Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
79820/22.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INJUNÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
CONSTITUI UM DEVER DO JUIZ A PROLAÇÃO DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS PEÇAS PROCESSUAIS
FALTA DE DOCUMENTO ESSENCIAL À PROVA DE FACTOS ALEGADOS
OMISSÃO DE DESPACHO DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, 1; 369.º E 371.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 6.º, N.º 2; 590.º E 615.º, 1, D), DO CPC
ARTIGO 10.º, DO DL 62/2013, DE 10/5
ARTIGOS 3.º, 4; 4.º, 5; 7.º E 17.º, 3, DO DL 269/98, DE 1/9
Sumário: I – O Juiz tem o dever de proferir despacho de aperfeiçoamento das peças processuais, se estas apresentarem deficiências e/ou omissões que comprometam o êxito da acção.
II – Sendo omitido esse dever, a improcedência da acção, essencialmente, por falta de junção de documento que prove a alegada fusão de empresas resulta numa nulidade que se transmite à sentença, ou, se se quiser, num excesso de pronúncia da mesma, que acarreta a anulação da sentença.
Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)
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Relator: Falcão de Magalhães
1.º Adjunto: Des. Cristina Neves
2.º Adjunto: Des. Sílvia Pires
Proc. nº 79820/22.6YIPRT.C1 (Conferência)
 
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
 
1- O ora relator, em 27 de Dezembro de 2023, proferiu a decisão que se passa a transcrever:1
 
«[…] Decisão sumária (Art.º 656º, 652º n.º 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC2).3 
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I - A) - 1) 4«[…] “A..., Sucursal em Portugal”, representação permanente da sociedade Francesa “A..., S.A.”, pessoa colectiva n.º ...95, com sede no Edifício ..., ..., ... ..., apresentou requerimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra “B..., Lda”, pessoa colectiva n.º ...00, sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., ... ..., AA, divorciada, contribuinte fiscal n.º ...39, residente na Rua ..., ... ..., e BB, contribuinte fiscal n.º ...85, residente na Rua ..., Andar FT Ap ...39, ...41 ..., alegando, em síntese, ter integrado por escritura de fusão o “Banco 1..., S.A.” (anteriormente “Banco 2..., S.A.”) e que em 9 de Março de 2015, celebrou com a sociedade requerida um contrato de locação financeira,
 
referente a um semi-reboque de marca Schmitz, de matrícula L-......, mediante o pagamento de 121 rendas mensais, a primeira no valor de 231,22 € e as restantes no montante de 109,25 €, sendo de 168,74 € o valor residual do bem, tendo os demais requeridos assumido em tal contrato a posição de fiadores solidários e principais pagadores, não tendo a sociedade requerida procedido ao pagamento da 36.ª renda, vencida em 20 de Março de 2018, nem das seguintes, tendo comunicado aos requeridos a resolução do contrato em 5 de Setembro de 2018, concluindo estar em falta o pagamento da quantia de 655,50 € por 6 rendas em falta, acrescida do montante de 292,48 € de juros vencidos até 12 de Setembro de 2022 e dos vincendos, à taxa de 10,217%, e do montante de 1.196,74 € de indemnização pelo incumprimento do contrato, igualmente acrescido de juros.
Aduz ainda que celebrou com a sociedade requerida um outro contrato de locação financeira, na mesma data de 9 de Março de 2015, referente a um veículo de marca Scania, de matrícula ..-JU-.., mediante o pagamento de 101 rendas mensais, a primeira no valor de 1.250,84 € e as restantes no montante de 274,90 €, sendo de 440,55 € o valor residual do bem, tendo os demais requeridos assumido em tal contrato a posição de fiadores solidários e principais pagadores, não tendo a sociedade requerida procedido ao pagamento da 37.ª renda, vencida em 20 de Março de 2018, nem das seguintes, tendo comunicado aos requeridos a resolução do contrato em 5 de Setembro de 2018, concluindo estar em falta o pagamento da quantia de 1.374,50 € por 5 rendas em falta, acrescida do montante de 613,23 € de juros vencidos até 12 de Setembro de 2022 e dos vincendos, à taxa de 10,216%, e do montante de 3.684,37 € de indemnização pelo incumprimento do contrato, também acrescido de juros.
Termina pedindo a condenação dos requeridos no pagamento da quantia total de 7.631,11 € de capital, acrescida do valor total de 905,71 € a título de juros de
 
mora e de 153 € pela taxa de justiça paga, no valor global de 8.689,82 €. *
As requeridas “B..., Lda” e AA apresentaram a sua oposição, tendo impugnado a alegada fusão de sociedades, assim como a celebração com a requerente dos invocados contratos de locação financeira, tendo admitido a sua celebração e posterior reformulação, em consequência de Processo Especial de Revitalização, com o “Banco 2..., S.A.”, aduzindo ter acordado com a requerente a entrega das viaturas para liquidação das prestações em dívida, tendo contraditado o recebimento da comunicação de resolução do contrato e invocado a prescrição dos juros.
Pugnaram, em consequência, pela procedência da oposição e pela sua absolvição do pedido.
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Os autos foram remetidos à distribuição, tendo o procedimento de injunção sido transmudado para acção declarativa de condenação. *
Válida e regularmente citado, o requerido BB não apresentou contestação. […]».
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2) - Por despacho de 06/12/2022, o Mmo. Juiz do Juízo Local Cível ..., determinou a notificação da “…Autora “A..., Sucursal em Portugal da sociedade francesa A..., S.A.” para responder, querendo, no prazo de 10 dias, quanto às excepções peremptórias de pagamento e de prescrição aduzidas pelas Rés na oposição.”.
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3) - A Autora exerceu o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pelas Rés, tendo pugnado pela sua improcedência e concluído pela condenação das Rés como litigantes de má fé, em multa e indemnização.
 
B) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio, em 26/05/2023, a ter lugar a audiência final, tendo sido proferida, para a respectiva acta, sentença, mediante a qual se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Réus “B..., Lda”, AA e BB dos pedidos contra eles formulados pela Autora “A..., Sucursal em Portugal”.
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II - Inconformada com o decidido, apelou A..., S.A., para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:
«Em matéria de facto:
1 - Por se tratar de matéria objecto de prova em contrário (por confissão e ao abrigo do disposto nos artigos 352.º, 353.º, n.º 1, 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 do Código Civil) junta aos autos pelos próprios recorridos (cfr. documentos n.ºs 8 e 9 juntos com a contestação e documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado nos autos aos 06/01/2023 sob a referência 9347777), é manifesto que o enunciado da alínea a) dado como não provado na decisão não pode subsistir devendo ser eliminado
2 - Porque é o que consta e decorre dos documentos juntos aos autos pelos próprios recorridos deve ser dado como provado, e assim aditado ao acervo factual assente e relevante: “A Autora integrou, por escritura de fusão transfronteiriça outorgada aos 28 de Novembro de 2016, a fls.49 e seguintes, do Livro ...5 das notas do Cartório Notarial ..., sito em ..., o Banco 1..., S.A., anteriormente denominado Banco 2..., S.A., sociedades estas que tinham o número de pessoa colectiva nº ...12.” Em matéria de Direito:
3 – Caso não se altere a matéria de facto conforme referido nos anteriores
 
pontos 1 e 2., o que por mera cautela se concede, deverá em todo o caso entender-se que a sentença recorrida, é nula, ex vi o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil 4 - Ao decidir da forma como o fez, a sentença recorrida proferiu a chamada “decisão-surpresa”, tendo violado de forma manifesta o princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, conforme aliás entendido e decidido já pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão proferido aos 02/12/2019 no processo 14227/19.8T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt;

5 - Cabia ao Tribunal a quo, e não faltaram oportunidades para o efeito, ter notificado a ora recorrente para que esta se pronunciasse relativamente ao facto de esta ter integrado o Banco 1..., S.A., antes denominado Banco 2..., S.A., designadamente mediante a junção dos documentos comprovativos de tal facto.

6 – Caso eventualmente se entenda, o que por mera cautela se concede, que a sentença não será nula conforme mencionado nos anteriores pontos 3, 4 e 5, deverá em todo o caso entender-se que a falta de prova de que a ora recorrente tenha integrado o Banco 1..., S.A. antes denominado Banco 2..., S.A. se reconduzirá em todo o caso a uma situação de ilegitimidade activa da ora recorrente. 
6 – Assim sendo, não poderia a sentença ter absolvido os recorridos do pedido.  7 – Ao tê-lo feito, a sentença recorrida violou frontalmente o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d) e 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pois os recorridos deveriam ter sido apenas absolvidos da instância.  8 – Nestes termos deverá ser dado provimento ao presente recurso.».

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As RR., B..., LDA e AA, respondendo à alegação de recurso da Apelante, pugnaram pela improcedência deste.
 
* III - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”5 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
E o que importa solucionar no presente caso, é, para além de apurar se ocorre a invocada nulidade (artº 615º, nº 1, d), do NCPC), é saber se é de proceder à alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, bem assim como, saber se a solução acertada era a de proferir sentença no sentido da improcedência da acção, com absolvição dos RR do pedido. * IV - A) - Os factos:
Na sentença recorrida a decisão proferida quanto à matéria de facto foi a seguinte:
«[…] encontram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 
 
a) A sociedade “Banco 2..., S.A.” e os Réus “B..., Lda”, AA e BB assinaram o documento constante de fls. 60 a 67 dos autos, com o título “Contrato de Locação Financeira Mobiliária com Fiança n.º ...62”, com a data de 9 de Março de 2015 como a do seu “início”, do qual consta a identificação da sociedade “Banco 2..., S.A.” como “Locador”, da Ré “B..., Lda” como “1.º Locatário” (com morada na “R ..., ..., ... ...”) e dos Réus AA e BB como “Fiadores” (ambos com morada na “R ..., ..., ... ...”).
b) Consta ainda de tal documento, sob as suas “condições particulares”, além do mais, como “equipamento/bem/serviço” um pesado de marca “Schmitz”, de modelo S 01 semi-reboque, com a matrícula L-......, sendo de 8.282,92 € o “preço total” ou o “montante total financiado”, o “Banco 2..., S.A.” como o “fornecedor do equipamento/bem/serviço”, ascendendo a 101 o “n.º total de rendas do contrato”, com a periodicidade “mensal”, sendo de 231,22 € a “primeira renda” (incluído o I.V.A.), a pagar em 9 de Março de 2015, e de 109,25 € o “valor…” total “…das rendas seguintes” (incluído o I.V.A. e 3,08 € de despesas de cobrança), sendo de 20 de Julho de 2023 a “data da última renda”, sendo o dia 20 o “dia de vencimento das rendas”, o montante de 10.848,22 € o “montante total das rendas” e ascendendo o “valor residual” a 168,74 € (com o I.V.A. incluído e 3,08 € de despesas de cobrança).
c) Consta também de tal documento que a “taxa anual nominal de juros inicial” é de 7.217%, “a qual poderá variar nos termos do artigo 4º alínea 4) das condições gerais do contrato”. 
d) Assim como que “ao subscrever este contrato o(s) Fiador(es) assume(m)-se perante o Banco 2... como fiador(es) e principal(ais) pagador(es) de todas e quaisquer obrigações que para o Locatário resultem da assinatura deste contrato”. 
 
