Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
393/20.3T8ABF-A.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
VALOR DA CAUSA
TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O incidente da reclamação da conta de custas não constitui meio processual adequado ao conhecimento da impugnação da decisão que fixou o valor à causa ou das razões de dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 393/20.3T8ABF-A.E1


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…), Comercial, Lda. instaurou contra (…) e outros, ação declarativa com processo comum, a que foi atribuído o valor de € 4.300.000,00.
A ação improcedeu em 1ª instância e a Autora, sem êxito, apelou da sentença; foi condenada em custas em 1ª e 2ª instância.
Alcançada a fase da conta e notificada para pagar a quantia de € 147.849,00, a título de taxas de justiça, a Autora reclamou da conta.
Alegou, no essencial: a “conta de custas notificada viola o direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efectiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado”; “a utilidade da própria ação (…) não equivale sequer ao valor total do contrato-promessa (€ 4.300.000,00), mas apenas a uma parte residual desse imóvel, ficando desde logo demonstrada a desproporcionalidade do valor atribuído à causa (…) que não ascenderia, e de forma generosa a uma valor superior a um milhão de euros (…)”; a resolução da causa não assumiu complexidade (…) a petição inicial contava com 44 artigos (…) o julgamento realizou-se com um único tema de prova (…) em duas sessões e de simplicidade notória (…)”; “a absoluta desadequação e desproporcionalidade da conta de custas final em função dos factos e do direito (…) violações estas que sempre determinarão a nulidade da própria conta, o que se invoca igualmente para todos os efeitos legais”.
Pediu: “a) Seja fixado o valor justo e proporcional à simplicidade da causa, como se alegou, e à consequente reduzida atividade jurisdicional do tribunal no julgamento de um único facto, que se provou, em cerca de quatro horas e que se traduziu numa sentença simples e curta e, subsequentemente, num acórdão reduzido e simples, o que não pode implicar custas superiores a € 15.000,00; b) Subsidiariamente, sempre se dirá que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como é de Lei e de Justiça ou, no limite, fixado pelo valor económico correspondente a um milhão de euros (valor dos locados ocupados e cuja desocupação se pretendia através da presente ação), em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP.
Em vista do processo, o Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer pugnando pelo indeferimento do requerimento da reclamação considerando “não existirem fundamentos legais para o mesmo.”

2. Sobre o requerimento recaiu o seguinte despacho:
Reclamação da conta de custas – fls. 547
Considerando:
- O fundamento apresentado para a reclamação da conta de custas, isto é, a fixação de um valor justo e proporcional à simplicidade da causa, acrescentando ainda a autora reclamante que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- O valor da causa de € 4.300.000 fixado no despacho de 2 de dezembro de 2020, ainda no Juízo Local de Albufeira, o qual transitou em julgado;
- A intervenção obrigatória de advogado nesta ação, estando as partes acompanhadas dos respetivos mandatários, os quais conhecem as normas vigentes, designadamente as relativas ao valor das taxas de justiça, tendo com certeza a autora ponderado esse e outros dados antes de propor a ação;
- O conteúdo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais: nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, sendo que o Tribunal não ponderou a aplicação da segunda parte da norma em vista da tramitação normal dos autos – com duas sessões de audiência e sentença –, nos quais ainda houve recurso;
- O facto de as partes não terem requerido sequer a dispensa do pagamento do remanescente atempadamente;
- O teor da promoção que antecede,
Indefiro.
Custas do incidente pelo mínimo.”

