Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2620/22.3T8STR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: BENS PRÓPRIOS
CÔNJUGE
CONTRATO-PROMESSA DE PARTILHA
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Sendo bem próprio de um dos cônjuges, o prédio não poderia ser objecto de contrato-promessa de partilha, pois que deste, do seu objecto, só podem fazer parte bens comuns do casal e não bens próprios, como é o caso.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:





ACÓRDÃO DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I – RELATÓRIO

AA, instaurou ação de declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo que:

“a) Seja declarado que os instrumentos pactuados pelas partes, “Declaração” e “Contrato Promessa de Compra e Venda”, correspondem, pelo seu conteúdo, a uma promessa de partilha por conta do fim do casamento, nos termos da fundamentação;

b) Sejam as partes instadas a cumprir a declaração emanada, nos seus exatos termos, nos termos da fundamentação e dos documentos juntos aos autos”(destacado nosso).

Para tanto, alegou, em suma, que Autor e Ré são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos desde ../../2013, mas que se encontram separados de facto desde ../../2018, data em que procederam à elaboração de um escrito por meio do qual se comprometeram, entre o mais, a realizar o divorcio, e, ademais, que o Autor poderia continuar a residir no anexo à habitação da casa de morada de família, a qual é propriedade exclusiva da Autora, até à concretização do divórcio, e do destaque de uma parcela do prédio a favor do ora Autor, tudo como contrapartida pelo Autor de suportar o custo de um muro de vedação, não exibir mensagens trocadas entre a Ré e outro e pagar o saldo remanescente do empréstimo contraído pelas partes.

Mais alegou que em Dezembro de 2020, Autor e Ré subscreveram novo documento escrito denominado “contrato promessa de compra e venda” por meio do qual a Ré se comprometia a vender ao Autor a totalidade do imóvel que constituía a casa de morada de família, pela qual pagaria a quantia de €40.000,00, e que se comprometia a realizar as diligências administrativas necessárias para efectiva regularização do imóvel junto dos órgãos competentes.

Referiu que da sua parte foi cumprido o acordo, mas a Ré, em meados de Agosto de 2021, perante as dificuldades financeiras sentidas, pediu abrigo temporário ao Autor, vindo a permitir-lhe residir na casa de morada de família e que não obstante, a Ré tem-se recusado a cumprir o acordo firmado com o Autor, recusando assinar os documentos respectivos, e pretende que este e família deixem de residir naquela habitação.

Entende o Autor que os acordos entre ambos celebrados constituem contratos promessa de partilha por conta do fim do casamento e, portanto, pretende que o Tribunal os reconheça como tal e que as partes sejam instadas a cumpri-los.

*

Regularmente citada, a Ré contestou, invocando que mantém com o Autor laço matrimonial, e que sendo o imóvel em causa bem próprio da Ré, os escritos em causa não poderão ser considerados contrato promessa de partilha, por se tratar de negócio impossível a partilha de bens próprios de um dos cônjuges.

Confirmou que após o casamento Autora e Ré passaram a residir na habitação que lhe adveio ao seu património por herança mortis causa dos seus falecidos pais, o que ocorreu até finais de 2018, altura em que o casal se separou, sendo que a própria permitiu que o Autor pudesse residir naquela habitação até organizar a sua vida.

Mais invocou, que a separação do casal não se tornou pacífica, que apenas permitiu que o Autor continuasse a residir no anexo da habitação num contexto de ameaças que este lhe fez, de divulgação de imagens e mensagens do relacionamento amoroso da Ré, dizendo-lhe aquele que iria instaurar processo crime por isso e lhe pediria uma “bela indemnização”, que foi precisamente nesse contexto que assinou o documento a que o Autor se refere, mas na ideia de que se trataria de documentos relacionados com o divórcio.

Acrescentou que posteriormente recusou assinar outra documentação quando ficou ciente de que os documentos a assinar se consubstanciavam a venda do imóvel ao Autor.

Pediu assim, a declaração de nulidade dos invocados documentos que o Autor qualificou de “promessa de partilha”, apontando-lhe o vício previsto no artigo 246.º do Código Civil, e ainda por terem as declarações que lhes subjazem realizadas feita sob coação moral.

Deduziu reconvenção, pedindo, não só a declaração de nulidade das declarações invocadas pelo Autor, como também que o Autor seja condenado a restituir à Ré o imóvel livre e devoluto de bens.

