Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO ILÍCITO PERDA DO LOCAL DE TRABALHO TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PRESSUPOSTOS DEDUÇÃO SALARIAL | ||
Data do Acordão: | 03/15/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 390.º, N.º 2, AL.ªS A) A C), DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – Para que se verifique transmissão do contrato de trabalho nos termos da Cl.ª 15.ª do Contrato Coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outra, é necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: - a perda do local de trabalho por parte da empresa a que o trabalhador se encontrava vinculado; - a afetação do trabalhador a esse local de trabalho; - a transmissão desse mesmo local de trabalho para uma outra empresa prestadora de serviços; - que o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias. II – Esta Cl.ª visa tutelar, não a mera afetação de uma atividade a um local, mas o local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, ou seja, a prestação de trabalho em determinado espaço físico e o local de trabalho. III – A dedução nos salários intercalares das importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato de trabalho que não receberia se não fosse o despedimento não é de conhecimento oficioso, cumprindo ao empregador alegar e provar esse recebimento para que na ação declarativa seja ordenada a dedução. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação 2313/23.4T8CBR.C1
Relator: Felizardo Paiva. Adjuntos: Paula Roberto. Mário Rodrigues da Silva
*************** Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A. pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e a consequente condenação da ré na sua reintegração ou no pagamento de indemnização de antiguidade, salários intercalares, compensação por danos morais e créditos laborais que discrimina, acrescidos de juros de mora. Alega, no essencial, que desde 24 de setembro de 2001 desempenhou funções de técnica administrativa, sob as ordens, direção e fiscalização das empresas concessionárias que sucessivamente assumiram os serviços de limpeza das sete unidades que compõem o CHUC; em 1 de fevereiro de 2021 o seu contrato de trabalho foi transmitido para a ré e em 31 de maio de 2022 a ré perdeu a concessão para a B.... Não trabalhava no local que foi objeto da transmissão para a B... e após o dia 31 de maio de 2022 a ré recusou-se a dar-lhe trabalho e a reconhecê-la como sua trabalhadora, o que consubstancia um despedimento ilícito. + Na diligência conciliatória da audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar, o que esta fez, defendendo-se por exceção e impugnação. Excecionando, invoca o abuso de direito. Impugnando, rejeita a ocorrência do despedimento, sustentando que se verificou a transmissão do contrato de trabalho da autora para a B..., porque a sua atividade estava totalmente afeta ao mesmo local de trabalho. *** II. Dispensada a realização da audiência prévia, prosseguiram os autos sem fixação dos temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença, em cuja parte dispositiva se lê: “Julgo ação parcialmente procedente e: I- Declaro ilícito o despedimento de que AA foi alvo por parte da A..., S.A., com efeitos a 1 de junho de 2022; II - Condeno A..., S.A. a pagar a AA, as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, vencidos desde 17 de abril de 2023 até ao trânsito em julgado da presente sentença, no valor unitário de €794,00, acrescidas dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento, descontado do subsídio de desemprego atribuído à autora neste período e que a ré deverá entregar à segurança social; III- Condeno A..., S.A. a pagar a AA, a quantia de €794,00, por cada ano completo ou fração, a título de indemnização de antiguidade, desde 24 de setembro de 2001 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento; IV - Condeno A..., S.A. a pagar a AA, a quantia de €2.385,65, acrescida dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento; V- Absolvo A..., S.A. do restante peticionado por AA;” *** III – Inconformada veio a ré apelar alegando e concluindo: (…). Termos em que deve, com o douto suprimento de Vossas Excelências, atentas as razões e fundamentos expostos, ser dado ao provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão quanto à consideração de que se verificou o despedimento ilícito da Recorrida, com todas as consequências daí resultante, bem como, caso assim não se entenda, sempre deverá ser revogada a decisão recorrida na parte em que ordena o pagamento das retribuições intercalares