando numa situação de insuficiência económica carece de nomeação de patrono para promover a sua defesa na acção  - artigos 20.º e 13º da Constituição da República Portuguesa.

XVII - Quer a contagem se inicie no próprio dia da notificação do Patrono Nomeado quer se inicie nos termos do artigo 248º do CPC, certo é, que tendo o pedido de indemnização sido apresentado no dia 03.07.2023 é manifestamente tempestivo.

XVIII - De harmonia com o disposto no artº 326º, nº 1, do Código Civil, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja, a partir da notificação ao patrono da sua designação.

XIX - O despacho de que se recorre é nulo quando refere relativamente ao dia 08.05.2023: “Aquele dia correspondia ao último dia do prazo para deduzir o pedido de indemnização civil. Uma vez que o patrono nomeado bem como BB foram notificados da concessão de apoio judiciário através de carta enviada a 23.06.2023 e o pedido de indemnização foi apresentado a 03 de Julho de 2023, nesta data já havia decorrido todo o prazo de vinte dias para deduzir o pedido de indemnização civil.”

               XX - Se o Meritíssimo Juiz a quo considera que tanto o Patrono Nomeado como a BB foram notificados no dia 23.06.2023 então contando os 20 dias após essa notificação teriam até dia 13/07/2023 para deduzir o pedido de indemnização.

XXI - Com o devido e usual respeito, cremos que o Meritíssimo Juiz a quo, confundiu os efeitos da interrupção do prazo, com os efeitos da suspensão do prazo e consequentemente proferiu decisão errónea e prejudicial à apelante, que apresentou o seu pedido de indemnização civil dentro do prazo que dispunha, sendo o mesmo tempestivo.

               XXII - O despacho recorrido é manifestamente ilegal e nulo, é contrário ao direito ao acesso à Justiça (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva), previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

               XXIII     - O douto despacho recorrido violou, por incorrecta interpretação, as normas constantes dos artigos 9º e 326.º do Código Civil, artigos 24.º, n.ºs 4 e 5 e 31º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e artigos 138.º, 142.º, 242.º, n.º 2 e 248.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

               XXIV     – Pelas razões expostas, deve o despacho proferido em 13.09.2023 ser revogado e substituído por outro, que admita a pedido de indemnização civil deduzido e apresentado no dia 03.07.2023 pela recorrente BB, por legal e tempestivo, com as legais consequências, assim se fazendo  JUSTIÇA!»

           

            3. Ao recurso interposto, respondeu o Ministério Público pela seguinte forma (transcrição):

«Ora, entendemos que assiste inteira razão à recorrente.

Compulsados os autos, tendo em conta o teor de fls. 282 (junção, a 08.05.2023, do requerimento de protecção jurídica), fls. 295 (ofício do ISS, datado de 14.06.2023, onde se dá conta da nomeação de patrono à requerente), fls. 341 (PIC apresentado a 03.07.2023) e fls. 371 (informação do ISS de que a requerente foi notificada do deferimento do requerimento de protecção jurídica e da nomeação de patrono por carta remetida a 23.06.2023), podemos concluir que o PIC foi apresentado tempestivamente, uma vez que, após a interrupção, a 08.05.2023, do prazo em curso, começou a correr novo prazo processual de 20 dias, para apresentação do PIC, o qual se iniciou a partir das notificações, ao patrono e à requerente, do deferimento do requerimento de protecção jurídica antes apresentado.

Assim, o pedido de indemnização civil apresentado a 03.07.2023 deverá ser admitido, por ser tempestivo.»