*

O Autor replicou, impugnado os factos alegados pela Ré e, ademais, reiterou que os escritos em causa nos autos são, pelo seu conteúdo, uma verdadeira promessa de partilha e assim devem ser interpretados, em razão do ato volitivo emanado pelas partes.

Pugnou pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

*

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido admitida a reconvenção, fixado o valor à causa e dada a palavra as partes para se pronunciarem de facto e direito por se ter entendido que era possível conhecer do mérito da causa sem ulterior esforço probatório, após o que veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Pelas razões de facto e direito expostas, decide-se:

A- Julgar a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se a dos pedidos contra si formulados;

B- Julgar a econvenção procedente e, consequentemente, condenar o Autor/Reconvindo a restituir à Ré/Reconvinte o anexo sito no prédio referido em 2 dos factos provados, devoluto e desocupado de pessoas;

C- Condenar o Autor no pagamento das custas da acção e reconvenção nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”

*

Inconformado recorreu o Autor, pedindo a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:

I. O recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito constante nos presentes autos, que culminaram na sentença recorrida. O recurso visa, inicialmente, a revogação da sentença, por ter conhecido antecipadamente o mérito da ação; ainda, a reforma da sentença que julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.

II.A magistrada a quo entendeu que os documentos, aos quais denominou como primeiro e segundo escrito, não se configuravam como quaisquer contratos promessas de partilha. Ainda, mesmo que se assim o fossem esbarrariam na nulidade, por violação da regra contida no artigo 1730.º, n.º 1, do Código Civil.

III.O que se trata de uma decisão equivocada, porquanto a Recorrida, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ostentando a qualidade de proprietária, poderia transmitir o bem, nos termos da Constituição.

IV.E, portanto, não há que se falar em violação das normas dos artigos 1714.º, nº 1 e 1730.º, nº 1, todos do Código de Processo Civil.

V.Isto porque no gozo de sua liberdade, a Recorrida entendeu dispor de seu património próprio como forma de melhor colmatar a partilha dos bens amealhados durante a constância do matrimónio, e tendo em vista o custeio, em exclusivo, pelo Recorrente da aquisição e mantença de todo o património, utilizaria um bem seu exclusivo.

VI.Por analogia, o instituto da doação de bens entre casados pode ser utilizado como forma de se solucionar o imbróglio, haja vista que a lei, flagrantemente, permite que um dos cônjuges possa doar ao outro, enquanto perdurar o casamento, bem próprio.

VII.O que afasta o entendimento da magistrada judicial a quo que não somente não havia qualquer intenção dos litigantes em se prometer partilhar, como também que os escritos estavam eivados de nulidade, seja pela alteração das regras da propriedade dos bens, seja pela violação do princípio imperativo da imutabilidade das convenções antenupciais.

VIII.E em razão deste entendimento equivocado a magistrada judicial a quo aduziu que o processo estava apto para julgamento no estado em que se encontrava, não vislumbrando necessidade de ulterior esforço probatório.

IX.O Recorrente buscou que o ato volitivo das partes, instrumentalizado pelos documentos juntos aos autos e objetos desta demanda, fossem considerados como promessa de partilha, afastando a nomenclatura que lhes foi atribuída, centrando-se na vontade efetivamente emanada.

X.A audição das testemunhas arroladas pelo Recorrente, como forma de se comprovar de forma cabal a pretensão exposta na inicial era essencial, exegese do artigo 5.º do Código de Processo Civil.

XI. Direito este subtraído do Recorrente, pela magistrada judicial a quo que, ao conhecer antecipadamente o mérito da ação, retirou a possibilidade de se demonstrar o ato volitivo que esteve no nascedouro da confecção dos escritos que são objetos do litígio.

XII. O que ocasionou a entrega de uma tutela jurisdicional não efetiva.

XIII. Necessária que a prova seja produzida para que, portanto, seja entregue pelo tribunal de primeiro grau a tutela jurisdicional almejada pelas partes.

XIV. O que culmina com a necessária revogação do despacho saneador e da sentença, retornando o processo ao juízo de origem para que seja proferido novo despacho saneador e designado julgamento para produção da prova pleiteada.

XV.Mas na remota hipótese de não ser este o entendimento deste Tribunal da Relação, verificando que o mérito está apto para julgamento, a procedência da ação, nos moldes pedidos é a medida que se impõe.

XVI.Isto porque após a assinatura primeiro escrito (novembro de 2018) o Recorrente passou a cumprir efetivamente as obrigações que se propôs, sendo que desde aquele momento a Recorrida já tencionava doar ao Recorrente parte do imóvel que era de sua exclusiva propriedade.

