Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1284/12.7TBPTM.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
NULIDADE
VÍCIOS DO ART. 410.º
N.º 2 DO CPP
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - A decisão da autoridade administrativa não é nenhuma sentença, nem se rege pelas obrigações de forma e conteúdo descritas no art.º 374.º do Código de Processo Penal, designadamente quanto à imperiosidade de fazer constar dela o elenco dos factos alegados pela impugnante e com interesse para a decisão da causa que não foram dados como provados, bem como indicar as razões da sua não prova, estando o seu conteúdo delimitado pelo art. 58.º do RGCO.

II - Os vícios do art. 410.º, n.º2 do CPP não são aplicáveis à decisão administrativa que, uma vez impugnada judicialmente, vale como acusação.

III – A simples descarga do RCD, desde que efectuada em local não licenciado ou autorizado para o efeito, constitui contra-ordenação, mesmo que o agente não abandone o RCD, isto é – e na formulação do art.º 3.º al.ª a), do Decreto-Lei n.º 178/2006 –, não renuncie ao controlo dos RCD e não os deixe sem qualquer beneficiário determinado, impedindo a sua gestão.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação acima identificados, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, a arguida C foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pela Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território na coima de 20 000 € pela prática de uma contra-ordenação prevista pelo art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, e punível nos termos do disposto no art.º 22.º, n.º 4 al.ª a), da Lei n.º 50/2006, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31-8.
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Impugnada judicialmente esta decisão, foi realizado o julgamento, tendo a Senhora Juiz a quo decidido negar provimento ao recurso e manter a coima aplicada pela autoridade administrativa.
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Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª Vem o presente recurso interposto pela Arguida/Recorrente C da sentença proferida nos autos em epígrafe pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, datada de 04.07.2012, a qual julgou improcedente o recurso de contra-ordenação apresentado pela Arguida e, em consequência, manteve a decisão de fls. 103 e ss., proferida pela Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, por intermédio da qual foi aplicada à arguida uma coima no valor de €20.000,00 (vinte mil euros), pela prática da contra-ordenação prevista pelo artigo 18.º, n.º 1 do DL n.º 46/2008, de 12 de Março, punível nos termos do disposto no art.º 22.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto.

2.ª Em sede de impugnação judicial da decisão da Autoridade Administrativa, a Recorrente invocou a nulidade de tal decisão pelo facto de a mesma não ter tomado em consideração a defesa tempestivamente apresentada por si, no âmbito da qual havia alegado, entre outras coisas, que se limitou tão só a permitir o depósito de “sobrantes” de uma obra terreno, na convicção de que se tratava tão só de terra e com desconhecimento de que o conteúdo que lá iria ser depositado seria nocivo para o meio ambiente, pelo que actuou sem consciência da ilicitude do facto porque em erro e, consequentemente, sem culpa (cf. art.º 12.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29/08), e, mesmo que se considerasse que tal erro lhe seria censurável, sempre a coima deveria ser especialmente atenuada (cf. art.º 12.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006); mais alegou a Arguida na sua defesa que apenas tomou consciência de que tinha agido erradamente quando foi alertada para o facto pelos Agentes da GNR (Guarda Nacional Republicana), e que, em consequência, de imediato diligenciou por repor a legalidade, mandando retirar todo o entulho do terreno e ordenando o seu depósito no Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio.

3.ª Os factos relevantes alegados pela defesa devem merecer tratamento, ainda que breve, na decisão administrativa, nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do C.P.P., sob pena de nulidade, por força do disposto no art.º 379.º, n.º1, alínea a) ou c), também do C.P.P., aplicáveis subsidiariamente ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.04.2010).

4.ª No entanto, a decisão da Autoridade Administrativa ignorou por completo a defesa apresentada, não contendo qualquer análise, apreciação ou juízo valorativo sobre os factos alegados, considerando-os provados ou não provados – em particular, a referida decisão não contém qualquer juízo apreciativo acerca da falta de consciência da ilicitude do facto por parte da Arguida até ter sido informada que a sua conduta era proibida (cf. al. f) dos Factos Provados da decisão da AA) – padecendo, por esse motivo, de nulidade, nos termos supra expostos.

5.ª A sentença ora recorrida, a este respeito, considerou que a decisão administrativa havia levado em consideração a defesa apresentada pela Arguida, a qual se encontraria nas alíneas h), i), j), k) e l) dos factos provados de tal decisão, contudo o Tribunal a quo não apreciou correctamente a questão – o facto contido na al. h) não foi alegado pela Arguida na sua defesa; os factos elencados nas als. i) e j) não esgotam a defesa apresentada pela Arguida; a decisão administrativa, a respeito dos factos contidos na als. k) e l), não contém qualquer referência às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tais como foram alegadas pela Arguida, considerando tais circunstâncias provadas ou não provadas.

6.ª Nestes termos, deveria a sentença ora recorrida ter considerado nula a decisão da Autoridade Administrativa por omissão de pronúncia sobre factos relevantes alegados pela defesa da Arguida, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, als. a) e c), ambos do C.P.P., ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, pelo que, não o tendo considerado, decidiu a dita sentença erradamente.

7.ª Simultaneamente, a sentença ora recorrida ao não conter todos os invocados pontos relevantes da defesa, ao menos entre os seus factos não provados, padece igualmente de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, als. a) e c) do C.P.P., ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO.

8.ª No âmbito da impugnação judicial da decisão administrativa, a ora Recorrente apontou ainda outras nulidades a tal decisão – decorrentes, designadamente, do seguinte: a decisão administrativa não estabelece qualquer referência especificadamente a cada um dos factos dados como provados e à prova em que se baseou; na al. a) é dito que “alguém” andava a descarregar RCD “num terreno agrícola”, sem se identificar quem era esse “alguém” nem qual era o terreno agrícola; se não se deu como provado quem era o “alguém” que andava a descarregar “RCD” num terreno agrícola, e se se dá como provado que a Arguida transportou “RCD”, a 05.05.2010, para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio (cf. al. l)), não se alcança qual a acção que determinou a aplicação da coima à arguida na decisão em recurso; também não se alcança qual a descarga de “RCD” que não estava autorizada, se a dada como provada na al. a) se a mencionada na al. l) dos factos provados, porque a decisão administrativa também é omissa na especificação da conduta que considera ter violado os normativos nela citados –, contudo, a sentença recorrida não se pronunciou sobre essas outras invocadas nulidades, pelo que também por este motivo se encontra ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) e 2 do C.P.P., ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO.