            5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve ser julgado totalmente procedente aduzindo que (transcrição):

            «i. A recorrente (demandante civil e assistente) deduziu pedido de indemnização civil ao abrigo do disposto no artº. 77º nº 3 do CPP, podendo fazê-lo até 8.5.2023;

ii. Nesta data requereu proteção jurídica junto da SS, o que comprovou, também nesse dia, nos autos;

iii. Por força do disposto no artº. 24º nº 4 da LADT, o prazo, que estava ainda em curso, interrompeu-se;

iv. Quando cessa a causa de interrupção, o prazo (neste caso de 20 dias) inicia-se de novo, inutilizando-se todo o tempo decorrido anteriormente, conforme resulta do já citado nº 4 e do nº 5 (proémio) do artº. 24º (cfr., ainda, o artº. 31º nº 1 desse diploma); a mesma solução (de inutilização do tempo antes decorrido quando ocorra causa de interrupção) está consagrada no CP (artº. 121º nº 2) e no CC (artº 326º nº 1);

v. Nos termos do artº. 24º nº 5 a) da LADT, o prazo interrompido inicia-se (ex-novo) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, sendo que, conforme decorre do acórdão nº 515/2020 do TC  a não inconstitucionalidade do preceito só está garantida na medida em que se entender, para esse contar de novo prazo,  que se exige que também o requerente seja efetivamente notificado dessa nomeação;

vi. Assim sendo, quando apresentou o pedido de indemnização civil, a 3.7.2023, a agora recorrente estava ainda em tempo para o fazer.»

            6. Não foi apresentada qualquer resposta a este parecer e, efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal.

            III. FUNDAMENTAÇÃO

            1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

            Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente, a questão a decidir é a de saber se o pedido de indemnização civil formulado, entre outros, pela Recorrente, é, ou não tempestivo.

            2. DA DECISÃO RECORRIDA.

            O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):

            «BB, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, invocando-se como os únicos e universais herdeiros do falecido AA, vêm nos termos do artigo 77º do Código de Processo Penal, apresentar pedido de indemnização civil contra LL.

O pedido de indemnização foi apresentado a 03 de Julho de 2023 (fls 341).

BB foi notificada, por via postal simples com prova de depósito, na qualidade de parente próxima do falecido AA, de que foi deduzida acusação, nos termos do art.º 283º do C. P. Penal, podendo

deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação – art.º 77º, n.º 3, do C. P. Penal. (fls 276).

A dedução da acusação pelo Ministério Público foi notificada ao arguido mediante carta enviada a 10.04.2023, tendo sido depositada no respectivo receptáculo no dia 11.04.2023 (fls 274).

BB formulou requerimento de protecção jurídica no dia 08.05.2023 (informação de fls 365), o que corresponde ao último dia do prazo para deduzir o pedido de indemnização civil.

Nos termos do nº 4, do artigo 24º da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

Segundo a alínea a) do nº 5 daquele artigo, o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação[1].

O patrono nomeado bem como BB foram notificados da concessão de apoio judiciário através de carta enviada a 23.06.2023 (fls 372).

O artigo 77º, do Código de Processo Penal estabelece que:

Nº 2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, (ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar,) para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.

Nº 3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.

Neste caso, o prazo para dedução do pedido de indemnização deve ser contado a partir da notificação do despacho de acusação.

Depois ocorreu a interrupção do prazo com a apresentação do requerimento de protecção jurídica no dia 08.05.2023.

Aquele dia correspondia ao último dia do prazo para deduzir o pedido de indemnização civil.

Uma vez que o patrono nomeado bem como BB foram notificados da concessão de apoio judiciário através de carta enviada a 23.06.2023 e o pedido de indemnização foi apresentado a 03 de Julho de 2023, nesta data já havia decorrido todo o prazo de vinte dias para deduzir o pedido de indemnização civil.

Pelo exposto, rejeito o pedido de indemnização civil deduzido por ter sido apresentado fora do prazo estabelecido no artigo 77º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.

Notifique.»
           

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO.

            Processado relevante.

