Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA REQUERIDA POR CREDOR NATUREZA E FINALIDADE DO PROCESSO ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO INTERESSE EM AGIR | ||
Data do Acordão: | 03/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 334.º DO CÓDIGO CIVIL, 1.º, N.º 1, E 20.º, N.º 1, DO CIRE | ||
Sumário: | I – Não revestindo o processo de insolvência a natureza exclusiva de “processo de partes”, encontra-se arredado o abuso do direito quando este se centre exclusivamente na ponderação da relação dual (credor requerente-devedor) e nas coevas incertezas relativamente à existência/extensão do crédito respetivo, não estando a legitimidade formal e substancial do pedido de insolvência dependente do prévio esgotar da discussão entre ambos acerca do pagamento/existência do crédito invocado. II – Não compete ao tribunal substituir-se ao Requerente quanto à avaliação das consequências da declaração da insolvência no sentido de apreciar, no confronto com a ação executiva em curso, se lhe é ou não mais vantajosa. III – O interesse acautelado na ação da insolvência é o do interesse da globalidade dos credores, e, consequentemente, o interesse em agir não pode ser aferido com o fundamento em como a insolvência não tutela de forma acrescida a situação jurídica que o Requerente atualmente dispõe. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 3020/23.3T8VIS.C1 Juízo de Comércio de Viseu – Juiz 2 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório A..., Lda., NIPC ...08, com sede na Av. ..., ... requereu, com os fundamentos que constam da sua petição, a declaração de insolvência de AA, residente na Quinta ..., ..., .... * O Requerido deduziu oposição, sustentando, ao demais, o abuso do direito na pretensão de insolvência. * A 05.12.2023 foi proferida decisão (ref. 94316414) na qual se determinou a absolvição da instância por parte do Requerido, considerando-se que “a instauração da presente ação acaba por corresponder a um exercício abusivo do direito de requerer a insolvência, por serem excedidos manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do Código Civil), por, de alguma forma, se quererem resolver questões relativas ao litigio existentes entre as partes sobre o contencioso societário sem previamente se esgotar, pelo menos, a questão do pagamento do crédito, e, bem assim, pela instauração do processo não representar qualquer forma de tutela do direito da requerente, não tendo utilidade para a mesma”. * O Requerente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever: ”1.ª Com o presente recurso impugna-se o douto despacho de 05 de Dezembro de 2023, referência Citius 94316314, apenas na parte em decidiu julgar procedente a exceção de abuso de direito e absolver da instância o Requerido AA – ponto 2 da decisão página 11 a 16 -, pois que ao ter decidiu como decidiu, nesta parte, enferma do vicio de violação de lei, por incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3.º, artigo 20.º, n.º 1., al., a), b), e) e i) do C.I.R.E, art. 334.º do Código Civil, art. 576.º, n.º 2 e 278.º., n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil. 2.ª Temos por certo, que uma correcta interpretação e aplicação destes dispositivos legais, impunha que o douto Tribunal a quo considerasse que a Recorrente tinha e tem legitimidade enquanto credora do Requerido, de um crédito reconhecido judicialmente, para pedir a insolvência deste, e por isso tinha e tem interesse em agir, não actuando em abuso de direito, não obstante ter pendente processo executivo e acção de impugnação de amortização de quotas, pois que, foi invocado em sede de PI, a verificação de outros factos-índice de insolvência que não o previsto na al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, mormente, dividas fiscais em execução; e a acção de impugnação de amortização de quotas não foi julgada causa prejudicial ou suficiente para absolver o Requerido da instância – ponto 1.4 do despacho recorrido. 3.ª E por conseguinte, impunha-se que o douto Tribunal a quo decidisse de mérito dos presentes autos. 4.ª Não se aceitando assim, a douta decisão recorrida quando aduz “Acresce que, apesar da requerente invocar a alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, não resulta demonstrado, como impõe esta disposição, que a insuficiência de bens penhoráveis já foi verificada no processo executivo, sendo certo que nada obstará a que a requerente liquide a parte ilíquida da condenação. Resulta, assim, que, na situação atual, em que está pendente, por um lado, ação onde se discute a validade da amortização das quotas do requerido - o que, além do mais, poderá ter influência quanto ao respetivo valor-, por outro lado, processo onde está em apreciação o pagamento da quantia exequenda, a instauração da presente ação acaba por corresponder a um exercício abusivo do direito de requerer a insolvência, por serem excedidos manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do Código Civil), por, de alguma forma, se quererem resolver questões relativas ao litigio existentes entre as partes sobre o contencioso societário sem previamente se esgotar, pelo menos, a questão do pagamento do crédito, e, bem assim, pela instauração do processo não representar qualquer forma de tutela do direito da requerente, não tendo utilidade para a mesma, o que determina a absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2 e 278.