XVII.Pela existência de casamento entre as partes, as declarações constantes dos dois escritos correspondem a uma promessa de partilha de bens amealhados na constância do matrimónio, sem prejuízo da inserção de um bem de propriedade exclusiva da Recorrida, que entendeu deixar para o Recorrente mediante o recebimento de tornas.

XVIII.A forma escolhida para a declaração negocial não contraria as disposições legais, porquanto se depreende do ato volitivo das partes, em análise aos dois escritos, que estes pretendiam com a maior brevidade possível estabelecer os parâmetros para a partilha dos bens.

XIX.Em relação a reconvenção, a magistrada judicial a quo afastou a análise do primeiro pedido efetuado pela Recorrida, em decorrência da decisão proferida aquando da improcedência dos pedidos do Recorrente, tendo se equivocado ao decidir o segundo pedido.

XX.A sentença não declarou nulos os escritos pactuados pelas partes, sendo, portanto, válidos.

XXI.Isto quer dizer que mesmo que a magistrada judicial a quo entendesse – como entendeu – que aquele documento não se tratava de uma promessa de partilha, não poderia negar-lhe a existência, a validade e a eficácia de produzir os efeitos almejados pelos ali contratantes.

XXII. Algumas das obrigações assumidas pelas partes surtiram imediato efeito, dentre elas a posse do Recorrente ao imóvel, que advém de vontade emanada pela Recorrida de que este no imóvel poderia viver, sem estar estabelecida qualquer condição ou termo para o efeito.

XXIII. Certo que mesmo que não se entenda que a sentença deva ser revogada para que se proceda a audiência de julgamento e a produção da prova, a reconvenção deve ser julgada improcedente, pelos motivos acima invocados.

V - DO PEDIDO

Por todo o acima exposto, requer:

a) Seja recebido o presente recurso;

b) A ele seja dado provimento, para que o despacho saneador e a sentença sejam revogados, retornando o processo ao juízo de origem para que seja proferido novo despacho saneador e designada audiência de julgamento para a produção da prova requerida;

c) Alternativamente, a ele seja dado provimento, julgando procedente a ação, para:

- Seja declarado que os instrumentos pactuados pelas partes, “Declaração” e “Contrato Promessa de Compra e Venda”, correspondem, pelo seu conteúdo, a uma promessa de partilha por conta do fim do casamento;

- Sejam as partes instadas a cumprir a declaração emanada, nos seus exatos termos.

d) A ele seja dado provimento, julgando improcedente a reconvenção, nos termos da fundamentação deste recurso.”

*

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar a decidir.

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II – OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil;

- se o conhecimento da causa no despacho saneador foi prematuro; ou

- se deve ser declarado que os instrumentos pactuados pelas partes, “Declaração” e “Contrato Promessa de Compra e Venda”, correspondem, pelo seu conteúdo, a uma promessa de partilha por conta do fim do casamento e devem as partes instadas a cumprir a declaração emanada, nos seus exatos termos.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1- Em desde ../../2013, Autora e Réu celebraram entre si casamento civil, sem convenção antenupcial, na Conservatória do Registo Civil .... - cfr. assento de casamento junto com a p.i.


2- Na Conservatória do Registo Predial de ..., encontra-se descrito, sob a ficha ...07, o prédio misto, constituído por Casas do rés-do-chão para habitação e um cerrado, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...9 e na matriz rústica sob o artigo ...26, sito em ...- cfr. certidão de registo predial junta com a p.i.

3- Pela AP ...8 de 1981/04/23, mostra-se registada a aquisição, por compra, do prédio referido em 2 a favor de CC, casado com DD no regime de comunhão de adquiridos.


4- A Ré é filha única e herdeira única de DD, falecida em ../../1999, e de CC, falecido em ../../2022.


5- Por óbito de CC, viúvo, foi instaurado processo de imposto sucessório n.º ...64, encontrando-se relacionado os seguintes bens:


- Motorizada marca ....50, com a matrícula 2-STR...-.., com o valor de €50,00;


- ¾ da casa de Rés-do-chão de habitação em ... que confronta a norte,


sul e poente com EE e Nascente com estrada público, artigo 69.

6- Autor e Ré fixaram residência no prédio urbano referido em 2, sito na Rua ..., ..., em ....