3. A Autora recorre deste despacho, motiva o recurso e conclui:
“1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu (julgou improcedente) a reclamação de contas de custas apresentada pela Autora aqui Recorrente.
2. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto de a conta de custas notificada à Autora violar o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva.
3. Não cuidou igualmente o Tribunal a quo de analisar a invocação da Autora segundo a qual a interpretação efetuada pelo Tribunal quanto ao teor do artigo 529.º, n.º 2, do CPC e, bem assim, quanto aos artigos 3.º e 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ser contrária à Constituição da República Portuguesa, sendo o exemplo notório da violação do Estado de Direito Democrático, do direito ao acesso aos Tribunais e à Justiça.
4. O Tribunal a quo omitindo assim pronúncia expressa sobre a fundamentação de direito aduzida pela Recorrente, o que gera a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C. aplicável à decisão em crise por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma legal e que se invoca para todos os efeitos legais.
5. O Tribunal a quo, aparentemente, apoiado na promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, considerou a reclamação apresentada pela Autora à conta de custas como um pedido encapotado de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que não é correto, tendo aplicado cegamente, e sem mais, o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, o que é ilegal e não se pode aceitar.
6. A conta de custas notificada à Recorrente viola o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva.
7. O Tribunal a quo fixou o valor da ação em função do disposto no artigo 301.º do C.P.C., o que foi objeto de reclamação, tendo em consideração a injusta material de tal fixação, isto porque, e em primeira linha, a verdadeira utilidade dos presentes autos era a do cumprimento contratual da entrega do imóvel livre de ónus e encargos, ou seja, despojado dos lojistas que no imóvel ainda se encontram, não se discutindo nem peticionado a execução específica desse contrato.
8. O que estava em causa nos presentes autos não era o bem objeto desse contrato (este sim no valor de 4 milhões e trezentos mil euros), mas sim a condenação dos Réus a diligenciar no sentido da desoneração do imóvel (retirar do mesmo os ditos lojistas) objeto daquele contrato, o que representava uma parte residual do valor do prédio, como, aliás, ficou provado.
9. Por isso mesmo, a Autora ora Recorrente instaurou uma ação de execução específica (a qual corre termos no Juízo Central Cível de Portimão-Juiz 1, sob o n.º 2545/22.2T8PTM), que só se tornou possível com base na prova produzida nos presentes autos, na medida em que aqui se provou que os Réus (i) se vincularam a vender o prédio sem lojistas; (ii) que incumpriram o contrato promessa de compra e venda e, (iii) que incumpriram o contrato definitivo ao não celebrarem a escritura na data aprazada, uma vez que a condição prévia, desoneração do mesmo imóvel dos lojistas, por parte dos Réus, não estava preenchida.
10. A utilidade da própria ação não equivalia sequer ao valor total do contrato promessa (€ 4.300.000,00), mas apenas a uma parte residual desse imóvel, o que redunda logo na desproporcionalidade do valor atribuído à causa para efeito de fixação do valor das custas finais do processo e inelutavelmente, a violação do direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais bem como à Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático, como acima se invocou.
11. No caso sub iudice a desproporcionalidade da conta de custas resultava ainda inequívoca quando o Tribunal a quo, embora tenha proferido sentença absolutória dos Réus – no sentido de não poder obrigar terceiros a abandonar o locado – decidiu, como matéria provada, que a Recorrente tem, de facto, o direito de exigir judicialmente o cumprimento do contrato promessa por parte dos vendedores, isto é, que a escritura de compra e venda sempre estaria dependente da desocupação do imóvel pelos terceiros.
12. Apesar de o Tribunal a quo referir que no processo foi realizado julgamento e que da sentença houve lugar a recurso, a verdade é que o caso sub iudice não assumiu qualquer complexidade, já que a petição inicial contava com 44 artigos, divididos entre factos e direito, e a única contestação apresentada tinha 40 artigos igualmente divididos entre factos e direito, tendo o julgamento sido realizado para a demonstração de um único tema de prova.
13. O julgamento realizou-se em duas sessões e de simplicidade notória, uma primeira de uma tarde em que se ouviram todas as testemunhas com exceção de uma e uma segunda em que foi ouvida uma única testemunha, cuja matéria de facto sobre a qual se produziu prova se resumiu a uma questão constante do único tema de prova referido.
14. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado, não só em função do valor, mas também da complexidade da causa, como bem explicita o n.º 2 do artigo 569.º do C.P.C.: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, o que não se verificou no caso sub iudice, seja porque a utilidade da ação não correspondia objetivamente ao valor global atribuído no contrato promessa de compra e venda, seja porque a ação que subjazeu aos presentes autos não assumiu qualquer grau de complexidade.
15. Assim, é linear que as custas tributadas à Autora aqui Recorrente foram, em si mesmo, desproporcionadas, desadequadas e violadoras dos princípios constitucionais supra invocados, por isso mesmo se mantém o entendimento segundo o qual a interpretação feita pelo Tribunal quanto ao teor do artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP foi contrária à Constituição da República Portuguesa.
16. Esta questão não equivale àquela que foi objeto de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, no qual apenas se discutia o momento em que podia ser requerida a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tendo esse Tribunal entendido que tal pedido apenas podia ser feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo ou dentro do prazo para o incidente de reforma da decisão quanto a custas, pelo que também aqui errou o Tribunal a quo ao dar merecimento ao teor da promoção do Digno Magistrado do Ministério Público quando o mesmo pecou, por manifesto erro de avaliação sobre os fundamentos da reclamação apresentada.
17. Desta forma, o Tribunal a quo, sem conceder na nulidade apontada, ao manter a conta de custas notificada à Recorrente, violou os princípios constitucionais acima elencados, como sejam os do Acesso ao Direito e aos Tribunais, à Tutela Efetiva, à Proporcionalidade e a realização plena do Estado de Direito Democrático (em conformidade com os artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa),
18. Devendo ter determinado a sua reformulação em moldes que fossem justos e proporcionais à simplicidade da causa e à consequente reduzida atividade jurisdicional do tribunal no julgamento de um único facto, que se provou, em cerca de quatro horas e que se traduziu numa sentença simples e curta e, subsequentemente, num acórdão reduzido e simples, o que nunca poderia implicar a imputação de custas à Recorrente num valor superior a € 15.000,00.
19. No limite, estas custas nunca poderiam ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, no máximo, fixado pelo valor económico correspondente a um milhão de euros (valor dos locados ocupados e cuja desocupação se pretendia através da presente ação), em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP, na interpretação que se impõe pela aplicação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferido douto acórdão que ordene a reformulação da conta de custas nos termos peticionados no presente recurso, em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP, na interpretação que se impõe pela aplicação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa.”
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil; as conclusões do recurso colocam as seguintes questões: i) se a decisão recorrida é nula por omissão de pronuncia, ii) se a desproporcionalidade das custas, em função do valor e complexidade da causa, constitui fundamento da reclamação da conta de custas.