º., n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil). Finalmente, apesar do abuso de direito, para o que contribui a falta de interesse em agir, não existem factos suficientes que permitam considerar que a requerente litiga de má fé.” – pelo que se impugna a douta decisão nesta parte. 5.ª O CIRE estatui no seu artigo 20.º, n.º 1 do CIRE que tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor “qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito.” 6.ª A Recorrente tinha e tem legitimidade para propor a presente acção insolvência por ser credora do Requerido, de um crédito judicialmente reconhecido douta decisão transitada em julgado, proferida no processo n.º 37/08.... que correu termos no Juiz ... da Instância Central Cível do Tribunal Judicial ..., em que o Requerido condenado a pagar à Requerente: “a) €207.354,32, correspondente ao preço de 52.628 garrafas de licor; b) de €13.875,92 correspondente ao quantitativo que o R. recebeu a títulos de honorários indocumentados; c) e o valor das coimas que tenham sido ou venham a ser aplicadas na sequências dos factos apurados e cujo pagamento a A. venha a suportar.” 7.ª A Recorrente ter previamente à presente acção de insolvência, proposto o processo executivo ...2... – Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Execução - Juiz ..., contra o Requerido, onde visa a satisfação de parte do crédito que detém contra este, no montante de 222.442,35 euros (quantia referente ao ponto a) da condenação e juros), não retira legitimidade nem interesse em agir à Recorrente na presente ação, e muito menos reconduz a uma situação de abuso de direito. 8.ª Entre os bens penhorados ao Requerido, foram penhoradas duas quotas que este detinha na Requerente do Requerido, quotas estas que foram amortizadas e cuja deliberação está a ser objeto de impugnação judicial no processo n.º 1341/23.... que corre termos nos Juízos de Comercio de Viseu. 9.ª Considerando o valor da amortização a Recorrente ainda detém um crédito sobre o requerido no montante de €197.502,45, a que acresce o valor das coimas aplicadas. 10.ª Na execução foram penhorados apenas quatro imóveis que têm um valor patrimonial de €139.300,93, imóveis esses que se encontram onerados com penhoras em processos executivos que correm contra o requerido e hipoteca voluntária no valor de €280.798,65 à Fazenda Nacional e verificando-se a insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do seu crédito. 11.ª Ademais, a Recorrente é ainda credora de um crédito sobre o Requerido, referente a coimas pagas à AT, no montante de mais de 50.000,00 euros, referente à parte ilíquida da condenação naquela decisão judicial supra identificada e que não se encontra a ser no processo executivo. 12.ª Assim, salvo devido respeito, não se pode aceitar o entendimento do douto Tribunal a quo, que a Recorrente não tem interesse em agir, por ter uma execução a correr contra o Recorrido na qual goza da garantia do arresto convertida em penhora, 13.ª E que sendo declarada insolvência a Recorrente perderia o benefício da penhora, por força do artigo 140.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 14.ª Ora, a Recorrente enquanto credora, tem o direito de decidir como e por que meio satisfaz o seu crédito, ainda que isso possa ter como consequências de perca de garantias, a decisão é sua! 15.ª A Recorrente sempre teria e tem legitimidade ativa e interesse em agir, não obstante ter a correr contra o Requerido processo executivo, para cobrança de parte de créditos que detém sobre este, 16.ª Independentemente de haver bens suficientes ou não para cobrança do seu crédito, penhorados nesse processo executivo - sendo que no caso são insuficientes -, até porque alega e demonstra outros actos - índice de insolvência do art.º 20.º do CIRE, mormente dividas fiscais em execução – neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2023, Proc. n.º 1275/12.8TBACB-B.C1 in www.dgsi.pt 17.ª Efetivamente, à Recorrente impunha-se, como requerente da insolvência de um devedor, alegar e demonstrar que era credora, ónus que cumpriu. 18.ª E ao Requerido impunha-se o ónus de alegar e demonstrar a sua solvência, o que não fez, não alegando, na sua oposição, um único facto demostrativo de solvência, ao invés conclui a mesma pedindo a exoneração do passivo restante. 