Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
60/19.0GCPTM.E1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: NULIDADE DA ACUSAÇÃO
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Tendo sido declarada nula a acusação por não ter descrito o elemento subjectivo dos crimes em apreço, deve a mesma ser devolvida ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes e não determinado o arquivamento dos autos.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora


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I- Relatório

(…) veio recorrer do despacho que declarou nula a acusação e determinou que os autos fossem remetidos ao MP.

Suscita, em síntese, a seguinte questão:

- arquivamento dos autos (ao invés de serem devolvidos ao MP).


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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.


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II- Fundamentação

Despacho recorrido (parte relevante)

“Compulsados os autos, verifica-se que na acusação proferida nos autos contra (...) e que consta de fls. 439 a 443, não se descreve, por lapso, o elemento subjectivo dos tipos de crimes sob apreciação.

O Ministério Público promoveu a declaração de nulidade da acusação nos termos do artigo 283º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal e que o processo seja remetido ao Ministério Público ao abrigo do disposto no artigo 122º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal.

O Arguido pronunciou-se nos termos constantes de fls. 758 e ss. pugnando pela nulidade da acusação por manifestamente infundada e consequente arquivamento dos autos.

Cumpre apreciar.

Dispõe a norma ínsita no referido artigo 283º, nº 3, al. b) que “A acusação contém, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”...

... Entende-se, porém, que a nulidade da acusação cominada no artigo 283º, nº 3, do Código de Processo Penal, é uma nulidade sanável.

De outro modo não se entenderia que o normativo em questão estabeleça que a acusação deve incluir os elementos indicados “sob pena de nulidade” – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição, Universidade Católica Editora, p. 744, anot. 8.

Nem tal nulidade vem prevista no artigo 119º do Código de Processo Penal, nem é cominada noutro artigo do Código de Processo Penal, pelo que não a poderemos considerar uma nulidade insanável.

... Igualmente neste sentido, parece-nos ser de considerar ainda (…) o teor do Ac TC 246/2017 de 17.05.2017, que tendo na base uma acusação por crime de condução em estado de embriaguez em que se omitira qual a taxa de alcoolemia no sangue, decidiu “ não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação dos artigos 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea d), e 283.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, tendo sido deduzida acusação contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime, e tendo esta acusação sido liminarmente rejeitada por insuficiente descrição de um elemento típico, poder vir a ser validamente deduzida nova acusação pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, suprindo a omissão da descrição do sobredito elemento típico, sujeitando-se a julgamento e condenando-se o arguido pelos factos e qualificação jurídica dela constantes.”.»

Por seu turno, prevê o artigo 122º do Código de Processo Penal que:

“1- As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

2- A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição (…)

3- Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”

Assim, sendo nula a acusação nos termos acima exarados, são inválidos os actos praticados após a sua dedução, devendo ser aproveitados os actos anteriores.

Pelo exposto, declara-se verificada a nulidade da acusação ao abrigo do disposto no artigo 283º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal e determina-se que os presentes autos sejam remetidos ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122º, nº 2 e 3, do Código de Processo Penal, devendo ser distribuído à Exma. Procuradora da República que proferiu o despacho final”.

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Apreciando

Entende o recorrente que o “douto despacho do Tribunal a quo deve ser revogado e substituído por outro que, considere que a acusação proferida nos presentes autos é nula e manifestamente infundada (artigo 311.º, 2 a) e 3 b), do CPP), pelo que os presentes autos devem ser arquivados”.

Por seu turno o MP opõe-se ao propugnado no recurso, invocando, em síntese:

“Por lapso, não constam da acusação os elementos subjectivos dos crimes de furto e de dano, sendo certo que é imprescindível que se indique, na acusação, o dolo e a consciência da ilicitude.

Como tal, a acusação é nula, por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal

No entanto, a nulidade da acusação cominada no artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é uma nulidade sanável. Por outras palavras, “A omissão de alguma das matérias indicadas no n.º 3 torna a acusação nula. Nulidade relativa que, como tal, segue o regime dos arts. 120.º e 121.º.” (in Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira, António Pires Henriques da Graça, 2014, p. 993

No caso concreto, o regime das nulidades (nulidade relativa) permite anular todos os actos praticados até à acusação, e, assim sendo, determinar o regresso do processo à fase de inquérito, ao momento pré-acusação, para que seja deduzida nova acusação que contenha o elemento subjectivo, permitindo-se a sua recuperação”.

Analisando o caso e, não obstante existir jurisprudência no sentido preconizado pelo recorrente, entendemos que efectivamente em situações como a presente, regressando o processo à fase de inquérito, em face da nulidade da acusação, deve o mesmo ser devolvido ao respectivo titular (o MP) para os fins que tiver por convenientes, sendo certo que o despacho judicial proferido não conheceu do mérito da causa e apenas tem força obrigatória no processo e nos precisos termos em que foi lavrado.

“Isto é, não existe caso julgado material. Daqui decorrendo, naturalmente, que nada obsta à reformulação da acusação, desde que o seu conteúdo material seja alterado com a inclusão dos factos pertinentes que conduziram à sua rejeição. Essa reformulação da acusação não constitui nem violação de caso julgado – formal ou material – nem violação do princípio ne bis in idem”, tal qual tem sido entendido em diversos acórdãos desta Relação de Évora, nos quais foi adjunto o relator dos presentes”.

Ademais, “o Juiz não está a convidar o MP ao que quer que seja, mas sim a rejeitar aquela determinada acusação, nada impedindo, como já se referiu, que naquele ou noutro processo (para quem defenda que o resultado necessário da rejeição é o arquivamento do processo) seja deduzida nova (diferente) acusação, não cabendo ao Juiz determinar quando é que pode, ou não, haver inquérito”.

Neste sentido se tem decidido em vários acórdãos deste Tribunal da Relação de Évora nos quais o relator do presente teve intervenção.

Vd. Acds. TRE de 10-4-2018 (pr. 1559/16.6GBABF.E1, rel. Gomes de Sousa), de 23-6-2020 (pr. 128/17.8T9BJA.E1, rel. Nuno Garcia) ou de 12-1-2021 (pr. 482/19.7T9FAR.E1, rel. Nuno Garcia), sendo certo que o primeiro e o terceiro se encontram disponíveis em www.dgsi.pt, constando, por exemplo do sumário deste último:

“A rejeição da acusação particular por ser manifestamente infundada nos termos do artº 311º, nºs 2, al. a) e 3, al. b), do C.P.P., por se ter entendido não estar descrito de forma completa o elemento subjectivo do crime imputado ao arguido, não tem como consequência necessária o arquivamento dos autos.

Nesse caso deve ser concedida ao assistente a possibilidade de apresentar nova acusação em que supra a deficiência apontada...”.

Em suma, no presente caso devem os autos, na verdade, ser devolvidos ao MP (o titular do inquérito), não devendo os juízes imiscuir-se na distribuição do serviço do MP (matéria que não obstante está fora do objecto do recurso) e, sendo certo, também, que ainda que fossem arquivados, não resultaria daí qualquer especial vantagem para o arguido (tal qual explanado acima), sendo até nessa medida verdadeiramente inútil e inconsequente o presente recurso.

Daí que, sem necessidade de outras considerações, deva o recurso improceder.


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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.


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Évora, 27/4/2021


António Condesso

Ana Bacelar