até ao trânsito em julgado sem dedução das quantias auferidas em razão da cessação do contrato de trabalho celebrado, em violação do disposto no artigo 390º do CT. + Contra-alegou a recorrida alegando. - Que não integrou, por falta de cumprimento dos pressupostos legais, o grupo de trabalhadores da recorrente que viram os seus contratos transmitidos. - A cessação contratual configura-se como um despedimento ilícito. - Não há algum facto provado no processo sobre o recebimento de importâncias pela autora após o despedimento. - Apenas se provou que celebrou um contrato de trabalho a 1 de novembro de 2022. - Por isso, nenhuma dedução há a fazer ou a ordenar aos salários intercalares devidos. + O Exmº PGA emitiu longo e fundamentado parecer no sentido. a) Da não verificação da transmissão do contrato porquanto “o local de trabalho da Recorrida deixou de ser nas instalações do HUC, onde, desde 24 de maio de 2001 desenvolvia a sua atividade inerente à categoria profissional de técnica administrativa, passando, desde 1 de fevereiro de 2021, a exercer funções nos escritórios da Recorrente, em local diferente, situação que se manteve por mais de um ano, até 31 de maio de 2022. Mesmo que se perfilhe a tese da Recorrente, certo é que não ficou provada (cfr ponto 11º dos factos não provados) a sua alegação de que a atividade da Recorrida, ainda que desenvolvida fora do HUC, estava, porém, totalmente afeta ou adstrita a esse local de trabalho, ou seja, ao HUC (…) face à matéria de facto fixada na sentença, afigura-se que não ficou sequer demonstrado que, desde 1 de fevereiro de 2021 e até 31 de maio de 2022, e enquanto nos escritórios da Recorrente, a recorrida desenvolveu atividade totalmente adstrita aos HUC, local de trabalho objeto de transmissão para a sociedade “B...”. b) Mas que “…Tendo ficado provado, pois, que no período previsto na al. a) do n.º 2 do art. 390º do CT a recorrida auferiu importâncias (ao serviço da “B...”) que não teria auferido se não fosse o despedimento, impunha-se ao Tribunal a quo a determinação da dedução nas retribuições intercalares da Autora, não só daquelas importâncias, mas também de todas as demais importâncias que viesse a auferir no período em causa, ao serviço de quaisquer entidade empregadoras, quantias essas a liquidar em execução de sentença (porquanto só possíveis de determinar, com rigor, após o trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento)”. Pelo que é do parecer que a apelação deve ser julgada parcialmente procedente. + Corridos os vistos legais cumpre decidir. *** IV – Da 1ª instância vem provada a seguinte factualidade: 1.º A ré, denominada até 20 de maio de 2021 de C..., S.A., dedica-se, entre outras, à atividade de prestação de serviços de limpeza e higienização em quaisquer edifícios e/ou equipamentos industriais; 2.º Desde 24 de setembro de 2001, a autora desempenhou funções inerentes à categoria profissional de técnica administrativa sob as ordens, direção e fiscalização das empresas sucessivamente concessionárias, via Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SHUC), dos serviços de limpeza das sete unidades que compõem o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC), entre os quais o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) e que foram transmitindo o seu estabelecimento ou serviço, em cada unidade, ao novo concessionário, a cada cessação da sua concessão, assim se tendo transmitido também o contrato de trabalho da autora, com todos os direitos anteriores, nomeadamente, o da antiguidade; 3.º Em janeiro de 2021 a concessionária dos serviços de limpeza das várias unidades do CHUC era a empresa D..., S.A., integrando a autora os seus quadros na sequência das transmissões anteriormente referidas; 4.º Nessa altura, a autora trabalhava para a D..., nas instalações do HUC, sitas na Praceta ..., ..., ..., aí se situando o seu local de trabalho; 5.º Competia à autora fazer todo o trabalho administrativo necessário e correspondente aos trabalhadores de limpeza de todas as sete unidades da concessão, nomeadamente, o de compilação e controle dos dados que lhe eram feitos chegar, normalmente por e-mail, ou telefone, pelos respetivos encarregados, para processamento dos salários, assiduidade e outros, incluindo a validação diária das horas de trabalho do pessoal em cada unidade; 6.º Em 1 de fevereiro de 2021, a D... subconcessionou a sua concessão em curso à sociedade C..., ora ré A..., para esta transmitindo os estabelecimentos e os serviços de limpeza nas instalações do CHUC, incluindo os do HUC, no piso -4 do edifício hospitalar e os contratos de trabalho dos trabalhadores, nomeadamente, o da autora, mantendo-se todos os direitos anteriores, como o valor da retribuição e antiguidade; 7.