Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
283/22.5GFLLE.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL APLICÁVEL A JOVENS ADULTOS
OBRIGATORIEDADE DE APLICAÇÃO
PENA DE MULTA
AFETAÇÃO DO PATRIMÓNIO DO JOVEM
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A aplicação do regime penal especial relativo a jovens adultos (entre os 16 e os 21 anos), previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, não constitui uma mera faculdade do juiz, antes um poder-dever, vinculado aos respetivos pressupostos especiais. Desde que estes estejam verificados a sua aplicação é obrigatória.
II. Mas já o não será se for evidente a não verificação dos pressupostos da respetiva aplicação, tornando-se redundante a demonstração dessa inverificação.

III. Optando-se pela pena de multa alternativa, deverá atender-se aos princípios da lei geral; exigindo-se nestes casos, apenas, que na fase de concretização da medida concreta da pena de multa, que ela afete «tanto quanto possível» unicamente o património do jovem (conforme expressamente refere o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 401/82).

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Decisão Texto Integral: I – Relatório
a. No ….º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum, da competência do tribunal singular, de AA, nascido a .../…/2004, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no artigo 291.º, § 1.º, al. a) e b) do Código Penal (CP), com referência ao artigo 69.º, § 1.º do mesmo código; um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º, também punível nos termos do artigo 69.º, § 1.º al. a) CP; e um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto no artigo 347.º, § 1.º CP.

Vindo o tribunal a proferir sentença, pela qual absolveu o arguido do crime de resistência e coação sobre funcionário; considerou o crime de condução de veículo em estado de embriaguez consumido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, e condenando-o apenas por este, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de 5€; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

b. Inconformado com a condenação, por considerar que esta não teve em conta o regime penal especial para jovens adultos, nos termos previstos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, dado que à data dos factos tinha apenas 18 anos de idade; e por considerar excessivas a pena principal e a acessória aplicadas, o arguido apresenta-se a recorrer, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (2):

«D - O Arguido à data dos factos tinha 18 anos de idade e o título de condução era recente.

M - O recorrente entende que deveria ter beneficiado do regime especial para jovens adultos, previsto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

N - O Tribunal a quo não se pronunciou sequer sobre a sua aplicação, foi omisso.

V – (...) o Tribunal, no caso concreto do recorrente dispunha de … “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”, desde logo o facto de um mês sem poder conduzir o prejudica em muito no seu rendimento familiar.

AD - Atendendo à factualidade dada por provada, a toda a situação pessoal e familiar, à condição económica e inserção social do arguido, considerou-se que a pena de 100 dias seria a certa, no entanto, deveria a sanção acessória da proibição de conduzir veículo motorizados, deveria ser reduzida ao período mínimo legal.»

c. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, sintetizando-se deste modo a sua posição:

- a atenuação a que o ora recorrente alude e que o diploma em analise estabelece apenas é aplicável a penas de prisão, como resulta desde logo do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei 401/82 de 23 de setembro;

- inexiste qualquer omissão de pronuncia, porquanto o regime penal aplicável a jovens delinquentes aprovado pelo Decreto-Lei 401/82 de 23 de setembro apenas é aplicável a penas de prisão e não a penas de multa e/ou a penas acessórias como pretende o arguido, ora recorrente.

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, secundando a posição sustentada por este órgão do Estado junto do Juízo de 1.ª instância.

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi exercido o direito de resposta.

No exame preliminar o relator ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência, sendo este acórdão o resultado dos respetivos trabalhos.

II – Fundamentação

A. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (3).

De tal preceito resulta que a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

Neste contexto constatamos serem as seguintes as questões que cumpre apreciar e sobre as quais importa decidir: i) nulidade da sentença (por omissão de pronúncia); ii) medida das penas principal e acessória (excessivas).

B. O tribunal recorrido considerou provado o seguinte quadro factológico:

«1. No dia 14.07.2022, pelas 17:50h, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula …, na Estrada de …, em …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,587 g/l (após dedução do erro máximo admissível).

2. Nessa ocasião, e porque conduzia em estado de embriaguez, o arguido circulava em sentido contrário ao do trânsito quando embateu de frente no veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, conduzido por BB, provocando ferimentos ligeiros em CC e DD que seguiam neste veículo enquanto passageiros.