9.ª Em sede de recurso judicial da decisão administrativa, a Arguida/Recorrente alegou que “enquanto a obra decorreu o RCD composto por ladrilhos, telhas e misturas de betão foi armazenado no local da própria obra dentro de um contentor e só no final foi dali removido” (cf. art.º 45.º da motivação do recurso e conclusão 11.ª do mesmo recurso), no entanto, a sentença recorrida não se pronunciou acerca de tal facto, considerando-o provado ou não provado, nem mesmo o Tribunal, em sede de audiência, o investigou, dentro dos limites dos seus poderes de investigação oficiosa (cf. art.º 340.º, n.º 1 do C.P.P., aplicável ex vi do art.º 66.º do RGCO), sendo certo que tal facto era essencial à decisão da causa, e designadamente para efeito do apuramento de eventual causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, ou de circunstâncias relevantes para atenuação especial desta última, sendo igualmente certo que nos termos do art.º 13.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, “estão dispensadas de licenciamento:

a) As operações de armazenagem de RCD na obra durante o prazo de execução da mesma” – deste modo, a sentença ora recorrida encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) e 2 do C.P.P., ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO.

10.ª Não obstante o presente recurso ser restrito à matéria de Direito, nos termos do artigo 75.º do RGCO, a Jurisprudência tem entendido de forma uniforme que neste tipo de processo é admissível a revista alargada (da matéria de facto) decorrente da aplicação do regime do artigo 410.º do C.P.P..

11.ª Entende a ora Recorrente que in casu quer a decisão administrativa quer a sentença recorrida deram como provados factos incompatíveis entre si, padecendo, por isso, do apontado vício previsto na al. b), do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: o conjunto dos factos elencados nas als. a), g), k) dos Factos Provados da sentença recorrida (correspondentes als. als. a), g) e l) dos factos provados da decisão administrativa) é contraditório com o facto descrito na al. j) dos mesmos Factos Provados (correspondente al. k) dos factos provados da decisão administrativa), tornando a fundamentação de facto da sentença obscura e ininteligível.

12.ª Se se encontra demonstrado que foi a empresa “C, Lda.” que realizou o serviço de transporte de entulho para o terreno da Arguida, em data não mencionada, mas cujo auto de obra foi elaborado em 24.05.2010, fica sem se perceber afinal o que estava a fazer o veículo pesado da empresa “T ...U.” em tal terreno no dia 30.04.2010, aí encontrado pela GNR carregado, na sequência de uma denúncia de que “alguém andava a descarregar RCD num terreno agrícola”.

13.ª De acordo com os factos provados, na data em que a GNR se deslocou ao local encontrou aí uma viatura pesada da “T.” carregada, estando três carradas descarregadas no terreno, mas encontra-se simultaneamente provado que foi a empresa “C” que realizou um serviço de transporte de entulho para o terreno da Arguida, em data não mencionada, mas cujo auto de obra foi elaborado em 24.05.2010.

14.ª A ter sido a “C., Lda.” a efectuar a descarga de “RCD” que levou à imputação à Arguida da presente contra-ordenação, nem a decisão administrativa nem a sentença recorrida mencionaram a data em que tal serviço foi realizado.

15.ª Os factos provados constantes quer da decisão administrativa quer da sentença recorrida são, como se constata, contraditórios a este respeito, encontrando-se tais decisões, consequentemente, acometidas do vício previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. e, no caso de se considerar que foi a “C..., Lda.” quem efectuou a descarga de “RCD” pela qual a Arguida vem condenada nos presentes autos, encontram-se as mesmas decisões acometidas do vício previsto na al. a) do n.º 2 do citado art.º 410.º (“insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”) e da nulidade consagrado no art.º 379.º, n.º 1, al. c) do C.P.P., aplicável ex vi do art.º 41.º do RGCO, na medida em que de entre o rol de factos provados não consta qualquer referência temporal relativamente à data da realização de tal descarga, apenas sendo referida a data de elaboração do auto de obra.

16.ª No caso presente, considera ainda a Recorrente que a matéria de facto dada como provada nos autos é insuficiente para a decisão de direito, uma vez que: na al. a) dos Factos Provados, não se encontra especificada a concreta composição dos “RCD” encontrados pela GNR no terreno agrícola, não se referindo sequer se tais “RCD” coincidem ou não com os descritos na al. j) ou na al. k); no rol de Factos Provados, não se encontra suficientemente discriminado o tipo de obra de onde foram extraídos os “RCD” cuja descarga fundamentou a condenação da Arguida nos presentes autos.

17.ª Seja por tais factos terem sido alegados pela Arguida em sede de defesa e em sede de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, seja por tais factos deverem ter sido apurados pelo Tribunal em audiência, de acordo com o princípio da investigação oficiosa (cf. art.º 340.º, n.º 1 do C.P.P., aplicável ex vi do art.º 66.º do RGCO), a omissão dos mesmos origina o vício prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P., uma vez que tal lacuna traduz-se numa insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito do ponto de vista das várias soluções jurídicas possíveis – nestes termos, a sentença ora recorrida padece do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do C.P.P..

18.ª Vem a Arguida condenada nos presentes autos pela prática de uma contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/03, no entanto, face aos factos dados como provados nos autos, não poderiam quer a decisão administrativa quer a sentença ora recorrida ter concluído que a Arguida/Recorrente praticou a referida contra-ordenação uma vez que a sua conduta não preenche o conceito de “abandono” definido pelo art.º 3.º, al. a) do DL n.º 178/2006, de 05/09 e pressuposto pelo referido art.º 18.º, n.º 1.

19.ª Tendo em conta a al. e) dos Factos Provados da sentença recorrida, conclui-se que a Arguida não só não renunciou ao efectivo controlo dos RCD, na medida em que os manteve sempre sob o seu poder de actuação, como tais RCD tinham um beneficiário determinado, a saber, a própria Arguida, para execução de uma estrada num terreno que possui – não houve, portanto, verdadeiro abandono para efeitos do disposto no art.º 3.º, al. a), do DL n.º 178/2006, de 05/09.

20.ª Nos termos do art.º 13.º, n.º 3, al. e) do DL 46/2008, de 12/03, “Estão dispensadas de licenciamento: (…) e) A utilização de RCD em obra”, pelo que a Arguida/Recorrente não necessitava de ter diligenciado por obter qualquer licença ou autorização querendo utilizar os resíduos na referida obra de execução da estrada no seu terreno.