III. Fundamentação
1. Relevam os factos supra relatados.

2. Direito
2.1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia
Com fundamento na omissão do conhecimento da argumentação expendida no requerimento de reclamação, segundo a qual, o montante das custas, por desproporcional à utilidade da ação e complexidade da causa, viola o princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, a Recorrente considera nula a sentença por omissão pronúncia [ccls. 2 a 4].
Segundo o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil (CPC), a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [disciplina é aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos – artigo 613.º, n.º 3, do CPC].
Sobre as questões a resolver na sentença e a ordem do julgamento, o artigo 608.º do CPC, prevê:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, para além do conhecimento de questões de que ao juiz cumpre oficiosamente conhecer, a sentença deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou seja, conhecer dos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, das causas de pedir por estes invocadas e das exceções deduzidas.
Mas existem algumas exceções a esta regra.
O conhecimento das questões de mérito só tem lugar se estiverem reunidos os necessários pressupostos processuais, isto é, se não ocorrerem vícios processuais insupríveis que determinem a absolvição da instância (n.º 1); a decisão judicial não conhece de questões – colocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso – cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).
No caso, a decisão recorrida indeferiu o requerimento de reclamação da conta de custas assente: i) no transito em julgado do despacho que fixou o valor da causa em € 4.300.000,00; ii) no trânsito em julgado das decisões finais que condenaram a Reclamante em custas, sem a apresentação de requerimento com vista à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça; iii) no teor da promoção do Ministério Público, segundo a qual a reclamação justificava despacho de indeferimento por falta de fundamento legal.
Fundamentação que, situando-se a montante da argumentação da Recorrente [o trânsito em julgado dos pressupostos decisórios que a conta se limitou a executar e ausência de fundamentos para reclamar da conta], prejudicou, necessariamente dir-se-á, o conhecimento da argumentação da Recorrente.
Neste sentido, o conhecimento das razões invocadas pela Reclamante enquanto fundamentos da reclamação da conta, por prejudicada, não constituía, a nosso ver, matéria de pronúncia obrigatória.
A decisão recorrida não é nula por omissão de pronúncia.