3. Aquando da chegada da patrulha da GNR, composta pelas militares EE e FF, e após ser-lhe solicitada a respetiva documentação, o arguido não só se recusou, como demonstrou uma atitude hostil, fazendo frente às militares, aproximando-se fisicamente das mesmas e chegando a empurrar, com a sua mão direita e na zona do peito, a militar EE, após o que todos os indivíduos que o acompanhavam começaram a fazer uma roda à volta da patrulha, cercando-a.

4. Apenas com a chegada de outra patrulha, composta pelos militares GG e HH, foi possível concretizar a detenção do arguido e transportá-lo para o Posto Territorial da GNR.

5. O arguido sabia que antes de iniciar o exercício daquela condução havia ingerido bebidas alcoólicas, que, nessas condições, lhe estava vedada tal atividade na via pública e que não estava em condições objetivas para exercer o ato da condução em segurança.

6. E embora soubesse que deveria abster-se de atos que comprometessem a segurança dos demais utentes da via, revelou o arguido uma conduta imprudente e temerária, sem observância das regras estabelecidas no Código da Estrada e com falta de cuidado que o dever geral de previdência aconselha e que poderia e deveria ter para evitar um resultado que, de igual modo, poderia e deveria ter previsto, colocando em perigo a integridade física e a vida de terceiros, em geral, e de BB,CC e DD, em particular..

7. O arguido representou, assim, o seu estado de embriaguez e sabia que o mesmo não só não lhe permitia efetuar uma condução cuidada e prudente, como ainda lhe diminuía a capacidade de atenção, reação e destreza.

8. Não ignorava o arguido que, com a sua descrita conduta e conduzindo naquelas concretas circunstâncias, em estado de embriaguez, colocava em perigo a vida ou a integridade física de outrem com quem se cruzasse.

9. Quis, ainda assim, conduzir o referido veículo automóvel, o que efetivamente fez, consciente da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, representando como possível que pudesse embater noutros veículos que circulassem ou se encontrassem no local, o que efetivamente sucedeu.

10. O arguido tinha perfeito conhecimento que EE e FF eram militares da GNR, uma vez que as mesmas se identificaram como tal e se encontravam devidamente uniformizadas.

11. Com a conduta acima descrita, o arguido visou impedir que as referidas militares da GNR exercessem as suas funções, nomeadamente impedir a sua detenção, bem sabendo da sua condição de agentes de autoridade e que se encontravam ao serviço de órgão de polícia criminal.

12. O arguido agiu sempre de forma voluntária e consciente, e com a liberdade necessária para conformar a sua atuação.

13. Bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e, ainda assim, não se coibiu de as praticar.

Mais se provou que:

14. O arguido confessou integralmente os factos.

15. O arguido formulou em julgamento um pedido de desculpa aos militares da GNR.

Das condições pessoais do arguido:

16. O arguido reside com a companheira e a filha de 6 meses de idade em casa do sogro. Trabalha na apanha da azeitona com este, auferindo entre 300€ a 400€ mensais. Recebe de abono de família 60€ mensais. Estudou até ao 9.º ano.

Dos antecedentes criminais:

17. O arguido não possui antecedentes criminais.»

B.1 E Fundamentou-se a decisão de direito quanto às consequências jurídicas do crime praticado, nos seguintes termos:

«Efetuada a qualificação jurídica dos factos, é chegado o momento de determinar a pena a aplicar ao arguido.

As finalidades das penas são, como expressamente decorre do disposto no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, «a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». Através deste normativo, que resulta da reforma penal de 1995, o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades da punição, excluindo, pois, qualquer finalidade retributiva: a pena visa prevenir a prática de futuros crimes. E esta prevenção de delitos futuros passa pela coexistência e combinação de finalidades quer de prevenção geral (isto é, dirigida à sociedade), quer de prevenção especial (isto é, dirigida ao próprio agente do crime).

Tal coexistência implica que a finalidade primordial visada pela pena seja a proteção de bens jurídicos, enquanto confirmação da validade da norma incriminatória e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência (prevenção geral positiva), e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, entendida como a capacidade de nela viver sem praticar crimes (prevenção especial positiva), atuando a culpa como limite inultrapassável daquela (art. 40.º, n.º 2, do Código Penal).

1.1.1. Da escolha da pena

O crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punido com pena de prisão ou de multa (art. 291.º, n.º 1, al. b), do Código Penal).