e) Consta das “condições gerais” do acordo celebrado entre a sociedade “Banco 2..., S.A.” e os Réus “B..., Lda”, AA e BB, sob o artigo 1.º (com o título “objecto, escolha, encomenda e isenção de responsabilidade do Locador”), n.º 1 que “o presente Contrato tem por objecto a locação financeira do equipamento/bem/serviço identificado nas Condições Particulares”. 
f) Tal       como,          sob    o        artigo          2.º      (com o        título “entrega      do
Equipamento/bem/serviço”), n.º 1 de tais “condições gerais”, que “o Locatário receberá o equipamento/bem/serviço em nome e por conta do Locador”.
g) Consta também dessas “condições gerais”, sob o artigo 6.º (com o título “obrigações do locatário(s)”), que “para além do pagamento das prestações pecuniárias adiante referidas ou de outras previstas na lei ou neste contrato, são especiais obrigações do Locatário(s): (…) h) caso não opte pela aquisição do equipamento/bem/serviço no termo da locação, restituir o mesmo ao Locador, nas instalações deste, no estado que deve derivar da utilização normal e prudente do equipamento/bem/serviço”.
h) Bem como, sob o artigo 7.º (com o título “propriedade”), n.º 1 que “o Locador é proprietário exclusivo do equipamento/bem/serviço locado”.

h) Bem como, sob o artigo 7.º (com o título “propriedade”), n.º 1 que “o Locador é proprietário exclusivo do equipamento/bem/serviço locado”.

i) Consta ainda das “condições gerais” do acordo, sob o artigo 10.º (com o título “resolução”), n.º 1 que “o presente contrato poderá ser resolvido por iniciativa do Locador quando: 
a) A mora no pagamento for igual ou superior a três rendas sucessivas e cumulativamente o Locador, sem sucesso, ter concedido ao(s) Locatário(s) um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações/rendas em atraso acrescidas de eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da

 
resolução do contrato. (…) c) O Locatário(s) incumpra qualquer uma das suas obrigações contratuais para além da acima indicada em (a)”. 
j) E sob o artigo 10.º, n.º 4 que “em qualquer dos casos referidos nos números anteriores, o Locatário(s) fica obrigado a:
a) Restituir o equipamento/bem/serviço (…); 
b) Pagar o montante das rendas vencidas e não pagas, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa acordada e demais encargos; 
c) A pagar 20% do total das rendas vincendas, à data da resolução, acrescido do valor residual”.
l) E sob o artigo 10.º, n.º 5 que “sem prejuízo do referido nos números anteriores o Banco 2... poderá exigir o pagamento de quaisquer rendas em mora desde a data do respectivo vencimento. m) Consta também das “condições gerais” do acordo, sob o artigo 13.º (com o título “juros de mora e despesas de gestão, impostos, taxas, encargos e comissões”), n.º 1 que «em caso de não pagamento pontual das rendas ou do valor residual ou ainda de quaisquer outras quantias devidas pelo Locatário(s) ao Locador, independentemente do exercício dos direitos conferidos ao Locador pelos artigos anteriores, serão devidos pelo Locatário(s) juros moratórios calculados à taxa de juro implícita à data nas rendas constantes das “Condições Particulares”, acrescidas de uma sobretaxa de 3 pontos percentuais».

n) A Autora enviou à sociedade Ré (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 97 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, “continua V.Exa. sem pagar as importâncias em dívida do contrato em referência” com o número ...62, com menção da “Renda nº 36, vencida em 20-03-2018 Renda nº 38, vencida em 20-05-2018 Renda nº 39, vencida em 20-06-2018 Renda nº 40, vencida em 20-07-2018 Renda nº 41, vencida em 20-08-2018 Renda nº 42, vencida em 20-09-2018”, que “assim, nos termos e de harmonia com o disposto

 
nas cláusulas das Condições Gerais do referido contrato comunicamos a V.Exa. que lhe concedemos um prazo suplementar de 20 dias de calendário, a contar da data da presente carta, para proceder ao pagamento do montante das ditas rendas, acrescido dos respetivos juros, da comissão de gestão em função de cada renda em mora, tudo num total de 725.99 euros” e que “o não pagamento até ao limite do dito prazo da quantia referida leva-nos a considerar o contrato em referência como RESCINDIDO o que implica a obrigação de proceder à ENTREGA IMEDIATA do(s) bem(s), objeto(s) do contrato, (…) e de proceder ao pagamento não só das importâncias ao presente em débito, acrescidas dos juros respetivos, como ainda ao pagamento do demais constante do contrato”.

o) A Autora enviou à Ré AA (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 98 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, para além menção ao “contrato nº ...62”, que “vimos por este meio enviar a V.Exa. cópia da mais recente carta que enviamos ao(à) (s) nosso(a) (s) cliente(s): B... LDA, por V.Exa. o ter afiançado/avalizado perante a
A...”. 