21.ª Nestes termos, tendo em conta a conduta da Arguida dada como provada nos autos, quer a decisão administrativa quer a sentença recorrida deveriam ter considerado que a mesma não era susceptível de integrar a contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, por não preenchimento dos elementos objectivos de “abandono” e “descarga em local não autorizado ou licenciado”, devendo, em consequência, a Arguida ter sido absolvida da contra-ordenação que lhe havia sido imputada.

22.ª Ainda que se considerasse que a conduta da Arguida preencheu os referidos elementos objectivos – o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese académica –, ainda assim, não deveria tal conduta ter sido punida por se verificar quanto a ela uma desistência relevante, como causa de isenção de pena, nos termos do art.º 14.º do RGCO, seja por via do disposto na 2.ª parte do n.º 1 de tal artigo, seja por via do disposto no n.º 2 do mesmo normativo.

23.ª Mesmo que se entendesse que in casu se verificou a consumação formal da contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1 do DL n.º 46/2008, a verdade é que, face à matéria de facto provada, sempre deveria afirmar-se a verificação de uma desistência relevante da conduta, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 14.º do RGCO, uma vez que a Arguida, escassos dias após a descarga de RCD descrita na al. a) dos Factos Provados, enviou os RCD em questão para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio (cf. al. k) dos Factos Provados da sentença), impedindo, dessa forma, a verificação do resultado não compreendido no tipo da contra-ordenação (consumação material), ou seja, a ocorrência dos danos ambientais e humanos em vista dos quais foi erigida a punição – como se constata pelo rol de Factos Provados da conduta da arguida não sobreveio nenhum dano, desse tipo ou de outro.

24.ª Ainda que se considerasse que a Arguida apenas desistiu da conduta, levando os RCD para o Aterro Sanitário, porque foi interceptada pela GNR, a verdade é que, ainda assim, se deveria concluir por uma desistência relevante, nos termos do n.º 2 do art.º 14.º do RGCO, uma vez que se pode afirmar, em todo o caso, que a Arguida se esforçou (seriamente) por evitar a verificação do resultado não compreendido no tipo de contra-ordenação, ao ter, contratado, em poucos dias e sponte sua, uma empresa especializada para proceder ao transporte dos “RCD” para o Aterro Sanitário, suportando o custo do serviço.

25.ª Sem conceder, caso também assim não se considerasse, a coima a aplicar à Arguida deveria ter sido especialmente atenuada.

26.ª O regime jurídico referente à gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas, encontra-se especialmente regulado no Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 Março, o qual tem como objectivo garantir a sustentabilidade ambiental da actividade de construção, tendo por fim último acautelar riscos significativos ou perigos para o ambiente e para os seres humanos, tendo as normas ambientais em questão uma finalidade essencialmente preventiva geral, punindo as condutas que sejam susceptíveis de colocar em risco e de provocar danos na esfera do bem jurídico tutelado.

27.ª A aplicação da coima tem como fundamento a necessidade de protecção dos bens jurídicos, em função de considerações de natureza essencialmente preventiva geral.

28.ª No caso em apreço, não obstante o depósito de resíduos de uma obra num terreno da Arguida, o facto é que a actuação desta não causou danos nem colocou significativamente em risco ou em perigo o meio ambiente nem a vida ou a saúde humanas.

29.ª O depósito de resíduos (não contendo quaisquer substâncias perigosas) num terreno da Arguida teve em vista a reutilização dos mesmos para a construção de uma estrada e a Arguida, assim que foi alertada pelas autoridades, de imediato diligenciou pelo transporte de tais resíduos para o Aterro Sanitário.

30.ª Nessa medida, as repercussões ambientais e humanas decorrentes da conduta da Arguida foram nulas, daí que não se possa concluir que a sua conduta tenha colocado em risco os interesses de preservação do meio ambiente nem provocados perigos substanciais para os seres humanos, nem, por sua vez, foram produzidas ou depositadas quaisquer substâncias perigosas.

31.ª Não obstante a presente contra-ordenação ser considerada muito grave, nos termos do disposto no art.º 18.º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de Março, os factos que a Recorrente praticou não traduzem, porém, o referido grau de gravidade elevado, tendo em consideração os princípios da prevenção geral, subjacente à aplicação das normas ambientais aplicáveis neste caso.

32.ª Considerando que nenhum dos interesses preventivos, inerentes ao regime de gestão de “RCD” foi posto em crise, não basta analisar, apenas, se a conduta prevista na definição da contra-ordenação em causa foi totalmente preenchida; previamente, terá de ser realizada uma avaliação dos circunstancialismos do caso concreto, a fim de serem verificados os interesses sociais e ambientais que estão subjacentes à elaboração das próprias normas reguladoras do bem jurídico em questão, ou seja, do meio ambiente.

33.ª Tendo-se concluído que os interesses preventivos não foram postos em causa pela actuação da Recorrente, é certo que, muito embora a conduta desta se possa porventura considerar enquadrável no texto legal da norma que prevê a contra-ordenação em questão, não se poderá ignorar as circunstâncias atenuadoras para a determinação da medida da coima, existentes neste caso.

34.º Encontra-se demonstrado que a Arguida agiu de forma negligente, pelo que a sua culpa é diminuta; são nulos os benefícios económicos alcançados pela Arguida com a prática do facto, não tendo a mesma beneficiado de qualquer incremento patrimonial decorrente da sua actuação, ao contrário do que considerou a decisão administrativa; a Recorrente “corrigiu” a sua conduta, contratando, em poucos dias e por vontade e iniciativa próprias, uma empresa especializada para proceder ao transporte dos RCD para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio, suportando o custo de tal transporte.

35.ª Atentas as circunstâncias dadas como provadas nos autos relativas ao facto e ao comportamento posterior da Arguida, conclui-se existir uma diminuição acentuada da gravidade do facto e da necessidade de punição, deixando aparecer a imagem global especialmente atenuada do facto.

36.ª Nestes termos, e atenta toda a factualidade demonstrada no caso dos autos, a coima aplicada à Arguida no montante de 20.000,00€ (vinte mil euros), correspondente ao mínimo legal (cf. art.º 22.º, n.º 4, al. a) da Lei n.º 50/2006, de 29/08 e art.º 18.º, n.º 1 do DL n.º 46/2008, de 12 de Março) afigura-se inadequada e desproporcional, por ser excessiva, para punir o comportamento concreto daquela.