Sendo o crime em causa punido, alternativamente, com as penas principais de prisão e de multa, coloca-se a questão da escolha da pena aplicável entre aquelas duas sanções criminais.

O art. 70.º do Código Penal estabelece um critério geral de escolha da pena, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena alternativa não privativa de liberdade (portanto, à multa) em detrimento da pena privativa de liberdade (prisão), «sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», ou seja, as finalidades preventivas referidas no art. 40.º, n.º 1, do Código Penal e supra explicitadas. Na verdade, as penas privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, em obediência ao princípio da proporcionalidade das sanções penais (art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e do favor libertatis (art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa). Trata-se, por conseguinte, de um poder-dever do tribunal, ao qual competirá o dever de fundamentação (negativa) da não aplicação da pena não privativa.

São somente tais finalidades preventivas que justificam a preferência pela pena não privativa da liberdade, desempenhando a culpa a sua função de limite da pena estritamente ao nível da determinação da sua medida concreta. Em caso de conflito entre as funções de prevenção geral e especial, deverão prevalecer as exigências da primeira (MARIA JOÃO ANTUNES, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, p. 77).

No caso sub judice, as exigências de prevenção geral são elevadas, considerando a acentuada frequência da prática deste tipo de infrações rodoviárias, o perigo para os utentes da via pública e a sinistralidade rodoviária que lhe está associada, sendo premente a proteção dos respetivos bens jurídicos, que incluem (direta ou reflexamente) bens jurídicos individuais tão relevantes como a vida e a integridade física, através da revalidação e consolidação destas normas incriminadoras.

No que respeita às exigências de prevenção especial, as mesmas são reduzidas.

O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, demonstrando arrependimento sincero através da formulação de pedido de desculpas aos militares da GNR, o que inculca a ideia de interiorização do desvalor da mesma e da necessidade de não voltar a repetir comportamentos semelhantes no futuro.

Ademais, não possui antecedentes criminais e afigura-se inserido a nível familiar e, ainda que de modo precário, profissional.

Ponderando todo este circunstancialismo, não existem razões para crer que o arguido volte a repetir a prática de crimes desta natureza após a aplicação de pena de multa, cujo cumprimento se julga que servirá de suficiente advertência para a anti-juricidade da sua conduta, o que significa que as exigências de prevenção geral e especial ficarão suficientemente acauteladas.

1.1.2. Da medida da pena

Tendo-se optado por pena de prisão, cumpre agora determinar a respetiva medida concretas atendendo à moldura legal do crime em causa.

A moldura abstrata da pena de multa no crime de condução perigosa de veículo rodoviário é de 10 a 360 dias (arts. 291.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal).

A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, dentro dos limites da moldura penal abstrata, «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Culpa e prevenção são, pois, os dois critérios legais para medir concretamente a pena: a primeira significa a censurabilidade pessoal do agente pelo facto ilícito praticado, quando podia e devia ter atuado de acordo com o dever-ser jurídico-penal; e prevenção significa prevenção geral e especial, nos termos já descritos (art. 40.º, n.º 1, do Código Penal).

A pena é, como se disse, limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa (art. 40.º, n.º 2, do Código Penal). Consubstanciando a prevenção geral positiva a finalidade primordial da pena, será a medida da necessidade de tutela de bens jurídicas, em concreto, a fornecer a medida da pena, através de uma «moldura de prevenção» (dentro da moldura abstrata), constituída por um limite superior correspondente à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se propõe alcançar e por um limiar mínimo, correspondente à defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual a fixação da pena já não é comunitariamente suportável. E será dentro desta moldura concreta de prevenção geral que atuarão os pontos de vista de prevenção especial (em regra positiva e só excecionalmente negativa), os quais determinarão, em última instância, a medida concreta da pena (FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pp. 107-112).

A fixação da pena de multa obedece ao sistema dos dias de multa, mediante o qual a sua determinação é operada em dois atos autónomos, nos quais se consideram, separada e sucessivamente, os fatores relevantes para a culpa e para a prevenção, e os relevantes para a situação económico-financeira do condenado (art. 47.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal).

Deste modo, o juiz deve determinar, em primeiro lugar, o número de dias de multa, dentro dos limites legais e nos termos expendidos (art. 71.º, n.º 1, ex vi art. 47.º, n.º 1, do Código Penal).