p) A Autora enviou ao Réu BB (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 99 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, para além menção ao “contrato nº ...62”, que “vimos por este meio enviar a
V.Exa. cópia da mais recente carta que enviamos ao(à) (s) nosso(a) (s) cliente(s): B... LDA, por V.Exa. o ter afiançado/avalizado perante a
A...”. q) A sociedade “Banco 2..., S.A.” e os Réus “B..., Lda”, AA e BB assinaram o documento constante de fls. 46 a 53 dos autos, com o título “Contrato de Locação Financeira Mobiliária com Fiança n.º ...78”, com a data de 9 de
Março de 2015 como a do seu “início”, do qual consta a identificação da

 
sociedade “Banco 2..., S.A.” como “Locador”, da Ré “B..., Lda” como “1.º Locatário” (com morada na “R ..., ..., ... ...”) e dos Réus AA e BB como “Fiadores” (ambos com morada na “R ..., ..., ... ...”).

r) Consta ainda de tal documento, sob as suas “condições particulares”, além do mais, como “equipamento/bem/serviço” um pesado de marca “Scania”, de modelo R380, com a matrícula ..-JU-.., sendo de 21.873,37 € o “preço total” ou o “montante total financiado”, o “Banco 2..., S.A.” como o “fornecedor do equipamento/bem/serviço”, ascendendo a 101 o “n.º total de rendas do contrato”, com a periodicidade “mensal”, sendo de 1.250,84 € a “primeira renda” (incluído o I.V.A.), a pagar em 9 de Março de 2015, e de 274,90 € o “valor…” total “…das rendas seguintes” (incluído o I.V.A. e 3,08 € de despesas de cobrança), sendo de 20 de Julho de 2023 a “data da última renda”, sendo o dia 20 o “dia de vencimento das rendas”, o montante de 28.432,84 € o “montante total das rendas” e ascendendo o “valor residual” a 440,55 € (com o I.V.A. incluído e 3,08 € de despesas de cobrança).

s) Consta também de tal documento que a “taxa anual nominal de juros inicial” é de 7.216%, “a qual poderá variar nos termos do artigo 4º alínea 4) das condições gerais do contrato”. 

t) Assim como que “ao subscrever este contrato o(s) Fiador(es) assume(m)-se perante o Banco 2... como fiador(es) e principal(ais) pagador(es) de todas e quaisquer obrigações que para o Locatário resultem da assinatura deste contrato”. 

u) Consta das “condições gerais” do acordo celebrado entre a sociedade “Banco 2..., S.A.” e os Réus “B..., Lda”, AA e BB, sob o artigo 1.º (com o título “objecto, escolha, encomenda e isenção de responsabilidade do Locador”), n.º 1 que “o

 
presente Contrato tem por objecto a locação financeira do equipamento/bem/serviço identificado nas Condições Particulares”. v) Tal como, sob o artigo 2.º (com o título “entrega do Equipamento/bem/serviço”), n.º 1 de tais “condições gerais”, que “o Locatário receberá o equipamento/bem/serviço em nome e por conta do Locador”. 
x) Consta também dessas “condições gerais”, sob o artigo 6.º (com o título “obrigações do locatário(s)”), que “para além do pagamento das prestações pecuniárias adiante referidas ou de outras previstas na lei ou neste contrato, são especiais obrigações do Locatário(s): (…) h) caso não opte pela aquisição do equipamento/bem/serviço no termo da locação, restituir o mesmo ao Locador, nas instalações deste, no estado que deve derivar da utilização normal e prudente do equipamento/bem/serviço”. 

z) Bem como, sob o artigo 7.º (com o título “propriedade”), n.º 1 que “o Locador é proprietário exclusivo do equipamento/bem/serviço locado”.

aa) Consta ainda das “condições gerais” do acordo, sob o artigo 10.º (com o título “resolução”), n.º 1 que “o presente contrato poderá ser resolvido por iniciativa do Locador quando: 
a) A mora no pagamento for igual ou superior a três rendas sucessivas e cumulativamente o Locador, sem sucesso, ter concedido ao(s) Locatário(s) um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações/rendas em atraso acrescidas de eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. (…) c) O Locatário(s) incumpra qualquer uma das suas obrigações contratuais para além da acima indicada em (a)”.
bb) E sob o artigo 10.º, n.º 4 que “em qualquer dos casos referidos nos números anteriores, o Locatário(s) fica obrigado a: 
a) Restituir o equipamento/bem/serviço (…);