19.ª O douto Tribunal a quo, também na sua douta decisão de 05/12/2023 – e nessa parte nada temos a apontar - a pendente de ação onde se discute a amortização da quota que o Requerido tinha na Requerente, não é causa prejudicial, e não obsta a que nos presentes autos seja proferida decisão de mérito, tanto que quanto a esta exceção o douto Tribunal a quo entendeu não ser de absolver o Requerido da instância. 20.ª Pelo que, também não pode limita/obstar a Recorrente de propor ação de insolvência, pois que, não considerando o douto Tribunal a quo a pendencia dessa acção, facto impeditivo do conhecimento da acção de insolvência, não podia concluir que a Recorrente litiga em abuso de direito com esse fundamento. 21.ª Até, porque tal acção pode e deve continuar mesmo após a declaração de insolvência do Requerido, nos termos do disposto do artigo 85.º e ss do CIRE, 22.ª Não ocorrendo abuso do direito por parte da Recorrente, pois que não exercita o seu direito de propor a presente acção de insolvência fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. 23.ª Não existe nos presentes autos, qualquer desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, entre o exercício do direito da Recorrente e o resultado obtido, não sendo estranho ao que é admissível pelo sistema, 24.ª Nem contraria a confiança ou aquilo que o Requerido podia razoavelmente esperar, 25.ª Nem dá origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo). 26.ª É manifesto que a Recorrente não litiga em abuso de direito. 27.ª Ante o exposto, e de forma a ser feita uma correcta interpretação e aplicação dos artigos 3.º, artigo 20.º, n.º 1., al., a), b), e) e i) do C.I.R.E, art. 334.º do Código Civil, art. 576.º, n.º 2 e 278.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, deve ser revogado o douto despacho recorrido, nesta parte, e substituído por outra que decida não haver abuso de direito, nem falta de interesse em agir da Recorrente e por conseguinte, não ser de absolver o requerido da instância, determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento e prolação de sentença de mérito, com as legais consequências”. Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção prévia dos contributos e dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. II-Objeto do recurso III-Fundamentação Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade provada relevante e que os autos permitem ter por adquirida. - Duas quotas de € 12.469,95 cada, pertencentes ao Requerido; “a) € 207.354,32, correspondente ao preço de 52.628 garrafas de licor; b) de € 13.875,92 correspondente ao quantitativo que o R. recebeu a títulos de honorários indocumentados; c) e o valor das coimas que tenham sido ou venham a ser aplicadas na sequências dos factos apurados e cujo pagamento a A. venha a suportar.” * Apreciemos então as questões suscitadas
A – Da atuação do Requerente com abuso do direito Na decisão recorrida entendeu-se que “na situação atual, em que está pendente, por um lado, ação onde se discute a validade da amortização das quotas do requerido - o que, além do mais, poderá ter influência quanto ao respetivo valor -, por outro lado, processo onde está em apreciação o pagamento da quantia exequenda, a instauração da presente ação acaba por corresponder a um exercício abusivo do direito de requerer a insolvência, por serem excedidos manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do Código Civil), por, de alguma forma, se quererem resolver questões relativas ao litigio existentes entre as partes sobre o contencioso societário sem previamente se esgotar, pelo menos, a questão do pagamento do crédito”. De acordo com o disposto no art. 334.º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Acompanhando de perto o texto do acórdão deste TRC de 09.01.2017 (processo 102/11.8TBALD.C2[2]), ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante, havendo neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assunção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja desfeiteado pelo direito validamente constituído. A questão que no caso se coloca é a de saber se, estando em curso o contencioso enunciado na factualidade dada como provada - ação executiva contra o Requerido e ação intentada por este impugnando a deliberação social que procedeu à amortização das quotas do Requerido[3] - e bem assim a invocação do pagamento da dívida por parte do Requerido, está vedado à Requerente o direito a requerer a insolvência do Requerido por tal exercício constituir abuso do direito. Ora, salvaguardado o devido respeito, não se acompanha o entendimento sufragado pela primeira instância a este propósito. De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1 do CIRE