37.ª No caso dos autos, sancionar a conduta da Arguida com uma coima no montante de 20.000,00€ – mesmo correspondendo este ao mínimo legal – é manifestamente iníquo, viola os mandamentos irrenunciáveis de justiça, adequação e necessidade da punição e não cumpre a Justiça do caso concreto, pelo que urge lançar mão da chamada “válvula de segurança” do regime de atenuação especial contido no art.º 72.º do Código Penal – embora o RGCO não preveja expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial ope judicis, é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações a atenuação especial prevista no art. 72.º do C.P. (neste sentido o Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora de 17.09.2009).

38.ª Deste modo, se se vier a considerar que a conduta da Arguida/Recorrente preenche todos os elementos objectivos da contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1 do DL 46/2008 e que quanto à mesma não se verifica a desistência como causa de isenção de pena, deverá o montante da coima aplicado ser especialmente atenuado para metade do seu valor (10.000,00€), nos termos do art.º 18.º, n.º 3 do RGCO, em conjugação com o disposto no citado art. 72.º do C.P., aplicável ex vi do art. 32º do RGCO.

39.ª Normas violadas pela decisão recorrida: art.º 12.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 50/2006, de 29/08; arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, ambos do C.P.P., e vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO; art.º 340.º, n.º 1 do C.P.P., ex vi do art.º 66.º do RGCO; art.º 13.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03; art.º 410.º, n.º 2, als. a) e b) do C.P.P.; art.º 3.º, al. a) do DL 178/2006, de 05/09; art.º 13.º, n.º 3, als. a) e e) e art.º 18.º, n.º 1, ambos do DL n.º 46/2008, de 12/03; art.º 14.º, n.º 1, 2.ª parte e n.º 2 do RGCO; art.º 72.º do C.P., ex vi do art.º 32.º do RGCO.

40.ª Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:

a) Declare que a decisão administrativa e a sentença enfermam das nulidades e vícios supra expostos nas presentes conclusões, e, em consequência, determine a devolução dos autos ou o seu reenvio para novo julgamento;

b) Para o caso de assim não se vier a considerar – Absolva a Arguida da prática da contra-ordenação por que vem acusada e condenada nos autos por não se encontrarem preenchidos os elementos objectivos de “abandono” e de “descarga em local não autorizado ou licenciado”, pressupostos pelo art.º 18.º, n.º 1 do DL n.º 46/2008, de 12/03;

c) Em alternativa, para o caso de também assim se não vier a considerar – Declare que a conduta da Arguida não é punível por se verificar quanto à mesma uma desistência relevante, seja por via do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 14.º do RGCO, seja por via do disposto no n.º 2 do mesmo artigo;

d) Ainda em alternativa, para o caso de igualmente não se vier a entender desse modo – Atenue especialmente o montante da coima aplicado para metade do seu valor (10.000,00€), nos termos do art.º 18.º, n.º 3 do RGCO, em conjugação com o disposto no citado art. 72.º do C.P., ex vi do art. 32º do RGCO.
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A Ex.ma Procuradora Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1. A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

2. Todas as questões suscitada pela recorrente no seu recurso foram apreciadas e valoradas na decisão e o Tribunal a quo especificou, de modo claro, as concretas razões pelas quais considerou provados os factos enunciados, quais as consequências e enquadramento jurídico dos mesmos.

3. Foram tidos em conta todos os factos essenciais que permitiram considerar como preenchidos todos os elementos, objectivo e subjectivo, que a contra-ordenação de que a arguida vinha acusada exige.

4. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada trata-se de um vicio que consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada

5. A exigência constante nos artigos 339.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal respeita aos factos alegados pela acusação e pela defesa que sejam essenciais para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes e os factos provados que resultem da prova produzida em audiência que sejam relevantes para a questão da culpabilidade e determinação da sanção a aplicar.

6. Do texto da decisão consta a matéria de facto suficiente para a decisão que foi proferida não se verificando qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

7. Quanto ao preenchimento do conceito de abandono exigido para preenchimento da contra-ordenação de que a recorrente vem acusada e existência de uma desistência relevante diga-se que da matéria dada como provada, a sua motivação e enquadramento jurídico, não resta qualquer dúvida de que a arguida não só abandonou como deu ordens para que os RCD fossem depositados no terreno de que era proprietária, através de uma off-shore, impedindo que a entidade competente para a sua gestão sequer tivesse conhecimento da sua existência.

8. Por fim no que concerne à adequação e proporcionalidade da coima concretamente aplicada diga-se que a mesma se reconduz ao mínimo legal e que a douta sentença “sub judice” respeitou a globalidade dos parâmetros que reputamos adequados (cfr. art. 20.º, da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, reproduzindo o artigo 18.º, n.º 1, do Regime do Ilícito de Mera Ordenação Social).

Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, mantendo-se na integra a D. sentença recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:

a) No dia 30 de Abril de 2010, pelas 13h00, após informação do Posto Territorial de Lagoa, que haviam recebido uma denúncia que em sítio dos Salicos, Lagoa, alguém andava a descarregar RCD, num terreno agrícola, o Núcleo de Protecção Ambiental (NPA) da Guarda Nacional Republicana (Comando Territorial de Faro — Destacamento Territorial de Silves) deslocou-se ao local, tendo apurado que a viatura de matrícula ---TN[2] pesado de mercadorias, se encontrava carregada e no terreno já tinham sido descarregadas três carradas de RCD.

b) Estes RCD eram provenientes de uma obra de construção civil em Urb. ----. Lagoa.

c) Foi questionada a proprietária do terreno que é também proprietária da obra de construção civil sobre a descarga de RCD naquele local, se era detentora de licenciamento e porque é que não tinha encaminhado os RCD para local autorizado.

d) A arguida não possui qualquer licenciamento para depositar os RCD.

e) A arguida mandou transportar e descarregar os RCD para ali por o terreno ser de sua propriedade e por precisar dos resíduos para efectuar uma estrada no terreno.

f) A arguida foi informada que a sua conduta era proibida e que deveria retirar todo o tipo de resíduos ali colocados e encaminhá-los para destino autorizado.

g) Foi identificado o condutor da viatura pesado de mercadorias de matrícula ---TN propriedade de T..U.., com sede ..., Portimão, como CR, titular do BI n°... emitido por Lisboa e residente em ..., Loulé.