 
b) Pagar o montante das rendas vencidas e não pagas, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa acordada e demais encargos; 
c) A pagar 20% do total das rendas vincendas, à data da resolução, acrescido do valor residual”.
cc) E sob o artigo 10.º, n.º 5 que “sem prejuízo do referido nos números anteriores o Banco 2... poderá exigir o pagamento de quaisquer rendas em mora desde a data do respectivo vencimento. dd) Consta também das “condições gerais” do acordo, sob o artigo 13.º (com o título “juros de mora e despesas de gestão, impostos, taxas, encargos e comissões”), n.º 1 que «em caso de não pagamento pontual das rendas ou do valor residual ou ainda de quaisquer outras quantias devidas pelo Locatário(s) ao Locador, independentemente do exercício dos direitos conferidos ao Locador pelos artigos anteriores, serão devidos pelo Locatário(s) juros moratórios calculados à taxa de juro implícita à data nas rendas constantes das “Condições Particulares”, acrescidas de uma sobretaxa de 3 pontos  percentuais».
ee) A Autora enviou à sociedade Ré (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 100 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, “continua V.Exa. sem pagar as importâncias em dívida do contrato em referência” com o número ...78, com menção da “Renda nº 37, vencida em 20-04-2018 Renda nº 38, vencida em 20-05-2018 Renda nº 39, vencida em 20-06-2018 Renda nº 40, vencida em 20-07-2018 Renda nº 41, vencida em 20-08-2018 Renda nº 42, vencida em 20-09-2018”, que “assim, nos termos e de harmonia com o disposto nas cláusulas das Condições Gerais do referido contrato comunicamos a V.Exa. que lhe concedemos um prazo suplementar de 20 dias de calendário, a contar da data da presente carta, para proceder ao pagamento do montante das ditas rendas, acrescido dos respetivos juros, da comissão de gestão em função de cada renda em mora, tudo num total de 1,722.02 euros” e que “o não pagamento até
 
ao limite do dito prazo da quantia referida leva-nos a considerar o contrato em referência como RESCINDIDO o que implica a obrigação de proceder à ENTREGA IMEDIATA do(s) bem(s), objeto(s) do contrato, (…) e de proceder ao pagamento não só das importâncias ao presente em débito, acrescidas dos juros respetivos, como ainda ao pagamento do demais constante do contrato”. ff) A Autora enviou à Ré AA (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 101 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, para além menção ao “contrato nº ...78”, que “vimos por este meio enviar a
V.Exa. cópia da mais recente carta que enviamos ao(à) (s) nosso(a) (s) cliente(s): B... LDA, por V.Exa. o ter afiançado/avalizado perante a
A...”. 
gg) A Autora enviou ao Réu BB (para a morada “R ..., ..., ..., ... ...”) a carta cuja cópia se encontra a fls. 102 dos autos, datada de 5 de Setembro de 2018, da qual consta, além do mais, para além menção ao “contrato nº ...78”, que “vimos por este meio enviar a V.Exa. cópia da mais recente carta que enviamos ao(à) (s) nosso(a) (s) cliente(s): B... LDA, por V.Exa. o ter afiançado/avalizado perante a A...”. hh) Em data não concretamente apurada de Novembro de 2018, a sociedade Ré decidiu por acordo com a Autora entregar a esta as viaturas identificadas nas alíneas b) e r). 
ii) As cartas identificadas nas alíneas n), o), p), ee), ff) e gg) foram recebidas pela Ré AA em 7 de Setembro de 2018. jj) O requerimento de injunção foi entregue no Balcão Nacional de Injunções no dia 12 de Setembro de 2022.
*
Por sua vez, não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
 

a) A Autora “A..., Sucursal em Portugal”, representação permanente da sociedade Francesa “A..., S.A.”, integrou, por escritura de fusão transfronteiriça, outorgada em 28 de Novembro de 2016, em cartório notarial ..., a sociedade “Banco 1..., S.A.”, anteriormente denominada “Banco 2..., S.A.”. 

b) A Autora celebrou com os Réus “B..., Lda”, AA e BB os acordos a que se referem os documentos identificados nas alíneas a) a m) e q) a dd) dos factos provados. 

c) A entrega mencionada na alínea hh) dos factos provados pressupunha a liquidação total das prestações, sendo esta um pressuposto da entrega, o que foi acordado entre a Autora e a sociedade Ré. 

d) Acordando as partes, nessa ocasião, que as prestações n.ºs 36 a 41 do acordo mencionado nas alíneas a) a m) dos factos provados e as prestações n.ºs 37 a 41 do acordo ali mencionado nas alíneas q) a dd) ficariam pagas com a entrega dos veículos de matrícula L-...... e ..-JU-... […]».
* B) - O direito:
O regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, estabelece no seu artº 7º: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”.
Atenta a Oposição de duas das Rés, o procedimento de injunção intentado pela requerente foi, como se diz no relatório da sentença recorrida, transmutado em acção declarativa de condenação;
De acordo com o art. Artigo 10.º, nº 1, do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no

 
presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
E o nº 2, do mesmo artigo estabelece: “Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Por seu turno, o nº 3 deste artº 10, preceitua: “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.”.
Também o nº 3, do artº Artigo 17.º, no regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, se preceitua: “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.”.
Quer pela remissão que se faz para a “forma de processo comum”, quer em face o regime incompleto estabelecido pelo anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, à injunção de se haja transmutado em acção declarativa, é aplicável, subsidiariamente, o Código de Processo Civil em tudo o que não seja incompatível com o regime delineado pelo referidos Decretos-Leis n.ºs 269/98. e 62/2013.
O artº Artigo 6.º, do NCPC, tratando do dever de gestão processual, preceitua no seu nº 2: “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva   ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”.
Por seu turno, o artigo 590.º do NCPC, Dispõe:
«[…] 2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho présaneador destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;