º Nessa altura a ré mudou a autora de local de trabalho, a qual passou a exercer as suas funções administrativas nos escritórios da ré sitos na Avenida ..., ..., em ..., facultando-lhe as chaves de acesso às instalações; 8.º A ré emitiu e entregou à autora a declaração, datada de 15 de janeiro de 2021, junta a fls. 14 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, através da qual permite a circulação da autora da sua residência para o local de trabalho sito na Avenida ..., ..., em ..., durante o período de confinamento imposto pela pandemia de Covid 19; 9.º Em 5 de fevereiro de 2021, C... e autora subscreveram o documento intitulado de Acordo de Teletrabalho junto a fls. 34 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos do qual consta, designadamente: Atendendo a que: II-Não obstante o fim da obrigatoriedade de execução da atividade profissional em regime de teletrabalho, as partes acordam que a segunda outorgante preste a sua atividade em regime de teletrabalho, nos termos do disposto no art.º 167.º do Código do Trabalho; III-Ambas as partes pretendem manter o contrato de trabalho em vigor e, face ao suprarreferido, acordam no seguinte: 1.A segunda outorgante tem a categoria de técnica administrativa, sendo o seu local de trabalho nas instalações do HUC sito na Praceta ..., ... ...; 2.As partes acordam que a segunda outorgante preste o seu trabalho em regime de teletrabalho. Devendo prestar as funções que lhe correspondem e que estão expressas no contrato de trabalho (…); 10.º Desde 1 de fevereiro de 2021 até 31 de maio de 2022, a autora prestou presencialmente o seu trabalho nos escritórios da ré sitos na Avenida ..., ..., em ..., com raras exceções em teletrabalho, por imposição das regras da pandemia da Covid-19; 11.º Desde 1 de fevereiro de 2021 até 31 de maio de 2022 a autora não trabalhou nas instalações do HUC; 12.º No dia 20 de maio de 2022, a ré remeteu à autora e restantes trabalhadores, que o rececionaram, o email intitulado de Perda de local de Trabalho/Novo Empregador, junto de fls. 12 verso a 13 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, mediante o qual informa, nos termos e para os efeitos previstos na cláusula 15.ª do Contrato Coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS - e Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Domésticas e Atividades Diversas- STAD e outra, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 2, 15/1/2020 e da Portaria n.º 72/2020, de16 de março, que: » no dia 31 de maio de 2022 a A... cessará a prestação de serviços de limpeza nas instalações do HUC; » a partir de 1 de junho de 2022 o vínculo laboral que os trabalhadores de serviços de limpeza das instalações do HUC mantinham com a A... será assumido pela empresa B..., S.A.; » a B..., S.A. assumirá a posição de entidade empregadora, mantendo os trabalhadores todos os seus direitos, regalias e antiguidade decorrentes dos contratos de trabalho em vigor entre eles e a A...; 13.º Após receção do mail referido em 12.º e na sequência de indicações da ré, a autora apresentou-se no dia 1 de junho de 2022 nas instalações reservadas no HUC para as empresas do serviço de limpeza, agora ocupadas pela B... S.A.; 14.º A autora esteve aí todo o dia, sem fazer nada, tendo-lhe dito a B... que não a aceitava como sua trabalhadora e que aceitou a transmissão dos restantes contratos; 15.º Seguidamente, a autora contactou telefonicamente a ré para ser esclarecida da situação, tendo esta mantido que o seu contrato, como os das outras trabalhadoras, se transmitira para a B..., sua nova entidade patronal; 16.º Face a esta resposta, a autora continuou a apresentar-se nos dias seguintes nas instalações reservadas no HUC para as empresas do serviço de limpeza, mas a posição da B... não se alterou, não lhe dando trabalho e não a reconhecendo como sua trabalhadora; 17.º A B..., S.A. remeteu à autora, que a rececionou no dia 14 de junho de 2022, a carta datada de 7 de junho de 2022, junta fls. 15 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente: (…) No seguimento da transferência efetuada pela empresa A..., referente ao quadro de pessoal do cliente Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, a B... S.A. informa-a da recusa da transmissão da sua posição contratual no contrato individual de trabalho, dado que, comprovadamente, não exercia a sua atividade de administrativa no local objeto da transmissão, não estando, portanto, afeta à prestação de serviço de limpeza de que aqui se trata (…); 18.