h) A empresa “V..., Lda” tem o n.° de contribuinte n.º... e sede em Urbanização Praia do Carvoeiro, 8400 Lagoa.

i) A empresa V..., Lda.” é proprietária do prédio descrito sob o n.° --- da freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagoa (Algarve).

j) A empresa “C--. Lda. — Engenharia e Construção Civil” realizou um serviço de transporte de entulho (tijolos, terras, cimentos e ladrilhos) para o terreno da arguida, tendo elaborado o auto de obra do mesmo em 24/05/2010.

k) A arguida enviou RCD — mistura de betão, tijolos, ladrilhos e telhas - para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio em 5/5/2010, tendo o transporte sido feto pela empresa “T..., Lda.”

l) A arguida não declarou quaisquer rendimentos em sede de IRS desde o ano 2000.

m) Ao proceder à descarga de resíduos RCD em local não autorizado a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz.

n) A recorrente aufere cerca de 1500 euros mensais, vive em casa própria para a qual não contraiu qualquer empréstimo bancário.
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-- Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
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Fundamentação da convicção:
Funda-se esta no conjunto da prova examinada, designadamente, no auto de notícia junto aos autos, requerimento de recurso e testemunhas arroladas pela defesa.

De facto, a recorrente referiu ser sócia gerente da empresa ‘V...’ e proprietária do terreno (através de uma off-shore) onde foram depositados os resíduos. Mas que sempre actuou em nome da empresa ‘V...’ e que apenas pediu para colocar no outro terreno um monte de terra que se encontrava junto da obra. Refere que não sabia que também lá teriam colocado os resíduos da obra efectuada e que inclusivamente existiam dois montes de terra, um com entulho e outro só terra, sendo este último que deu ordens para colocar no outro terreno.

No entanto, - porque a recorrente fez questão de ouvir a restante prova apresentada por si -, as testemunhas inquiridas vieram por em causa a versão apresentada pela própria arguida. De facto, a testemunha CR, proprietário da empresa que depositou o entulho (RCD) no terreno referiu que foram-lhe dadas ordens pelo Engenheiro M para aí depositar a terra e o entulho, ainda questionou tal pessoa e o mesmo respondeu que ‘foram ordens da senhora’. A testemunha M, crucial para o apuramento dos factos, encarregado das obras levadas a cabo na Urbanização P.., em nome da sociedade ‘V’, referiu quais as obras que foram efectuadas e que estava previsto que o entulho fosse levado para o Aterro quando a recorrente referiu que possuía um outro terreno e queria que se levasse para aí as terras e o entulho das obras. Mais esclareceu que informou a recorrente que o entulho teria que ser levado para o aterro senão praticaria uma contra-ordenação, a recorrente percebeu a situação e mesmo assim manteve a ordem de levar para o seu terreno esse mesmo entulho. Referiu não ter dúvidas de que a mesma foi informada e esclarecida do ilícito e manteve a sua posição de colocar no seu terreno.

Ora, da prova testemunhal produzida, duvidas não restam que a arguida actuou em beneficio próprio e não da empresa V, a qual em nada beneficiava com tal descarga de RCD, sendo que teve igualmente que custear o transporte a tal terreno, pelo é a própria que está acusada da pratica de tal contra-ordenação e não a sociedade.

Acresce que, o Tribunal teve também em consideração a documentação junta aos autos entregue pela defesa.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do estatuído no art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que, nos termos dos art.º 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 al.ª a) e c), do Código de Processo Penal, "ex vi" art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, a decisão da autoridade administrativa é nula por não se ter pronunciado sobre factos relevantes alegados pela arguida na defesa que, nos termos do art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, oportunamente apresentou;

2.ª – Que, nos termos do art.º 379.º, n.º 1 al.ª c) e 2, do Código de Processo Penal, "ex vi" art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre contradições e insuficiências da matéria de facto provada na decisão da autoridade administrativa invocadas na impugnação judicial dessa decisão;

3.ª – Que, quer a decisão da autoridade administrativa, quer a sentença recorrida, padecem dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª a) e b), do Código de Processo Penal;

4.ª – Que os factos dados como provados não integram a prática da contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, por não estar preenchido o conceito de «abandono» mencionado naquele preceito legal, segundo a definição que do mesmo é dada no art.º 3.º al.ª a), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-9;

5.ª – Que, mesmo que se considere ter a arguida cometido a contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, a mesma não é punível por se ter verificado uma desistência relevante quanto à mesma, nos termos do art.º 14.º do Regime Geral das Contra-Ordenações; e

6.ª – Que, de qualquer modo, se se vier a considerar que a conduta da arguida preenche efectivamente a contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, a coima a aplicar deve ser especialmente atenuada.

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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões postas, a de que, nos termos dos art.º 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 al.ª a) e c), do Código de Processo Penal, "ex vi" art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, a decisão da autoridade administrativa é nula por não se ter pronunciado sobre factos relevantes alegados pela arguida na defesa que, nos termos do art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, oportunamente apresentou:

Esses factos que a arguida tem por relevantes e como tendo sido por si alegados na defesa perante a autoridade administrativa, nos termos do art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, seriam os seguintes:

Que actuou sem consciência da ilicitude, pois se limitou tão só a permitir o depósito de “sobrantes” de uma obra, a decorrer numa propriedade, num outro terreno, na convicção de que se tratava tão só de terra e não de verdadeiros “resíduos”, terra essa de que necessitava para proceder a uma outra obra – sendo certo que a primeira referida obra estava a ser executada pela empresa “C, Lda”, dirigida tecnicamente pelo Exmo. Sr. Engenheiro M, tendo sido este quem ordenou que o entulho fosse transferido para o terreno em questão –, tendo a Arguida actuado com completo desconhecimento de que o conteúdo que lá iria ser depositado seria nocivo para o meio ambiente.

Mais alegou a Arguida na sua defesa escrita que apenas tomou consciência de que tinha agido erradamente quando foi alertada para o facto pelos Agentes da GNR (Guarda Nacional Republicana), no dia 30.04.2010, e que, por esse motivo, de imediato diligenciou por repor a legalidade, mandando retirar todo o entulho do terreno e ordenando o seu depósito no Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio.

E, consultada a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa apresentada pela arguida, constante de fls. 61 a 66, constata-se ter a arguida efectivamente aí abordado estes assuntos.