7- Autor e Ré deixaram de viver em comunhão de mesma, leito e habitação em meados do mês de Novembro de 2018.


8- Com data de 05 de Novembro de 218, Autor e Ré assinaram documento escrito intitulado de “declaração”, no qual consta o seguinte:


1- A mulher cônjuge;


9- Com data de 16 de Dezembro de 2020, Autor e Ré assinaram no escrito intitulado de “contrato promessa de compra e venda”, no âmbito do qual ficou a constar, além do mais, que a Ré é a única proprietária do prédio referido em 2, e que o prometia vender ao Autor, pelo preço de €40.000,00 [quarenta mil euros].

10-O Autor, após a separação do casal, continuou a viver no anexo existente no prédio referido em 2.

11-A Ré recusou assinar documentação relacionada com a retificação da área do prédiomencionada em 2

12 -A Ré não pretende que o Autor continue a residir no anexo existente no prédio referido em 2, o que lhe transmitiu.

*

Não foram considerados quaisquer factos não provados.

*

III.2. O DIREITO

Com a presente ação pretende o Autor que se considere a validade das instrumentos lavrados que considera corresponderem a uma promessa de partilha por conta do fim do casamento, e obter a condenação da Ré no respetivo cumprimento.

E é perante esta pretensão do Autor que terão de ser analisadas as questões a decidir.

Vejamos.

A sentença recorrida foi proferida nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 595º, nº 1, al. b) e nº 3, do Código de Processo Civil.

E a factualidade dada como provada resulta, como consta da sentença recorrida, da circunstância de em face “da posição das partes assumidas nos articulados e dos documentos juntos” tais factos serem indisputados.

É sabido que tal conhecimento é admissível “quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa”[1] e, designadamente, quando dos “factos alegados pelo autor (na petição, na eventual réplica e em articulado complementar ou superveniente que porventura tenha tido lugar), (…) não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido). Em tal situação, é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido. O réu é absolvido do pedido”.

Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 696-697) explicam que a “antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas”, designadamente quando “seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para audiência final”.

Ou seja, o conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, sem necessidade de produção de prova quanto a factos controvertidos, justifica-se quando, do confronto da vertente fáctica da causa de pedir com as várias soluções plausíveis de direito, se conclua que essa atividade probatória se apresenta como inútil, porque a demonstração da referida factualidade não permite a afirmação do direito a que se arroga o autor, não só segundo a solução de direito nos termos afirmados pelo tribunal, mas igualmente segundo as demais soluções de direito que se apresentem como suficientemente seguras para justificar essa prognose, do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial.

Ora, no caso dos autos, como bem se sublinhou na decisão recorrida, é exatamente essa a situação.

Vejamos porquê.

***

O Autor dirige, como bem se assinalou na sentença recorrida, a sua pretensão ao prédio referido nos escritos que se mostram elencados nos factos provados. Entende que os escritos consubstanciam uma promessa de partilha por conta do casamento e pretende a condenação no respetivo cumprimento.

E note-se que apenas esta versão foi apresentada nos articulados pelo Autor e nenhuma outra, pelo que a esta o Tribunal tem de se ater e a nenhuma outra invocada apenas em sede de alegações, como a referência a eventual intenção de doar, que apenas agora surge.

Conclui-se, assim, nos termos do artigo 627º do Código de Processo Civil, que nenhuma relevância merecem, nesta sede, os novos fundamentos de sustentação da sua pretensão, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação de defesa (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.

Conforme emerge do disposto no artigo 410º nº 1, do Código Civil, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Donde, o contrato-promessa tem por objecto a realização do contrato prometido, a realização de uma prestação de facto.

Ou, no dizer de Baptista Lopes, in Compra e Venda, pág. 225, e diferenciando-o da compra e venda, “enquanto por este contrato as partes se obrigam a vender e a comprar - sendo o contrato sinalagmático - ou uma delas a vender e a outra a comprar - se a promessa for unilateral - pelo contrato de compra e venda as partes vendem e compram. Naquele, as partes apenas se obrigam a uma prestação de facto, a celebrar o contrato prometido; no último transfere-se a propriedade da coisa”.

Do exposto resulta que “o contrato-promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste a natureza de contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um factum de contrahendo ” - Galvão Teles, in Direito das Obrigações, pág. 76.

O promitente comprador fica apenas com o direito de exigir ao promitente vendedor uma prestação de “facere”: a realização do contrato prometido ou, mais rigorosamente, a emissão da declaração negocial de venda, imprescindível à celebração do contrato.