            - A acusação nos presentes autos foi deduzida em 28-03-2023 [referência 90636221];

            - Foi notificada ao arguido por carta simples com prova de depósito [referência 91027343] depositada em 11-04-2023 [referência 8015254];

            - A Recorrente, BB, na qualidade de parente próximo do falecido LL, foi notificada de que foi deduzida acusação, podendo deduzir pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação, por carta simples com prova de depósito [referência91027450] depositada em 11-04-2023 [referência 8015314];

            - Em 08-05-2023 a Recorrente juntou aos autos documento comprovativo de que solicitou apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e nomeação de patrono com pagamento da respetiva compensação [referência 8053423];

            - Em 28-06-2023 deu entrada nos autos comunicação dos Serviços da Segurança Social de que, com data de 14-14-2023, foi proferida decisão de deferimento daquele pedido de apoio judiciário [referência 8177546];

            - Em 03-07-2023 foi deduzido pedido de indemnização civil pelo conjunto dos únicos e universais herdeiros do falecido LL, entre os quais figura a Recorrente BB. Acompanha tal requerimento, para além do mais, documentos que são cópias da notificação ao patrono nomeado e do conhecimento ao processo da decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário, datada de 14-06-2023 [referência8190914];

            - Em resposta ao pedido de informação que lhe foi dirigido pelo Mmo. Juiz titular do processo [referência 92006916], a Segurança Social informou que “a requerente de apoio judiciário BB – Processo n.º ...23 foi notificada da decisão de deferimento através de correio normal pelo ofício n.º ...74 de 23 de junho de 2023” [referência 8302911].

            Cumpre decidir.

            Adiantamos, desde já que se concorda com a posição assumida nos autos pelo Ministério Público no sentido de que deve o recurso proceder.

            Com efeito, é manifesta a tempestividade do pedido de indemnização civil formulado.

Nos termos do preceituado no n° 3, do artigo 77° do Código de Processo Penal: "Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se não o houver, despacho de pronúncia".

No caso dos autos, a demandante/Recorrente foi notificada nesses termos por carta simples com prova de depósito [referência 91027450] depositada em 11-04-2023 [referência 8015314].

Por seu turno, o arguido, foi notificado da acusação por carta simples com prova de depósito [referência 91027343] depositada em 11-04-2023 [referência 8015254].

Estabelece o artigo 113º nº3 do Código de Processo Penal que: “Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

Assim, considera-se que o prazo para dedução do pedido de indemnização se iniciou em 17-04-2023 – tendo em conta que o 5º dia posterior à data do depósito da carta de notificação foi um Domingo (artigo 104º nº1 do código de Processo Penal e 138º nº2 do Código de Processo Civil) e terminaria em 08-05-2023 (considerando que, também o último dia foi um Domingo).

Acontece que a Recorrente, em 08-05-2023 juntou aos autos documento comprovativo de que solicitou apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e nomeação de patrono com pagamento da respetiva compensação.

Por isso, nessa data – 08-05-2023 – interrompeu-se o prazo para dedução do pedido, face ao disposto no nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29/07 (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais)[2], o qual é do seguinte teor:

Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.

Com a interrupção o tempo decorrido até à causa interruptiva fica inutilizado, começando depois a correr novo prazo – conforme decorre do disposto no artigo 326º nº1 do Código Civil – “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo”.

Cabe, pois, averiguar, no caso dos autos, a partir de quando se deve iniciar a contagem do novo prazo de 20 dias.

Preceitua o nº5 do artigo 24º da Lei nº34/2004 de 29/07:

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

E o seu artigo 31º, sob o título “Notificação da nomeação”, dispõe:

1 - A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.

2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.”

Aqui chegados, cabe referir que, tendo o Mmo. Juiz a quo considerado que “O patrono nomeado bem como BB foram notificados da concessão de apoio judiciário através de carta a 23.06.2023” (sublinhado nosso), não se compreende que conclua, logo de seguida, que, em 03-07-2023 (data da dedução do pedido de indemnização), o prazo interrompido se mostrava esgotado, quando, na verdade, apenas se mostrariam decorridos, nessa data, 10 dias.

            Prosseguindo.