Para o efeito, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, desde que não façam parte do tipo de crime – pois, nesse caso, já foram tomadas em consideração pelo legislador ao estabelecer a moldura penal (princípio da proibição da dupla valoração - art. 71.º, n.º 2, do Código Penal) –, «sem prejuízo de a medida concreta da pena poder variar em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico» (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 46).

Os concretos fatores da medida da pena, enunciados exemplificativamente no art. 71.º, n.º 2, do Código Penal, relevam ora para a culpa, ora para a prevenção, ou para ambas (inclusivamente de forma antinómica, no sentido de terem uma ponderação antagónica consoante relevem para a culpa ou para a prevenção) e referem-se quer à execução do facto (als. a), b), c), e e), parte final), quer à personalidade do agente (als. d) e f)), quer à sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)).

Descendo ao caso dos autos, o grau de ilicitude dos factos é elevado, considerando o tipo de veículo conduzido (automóvel), o preenchimento das duas modalidades do crime (estado de embriaguez e violação grosseira de regra estradal), a violação de uma regra elementar e fundamental da circulação rodoviária como seja a obrigação de circular pela direita e não invadir a faixa de sentido contrário, e a verificação do efetivo embate frontal noutro veículo.

No que tange às consequências extra-típicas da conduta do arguido, registaram-se ferimentos ligeiros nos dois passageiros.

Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, está em causa a indiferença manifestada pelo arguido pela perigosidade da sua conduta.

O arguido atuou com dolo direto, ou seja, na modalidade do dolo que representa um maior desvalor jurídico-social e o mais elevado grau de censura jurídico-penal.

No demais referente às exigências de prevenção geral e especial remete-se para o que acima se deixou exposto.

Sopesados todos os aspetos vindos de referir, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.

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Determinada a medida das multas, o Tribunal fixa entre 5 e 500€ o quantitativo de cada dia de multa, em função tão-só da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47.º, n.º 2, do Código Penal), mas devendo ter em consideração que, para atingir o fim da pena, esta deve produzir desconforto e sacrifício ao condenado.

Para este efeito, deverão relevar todos os rendimentos próprios do condenado, independentemente da sua fonte (ou, na sua falta, aquilo que disponha para proveito pessoal, como mesada ou subsídio de desemprego), aos quais serão deduzidos os gastos com impostos, contribuições para a segurança social, prémios de seguro, prestações de alimentos ou obrigações voluntariamente assumidas (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., pp. 48-49). No caso de condenado que viva no mínimo existencial ou abaixo dele, deve ser fixado o quantitativo diário no mínimo legal (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 49).

Ora, considerando a situação económico-financeira fixada nos factos provados, entendemos ser adequada a aplicação do quantitativo diário de 5€.

1.1.3. Da pena acessória de proibição de conduzir

As penas acessórias são penas cuja aplicação pressupõe a prévia determinação de uma pena principal ou de substituição (art. 65.º, n.º 2, do Código Penal), sendo fixadas de acordo com uma valoração autónoma dos critérios gerais de determinação das penas previstos no art. 71.º do Código Penal e de acordo com pressupostos autónomos ligados aos factos praticados.

Dispõe o art. 69.º, n.º 1, do Código Penal que «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de

veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º».

A proibição de conduzir veículos com motor constitui uma pena de natureza acessória, pressupondo a prática de algum dos crimes previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 69.º do Código Penal.

Tratando-se de uma censura adicional do agente pelo facto praticado, a sua graduação deve ser efetuada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas, com a ressalva de que as finalidades visadas pela mesma são mais restritas, na medida em que possui uma função de prevenção da perigosidade do agente e uma função de prevenção geral de intimidação (Ac. do TRC de 18-05-2015, proc. n.º 136/14.0GCACB.C1, www.dgsi.pt; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal…, p. 348).

Descendo ao caso dos autos, está provada a prática pelo arguido de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal.

Tomando por referência os critérios que se foram deixando apontados e para além dos fatores já supra ponderados em sede de medida da pena, há que salientar, desde logo, a circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem jurídico – segurança rodoviária – que, em face dos elevados índices de sinistralidade que se vão registando na nossa vivência comunitária, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social e cuja violação, mediante o desrespeito de regras estradais, é frequente. Por conseguinte, no que tange às exigências de prevenção geral de intimidação, consistente na ameaça da pena como elemento dissuasor da prática do crime, estas revelam-se acentuadas.