Em regra, o contrato promessa produz meros efeitos obrigacionais, restritos às partes contratantes, a menos que elas lhe tenham atribuído eficácia real (cfr. artigo 413º do Código Civil).

Para que o contrato promessa tenha eficácia real é necessário que conste de escritura pública, haja acordo das partes e se faça o registo.

Quando o contrato promessa tem eficácia meramente obrigacional, os efeitos que dele nascem não valem contra terceiros.

Se alguém se tiver obrigado a celebrar um contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, mesmo havendo convenção em contrário, "obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida" (artigos 410º n. 3 e 830º ns. 1 e 3 do referido Código).

O modo como, na prática, o tribunal supre a declaração negocial do faltoso é o de considerar como realizado o contrato prometido, por força da sentença, ou seja, "é o de decretar directamente o efeito fundamental do contrato prometido, como se o requerente e o demandado o tivessem celebrado".

No aspecto funcional, a denominada execução específica de promessa de contratar não visa o exercício de qualquer direito potestativo do autor, "mas antes a realização coerciva da prestação devida pelo demandado" .

É claro que o tribunal só pode substituir-se ao devedor faltoso no caso de este se recusar a celebrar o contrato prometido, podendo embora fazê-lo. É que as partes não podem conseguir através do recurso ao tribunal, um efeito contratual que não pudessem elas próprias levar a cabo.

Assim, se o promitente "não pode validamente celebrar o contrato prometido", também o tribunal não pode "suprir a sua omissão, mediante uma sentença produtora de efeitos iguais. Não é possível ao tribunal substituir-se ao faltoso para fazer, em vez dele, o que ele não tem legitimidade para realizar".

***

A validade do contrato-promessa de partilha de bens comuns do casal celebrado na vigência do matrimónio tem suscitado larga controvérsia na doutrina e jurisprudência portuguesas.

Atualmente é quase pacífico o entendimento no sentido da validade desse negócio, persistindo apenas algum desencontro sobre a admissibilidade dessa convenção antes ainda da instauração da ação de divórcio e sem que seja previsível a sua instauração a breve trecho.

Como se decidiu no Acórdão do STJ de 07.10.2020[2], que aqui seguimos, nesse ponto, de perto:

“(…)Relativamente a bens indivisos, nada obsta, em princípio, a que seja outorgado um contrato-promessa de partilha mediante o qual os interessados se obrigam a outorgar a partilha mediante condições previamente acordadas. Tal corresponde a um dos reflexos da liberdade contratual que encontra também sustentação na norma geral do art. 410º, nº 1, do CC.

Tratando-se, no entanto, da partilha de bens comuns do casal, existem limitações específicas a tal princípio, a primeira das quais emerge do preceituado no art. 1714º, nº 1, do CC, que consagra a imutabilidade do regime de bens na pendência do casamento. A outra, a respeito do conteúdo do contrato, terá de ultrapassar as exigências previstas no art. 1730º, nº 1, do CC, norma que, visando prevenir acordos prejudiciais a qualquer dos cônjuges, consagra a regra segundo a qual, nos casamentos em que vigora um regime de comunhão, cada elemento deve participar em metade do ativo e do passivo.

Com tais limitações, o legislador pretendeu prevenir os riscos em que poderiam incorrer os cônjuges em posição de maior debilidade, evitando a produção de efeitos que traduzissem um desequilíbrio de prestações em resultado de algum desequilíbrio real nas relações ou de qualquer outro fator perturbador da livre determinação (v.g. chantagem, ascendente psicológico, etc.).

A partir da regra constante do art. 1714º, nº 1, do CC, suscitou-se uma primeira polémica em torno da validade do contrato-promessa de partilha celebrado ainda na pendência do casamento. Já a partir do preceituado no art. 1730º, nº 1, houve que apreciar uma outra questão em que a validade do contrato-promessa de partilha outorgado na vigência do casamento, ou mesmo depois da sua extinção pelo divórcio, se relaciona com o teor das cláusulas inseridas no contrato.

As dúvidas surgiram especialmente ao nível da jurisprudência, no confronto com uma diversidade de situações onde convergem aspetos de natureza subjetiva, ligados à posição de cada cônjuge, ou de ordem objetiva, atinentes ao conteúdo e alcance de determinadas cláusulas preparatórias da futura partilha dos bens.