º A B..., S.A. remeteu à autora, que a rececionou, a carta datada de 21 de junho de 2022, junta fls. 15 verso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente: (…) No seguimento da sua missiva, a qual mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos informar V. Exa. que a ora respondente reitera a sua posição. De facto, está esta empresa estribada de elementos/testemunhos corroborantes de que a D. AA não estava a exercer a sua atividade de administrativa no local objeto da transmissão, não estando, portanto, afeta à prestação de serviço de limpeza de que aqui se trata. Mais nos foi reportado que v. Exa. estava a desempenhar o seu serviço nas instalações da C... em ... (…); 19.º A autora remeteu à ré, que a rececionou no dia 22 de junho de 2022, a carta datada de 20 de junho de 2022 junta a fls. 16 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente: (…) Recebi a comunicação de V.s Ex.cias sobre a transmissão do estabelecimento sito nos CHUC e apresentei-me ao serviço no dia 1 de junho, mas a transmissária B... não aceita a transmissão do meu contrato de trabalho, conforme comunicação escrita que me enviou, datada de 7 de junho, que se transcreve na parte que interessa: Na sequência da transferência efetuada pela empresa A...…, informa-a da recusa da transmissão da sua posição contratual no contrato individual de trabalho, dado que, comprovadamente, não exercia a sua atividade de administrativa no local objeto da transmissão, não estando, portanto, afeta à prestação de serviço de limpeza de que aqui se trata. Solicito, pois, que V.s Ex.cias tomem posição e esclareçam, se necessário com a B..., caso a mesma nada vos tenha comunicado, a situação, pois não posso e não aceito ser prejudicada nos meus direitos (…); 20.º Em resposta à carta referida em 19.º, em 27 de junho de 2022 a ré remeteu à autora, que o rececionou, o email junto de fls. 17 a 17 verso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos do qual consta, designadamente: (…) Acusamos a receção da V. carta a qual mereceu a nossa melhor atenção e, relativamente à qual somos a esclarecer o seguinte: Na sequência da adjudicação do serviço de limpeza no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra à B..., a A..., S.A. comunicou a lista dos trabalhadores a prestar serviço no local onde V. Exa. se inclui e que foram objeto de transmissão, nos termos e em cumprimento da cláusula 15.ª da CCT aplicável ao sector, publicado no BTE n.º 2, de 15.01.2020. Com a comunicação da lista dos trabalhadores a prestar serviço no local, a transmissão opera-se automaticamente, pelo que V. Exa. passou a ser trabalhadora da nova empresa B..., deixando de ser trabalhadora da A..., S.A.. Não obstante a B... ter comunicado não aceitar a transmissão de v. Exa. já tivemos oportunidade de esclarecer à referida empresa que o local de trabalho sempre foi como é no CHUC, pelo que não existe fundamento para a alegada recusa da sua transmissão. Assim, sendo V. Exa. trabalhadora da B... deverá apresentar-se no centro hospitalar ao qual está afeta para prestar trabalho. Caso lhe seja recusado o acesso, deverá recorrer aos meios judiciais ao seu dispor para demandar a sua entidade patronal B... a retomar a prestação do seu trabalho (…); 21.º Apesar de todas as tentativas da autora junto da ré, inclusive através do seu advogado, para que esta mantivesse o seu contrato de trabalho e resolvesse o assunto, face à recusa da transmissão pela B..., a ré manteve sempre a sua posição de que o contrato de trabalho da autora cessara entre ambas, com efeitos a partir de 1 de junho de 2022; 22.º Quando a autora trabalhou presencialmente nas instalações do HUC, até janeiro de 2021, o seu trabalho abrangia a atividade de todos os trabalhadores das sete unidades da concessão dos serviços de limpeza no CHUC, sendo o conjunto do trabalho referente às outras seis unidades maior que o do HUC, a eles dedicando a maior parte do seu tempo; 23.º Ao serviço da ré a autora auferia retribuição mensal base de €770,53; 24.º A ré não pagou à autora 18 dias de férias e respetivo subsídio referente ao ano de 2022; 25.º No dia 24 de junho de 2022, a autora foi assistida nos serviços de urgência de psiquiatria do HUC e foi-lhe diagnosticado estado de ansiedade, apetite diminuído e sono não reparador e hoje, episódio de elevação marcada dos níveis de ansiedade, nos termos que constam do diário clínico junto a fls. 18 verso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos; 26.