Ora bem.

Ao facto de a arguida ter mandando retirar todo o entulho do terreno e ordenando o seu depósito no Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio se refere o documento que juntou com aquela impugnação e consta de fls. 73-75 e foi dado como provado pela autoridade administrativa no ponto l) da sua decisão, tendo-se para tanto a autoridade administrativa fundamentado também com base nos documentos juntos aos autos pela arguida, consoante se constata de fls. 85 e 86 dos autos.

Os restantes factos invocados na impugnação e acima mencionados, isto é, a convicção que a impugnante tinha sobre a natureza e composição dos “sobrantes”, o seu desconhecimento de que o conteúdo que lá iria ser depositado seria nocivo para o meio ambiente e que apenas tomou consciência de que tinha agido erradamente quando foi alertada para o facto pelos Agentes da Guarda Nacional Republicana – isso foi matéria de facto sobre a qual a impugnante nenhuma prova apresentou, designadamente testemunhal, de forma que também não foi dada como provada pela autoridade administrativa.

Repare-se que não estamos a falar de questões jurídicas postas pela impugnante sobre as quais a autoridade administrativa não se tenha debruçado e decidido; estamos antes a falar da pretensão da impugnante em que fossem dados como provados determinados factos, mas dos quais não apresentou qualquer prova.

Ora a decisão da autoridade administrativa não é nenhuma sentença, nem se rege pelas obrigações de forma e conteúdo descritas no art.º 374.º do Código de Processo Penal, designadamente quanto à imperiosidade de fazer constar dela o elenco dos factos alegados pela impugnante e com interesse para a decisão da causa que não foram dados como provados, bem como indicar as razões da sua não prova.
O teor e conteúdo da decisão proferida por uma autoridade administrativa no âmbito do processo contra-ordenacional está previsto no art.º 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e estabelece o seguinte:

Artigo 58.º
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;


b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;


d) A coima e as sanções acessórias.


2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:


a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;


b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.


3 - A decisão conterá ainda:


a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;


b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.


Pelo que se constata que, em relação ao assunto agora em discussão, não padece a decisão da autoridade administrativa de qualquer nulidade ou irregularidade.

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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que, nos termos do art.º 379.º, n.º 1 al.ª c) e 2, do Código de Processo Penal, "ex vi" art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre contradições e insuficiências da matéria de facto provada na decisão da autoridade administrativa invocadas na impugnação judicial dessa decisão:

… contradições e insuficiências da matéria de facto provada na decisão da autoridade administrativa…?

A recorrente labora no erro de, uma vez impugnada judicialmente a decisão da autoridade administrativa, tratar essa decisão como se de uma sentença fosse, quando o certo é que, após essa impugnação, a decisão da autoridade administrativa passa a ser tratada como se fosse uma acusação, aonde constam factos que o tribunal judicial dará como provados ou não, e aonde consta a imputação do cometimento de uma contra-ordenação cuja verificação o tribunal judicial também terá de conferir.

Assim, uma vez impugnada judicialmente a decisão da autoridade administrativa, o juiz não tem nada que andar a tratar, e muito menos ao abrigo do disposto no art.º 379.º, n.º 1 al.ª c) e 2, do Código de Processo Penal, se há contradições e insuficiências da matéria de facto provada na decisão da autoridade administrativa. Tem é de dar como provados ou não provados tais factos e justificar a sua convicção, tal e qual como se faz num qualquer processo crime em relação a uma qualquer acusação-crime.

Foi isso que o tribunal "a quo" fez.

E se aquelas contradições e insuficiências da matéria de facto provada na decisão da autoridade administrativa transitarem para a matéria de facto assente como provada e não provada da sentença judicial e respectiva fundamentação da convicção, o que passamos a ter são os vícios na sentença judicial do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou a nulidade da sentença judicial por omissão ou excesso de pronúncia referida no art.º 379.º, n.º 1 al.ª c), do mesmo código, relativamente aos factos constantes da decisão da autoridade administrativa enquanto acusação – , não nulidade da sentença por não ter apreciado contradições e insuficiências da matéria de facto da decisão administrativa como se esta fosse uma sentença recorrida.

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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que, quer a decisão da autoridade administrativa, quer a sentença recorrida, padecem dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª a) e b), do Código de Processo Penal:

Lá está outra vez a recorrente a incorrer no mesmo erro: o de, uma vez impugnada judicialmente a decisão da autoridade administrativa, tratar essa decisão como se fosse uma sentença recorrida.

Assim, a padecer de qualquer dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, padecerá a sentença do tribunal judicial, não a decisão administrativa em processo contra-ordenacional recorrida.

Posta a questão no seu lugar, vejamos então se a sentença judicial ora recorrida padece dos alegados vícios do art.º 410.º, n.º 2 al.ª a) e b), do Código de Processo Penal.

O disposto neste art.º 410.º, n.º 2, refere-se aos vícios da matéria de facto fixada na sentença, o que não se deve confundir com os vícios do processo de formação da convicção do tribunal no apuramento e fixação da matéria de facto fixada na sentença.

É por isso que esses vícios têm de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos à sentença, ainda que constem do processo.

A recorrente assacou dois deles à sentença recorrida:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

A arguida imputa à sentença o padecimento deste último por, alegadamente, haver uma contradição insanável entre os factos contidos nas als. a), g), k) e j) da matéria de facto assente como provada.

Vejamos:
Quando em 30-4-2010 a GNR foi ao local da infracção estava lá um camião da empresa T. com uma carrada de RCD para descarregar, portanto ainda não descarregada. Mas no local já tinham sido anteriormente descarregadas três carradas de RCD (cf. pontos a) e g)).

Este RCD já descarregado foi em 5-5-2010 transportado pela empresa T. para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio (cf. ponto k)).

Em 24-5-2010 a empresa C elaborou o auto de obra de um serviço de transporte de RCD para o terreno da arguida (cf. ponto j)).

A contradição estaria no facto desta data, 24-5-2010, ser posterior à da verificação pela GNR da infracção (30-4-2010) e à da remoção (5-5-2010) do RCD para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio.