            À Ordem dos Advogados incumbe notificar o requerente do patrocínio e o patrono nomeado, bem como comunicar ao tribunal a nomeação.

Tais notificações são levadas a cabo por formas distintas, como refere o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº461/2016[3]:

“(…) Trata-se da crescente introdução de mecanismos de automatização e desmaterialização do procedimento de nomeação e de notificação do advogado nomeado, o que passou a ser feito na modalidade de envio de correio eletrónico através do sistema informático próprio da Ordem dos Advogado – denominado SINOA – de acordo com os artigos 2.º e 29.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, alterada pelas Portarias n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, 654/2010, de 11 de agosto, e 319/2011, de 30 de dezembro. Enquanto isso, a notificação do beneficiário do apoio judiciário segue a via postal registada.”

Nos termos do transcrito artigo 24º, nº5 alínea a) da Lei nº34/2004 de 29/07, o prazo interrompido contar-se-á a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

            Considerando as disposições conjugadas dos artigos 38º, da Lei nº34/2004 de 29-07; 248º do Código de Processo Civil e 113.º nºs11 e 12 do Código de Processo Penal, esta notificação considera-se feita no terceiro dia útil a seguir à data em que é remetida a notificação eletrónica[4].

            Assim, tendo a notificação sido remetida por esta via no dia 14-06-2023, o Ilustre Advogado nomeado patrono da requerente considera-se notificado da nomeação em 19-06-2023 (pois que o dia 17 foi Sábado), devendo o prazo em causa ser contado a partir dessa data e, nessa medida, terminaria em 10-07-2023 (já que, 09-07 foi um Domingo), portanto, tornando tempestivo o pedido de indemnização deduzido.

            Mas, atento o teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº515/2020[5], caso a notificação do beneficiário do apoio judiciário seja posterior à do Patrono nomeado, a data a considerar para efeitos do disposto no artigo 24º, nº5 alínea a) da Lei nº34/2004 de 29/07, será a desta notificação.

            Com efeito, ali se declarou com força obrigatória geral “a inconstitucionalidade, por violação dos números 1 e 4 do artigo 20.° da Constituição, da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.

            De onde resulta que o prazo deveria ser contado a partir da data da notificação do requerente do benefício de apoio judiciário que, no caso dos autos, atenta a informação prestada pelos Serviços da Segurança Social ocorreu em 23-06-2023 (posteriormente, portanto, à data da notificação do patrono nomeado).

               Sendo assim, como pensamos que é, no caso dos autos, o prazo deveria contar-se a partir dessa data e, terminaria, portanto, em 13-07-2023.

            Atento tudo o exposto, é manifesto que o pedido de indemnização civil, apresentado em 03-07-2023, é tempestivo e, por isso, ao rejeitá-lo, por extemporâneo, o despacho recorrido fez uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 77º e 113º nº3 do Código de Processo Penal e 24º e 31º da Lai nº34/2004 de 29-07.

 

            IV. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita, por tempestivo, o pedido de indemnização civil deduzido nos autos, entre outros, por BB.
          Sem tributação.


            (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - artigo 94º, n.º 2, do CPP)

                                               Coimbra, 24-01-2024      

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (relatora)

Helena Lamas (1ª Adjunta)

Capitolina Fernandes Rosa (2ª Adjunta)

(Data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)






[1]Saliente-se que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 13-10: Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.

[2] Note-se que o prazo que estiver em curso só é interrompido pela junção aos autos de documento comprovativo de ter sido formulado pedido de nomeação de patrono.
[3] Acórdão prolatado no âmbito do processo nº ..., ... Secção; Relator: Conselheiro MM, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[4] Vide acórdão do STJ de 24-06-2020, citado no recurso, prolatado no âmbito do processo nº8/19.2TRGMR.S1; Relator: Conceição Gomes, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[5] Acórdão datado de 13 de outubro de 2020; Processo n.º ...18; Plenário; Relator: Conselheiro MM, disponível para consulta em www.dgsi.pt