º Foi-lhe ministrado Alprazolan 0.5mg po. tendo acalmado e ficado em estado de sonolência; 27.º Foi-lhe dada alta, proposta a reavaliação no âmbito dos cuidados de saúde primários e receitado Alprazolan 0.25 mg, em SOS em caso de crise de ansiedade ou insónias; 28.º A autora esteve incapacitada temporariamente para o trabalho nos seguintes períodos: » de 27 de junho a 1 de julho de 2022; » de 5 a 16 de julho de 2022; » de 17 a 29 de julho de 2022; » de 30 de julho a 28/8 de 2022; 29.º Em 1 de novembro de 2022 autora e B... celebraram contrato de trabalho; 30.º A autora nasceu em ../../1965; * Factos não provados: Não se provaram os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito da causa: 1.º A autora apresentou queixa na ACT para que interviesse no sentido de assegurar a manutenção do seu contrato de trabalho; 2.º A autora temeu não mais reentrar no mundo do trabalho e, por isso, e por todos os factos ocorridos, entrou em completa instabilidade emocional, num quadro depressivo que a levou a ter de se socorrer de serviços médicos e a ser medicada; 3.º Durante os períodos de incapacidade temporária para o trabalho, a autora padeceu de quadros de ansiedade e insónias e tomou os medicamentos receitados, evoluindo positivamente muito devagar; 4.º A autora, dantes alegre e bem-disposta, bem inserida na atividade social e profissional, perdeu o interesse pelo convívio social, dele se afastando, passou a reagir mal às contrariedades e ora se irritava com facilidade, ora ficava repentinamente apática; 5.º A sua instabilidade emocional agravava-se, ainda, pela perceção de que o seu comportamento provocava no marido e familiares apreensões sérias quanto à sua saúde e dificuldade de recuperação, desestabilizando-os também; 6.º A autora começou a prestar serviço, ainda que intercalando com a situação de teletrabalho, nas instalações sitas na Avenida ..., por estritas razões de necessidade de serviço; 7.º Por questões práticas e logísticas, tanto a autora como a ré entenderam que a prestação de funções pela autora deveria ocorrer em local diverso daquele que era o local adstrito a todos os seus colegas; 8.º A prestação de trabalho da autora em local diverso dos colegas era aconselhável por forma a acautelar a saúde da autora em tempo de pandemia; 9.º A autora manifestou o interesse de não voltar a prestar serviço no HUC, junto aos seus colegas, por se sentir deslocada em relação aos restantes porque desempenhava, sozinha, uma função completamente diferente; 10.º A autora transmitiu aos responsáveis da ré este seu descontentamento e a necessidade de ser gerido algum mau estar provocado pela relação entre trabalhadores; 11.º A atividade da autora era totalmente adstrita ao HUC; 12.º A autora desempenha para a B..., no HUC, as mesmas funções administrativas que anteriormente desempenhava para a ré; **** IV – Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objeto do recurso, importa no caso em apreciação decidir se: 1 Se a perda do local de trabalho por parte de uma entidade empregadora e a sua substituição por outro prestador de serviços que passou a assegurar a atividade que vinha sendo assegurada pelos trabalhadores afetos a esse local, implica a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores para a nova entidade que ficou com esse local de trabalho. 2. Tendo ocorrido um despedimento ilícito se deve, de acordo com o disposto no artº 390º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho, ser determinada a dedução, nas retribuições intercalares, das importâncias que a recorrida possa ter auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento
Da perda do local de trabalho/transmissão do contrato: A questão em epígrafe prende-se com a interpretação dar à Clª 15ª do Contrato Coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outra, publicado no BTE n.º 2, de 15 de janeiro de 2020, com Portaria de Extensão n.º 72/2020, de 16 de março. Reza assim a citada cláusula: (Perda de um local de trabalho ou cliente) 1-A perda de um local de trabalho por parte da entidade empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento; 2- Considera-se perda de um local de trabalho a substituição do empregador por outra entidade, seja o próprio utilizador, seja outro prestador de serviços, que passe a assegurar, total ou parcialmente, a atividade que vinha sendo assegurada pelos trabalhadores do empregador afetos a esse local, seja a iniciativa da cessação do contrato de prestação de serviços da entidade empregador, do utilizador do serviço ou de ambos; 3- Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade que, nos termos do número 2, passar a assegurar a atividade do empregador, obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço; 4- (..) 5- Para os efeitos do disposto no número 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho: a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há menos de 120 dias; (…)