2.3. A análise da jurisprudência acerca da validade de contratos-promessa de partilha de bens comuns do casal outorgados na vigência do casamento, máxime, antes do decretamento do divórcio, permite concluir que, depois de uma primeira fase em que prevaleceu a tese da invalidade, por violação do princípio da imutabilidade (v.g. Acs. do STJ, de 2-2-93, 082237, com sumário em www.dgsi.pt e texto em CJSTJ, t. I, p. 113, ou de 26-5-93, 083628, sumariado em www.dgsi.pt e texto em CJSTJ, t. II, p. 134), se consolidou na doutrina e na jurisprudência uma outra tendência no sentido da afirmação da validade de tais contratos, desde que a produção dos efeitos seja diferida para depois do divórcio e seja assegurado a cada um dos cônjuges o direito a prestações que correspondam sensivelmente a metade desse património.

A síntese da doutrina é feita por Esperança Mealha, em Acordos Conjugais para Partilha dos Bens Comuns, pp 94 e ss., com menção de Pereira Coelho, Guilherme e Oliveira, Nuno Salter Cid ou Rita Lobo Xavier. A evolução da jurisprudência é enunciada em Direito da Família, coord. de Clara Sottomayor, p. 385, e por Rute Teixeira Pedro, “Do exercício da autonomia privada na partilha do património comum do casal”, in Autonomia e heteronomia no Direito da Família e no Direito das Sucessões, pp. 359 e ss.

Exemplificativamente, decidiu-se no Ac. do STJ, 22-2-07, 07B312, www.dgsi.pt, que:

“1. O contrato promessa de partilha de bens, celebrado pelos cônjuges, no decurso da ação de divórcio, subordinado à condição suspensiva do decretamento do divórcio, é válido.

2. No entanto, o mesmo estará ferido de nulidade se violar a “regra da metade”, por atribuir a um dos cônjuges quotas de bens manifestamente desproporcionais relativamente ao outro”.

Esta solução já fora aplicada nos Acs. do STJ de 23-3-99, 99A121, e de 29-5-01, 01A3693, ambos em www.dgsi.pt, ou de 9-12-99, CJSTJ, t. III, p. 132, e foi seguida, depois, no Ac. do STJ, de 15-12-11, 2049/06, onde a nulidade do concreto contrato-promessa apenas foi reconhecida pelo facto de atribuir a um dos cônjuges prestações “manifestamente desproporcionais”.

Tratando-se de aspetos que variam em função de cada concreta relação e dos correspondentes litígios que surgem, podemos concluir que, por regra, os riscos que o legislador pretendeu evitar, especialmente através do que ficou consagrado nos arts. 1714º e 1730º do CC, se mostrarão ultrapassados quando, de modo cumulativo, os efeitos jurídico-patrimoniais projetados apenas se possam concretizar depois de cessada definitivamente a relação conjugal e, face ao teor do que foi convencionado, não exista motivo algum para afirmar que algum dos cônjuges venha a obter vantagens indevidas, ou seja, que mediante a promessa de partilha antes da extinção do casamento, algum dos cônjuges acabe por receber uma prestação excessiva relativamente ao que lhe seria devido por aplicação da regra constante do nº 1 do art. 1730º do CC.

Deste modo, em função daquele entendimento maioritário e atualizado, a que se adere, o que é relevante para a apreciação da nulidade ou validade de cada contrato-promessa de partilha é a observação do resultado que a sua execução diferida é suscetível de determinar para cada cônjuge, de modo que, se não houver motivos para pôr em causa a futura divisão paritária dos bens comuns, não existem fundamentos para afirmar a nulidade do contrato. Ou seja, se os elementos disponíveis permitirem antecipar que a partilha prometida respeita os referidos princípios que estruturam a relação conjugal, o contrato-promessa de partilha será válido.”(o destacado é nosso)

O artigo 1714º, n.º 1 do Código Civil estabelece o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei.

O n.º 2 considera abrangido nesta proibição os contratos de compra e venda entre os cônjuges exceto quando eles se encontrem separados de pessoas e bens.

A razão deste regime assenta “no risco sério de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro, através do convívio uxório, para obter alterações do regime inicialmente fixado”, pretendendo igualmente obviar a que no decurso de um processo de divórcio, um dos cônjuges seja arrastado para uma promessa de divisão de bens que não respeite aquele princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei, em seu prejuízo e de terceiros.

Sob a epígrafe participação dos cônjuges no património comum, dispõe o artigo 1730.º do Código Civil que:

“1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.