a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do crédito. E, no caso, dúvidas não restam que o Requerente ostenta a qualidade de credor em crédito cuja existência foi reconhecida, com trânsito em julgado, pelo STJ, para cujo pagamento foi instaurada execução, não extinta pelo pagamento. Por outro lado, os objetivos e finalidades da insolvência não se resumem à obtenção do pagamento do crédito do credor Requerente, tratando-se de um processo de execução universal, restrito à situação em que o devedor se encontre impossibilitado de cumprir obrigações vencidas. Nas palavras felizes de Pedro de Sousa Macedo (Manual de Direito das Falências, Vol. I, pág. 218) “a insolvência é a tempestade; os não cumprimentos são os relâmpagos que assinalam a tempestade e permitem que, de longe, seja percetível”. A existência de incumprimento por parte Requerido relativamente à Requerente, materializado na execução, constitui, tão só, o “relâmpago” aparente, importando agora ao tribunal verificar se o “relâmpago” não passa de uma ilusão ótica (inexistência do crédito, como o Requerido afirma) e se a “tempestade” (insolvência) está presente. Como se refere no Ac. do TRL de 21.03.2013 “O credor que vem requerer a instância de insolvência fá-lo, não exclusivamente no interesse de satisfação do seu crédito, mas, prioritariamente, no desempenho de uma função social, dentro do pressuposto que a declaração de um estado de insolvência, quando existente, quanto mais cedo seja feita, melhor. Está em causa não a cobrança privada de dívidas – para isso o credor dispõe da execução singular - mas o despoletamento de um processo a que é atribuída uma tarefa social, comunitária, visando-se o interesse comum dos credores”. Daí que, retirada ao processo de insolvência a natureza exclusiva de “processo de partes”, afigura-se-nos arredado o abuso do direito quando este se centra exclusivamente na ponderação da relação dual (credor requerente-devedor) e nas coevas incertezas relativamente à existência/extensão do crédito respetivo[4]. Dito de outra forma; não está em causa no processo de insolvência apenas o contencioso entre a Requerente e o Requerido, sendo que a legitimidade formal e substancial do pedido de insolvência não está dependente “do prévio esgotar da discussão entre ambos acerca do pagamento respetivo”. Quanto à existência do crédito e/ou a sua extensão, o Juízo do Comércio ... fará a avaliação que a lei lhe atribui e bem assim se o Requerido se encontra ou não impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Entende-se, assim, que a Requerente ao pedir a declaração de insolvência, não atua em abuso do direito.
B – Da falta de interesse em agir Defendeu-se na decisão recorrida que o instaurar do processo de insolvência “não representa qualquer forma de tutela do direito da requerente, não tendo utilidade para a mesma”. O processo de insolvência, apresenta características próprias, estando definido no art. 1.º, n.º 1 do CIRE como “um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”. O interesse individual do credor na satisfação do seu crédito apresenta-se, neste contexto, em 2.º plano, ante o interesse superior do processo - o interesse comum dos credores. Por outro lado, não compete ao tribunal substituir-se à Requerente quanto à avaliação das consequências da declaração da insolvência, no sentido de aferir, no confronto com a ação executiva atualmente em curso, se lhe é ou não mais vantajosa. Como já atrás referido, o interesse acautelado na ação da insolvência é o do interesse da globalidade dos credores, e, consequentemente, não pode ser apreciado, como o fez o tribunal recorrido, na lógica individualística em que assentou, ou seja apoiada no fundamento em como a insolvência não tutela de forma acrescida a situação jurídica que Requerente atualmente dispõe. Assim, também aqui, se impõe a revogação da decisão recorrida.
Sumário[5]: (…).
* IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, na inexistência de abuso do direito e na não verificação de falta de interesse em agir por parte da Requerente, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos. * Custas pelo Recorrido (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 5 de março de 2024
(Paulo Correia)
(José Avelino Gonçalves) (Arlindo Oliveira)
[1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – José Avelino Gonçalves e Arlindo Oliveira [2] - Os acórdãos citados neste acórdão encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt [3] -Veja-se que a decisão recorrida não se apoia na pendência da ação de destituição da gerência. [4] Dúvidas que, pelo menos quanto à subsistência do crédito, se aparentam fáceis de remover, desde logo, ante a natureza e forma do documento em que se apoia a “prova” do pagamento. [5] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). |