E a cláusula 13ª do mesmo CCTª define o local de trabalho nos seguintes termos: 1-O local de trabalho é o geograficamente convencionado entre as partes para prestação da atividade do trabalhador; 2- O local habitual de trabalho é onde deve ser realizada a prestação de acordo com o estipulado no contrato e onde, em concreto, o trabalhador executa a sua atividade, com caráter de estabilidade; (…) Como se refere na sentença, “vem sendo entendimento jurisprudencial dominante, a referida cláusula 15.ª visa fundamentalmente o objetivo de assegurar aos trabalhadores as maiores possibilidades de manutenção do seu emprego e a necessária estabilidade do seu local de trabalho, ou seja, a manutenção do seu posto de trabalho no mesmo local onde o executam, atentas as contingências da atividade em causa. Mais visa garantir a viabilidade das empresas do sector (…)”. (…) Já no que concerne ao trabalhador a aludida cláusula pretende, principalmente, proteger o seu emprego num local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, estando, pois, em causa a prestação de trabalho em determinado espaço físico”. Ora, no caso, em face da factualidade provada, conforme também se refere na sentença, não se encontram verificados os requisitos dos quais depende a transmissão dos contratos de trabalho, a saber: - a perda do local de trabalho por parte da empresa a que o trabalhador se encontrava vinculado; - a afetação do trabalhador a esse local de trabalho; - a transmissão desse mesmo local de trabalho para uma outra empresa prestadora de serviços; - que o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias; Com efeito, resulta dos autos que a autora trabalhava para a D... (antecessora da ré), nas instalações do HUC, sitas na Praceta ..., ..., ..., aí se situando o seu local de trabalho Após a D... ter subconcessionado a sua concessão à sociedade C..., ora ré A..., para esta transmitindo os estabelecimentos e os serviços de limpeza nas instalações do CHUC, a ré A... mudou a autora de local, passando aquela a exercer as suas funções administrativas nos escritórios da ré sitos na Avenida ..., ..., em ..., tendo-lhe sido facultado as chaves de acesso a essas instalações e nas quais passou, desde 1 de fevereiro de 2021 até 31 de maio de 2022, a prestar presencialmente o seu trabalho. Considerando a factualidade provada, e também a não provada, temos de concluir, com concluiu a 1ª instância que “não se mostram preenchidos os requisitos exigidos pela cláusula 15.ª do CCT aplicável para que ocorresse a transmissão da posição contratual da autora, da ré para a B..., designadamente: - a vinculação/afetação da autora ao local de trabalho que a ré perdeu porque a ré perdeu as instalações do HUC e a autora trabalhava nos seus escritórios sitos na ...; - a transmissão do local de trabalho para outra empresa prestadora de serviços porque a ré transmitiu para a B... os serviços de limpeza das instalações do HUC e a autora prestava funções administrativas nos escritórios da ré sitos na ...; - o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias porque, ao serviço da ré, a autora nunca trabalhou nas instalações do HUC; Alega a ré recorrente que a atividade da autora era totalmente adstrita ao HUC, estando totalmente afeta ao mesmo local de trabalho. Ora, como se assinala na sentença não se provou que a atividade da autora era totalmente adstrita ao HUC (ponto 11.º dos factos não provados, que não foi impugnado) e “ (…) principalmente, porque o que se visa tutelar com a cláusula 15.ª do CCT aplicável não é a mera afetação de uma atividade a um local, mas o local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, ou seja, a prestação de trabalho em determinado espaço físico e o local de trabalho, com este enfoque, nunca foi para a autora as instalações do HUC enquanto se manteve ao serviço da ré”. Não se verificando transmissão nos termos da citada Clª 15ª, a não atribuição de trabalho à autora desde 1 de junho de 2022, consubstancia uma declaração de despedimento ilícito, por carecer de justa causa que o justifique e não estar precedido de processo disciplinar, conclusão que a recorrente não contesta caso se venha a decidir, como agora se decidiu, inexistir transmissão da posição contratual para a B....