Ora existe vício de contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico baseado no texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,1999, III-184. De qualquer forma, para que a contradição seja relevante, não basta que efectivamente exista e seja insanável; também é preciso que os factos alegadamente em contradição sejam necessários para a caracterização do ilícito e suas circunstâncias juridicamente relevantes e para a questão da culpabilidade e determinação da sanção a aplicar. Se não o forem, deve pura e simplesmente darem-se como não escritos. Seria o caso, por exemplo, de a Senhora Juiz "a quo" ter feito constar da matéria de facto provada que no dia da infracção chovia e ter fundamentado a convicção referente a tal facto num boletim metereológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera a declarar que estivera tempo seco; haveria uma contradição insanável entre esta parte da decisão da matéria de facto e a respectiva fundamentação, mas, não interessando o estado do tempo para coisa alguma, dar-se-ia o mesmo por não escrito nesta Relação.

Ora já que a recorrente quer ser muita rigorosa, o facto de ter sido em 24-5-2010 que a empresa C elaborou o auto de obra de um serviço de transporte de RCD para o terreno da arguida não quer dizer que a obra em si, isto é, o transporte de RCD para o terreno da arguida, tenha sido feito nesse mesmo dia. A única coisa que está provada no ponto j) é que o auto de obra foi elaborado em 24-5-2010, não que a obra tenha sido feita em 24-5-2010.

Além disso, não se vê aonde esteja o busílis de haver duas empresas a transportar RCD para o terreno da arguida, se quando lá foi a GNR estava lá o camião de uma empresa com uma carga, mas no terreno já estavam depositadas outras três que a GNR não viu nem o tribunal conseguiu apurar quem teria descarregado.

Ademais, vamos lá ver: a arguida vem acusada de ter infringido o art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, que prescreve que constitui contra-ordenação ambiental muito grave o abandono e a descarga de RCD em local não licenciado ou autorizado para o efeito. E arguida não põe em causa que no terreno já tinham sido descarregadas três carradas de RCD e que quando a GNR lá chegou estava um camião com uma quarta carrada de RCD para descarregar no mesmo terreno; também não põe em causa que não possuía qualquer licenciamento para depositar ali os RCD. Posto isto – e isto é que preenche, só por si, o tipo contra-ordenacional contido no aludido art.º 18.º, n.º 1 – só para efeitos de prescrição do respectivo procedimento é que interessariam as datas da descarga. Isto é, se nem na decisão da autoridade administrativa nem na sentença constasse da matéria de facto provada o teor do ponto j), verificar-se-ia à mesma a perfectibilidade da integração da conduta da arguida na previsão do citado art.º 18.º, n.º 1.

Além de que a recorrente na sua argumentação sobre este assunto comete aqui e ali pequenas incorrecções que transtornam o correcto entendimento da questão, como é o caso de a fls. 16 do seu recurso afirmar que sendo certo que a empresa “T... Lda.” apenas efectuou o transporte dos RCD para o Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio em 05.05.2010 (cf. al. k)), pelo que não faz sentido que aquela estivesse no terreno da Arguida no dia 30.04.2010 por tal motivo – quando da conjugação dos pontos a) e g) se retira que o camião que a GNR em 30-4-2010 encontrou carregado de RCD era da empresa T. e não se percebendo porque é que não o poderia ser, nem cabendo a impugnação desse pormenor de facto no âmbito do poder de revista desta Relação permitida pelo art.º 410.º, n.º 2, mas apenas se o fosse pela impugnação da matéria de facto ao abrigo do art.º 412.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal, a qual não é permitida nesta fase do processo, consoante consta do art.º 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Por outro lado, a arguida imputa à sentença o padecimento do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

A insuficiência da matéria de facto provada para proferimento da respectiva decisão verifica-se quando há lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação daquela matéria.

Podendo e devendo fazer-se uma total reconstrução dos factos com vista à sua subsunção na concreta previsão legal, houve uma falha naquela reconstrução, o que necessariamente se repercute na qualificação jurídica dos mesmos e/ou na medida da pena aplicada, acarretando a normal consequência de uma decisão viciada por falta de base factual.

Este vício influencia e repercute-se na decisão proferida, a qual, por isso, não poderá ser a decisão justa que devia ter sido proferida.

E só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal deixe de investigar, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitam, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador.

(Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-5-98, Colectânea de Jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, II-199, e de 25-9-97, Boletim do Ministério da Justiça 469-351; e acórdão da Relação de Coimbra, de 27-10-99, Colectânea de Jurisprudência, 1999, IV-68).

E de que se queixa agora a arguida?

De que:

I -- não se encontra especificada a concreta composição dos “RCD”

II -- não se encontra suficientemente discriminado o tipo de obra de onde foram extraídos os “RCD”

Respostas:
I – De acordo com o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, RCD são os resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas. Da matéria de facto assente como provada resulta que eram constituídos por tijolos, terras, cimentos, ladrilhos, betão e telhas. Não parece, pois, ser necessário pegar numa amostra e remetê-la para algum laboratório.

II – Tipo de obra de onde foram extraídos os “RCD”?: uma obra de construção civil (ponto b) dos factos provados). É um termo tão universal, que o legislador nem viu necessidade de o definir quer no Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, quer no Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-9.

Em face do exposto, improcede a alegação da existência dos aludidos vícios na sentença recorrida.
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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que os factos dados como provados não integram a prática da contra-ordenação prevista no art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, por não estar preenchido o conceito de «abandono» mencionado naquele preceito legal, segundo a definição que do mesmo é dada no art.º 3.º al.ª a), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-9:

E – argumenta-se no recurso – não estaria preenchido o conceito de «abandono» por, consoante se provou no ponto e), a arguida precisar dos resíduos para efectuar uma estrada no terreno.

O art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, estabelece que constitui contra-ordenação ambiental muito grave o abandono e a descarga de RCD em local não licenciado ou autorizado para o efeito.

Repare-se no pormenor de o legislador ter escrito o abandono e a descarga; não escreveu a descarga e o abandono, como seria expectável numa sucessão natural das coisas, de acordo com a experiência da vida.

Ora sendo certo que, como regra geral, não pode haver abandono sem descarga, mas já pode haver descarga sem abandono, a fórmula usada pelo legislador só pode significar que não é preciso, para o preenchimento do tipo contra-ordenacional, que cumulativamente ocorra a descarga e o abandono; basta que se verifique uma delas, ou o abandono ou a descarga: constitui contra-ordenação ambiental muito grave o abandono e a descarga de RCD

Quer isto dizer que a simples descarga do RCD, desde que efectuada em local não licenciado ou autorizado para o efeito, constitui contra-ordenação, mesmo que o agente não abandone o RCD, isto é – e na formulação do art.º 3.º al.ª a), do Decreto-Lei n.º 178/2006 –, não renuncie ao controlo dos RCD e não os deixe sem qualquer beneficiário determinado, impedindo a sua gestão. Basta pensar no caso típico do pedreiro que tem por hábito ir a horas mortas descarregar entulho num sítio pouco frequentado de uma serrania perto, em local não licenciado ou autorizado para o efeito, e ir buscar desse entulho sempre que precise dele; houve descarga, mas não houve abandono, porque ele vai lá buscar dele sempre que precisa.