 

b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;

c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei  faça depender o prosseguimento da causa. […]»
Posto isto, atente-se no que se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/09/2020 (Apelação nº 113447/18.0YIPRT.L1-2), relatado pelo ora Cons. do STJ, Nelson Borges Carneiro:
«[…] A omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento de um articulado deficiente constitui uma nulidade processual (cf. art. 195.º, n.º 1, al. d), CPC); no entanto, esta nulidade processual só se torna patente no momento do proferimento da decisão que considera improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento na insuficiência da matéria de facto que não foi corrigida pela parte por não lhe ter sido solicitado o aperfeiçoamento do seu articulado, pelo que aquela decisão de improcedência é nula por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC). A omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal[…].
O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é, por mor do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 590º do CPCivil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional. O estrito cumprimento desse dever implica que o tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente e, mais tarde
(designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente

 
precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar essa peça processual. A omissão desse ato devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da sentença nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do CPCivil[…],[…].
Como se referiu, havendo insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (pois a petição não é inepta por falta de indicação de acusa de pedir, mas um articulado deficiente), o tribunal a quo deveria ter convidado a parte a aperfeiçoar a peça processual.
Consequentemente, a omissão de cumprimento desse dever traduz-se numa nulidade processual, porque o tribunal deixa de praticar um ato devido que não podia omitir (art. 195º, nº 1), e que acaba por ter reflexo na forma como a ação vem a ser decidida. Daí que o tribunal não podia deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta dos factos que poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar a sua peça processual.
Temos, pois, que omitindo o tribunal a quo esse convite de aperfeiçoamento, e considerando que a omissão desse ato devido influiu no exame e decisão da causa, tal implica, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 195º, do CPCivil, posto que a ação foi julgada improcedente por falta de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento desse convite. […]».
Já, referindo os vários entendimentos quanto à omissão em causa, Valter Pinto Ferreira, “in” “Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão”6 transcreve o seguinte, da autoria do Prof. Teixeira de Sousa:7 «[…] «[…] a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina […] uma nulidade processual, mas antes uma nulidade a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal», isto é, da decisão se
 
(e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte», ou, por outras palavras do Autor, em tais circunstâncias «aquela decisão de improcedência é nula por excesso de pronúncia (cf. art. 615., n. 1, al. d), CPC)».
Ora, na parte da fundamentação de facto da sentença ora recorrida diz-se: «[…] deu o Tribunal como não provado que tivesse sido a Autora a outorgante de tais contratos, conforme alegado nos 2.° e 10.° parágrafos do requerimento de injunção [alínea b) dos factos não provados], visto que daqueles contratos consta o “Banco 2..., S.A.” como locador e não a Autora (cfr. fls. 60 e 46), como acabou por ser transposto para a matéria provada em a) e q).
Concatenado com tal questão, deu o Tribunal igualmente como não provada a celebração da escritura de fusão transfronteiriça a que alude a Autora no 1.° parágrafo do requerimento de injunção [facto por demonstrar na alínea a)]. Tendo tal facto sido impugnado pelas Rés no art° 2.° da oposição e estando o mesmo controvertido, apenas mediante a junção do correspondente documento autêntico ou autenticado (artigos 369.° a 371.° do Código Civil) poderia tal facto ver-se demonstrado, não o tendo feito a Autora em audiência de discussão e julgamento, como devia (art.° 3.°, n.° 4 do Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro), ou anteriormente.
Conhecedora do carácter controvertido do facto, uma vez que foi notificada da oposição (cfr. histórico do processo visível através do sistema informático citius sob a referência n.° ...02), não apresentou a Autora a referida escritura como meio de prova, valendo aqui o princípio da auto-responsabilidade das partes, ainda para mais numa acção especial como a presente, em que prevalecem os princípios da celeridade e da simplificação processuais e em que incumbe à parte o ónus de apresentação das provas em audiência de julgamento, com vista à sua célere realização, apenas em casos excepcionais
 
sendo caucionada a suspensão da audiência (permitindo-a o art.° 4.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro, embora para a realização de diligências que se reputem indispensáveis para a boa decisão da causa, em função da prova então produzida e não para suprir a falta de diligência das partes, em especial a omissão de apresentação de documento com força probatória necessária para a demonstração dos factos alegados, sejam eles constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito). […]» (o sublinhado é nosso).
Ora, quando a Autora alega, e aí coloca a génese do peticionado contra os RR no requerimento injuntivo, a circunstância de:
 “O requerente e a sociedade requerida celebraram entre si, em 09/03/2015, contrato de locação financeira com o n.º ...62 referente ao semi-reboque da marca
SCHMITZ, modelo S01 SEMI REBOQUE, com a matrícula L-.......”, e
(…)
O requerente e a sociedade requerida celebraram entre si, em 09/03/2015, contrato de locação financeira com o n.º ...78 referente ao veículo da marca SCANIA, modelo R380, com a matrícula ..-JU-..”, deve ver-se essa alegação como fruto de uma imprecisão terminológica, como resulta da seguinte alegação que encabeça o requerimento da alegação anterior que foi a seguinte: “O requerente integrou, por escritura de fusão transfronteiriça outorgada aos 28 de Novembro de 2016, a fls.49 e seguintes, do Livro ...5 das notas do Cartório Notarial ..., sito em ..., o Banco 1..., S.A., anteriormente denominado
Banco 2..., S.A., sociedades estas que tinham o número de pessoa colectiva nº ...12.”.
Isso, aliás, será por demais evidente, face ao teor dos documentos, juntos aos autos, onde foram formalizados os contratos de locação financeira n.º ...62 e ...78, de onde consta, como locador, o “C..., S.A.”, caso devenha a provar o alegado quanto à fusão, transfronteiriça.
 