Esta norma proíbe, pois, estipulações entre os cônjuges, ou entre estes e terceiros, contrárias à regra da metade instituída para a participação dos cônjuges no património comum, tem especialmente em vista o momento da dissolução e partilha deste, porquanto na vigência da sociedade conjugal o património comum pertence em bloco a ambos

“Ao impor a regra da metade a ambos os cônjuges, o legislador deve ter querido evitar que um deles tentasse obter do outro um acordo injusto de uma partilha desigual, usando algum ascendente psicológico sobre o outro” , razão que justifica que a sanção estabelecida para a sua inobservância é a nulidade.

O contrato promessa de partilha dos bens do casal entre os cônjuges, na pendência do divórcio, subordinado à condição suspensiva da efectivação do divórcio, não altera em si próprio as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modifica as normas aplicáveis à comunhão (como o art. 1714.º, n.º 1); e também não modifica o estatuto de qualquer bem em concreto (contra o art. 1714.º, n.º 2, e contra o entendimento amplo do princípio da imutabilidade).

Ou seja, a promessa de partilha dos bens do casal nem altera os bens comuns do casal nem os bens próprios de cada um dos cônjuges, mantendo, também, os credores do casal a sua garantia no património comum e os credores pessoais de cada um deles a sua garantia no valor da respectiva meação que fica incólume após a partilha.

Sendo válido o contrato promessa de partilha, em tese geral, o mesmo estará sujeito à execução específica, no condicionalismo do art. 830.º do Código Civil, a menos que da sua concretização resulte a violação da regra da metade prevista no art. 1730.º, 1 do Código Civil, pois, se assim acontecer ocorrerá a nulidade prevista nessa norma , não podendo o Tribunal suprir a vontade da parte consumando um negócio que enferma de nulidade, como supra se referiu.

Assente que a lei proíbe todas as estipulações ou cláusulas contrárias à regra da metade entre os cônjuges e querendo um deles, ou ambos, demonstrar que a partilha do património comum não observou esta regra e, por isso, a partilha é nula, incumbe-lhe, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil, demonstrar duas coisas:

- a existência de uma estipulação sobre o património que não é comum comum; ou

- que essa estipulação não observou a regra de metade quer seja do activo da comunhão, quer seja do passivo da comunhão, quer seja, enfim, do saldo entre o activo e o passivo caso hajam sido objecto da convenção.

Do que acaba de expor-se, há que concluir que, por definição, a partilha pressupõe a existência de um património comum que é objecto de divisão.

Sendo o imóvel em causa nos autos bem próprio da Ré, a partilha só seria viável com a prévia entrada na comunhão conjugal do direito de propriedade do imóvel partilhando. Ora, essa operação jurídica implicaria, como bem se explicou na decisão recorrida, que sendo bem próprio da Ré passasse a ser um bem comum do casal- deste modo se alterando a composição da comunhão conjugal, ilidindo-se o disposto no artigo 1722º, nº 1, alínea b), do Código Civil e assim se alterando o regime de bens legalmente fixado depois da celebração do casamento do Autor e da Ré.

Ora, os negócios celebrados contra lei imperativa, como é o caso dos autos, enfermam de nulidade (artigo 294º do Código Civil) pelo que os acordos celebrados pelas partes nestes autos enfermam de tal vício, ao menos no que tange a pretendida partilha do imóvel onde esteve instalada a casa de morada de família.

Assim, no primeiro faz-se referência a um destaque do prédio urbano que é bem próprio da Ré para partilha do mesmo, no segundo é patente que se trata de um contrato promessa de compra e venda do imóvel bem próprio da Ré.

Sucede que Autor e Ré são casados em regime de comunhão de adquiridos, e relativamente a qualquer deles resulta claro que os respetivos efeitos ficam dependentes do divórcio, sendo mesmo que relativamente a ste último documento, nem sequer se fez referência ao divórcio.

E que como vimos, sendo o imóvel que constitui o objeto dos autos apenas da Ré o mesmo mostra-se excluído da possibilidade de partilha.

Sufraga-se, pois, o que a este respeito se entendeu na sentença recorrida:

“E tanto basta para afirmar que o mesmo- o prédio- não poderia ser objecto do figurino do instituto convocado, o contrato-promessa de partilha, pois que deste, do seu objecto, só podem fazer parte bens comuns do casal e não bens próprios, como é o caso.

Mas a sê-lo, sempre este seria nulo, por violação da regra vertida no artigo 1730.º, nº 1, do Código Civil.