O que nos leva à questão de que a situação dos autos, para que seja feita justiça, não deve ser enquadrada pelo prisma da existência ou não de abandono por parte da arguida, mas antes pelo da necessidade de licenciamento ou autorização para a descarga do RCD no terreno da arguida por precisar dos resíduos para efectuar uma estrada no terreno: em local não licenciado ou autorizado para o efeito, refere mencionado o art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008.

Ao fim e ao cabo, o que com o regime do Decreto-Lei n.º 46/2008 se quer impedir é, muito prosaicamente, que as pessoas, singulares ou colectivas, andem a despejar entulho das obras por tudo o que seja sítio ermo e cómodo: bermas de estradas, largos e espaços verdes urbanos poucos frequentados, montinho aqui e montinho acolá pelas serras e pelos montes. E, ao mesmo tempo, dar prevalência [à] valorização dos resíduos sobre a sua eliminação e, no âmbito daquela, ao estabelecimento de uma preferência tendencial pela reutilização sobre a reciclagem – segundo se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/2006, de onde também consta que prevê-se ainda a possibilidade de dispensa de licenciamento para determinadas operações quando sejam definidas normas específicas para o exercício das mesmas, ficando neste caso sujeitas a uma comunicação prévia.

Nunca nos cansamos de relembrar que, num Estado de Direito, as leis não são instrumentos de capricho de um príncipe maquiavélico, mas são antes instrumentos racionais de organização e sobrevivência da sociedade. Daí que as leis sobre resíduos (Decretos-Lei n.º 178/2006 e 46/2008, no caso que interessa aos autos) tivesse que contemplar a possibilidade de uma pessoa poder utilizar para, por exemplo, num terreno seu fazer um caminho ou estrada ou preencher um vale ou buraca criada por uma enxurrada ou reparar os danos deixados pelos excessos das intempéries nas margens de um barranco ou para elevar o terreno aonde irá ser construída uma adega, usar RCD provenientes de outra obra realizada pelo mesmo ou outro dono noutro local (aceita-se entulho, lê-se às vezes nalgumas placas). Na verdade, não faria sentido usar saibro, cascalho e blocos de cimento para preencher o grosso desses vazios enquanto o dono manda RCD para um aterro…

Assim é que o art.º 13.º, n.º 3 al.ª e), do Decreto-Lei n.º 46/2008, dispensa de licenciamento a utilização de RCD em obra. E se o tribunal "a quo", bem ou mal, deu como provado no ponto e) que a arguida mandou transportar e descarregar os RCD para ali por o terreno ser de sua propriedade e por precisar dos resíduos para efectuar uma estrada no terreno – temos aqui obra! Não sendo preciso licenciamento para nela fazer a descarga (que não o abandono) de RCD. Não obstante, estas descargas de RCD não são para ser feitas à descrição do dono do terreno. O Estado não abdica – e bem – de controlar que as operações referidas (…) devem ser realizadas sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de gerar efeitos adversos sobre o ambiente, nomeadamente através da criação de perigos para a água, o ar, o solo, a fauna e a flora, perturbações sonoras ou odoríficas ou de danos em quaisquer locais de interesse e na paisagem. E como? Sujeitando-as à obrigação de comunicação prévia à ARR competente – art.º 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/2006.

A comunicação prévia deve ser instruída com a identificação do interessado, a localização geográfica e a descrição das operações em causa e do tipo e quantidade de resíduos envolvidos, bem como das medidas ambientais e de saúde pública a implementar, aplicando-se o disposto no artigo 26.º do presente decreto-lei, podendo as operações iniciar-se decorrido o prazo de 10 dias após a sua entrega – acrescenta o n.º 3 do citado art.º 23.º.

Ora o que está em causa na situação dos autos é esta comunicação prévia que a arguida devia ter feito e não fez.

O resultado de não a ter feito não é o cometimento da contra-ordenação prevista pelo art.º 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12-3, e punível nos termos do disposto no art.º 22.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 50/2006, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31-8, pela qual foi condenada, mas antes o cometimento da contra-ordenação prevista no art.º 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-9, e punível nos termos do disposto no art.º 67.º, n.º 1 al.ª c), deste mesmo Decreto-Lei: 1 – constitui contra-ordenação, punível com coima de € 1500 a € 3740, no caso de pessoas singulares, e de € 7500 a € 44 890, no caso de pessoas colectivas: c) o exercício de operações de gestão de resíduos abrangidas pela dispensa de licenciamento sem cumprimento da obrigação de comunicação prévia prevista no artigo 25.º.

Ficando, em face do que se acaba de expor, sem cabimento a apreciação das duas restantes questões postas pela recorrente, resta definir o montante concreto da coima a aplicar à arguida por esta contra-ordenação, uma vez que para tanto fornece a sentença os elementos necessários.

Assim – e com a brevidade que o assunto impõe – se a coima por que a arguida fora condenada o tinha sido no seu limite mínimo, não se vê razão para que assim se não continue a entender no âmbito da moldura da nova contra-ordenação pela qual se impõe condenar a arguida e que é, recorde-se, o montante de 1 500 €.

Assim se fará, pois.

IV
Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, embora que por razões diversas das invocadas no mesmo, se decide:
1.º
Considerar que a contra-ordenação cometida pela arguida é a prevista no art.º 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-9, e punível nos termos do disposto no art.º 67.º, n.º 1 al.ª c), deste mesmo Decreto-Lei – pelo qual a arguida vai condenada na coima de 1 500 €.

2.º
Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, "ex vi" art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações).
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Évora,2013-05-21
(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)


JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO

ANA BARATA BRITO


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[1] Neste sentido, Figueiredo Dias.

[2] Na sentença, aparece TL, o que é um manifesto lapso, aliás conhecido do arguido, que em seu recurso sempre se refere correctamente à matrícula como sendo TN (v.g. a fls. 14 de tal peça processual).