Portando, provando-se o alegado quanto à referida fusão, importará fazer uma interpretação correctiva do requerimento injuntivo quanto à identidade do locador, o que implicará a afirmação, na “pessoa” da Autora, dos putativos direitos do “Banco 2..., S.A” decorrentes dos referidos contratos de locação financeira, ainda que, por uma questão de rigor, se continue a identificar como locador, em tais contratos, o “Banco 2..., S.A.”. (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 21/06/2018, Apelação nº 3369/12.0TBVFX.L1-6)8. Não se irá discorrer quanto à essencialidade da prova documental da referida fusão para o reconhecimento do direito que a Autora aqui pretende fazer valer – para o que bastaria, aliás, fazer apelo ao exposto no referido Acórdão de 21/06/2018 – já que na sentença, expressamente, se admite essa essencialidade. Na verdade, para além daquilo que acima já se adiantou, escreveu-se na sentença:
«[…] Ora, diferentemente do alegado pela Autora, não logrou ver-se provado que tivesse sido a Autora a celebrar os referidos contratos [alínea b) dos factos não provados].
Na verdade, decorre da matéria de facto demonstrada nas alíneas a) a m) e q) a dd) ter sido o “Banco 2..., S.A.” a celebrá-los, na qualidade de locador, sendo este o sujeito contratante e tendo sido este a assumir os direitos e as obrigações decorrentes dos contratos.
Acresce que a Autora não demonstrou, como lhe competia (art.° 342.°, n.° 1 do Código Civil), ter integrado, por escritura de fusão transfronteiriça, outorgada em 28 de Novembro de 2016, a sociedade “Banco 1..., S.A.”, anteriormente denominada “Banco 2..., S.A.” [facto por provar na alínea a)]. «…]». (o sublinhado é nosso).
Ora, como decorre daquilo que mais acima foi exposto, nos preceitos dos decretos-lei 269/98 e 62/2013 - em conjugação com a interpretação que se faz do disposto no artº 590, nº 2, c) e nº 3 -, onde se diz o “…o juiz pode convidar as
 
partes…”, é de ver consagrado um dever do julgador a formular, nomeadamente, um convite à parte para juntar um documento que seja essencial à apreciação do mérito da causa.
E como parece evidente - tal como o é quanto ao convite destinado ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada – não é a circunstância de a parte estar onerada com a alegação e prova dos fatos em causa que dispensa o Juiz de proceder ao convite para a junção de um tal documento que a prova testemunhal não pode suprir.
Ora, no caso, o Mmo. Juiz – não obstante considerar essencial a junção de documento para prova da referida fusão, com evidente repercussão na decisão da causa – nunca convidou a Autora a proceder a tal junção.
Não o fez aquando do despacho de 06/12/2022, em que apenas convidou a Autora a pronunciar-se quanto às excepções do pagamento e de prescrição, nem o fez no início da audiência final, nem no fim da produção de prova que se desenrolou nessa audiência.
Ora, sendo omitido esse dever, a improcedência da acção, essencialmente, por falta de junção de documento que provasse a alegada fusão, resulta numa nulidade que se transmite à sentença, ou, se se quiser, num excesso de pronúncia da mesma (615, nº1, d), do NCPC), não ficando de parte a afirmação da existência de uma decisão-surpresa, já que nada tendo sido dito à Autora quanto à imprescindibilidade da junção do documento em causa e finalizada, na audiência final, a produção da prova testemunhal, afigura-se como natural que a Autora entendesse que só desta – e da documental já existente nos autos - dependesse a sorte da acção.
Em qualquer caso, o resultado dessa omissão, é a anulação da sentença – exceptuando os aspectos não abrangidos no presente recurso, v.g., o da litigância de má fé -, determinando-se que o Tribunal “a quo”, em prazo a fixar, convide a Autora a juntar o documento comprovativo da fusão que alegou,
 
seguindo-se, subsequentemente, nova audiência, para que, com a ponderação desse elemento, se façam alegações e, subsequentemente, se profira nova sentença.
A anulação em      causa prejudica a análise das restantes questões, designadamente, o pedido de alteração da matéria de facto. * V - Decisão:
Em face do exposto, decide-se julgar a Apelação procedente e anular, nos termos preditos, a sentença da 1.ª Instância.
 
Custas pelos Apelados (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do NCPC). […]».
*
2 - Notificadas desta decisão sumária, dela vieram reclamar para a conferência, as Apeladas, B..., LDª., e AA, sustentando, em síntese, para o efeito, que:

- Era à Autora/Apelante, que competia o ónus de provar a referida “fusão transfronteiriça”, não tendo logrado – v.g., mediante testemunhas, ou por documentos – fazer tal prova, que, nos termos do Dec. Lei 269/98, de 1/9, deveria ter sido oferecida em audiência, ónus esse que não se transmite ao julgador, sendo inaplicável, o artº
590º do C.P.C;