2.2. Se a desproporcionalidade das custas, em função do valor e complexidade da causa, constitui fundamento da reclamação da conta de custas
A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos e deve conter as seguintes menções: i) discriminação das taxas devidas e das taxas pagas; ii) discriminação dos reembolsos devidos ao Instituto de Gestão Financeira e às Infra-Estruturas da Justiça, I.P., ou de pagamentos devidos a outras entidades ou serviços; iii) discriminação das quantias devidas por conta de multas e outras penalidades; iv) discriminação das quantias referentes ao pagamento de coimas e de custas administrativas devidas pela instrução de processos de contra-ordenação; v) indicação dos montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável; vi) encerramento com a menção da data e assinatura do responsável pela elaboração da conta [artigos 29.º, n.º 1 e 30.º, nºs 1 e 3, do Regulamento das Custas Processuais, doravante RCP].
Sob a epígrafe “reforma e reclamação o artigo 30.º do RCP dispõe, designadamente, o seguinte:
1 - A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.
2 - Oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais.
3 - A reclamação da conta pode ser apresentada:
a) Pelo responsável pelas custas, no prazo de pagamento voluntário, enquanto não o realizar;
b) Por qualquer interveniente processual, até 10 dias após o recebimento de quaisquer quantias;
c) Pelo Ministério Público, no prazo de 10 dias a contar da notificação do n.º 1.
4 - Apresentada a reclamação da conta, o funcionário judicial que tiver efectuado a conta pronuncia-se no prazo de cinco dias, depois o processo vai com vista ao Ministério Público, após o que o juiz decide.
5 - Não é admitida segunda reclamação dos interessados sem o depósito das custas em dívida.
6 - Da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC.
(…)
A requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz deve mandar proceder à reforma da conta, se esta não estiver de harmonia com as disposições legais, ou seja, ao juiz incumbe determinar a reforma da conta de custas nos casos (i) esta não se mostre elaborada de acordo com o julgado em última instância, (ii) não inclua as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos ou (iii) não contenha as menções prevista na lei [artigos 29.º, n.º 1 e 30.º, n.ºs 1 e 3, do RCP].
Anotando a norma em referência explica Salvador da Costa: “Prevê, pois, este normativo, em termos similares ao que prescrevia o n.º 1 do artigo 60.º do Código da Custas Judiciais, a reforma – modificação ou alteração – do ato de contagem que se não conforme com a lei, designadamente com o conteúdo da decisão judicial, que se deve limitar a executar, caso em que o juiz, oficiosamente ou a requerimento dos interessados ou do Ministério Público, o deve mandar reformar.” [1]
A reclamação da conta de custas é o meio processual destinado a reagir contra erros da secretaria na elaboração da conta, v. g. por inobservância da condenação em custas que resultou do julgado em última instância.
No caso, a reclamação da conta de custas não tem por objeto a correção de erros da secretaria, questiona o montante das custas, por efeito de erro no despacho que fixou o valor à causa e, em qualquer caso, por desproporcional à utilidade da ação e complexidade da causa.
Os fundamentos invocados pela Reclamante, ora recorrente, não se ajustam ao incidente da reclamação da conta de custas e, como tal, o meio processual utilizado não é o adequado ao conhecimento das questões suscitadas no requerimento mediante o qual reclama da conta.
Acresce não se antever forma, nem a Recorrente a configura, de corrigir o meio processual para alcançar os fins visados pelo requerimento de reclamação da conta, pois se é certo que a todo o direito corresponde, na ausência de determinação em contrário, a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (artigo 2.º, n.º 2, do CPC), o direito que a Recorrente visa exercitar – a redução das custas por efeito da redução do valor da causa e/ou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça[2] – mostra-se precludido; o direito de questionar o valor da causa por transitado em julgado o despacho que, em 2/12/2020, fixou em € 4.300.000,00 o valor da causa [refª citius 118464898]; o direito de requerer a dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça por efeito do trânsito em julgado, em 1/3/2023, da decisão final do processo [refª citius 8331949] e da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual “[a] preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.[3]
Solução que não se depara com os obstáculos constitucionais equacionados pelo recurso, isto é, não viola o direito fundamental de acesso aos Tribunais e ao Direito, a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, pois não se trata de interpretar qualquer norma por forma a considerar que o valor da causa não deve observar a utilidade económica do pedido ou de interpretar qualquer norma no sentido de que o montante da taxa de justiça, no concreto caso dos autos, não pudesse ser reduzido tendo em conta, designadamente, a reduzida complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante devido a título de custas e a atividade jurisdicional desenvolvida; a solução preconizada não exclui a possibilidade de ser outro o valor da causa, caso o despacho que o fixou houvesse sido, em tempo, impugnado e não exclui a possibilidade da dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, desde que tempestivamente apresentado.
As normas observadas na decisão do caso concreto não contendem com os pressupostos da determinação da taxa de justiça, mas com a inaptidão do requerimento da reclamação da conta de custas para abrir um espaço processual de discussão sobre tal problema, por não estar a Recorrente em tempo de fazer valer os fundamentos invocados com vista à redução do valor das custas que resultaram da elaboração da conta.
Em conclusão, o incidente da reclamação da conta de custas não constitui meio processual adequado ao conhecimento da impugnação da decisão que fixou o valor à causa ou das razões de dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça e a Recorrente, por preclusão do direito não está em tempo de impugnar o despacho que fixou o valor à causa e/ou de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Improcede o recurso.

3. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente pagar as custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Évora, 19 de Março de 2024
Francisco Matos
Eduarda Branquinho
Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, 4ª ed. pág. 435.
[2] Note-se que a Recorrente embora não formule expressamente o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, pretende que as custas não sejam “superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça”, o que significa, por forma diferente, dizer o mesmo.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de janeiro, DR, I Série, de 3/1/2022.