Por outro prisma, deve evidenciar-se o grau elevado de ilicitude emergente do facto.

Porém, o arguido não tem antecedentes criminais e revelou interiorização da ilicitude da sua conduta, encontrando-se, pois, atenuadas as necessidades de prevenção especial negativa.

Assim, tudo ponderado, considera-se adequado aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.»

C. Apreciando

C.1 Da nulidade por omissão de pronúncia

O recorrente assinala que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, em razão de na decisão de direito concernente à escolha e determinação da medida da pena, se não ter em consideração a circunstância de, à data da prática dos factos ilícitos, o arguido ter apenas 18 anos de idade. Sendo por isso devido aplicar-lhe o regime penal especial para jovens adultos, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

Vejamos, então. Conforme decorre do disposto na al. c), do § 1.º do artigo 379.º CPP, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. E essas questões, são as «(…) questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º, do CPP. (4 )A nulidade por omissão de pronúncia ocorre, pois, «quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais; ou que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas», expendidos pelos sujeitos processuais. (5 )Conforme bem assinala o Supremo Tribunal de Justiça, pela pena do Conselheiro Henriques Gaspar (6), a aplicação do regime penal relativo a jovens, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, entre os 16 e os 21 anos não constitui uma mera faculdade do juiz, antes um poder-dever, vinculado aos respetivos pressupostos especiais. Verificados estes a sua aplicação é obrigatória. Mas já o não será se for evidente a não verificação dos pressupostos da sua aplicação, tornando-se redundante a demonstração dessa inverificação.

Tendo sido isso mesmo o que sucedeu, conforme muito bem assinala o Ministério Público na resposta ao recurso do arguido. Vejamos. Evidencia a sentença recorrida que na ponderação sobre a escolha da pena, por decorrência da preferência legal prevista no artigo 70.º do Código Penal, o Tribunal aplicou ao arguido uma pena de multa. Ora, tendo-se optado pela pena de multa, conforme expressamente refere o regime penal especial aplicável aos jovens adultos (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 401/82), deve atender-se aos princípios da lei geral; exigindo-se apenas que na fase de concretização da sua medida concreta, que ela afete «tanto quanto possível» unicamente o património do jovem. Sendo isso mesmo que evidencia a sentença, desde logo quando nesse conspecto refere: «deverão relevar todos os rendimentos próprios do condenado, independentemente da sua fonte (ou, na sua falta, aquilo que disponha para proveito pessoal, como mesada ou subsídio de desemprego), aos quais serão deduzidos os gastos com impostos, contribuições para a segurança social, prémios de seguro, prestações de alimentos ou obrigações voluntariamente assumidas (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., pp. 48-49). No caso de condenado que viva no mínimo existencial ou abaixo dele, deve ser fixado o quantitativo diário no mínimo legal (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 49).» Já relativamente à fixação do quantitativo diário, foi fixado o mínimo legal. E daqui decorre, de forma evidente, que ainda que não citado o Decreto-Lei n.º 401/82, os princípios nela consignados foram integralmente observados. Razão pela qual não ocorre a invocada nulidade.

C.2 Da medida das penas principal e acessória O recorrente sustenta serem excessivas as penas principal e acessória aplicadas, considerando que a pena de multa deveria ter sido fixada em 100 dias (em vez de 120); e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, no mínimo legal - 3 meses (artigo 69.º, § 1.º CP) em vez dos 5 meses aplicados. Lembremos que os recursos penais são remédios jurídicos, vocacionados para colmatar erros de julgamento, despistando ou corrigindo, cirurgicamente, eventuais erros in judicando (por violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (por violação de normas de direito processual). Isto é, «o tribunal ad quem não julga de novo, não determinando concretamente a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância. E a sindicância dessa decisão (…) não inclui ainda a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar, sendo que a margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.» (7)

Conforme preceitua o artigo 40.º CP, a finalidade das penas é a de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade; não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. A culpa limita o máximo da pena concreta, sendo depois exigências de prevenção geral e necessidades de prevenção especial que intervêm para determinar o quantum certo da pena (artigo 40.º, § 1.º e 2.º CP).