- O artº 423 nº1, 2 do C.P.C obsta à junção de documentos, até na própria audiência de julgamento, sendo isso apenas possível, no caso da excepção prevista no nº 3 daquele dispositivo legal.
Imputando, à decisão reclamada, a violação do disposto no artº 590º do C.P.C, assim como, no artº 3º nº 4 do Dec. Lei 269/98,

 
terminaram, pedindo que se negue provimento ao recurso e se mantenha, integralmente, a decisão da 1ª Instância.
Vejamos.
A oposição à injunção, quer se, mediante esta última, se pretenda cobrar uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a (euro) 15 000, quer, independentemente do valor, se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial, transmuta-se numa acção declarativa.
A diferença é a de que, no 1º caso, e no 2º,- neste caso, se dívida fundada em transacção comercial não tiver valor superior a 15.000,00€ -, a acção segue os termos do procedimento especial previsto nos artºs  3º 4º (“ex vi” do nº 1 do artº 17º) e 17º, nºs 2, 3 e 4, todos do anexo ao DL 269/98), enquanto que, no 2º caso, mas sendo a dívida superior a 15.000,00€, a oposição transmuta o procedimento injuntivo numa acção declarativa sob a forma de processo comum. Ora, a circunstância de a oposição à injunção, para cobrança de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a (euro) 15 000, levar à aplicação do referido processo especial, não significa que esteja excluída a hipótese do convite ao aperfeiçoamento dos articulados, previsto, aliás, no artº 17º, nº 3, do DL 269/98.
Como se diz no Acórdão da Relação de Guimarães, de 05/03/2020 (Apelação nº 3298/16.9T9VCT-B.G1 - )9: “(…) Nos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000, 00, finda a fase dos articulados, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma, prevê-se: a possibilidade de ser julgada procedente alguma exceção dilatória ou
 
nulidade ou de ser conhecido imediatamente o mérito da causa; a realização da audiência de julgamento em 30 dias, caso o processo deva prosseguir. Estas fases tabelares do procedimento especial não excluem, naturalmente, nos termos do art.549º/1 do CPC, nomeadamente:

a) A prolação, nos termos do art.152º/4 do CPC: de despachos de expediente destinados a «prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses das partes» (nos quais se pode contar o convite à prática de um ato instrumental para a requisição e produção de uma prova pedida); de despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário «que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador» (nos quais se incluem, nomeadamente, atos oficiosos relativos à produção de prova documental, pericial, inspetiva, testemunhal requisições técnicas- arts.436º, 468º/1-a), 487º/2, 490º/1, 511º/4, 601º, 604º/8 do CPC (12)). 
b) A prolação de despachos de aperfeiçoamento e de sanação de irregularidades, nos termos dos arts.6º e 590º/2 a 6 do CPC. (…)”. (itálico e sublinhados nossos).
Nos casos em que a oposição à injunção gera uma acção declarativa com processo comum, o convite a fazer tem o âmbito definido por aplicação directa do disposto no artº 590º do NCPC, não se vislumbrando, no entanto, razão, para não atender a esse mesmo âmbito, no caso do convite efectuado na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que tenha resultado da transmutação de um procedimento injuntivo, face à inexistência, no DL nº 269/98, de 01.09, de regra que defina esse âmbito.10
E não se surpreende, também, o que leva as ora Reclamantes a restringirem, a eventual admissibilidade do convite, ao aperfeiçoamento dos factos alegados pela parte11.

 
É claro que o convite à junção de documento ou ao aperfeiçoamento da alegação do articulado em causa, tem como pressuposto ser ao convidado que compete o ónus da prova dos factos alegados, pelo que não se entende o óbice que as Reclamantes suscitam ao referirem-se ao ónus da prova do Apelante.
Por outro lado, o convite que o Tribunal haja omitido anteriormente e que, no entanto, lhe é imposto por dever de ofício, não está sujeito aos prazos estipulados por lei – v.g., para a junção de documentos - para a parte a quem o convite é endereçado.
Falece, assim, razão, às Reclamantes no apelo que fazem ao disposto no artº 423º do NCPC.
Não se vislumbrando, na reclamação em causa, fundamento que obste à decisão reclamada, concordando-se com esta, que, assim, se confirma, indefere-se tal reclamação.
*
3 - Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, indeferindo a reclamação “sub judice”, manter a decisão sumária do Relator 
*
Custas da reclamação, pelas Reclamantes (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, “in fine”, todos do NCPC).
 
5/3/202412
 
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(Cristina Neves)
(Sílvia Maria Pereira Pires)
 
 
                                                 
1 As “notas de fim” do texto da decisão reclamada, constarão, aqui, juntamente com as notas deste Acórdão.
2 Salvaguardando-se os casos em que esta última sigla seja transcrita de outro texto em que seja utilizada para referir já o novo código.
3 Na presente decisão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, porém, em caso de transcrição, a grafia do texto original.  
4 Transcrição de extracto do relatório da sentença recorrida.
5 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
6 “In” JULGAR Online, Janeiro de 2020, págs.  5 e 6.
7Cfr. «A consequência da omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento», in Blog do IPCC, publicação de 19-01-2015, “in”
https://blogippc.blogspot.com/2015/01/a-consequencia-da-omissao-do-conviteao.htm.
8 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase. 
9 Os Acórdãos e decisões sumárias dos Tribunais da Relação, que sejam citados sem referência de publicação, poderão ser consultados: 
- Os da Relação de Coimbra, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase; 
- Os da Relação do Porto, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase; 
- Os da Relação de Évora, em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase;
- Os da Relação de Guimarães, em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase
10 Referindo o disposto no artº 590º no NCPC, em casos em que a injunção se transmutou em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, cfr., entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 10/11/2016, Apelação nº 169194/13.5YIPRT.G1 e o Acórdão da Relação de Évora, de 22/10/2015, Apelação nº 29384/14.1YIPRT.E1.

11 Cfr., quanto à junção de documento, o Acórdão da Relação de Évora, de 14/01/2021, Apelação nº 1544/18.3T8STR.E1.

12 Processado e revisto pelo Relator.