Da dedução nos salários intercalares: A propósito desta questão lê-se na sentença impugnada que “ao montante que vier a ser apurado será deduzido o subsídio de desemprego atribuído à autora, devendo a ré entregar essa quantia à segurança social (art.º 390.º, n.º 2, al. c) do CT), porquanto esta dedução deve ser oficiosamente determinada como supra se deixou expresso. Mas não serão deduzidas as importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (art.º 390.º, n.º 2, al. a) do CT), porquanto a ré não peticionou esta dedução e a mesma não é oficiosa como supra se deixou expresso”. Entende a recorrente que deve ser ordenado na sentença a dedução destas importâncias, Decidindo. É jurisprudência consolidada que a dedução no montante dos salários intercalares das importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento não é de conhecimento oficioso. Pese embora o esforço argumentativo quer da recorrente quer do Srº PGA, continuamos a entender que inexistem razões para divergir da consolidada e “avassaladora” jurisprudência produzida no sentido das deduções não serem de conhecimento oficioso, salvo no que respeita ao subsídio de desemprego. Para além do mais, razões de uniformidade assim o reclamam. A título meramente exemplificativo cita-se o Ac. do STJ de 17.03.2022. p. 16995/17.2T8LSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se lê que “(…), da dedução nos salários intercalares de importâncias auferidas pelo trabalhador com cessação do contrato de trabalho, determina o artigo 390º, nº 2, al. b) do Código do Trabalho que às retribuições que o trabalhador tem direito a receber em caso de despedimento ilícito, se deduzem “as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato de trabalho que não receberia se não fosse o despedimento”, importâncias que, no dizer de Pedro Furtado Marins, Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efetiva, 1992, pág. 130, compreendem apenas as “auferidas em atividades cuja execução tenha sido tornada possível em virtude da exoneração do dever de prestar trabalho, consequência do afastamento compulsivo do trabalhador da empresa”, ou, segundo Romano Martinez, ob. citada, pág. 1017, a dedução só se verifica na eventualidade de se concluir que o montante a deduzir não teria sido recebido pelo trabalhador se tivesse continuado a cumprir o contrato de trabalho. O acórdão recorrido apreciou esta questão e, considerando que nada se apurou quanto a tais importâncias, concluiu que apenas havia lugar a ordenar oficiosamente a dedução das quantias que a autora haja recebido a título de subsídio de desemprego. Inscreve-se este entendimento, fundado na falta de prova do facto em causa, na jurisprudência deste Supremo Tribunal que, como se afirma no acórdão de 12.4.2012, Procº 176/1998.L1.S1, “tem vindo a orientar-se, há já algum tempo e de modo uniforme, no sentido de que aqueles ónus recaem sobre o empregador (cf., entre outros, os acórdãos de 20 de Setembro de 2006, Processo n.º 899/06, de 14 de Dezembro de 2006, Processo n.º 1324/06, de 12 de Julho de 2007, Processos n.os 4104/06 e 4280/06, de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 457/08, e de 25 de Março de 2010, Processo n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1, todos da 4.ª Secção)”, devendo, por regra, ser suscitada na ação declarativa” Na verdade, é sobre a Ré empregadora que incumbia o ónus de alegação da obtenção por parte da Autora de rendimentos do trabalho, a deduzir nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu. Mas, no caso, alega a recorrente que, apesar de não ter formulado um pedido de dedução, alegou e ficou provado que a recorrida celebrou novo contrato de trabalho em 1 de novembro de 2022 com B... (cfr. ponto 29 dos factos provados), pelo que nada obstava a que fosse ordenada a dedução. Decidindo: É verdade que está provado que a autora celebrou em 1.11.2022 um contrato de trabalho com a B.... Mas uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes. Ou seja, desconhece-se se, apesar da celebração do contrato, se a recorrida auferiu quaisquer importâncias (e pode muito bem não ter recebido pelas mais variadas razões) donde, não tendo a ré conseguido provar o recebimento pelo A. de quaisquer importâncias, não deve fazer-se operar a dedução[1]. Com respeito pela opinião contrária, também aqui a apelação improcede. *** V – Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da decisão impugnada. *** Custas a cargo da recorrente. *** Sumário: (…). * Coimbra, 15 de março de 2024 * (Joaquim José Felizardo Paiva) (Paula Maria Mendes Ferreira Roberto (Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)
[1] Um caso similar foi neste sentido decidido no Ac do STJ 27.06.2012, p 493/06.0TTBCL.P2.C1 (Cons. Pinto Hespanhol), consultável em www.dgsi.pt. |