Isto é: a prevenção geral fixa o limite mínimo exigido para tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência das normas que foram violadas (sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime). Traduzindo, por seu turno, a prevenção especial, a vertente positiva ou de socialização do agente do crime, sendo esta a fixar em última instância a medida concreta da pena (na medida que seja necessária à prevenção da reincidência (8) - ajustando-se às necessidades de reintegração social do agente). Nas circunstâncias do caso em apreço, a moldura abstrata da pena de multa aplicável como pena principal, tem um mínimo de 10 e um máximo de 360 dias (artigos 292.º, § 1.º e 47.º, § 1.º CP). Importando considerar que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, sendo uma pena (ainda que acessória), visa também a proteção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminatórias das condutas e a reintegração do agente na sociedade. No contexto da circulação rodoviária, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, constitui uma sanção adicional à pena principal, prosseguindo também especiais finalidades de prevenção geral negativa - de intimidação (visando aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»). (9) Atente-se no que a propósito – e bem – se considerou a sentença: «(…) o grau de ilicitude dos factos é elevado, considerando o tipo de veículo conduzido (automóvel), o preenchimento das duas modalidades do crime (estado de embriaguez e violação grosseira de regra estradal), a violação de uma regra elementar e fundamental da circulação rodoviária como seja a obrigação de circular pela direita e não invadir a faixa de sentido contrário, e a verificação do efetivo embate frontal noutro veículo.

No que tange às consequências extra-típicas da conduta do arguido, registaram-se ferimentos ligeiros nos dois passageiros.

Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, está em causa a indiferença manifestada pelo arguido pela perigosidade da sua conduta.

O arguido atuou com dolo direto, ou seja, na modalidade do dolo que representa um maior desvalor jurídico-social e o mais elevado grau de censura jurídico-penal.»

Ora, tendo o Tribunal graduado a pena principal (de multa) em 120 dias à razão diária de 5€, isto é, quedando-se a pena concreta abaixo do terço da moldura abstrata; e fixando-se o seu quantitativo diário no mínimo legal, não se vislumbra qualquer excesso, sobretudo atendendo, como é devido, à medida da culpa e às necessidades de prevenção geral e especial (todas medianas) que o caso e a sentença claramente evidenciam.

No concernente à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, o Tribunal recorrido graduou-a próximo do limite mínimo da moldura abstrata, decerto em consideração da primariedade criminal do arguido, dando desse modo um sinal de confiança a este, pois que as condutas em causa, só por si, até justificariam uma pena mais elevada.

Em suma: a medida concreta da pena de multa aplicada e a medida da pena acessória de proibição de conduzir vícios motorizados não se mostram, de modo nenhum, excessivas. Pelo que nenhum reparo merece a decisão recorrida. Não sendo por isso o recurso merecedor de provimento.

III – Dispositivo Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a douta sentença recorrida.

b) Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, § 1.º e 3.º do CPP e artigo 8.º Reg. Custas Processuais e sua Tabela III).

Évora, 5 de março de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Artur Vargues

Nuno Garcia

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Na verdade as «conclusões» têm uma precisa função no figurino normativo dos recursos, que a lei justamente lhes assinala e que a doutrina e a jurisprudência vêm sublinhando. As «conclusões» são: «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, p. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, p. 23). Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Desemb. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Desemb. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Desemb. Filipa Costa Lourenço; e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 9/3/2023, proc. 135/18.3SMLSB.L2-9, Desemb. João Abrunhosa! Exatamente o contrário, pois, do que faz o recorrente! Daí que tal como se sagazmente refere o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17/2/2005, em que foi relator o Cons. Pereira Madeira, processo n.º 05P1441, www.dgsi.pt o recurso não deve ser serventuário do que sob tal «título» os recorrentes entendam nelas colocar. Razão pela qual se procedeu ao devido «aparo» para que as conclusões (e só estas) cumpram a função gizada na lei.

3 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

4 Código de Processo Penal Comentado, 2021, 3.ª ed. revista, Almedina, p. 1157.

5 Neste exato sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5mai2021, proc. 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, Cons. Nuno Gonçalves.

6 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 7/11/2007, proc. 07P3214, disponível em www.dgsi.pt

7 Ac. TRÉvora, de 16jun2015, proc. 25/14.9GAAVS.E1. Desemb. Clemente Lima; e também DSum. TRE, 20/2/2019, Desemb. Ana Brito, proc. 1862/17.8PAPTM.E1.

8 «Por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária (condução da vida “de forma socialmente responsável”)» - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 74, 110 e 238 ss., Aequitas – Editorial Notícias, 1993. Também Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 42 e ss.

9 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 165.