E no que concerne ao escrito datado de 16 de Dezembro de 2020, poderia configurar um contrato -promessa de compra e venda, cujo objecto mostra-se igualmente abrangido pela proibição emanada do artigo 1714.º, n.º 2 do Código Civil.

E, portanto, igualmente nulo.

Nulidade que foi invocada pela Ré, mas que sempre seria de conhecimento oficioso-cfr. artigo 286º do Código Civil.

Pois que, com a estipulação observada nos dois escrito, caso fosse entendidas de promessa de partilha, Autor e Ré estariam a alterar as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, modificavam as normas aplicáveis à comunhão (artigo 1730.º, nº1, do Código Civil); e estariam a alterar o princípio imperativo da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens plasmado naquele artigo1714.º, n.º1 do Código Civil.

Acresce que, do conteúdo de tais escritos não releva que a vontade das partes tenha sido estipular qualquer forma de partilha de bens comuns; o que releva é, quanto ao primeiro, uma mera declaração por via da qual permitia ao Autor continuar a residir, após separação do casal, nos referidos anexos, pois que a propriedade dos mesmo é exclusiva da Ré.

Em conclusão: os escritos em causa, o seu conteúdo, não apresentam, pelo seu conteúdo, qualquer acordo de partilha por divórcio dos bens comuns do casal; mas, mesmo que assim fosse considerado, sempre seriam nulos por a suas estipulações clausulas referente a bem – prédio- que é próprio da Ré.

Destarte, mais não resta do que concluir pela improcedência da acção, ou seja, pela improcedência do reconhecimento de que aqueles escritos constituem contratos promessa de partilha.

No que tange ao segundo dos pedidos formulados, sendo o primeiro improcedente, o segundo segui-lo-á.

Desde logo é de trazer à liça que Autor e Ré se encontram ainda unidos pelo laço matrimonial, matéria que assume particular relevância quando ao cumprimento daquele acordo, o que, frise-se, a ser considerada promessa de partilha, só poderia operar pós divórcio, o qual não ocorreu ainda.(…)”

E quanto à restituição:

“Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada com base em qualquer relação obrigacional ou real que confira a posse ou detenção da coisa (artigo 1311.º, n.º 2 do Código Civil).

E o n.º 1 da citada norma legal estabelece que “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence

Já nos termos do artigo 1305.º do Código Civil “O proprietário goza de modo pleno exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites e com a observância das restrições por ela impostas”.

Como acabamos de ver, não vem controvertido que a Ré/reconvinte tenha direitos sobre aquele prédio.

Por outro lado, resultando ainda provado – facto 10- que o Autor/Reconvindo mantém residência no anexo sito no prédio referido em 2 dos factos provados, e aí reside ao abrigo de um escrito cuja validade, enquanto contrato promessa de partilha, ficou arredada, ao que acresce o facto de que, o termos concretos decorrentes daquele escrito, quanto ao imóvel e na interpretação que o Autor lhe pretende assacar, enquanto contrato-promessa de partilha, não é passível de vir a ser cumprido.

E o único motivo invocado pelo Autor para ali residir estribou-se na celebração daquele escrito enquanto contrato promessa, e não noutro qualquer título que justifique ali continuar a residir.

Por fim, a Ré não pretende que o Autor ali se mantenha a residir, não tendo, pois, o seu consentimento para o efeito – facto 12.”

É assim de concluir que o Autor/reconvindo, reside no anexo sito no prédio referido em 2 dos factos provados sem ter esgrimido qualquer argumento, qualquer título válido para esse efeito, pelo que deve o mesmo ser condenado a restituí-lo à Ré/Reconvinte, devoluto de pessoas e bens, por aplicação do disposto nos citados artigos 1305.º e 1311.º, n.º 1 do Código Civil, ambos do Código Civil.

Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso do A., não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida, quando conheceu de imediato da pretensão do Autor e da Ré, uma vez que ficou verificada a inconcludência ou inviabilidade da pretensão do Autor a partir dos factos provados pelo acordo das partes e a procedência da pretensão da Ré face à carência de justificação válida para ocupação do prédio da Ré contra a vontade da mesma.

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V. Decisão.

Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida.

Custas pelo Autor – artigo 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

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Évora,2024-03-07.

Ana Pessoa

José António Moita

Maria José Cortes

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[1] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 659.
[2] Proferido no âmbito do processo n.º 341/18.0T8ABT.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.